2. As relações do Brasil com países desenvolvidos: desafios e
oportunidades
Paulo Roberto de Almeida
Existem, de fato, muitos desafios nas relações do
Brasil com os países desenvolvidos, quaisquer que sejam eles; mas as
oportunidades são ainda maiores.
Nas última década, o Brasil se orgulhou de conduzir
uma política externa voltada para o Sul. Não consigo imaginar como alguém pode
se demonstrar satisfeito com andar com uma perna só, ou usar uma única mão nas
tarefas diárias, ou tapar voluntariamente um olho, para conduzir o seu carro
assim, de forma caolha. Sempre achei isso uma atitude de restrição unilateral
incompreensível, aliás estúpida, na medida em que, sendo o mundo amplo, diverso
e diversificado, não haveria nenhum motivo para se amputar a si próprio, preferindo
uma situação de menores escolhas, do que uma outra, totalmente aberta ao leque
de oportunidades oferecidas por todos os países do globo, aliás, mais do que um
leque, um círculo inteiro de possibilidades de cooperação e de intercâmbio, em
total liberdade mental. Os que escolhem usar tal tipo de viseira só podem
fazê-lo por preconceito ideológico ou por discriminação política, ambas de um
tal masoquismo comportamental que só pode ser justificado por alguma doença
mental.
Todo determinismo geográfico é, por natureza,
contraproducente. Não se poderia esperar, por exemplo, obter o estado da arte
em ciência e tecnologia quando se restringem as escolhas a determinados
parceiros do globo, ainda que eles sejam chamados de “parceiros estratégicos”.
Considerar que os países desenvolvidos só tenham interesse na “exploração” dos
países menos desenvolvidos é de uma estupidez digna de um fundamentalista
político, desses que ainda existem espalhados por aí, infelizmente dominantes
em certos círculos acadêmicos e políticos. Aliás, a primeira estupidez é
justamente a de dividir o mundo entre desenvolvidos e em desenvolvimento, como
se duas únicas categorias mentais, dois universos puramente conceituais, fossem
capazes de resumir, explicar, abranger toda a complexidade e multiplicidade das
situações humanas e sociais, num planeta variado que exibe todos os tipos de
avanços civilizatórios, um continuum histórico que vai de tribos primitivas a
sociedades do conhecimento, baseadas em inteligência artificial. O capital humano
nunca teve pátria, apenas governos é que limitam a liberdade do capital humano.
As grandes descobertas, as maiores invenções acabam beneficiando o conjunto da
humanidade.
Mas, alguns espíritos tacanhos consideram que, em
virtude do fato bem estabelecido de que a maior parte das invenções,
descobertas e inovações ocorrem bem mais nos países já avançados, isso
consagraria algum monopólio natural, uma tendência à concentração do
conhecimento, e do seu desfrute, e que os países menos avançados só poderiam ser
“explorados” pelos primeiros. Assim, passam a recomendar esquemas de cooperação
no âmbito Sul-Sul, como se duas ignorâncias pudessem ser substitutos a uma
grande sabedoria. A Constituição brasileira já caiu nessa estupidez monumental,
ao consagrar no seu texto de 1988 a proibição de que universidades brasileiras
tivessem em seu corpo docente professores estrangeiros, boçalidade felizmente
eliminada alguns anos depois. Mas, aparentemente continuamos a praticas outras
discriminações, ao preferir fazer intercâmbios com alguns países, em lugar de
se abrir a todos os demais, sem qualquer tipo de preconceito.
Não se pode dispor de nenhuma fórmula mágica para
impulsionar o processo de desenvolvimento brasileiro contando apenas com a
cooperação internacional, seja ela com países avançados ou com “parceiros
estratégicos” do Sul maravilha. Os desafios principais estão mesmo no próprio
país, pois as evidências relativas aos ganhos de escala permitidos por uma educação
de qualidade são tão notórios que não seria preciso insistir neste ponto. O
Brasil precisa empreender uma revolução educacional, em todos os níveis. De
onde sairão os ensinamentos adequados para esse empreendimento monumental? Ora,
as respostas são tão evidentes que sequer me concedo o direito de expressar
qualquer preferência geográfica. Se alguém aí pensou em Xangai, não na China,
mas Xangai, como exemplo e modelo de uma educação de qualidade, tal como
refletido nos exames do PISA, estou inteiramente de acordo: façam como Xangai,
que já, para todos os efeitos práticos, muito mais avançada do que qualquer país
desenvolvido em matéria de educação de qualidade. O resto é baboseira geográfica...
11/03/2014