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quarta-feira, 12 de março de 2014

Temas de politica exerna, 2: As relações do Brasil com países desenvolvidos: desafios e oportunidades - Paulo Roberto de Almeida

2. As relações do Brasil com países desenvolvidos: desafios e oportunidades
Paulo Roberto de Almeida 

Existem, de fato, muitos desafios nas relações do Brasil com os países desenvolvidos, quaisquer que sejam eles; mas as oportunidades são ainda maiores.
Nas última década, o Brasil se orgulhou de conduzir uma política externa voltada para o Sul. Não consigo imaginar como alguém pode se demonstrar satisfeito com andar com uma perna só, ou usar uma única mão nas tarefas diárias, ou tapar voluntariamente um olho, para conduzir o seu carro assim, de forma caolha. Sempre achei isso uma atitude de restrição unilateral incompreensível, aliás estúpida, na medida em que, sendo o mundo amplo, diverso e diversificado, não haveria nenhum motivo para se amputar a si próprio, preferindo uma situação de menores escolhas, do que uma outra, totalmente aberta ao leque de oportunidades oferecidas por todos os países do globo, aliás, mais do que um leque, um círculo inteiro de possibilidades de cooperação e de intercâmbio, em total liberdade mental. Os que escolhem usar tal tipo de viseira só podem fazê-lo por preconceito ideológico ou por discriminação política, ambas de um tal masoquismo comportamental que só pode ser justificado por alguma doença mental.
Todo determinismo geográfico é, por natureza, contraproducente. Não se poderia esperar, por exemplo, obter o estado da arte em ciência e tecnologia quando se restringem as escolhas a determinados parceiros do globo, ainda que eles sejam chamados de “parceiros estratégicos”. Considerar que os países desenvolvidos só tenham interesse na “exploração” dos países menos desenvolvidos é de uma estupidez digna de um fundamentalista político, desses que ainda existem espalhados por aí, infelizmente dominantes em certos círculos acadêmicos e políticos. Aliás, a primeira estupidez é justamente a de dividir o mundo entre desenvolvidos e em desenvolvimento, como se duas únicas categorias mentais, dois universos puramente conceituais, fossem capazes de resumir, explicar, abranger toda a complexidade e multiplicidade das situações humanas e sociais, num planeta variado que exibe todos os tipos de avanços civilizatórios, um continuum histórico que vai de tribos primitivas a sociedades do conhecimento, baseadas em inteligência artificial. O capital humano nunca teve pátria, apenas governos é que limitam a liberdade do capital humano. As grandes descobertas, as maiores invenções acabam beneficiando o conjunto da humanidade.
Mas, alguns espíritos tacanhos consideram que, em virtude do fato bem estabelecido de que a maior parte das invenções, descobertas e inovações ocorrem bem mais nos países já avançados, isso consagraria algum monopólio natural, uma tendência à concentração do conhecimento, e do seu desfrute, e que os países menos avançados só poderiam ser “explorados” pelos primeiros. Assim, passam a recomendar esquemas de cooperação no âmbito Sul-Sul, como se duas ignorâncias pudessem ser substitutos a uma grande sabedoria. A Constituição brasileira já caiu nessa estupidez monumental, ao consagrar no seu texto de 1988 a proibição de que universidades brasileiras tivessem em seu corpo docente professores estrangeiros, boçalidade felizmente eliminada alguns anos depois. Mas, aparentemente continuamos a praticas outras discriminações, ao preferir fazer intercâmbios com alguns países, em lugar de se abrir a todos os demais, sem qualquer tipo de preconceito.
Não se pode dispor de nenhuma fórmula mágica para impulsionar o processo de desenvolvimento brasileiro contando apenas com a cooperação internacional, seja ela com países avançados ou com “parceiros estratégicos” do Sul maravilha. Os desafios principais estão mesmo no próprio país, pois as evidências relativas aos ganhos de escala permitidos por uma educação de qualidade são tão notórios que não seria preciso insistir neste ponto. O Brasil precisa empreender uma revolução educacional, em todos os níveis. De onde sairão os ensinamentos adequados para esse empreendimento monumental? Ora, as respostas são tão evidentes que sequer me concedo o direito de expressar qualquer preferência geográfica. Se alguém aí pensou em Xangai, não na China, mas Xangai, como exemplo e modelo de uma educação de qualidade, tal como refletido nos exames do PISA, estou inteiramente de acordo: façam como Xangai, que já, para todos os efeitos práticos, muito mais avançada do que qualquer país desenvolvido em matéria de educação de qualidade. O resto é baboseira geográfica...

11/03/2014

domingo, 4 de julho de 2010

Uma Africa para cada projeto: agora em portunhol...

Viagem à África imaginária
Editorial O Estado de S.Paulo, 4 de julho de 2010

Governada há 31 anos por um ditador conhecido por seus métodos brutais, uma ex-colônia espanhola, a Guiné Equatorial, poderá ser o novo membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, se isso depender do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O apoio brasileiro foi confirmado pelo porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, um dia antes de o presidente Lula partir para seu 11.º giro pela África. A visita à Guiné Equatorial foi programada como segunda escala. A primeira foi marcada para a Ilha do Sal, no arquipélago de Cabo Verde, para uma reunião com 13 governantes da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental. A última etapa da viagem será na África do Sul, marcada para os dias 8 a 12, certamente com a esperança de ver o Brasil na final da Copa do Mundo. A seleção da Holanda, no entanto, atrapalhou esse plano. Excluída essa justificativa para o périplo africano, restam os argumentos da diplomacia Sul-Sul e da prioridade atribuída por Lula à relação com os países da África. Os demais argumentos, incluído o econômico, são ainda menos convincentes.

O português não é falado na Guiné Equatorial, mas foi incluído em 2007 entre os idiomas oficiais, ao lado do espanhol e do francês, por decisão do presidente Teodoro Obiang Mbasogo. Acusado de fraudes, torturas e assassinatos por entidades internacionais de direitos humanos, o ditador é, segundo a revista Forbes, o oitavo governante mais rico do mundo.

Segundo Baumbach, o presidente brasileiro "deseja conferir importante impulso político ao processo de conhecimento e aproximação entre o Brasil e a Guiné Equatorial". A descoberta de petróleo em 1996 impulsionou a economia do país, mas não fortaleceu a democracia. Em 2000 a Guiné Equatorial começou a exportar para o Brasil e em 2008 a corrente de comércio chegou a US$ 411,22 milhões, com superávit de US$ 369,39 milhões para o país africano.

Além de falar com seu colega sobre a comunidade lusófona e o comércio bilateral, o presidente Lula poderá pedir a sua ajuda para realizar a ambição de chefiar uma entidade internacional, talvez a Organização das Nações Unidas (ONU). O chefão da Guiné Equatorial, afinal, é prodigioso. Em 2003, a rádio estatal do país o descreveu como "o deus da Guiné Equatorial" e atribuiu-lhe o direito de "matar sem ter de prestar contas a ninguém e sem ter de ir para o Inferno". Nenhum outro ditador ou candidato a ditador escolhido por Lula como amigo ou aliado chegou tão alto.

O roteiro de Lula inclui também o Quênia, a Tanzânia e a Zâmbia. Com as seis escalas programadas para esta viagem, Lula terá passado por 21 países da África em seus 2 mandatos e visitado 8 ditadores africanos - lista completada com Obiang. Também há no continente governantes comprometidos com a democracia, mas Lula não os discrimina. Afinal, nem sempre é possível escolher o interlocutor.

A prioridade atribuída à África pela diplomacia brasileira é parte da ilusão terceiro-mundista dominante no governo a partir de 2003. Somou-se a essa ilusão, depois de algum tempo, a fantasia da liderança política no mundo em desenvolvimento. Lula abriu ou reabriu 17 embaixadas na África. O comércio cresceu - já vinha crescendo nos anos 90 -, mas em 2008, antes da crise, as exportações para os africanos, excluídos os países do Oriente Médio, equivaleram a apenas 5,14% das vendas externas do Brasil. As importações corresponderam a 9,11% das compras totais. Isso se explica pelas compras de petróleo de uns poucos países. A Nigéria é de longe o maior fornecedor.

O comércio tem melhorado, embora de forma desproporcional à enorme importância atribuída à parceria com a África pela diplomacia brasileira. Politicamente o resultado tem sido muito mais pobre. Quando o Brasil apresentou um concorrente à direção-geral da Organização Mundial do Comércio, os africanos votaram em candidato próprio e na rodada seguinte apoiaram o francês Pascal Lamy. Na ONU, os governos da União Africana recusaram apoio, há alguns anos, à reforma defendida por Brasília. Na política de comércio, seus vínculos com as velhas metrópoles europeias continuam mais fortes do que quaisquer afinidades com o Brasil. É mais um caso de parceria estratégica unilateral, uma curiosa invenção da diplomacia lulista.