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quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Entrevista do chanceler sobre os temas da agenda - Gazeta do Povo

Gazeta do Povo, 4/12/2019
https://www.gazetadopovo.com.br/republica/ernesto-araujo-ministro-entrevista-exclusiva/?utm_source=whatsapp&utm_medium=midia-social&utm_campaign=gazeta-do-povo

Trump, Venezuela, acordo com UE: Ernesto Araújo fala sobre os desafios do novo Itamaraty

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, terá um começo de dezembro movimentado, com viagens para a Cúpula do Mercosul, em Bento Gonçalves (RS), e visitas a Cabo Verde, Angola, Nigéria e Senegal, tudo entre os dias 4 e 13.
Antes de embarcar para essas viagens, Araújo recebeu a Gazeta do Povo para uma entrevista exclusiva, em que abordou a polêmica do momento: o tuíte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a taxação de aço do Brasil. 
Outros assuntos controversos para a diplomacia brasileira, como a situação da Venezuela e a classificação do Hezbollah como grupo terrorista, também foram abordados pelo ministro. O chanceler de Bolsonaro comentou ainda a possibilidade de retrocesso no acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, firmado em julho deste ano.
O presidente Trump falou sobre a imposição de sobretaxa ao aço brasileiro. Como o Itamaraty está lidando com a situação?
Estamos em contato, em diferentes níveis, principalmente através da nossa embaixada em Washington, para tentar entender melhor qual seria o escopo dessa medida e, depois, agir de acordo, buscando um diálogo com os nossos parceiros americanos. O presidente Trump mencionou o tema cambial. O Brasil tem o câmbio flutuante e não tem nenhum tipo de manipulação cambial. É o tipo de coisa que a gente espera ter os espaços para ir esclarecendo e lidando com essa questão, dentro do marco do relacionamento mais amplo com os Estados Unidos.
Na prática, quem são os interlocutores? O embaixador Nestor Forster…
Sim, o embaixador Nestor, com várias diferentes autoridades americanas. Aí, dependendo do resultado dessas conversas, nós vamos ver, em outros níveis, seja ministerial, ou abaixo do nível ministerial, para prosseguir nesse diálogo.
Conversaram com o Ministério da Economia? Vocês tiveram uma reunião no Palácio do Planalto…
Sim. Basicamente, estávamos falando, na verdade, sobre a preparação da Cúpula do Mercosul. Era uma reunião que já estava marcada, inclusive, desde a semana passada e, sim, trocamos algumas ideias sobre esse tema.
Mas, primeiro, é preciso entender qual é o escopo da medida. Como eu disse em outros momentos ao longo do dia, nós estamos tratando isso com muita tranquilidade. Claro que, se realmente for como está sendo anunciado, é uma coisa que tem um impacto importante para o setor. Nós vamos fazer o que for necessário para defender os interesses do nosso setor exportador, e acreditamos que teremos os espaços para isso.
Caso Trump leve adiante a intenção de taxar o aço, o que o Brasil pode fazer para reagir?
O que estamos tentando há meses, e acho que também é a visão, de alguma maneira, do governo americano, é que nós precisamos de um tipo de entendimento comercial mais amplo. É claro que, para qualquer entendimento, em qualquer relação comercial, você vai ter setores que são mais de interesse de parte a parte, que têm algum tipo de diferença de parte a parte, e por isso você tem negociações.
Mas acho que o que é importante, sobretudo a partir do médio prazo, é que haja um entendimento comercial mais amplo, em que a gente possa colocar os vários pontos de interesse de parte a parte, e chegar a algo mais amplo. Sempre é mais fácil você chegar a um acordo produtivo para as duas partes quando você tem vários pontos que podem ser colocados, e não apenas um setor ou uma negociação setor por setor.
Então – e isso nós já temos dito em diferentes ocasiões, eu já conversei com autoridades americanas quando estive lá, o ministro Guedes acredito que também –, nós queremos, sobretudo, poder partir para algum tipo de entendimento mais amplo, sempre, claro, resguardando nossos interesses básicos. Acreditamos que é possível fazer isso realmente em benefício mútuo.
Alguma ideia da motivação do presidente Trump? Por que ele fez isso agora, e por que falou de Brasil e Argentina?
A questão de Brasil e Argentina é porque, por diferentes razões, tem havido certa desvalorização cambial – por razões bastante diferentes, mas não cabe aqui analisar as razões de ter havido essa desvalorização recentemente tanto no Brasil quanto na Argentina. Acho que o que chamou atenção foi esse comportamento cambial, mas ele é proveniente de realidades econômicas diferentes. Isso é algo, talvez, novo no cenário.
Por outro lado, temos um cenário já pré-eleitoral nos Estados Unidos, pensando daqui a um ano nas eleições. O governo Trump tem sido muito intenso na defesa de interesses de seu mercado, o que é normal – nós também, cada um à sua maneira. Claro que sempre tem a ver com a situação doméstica, que também queremos entender e ver qual é esse contexto.
A parceria com os Estados Unidos está muito baseada na afinidade dos dois governos em aspectos geopolíticos e culturais – por exemplo, quanto aos valores conservadores, a postura antiglobalista etc. –, mas não se pode esquecer que Donald Trump, antes de ser um conservador, é um dos negociadores mais espertos do mundo, um homem que virou bilionário por isso. Essa admiração que o governo brasileiro tem pelo governo Trump não pode deixar o Brasil suscetível na hora de uma negociação comercial, por exemplo?
Se você pega a história americana das últimas décadas, independentemente da posição do governo Trump, os Estados Unidos sempre tiveram uma política comercial dura e em defesa de seus interesses, mesmo com grandes aliados como o Canadá, por exemplo – sempre houve uma proximidade muito grande entre os dois países, desde décadas e, ao mesmo tempo, com questões comerciais bastante profundas. Acho que isso é uma primeira coisa.
O fato de haver diferendos comerciais, que a gente sempre procura resolver, não significa que um país é mais ou menos próximo dos Estados Unidos. Às vezes, alguns desses diferendos, no caso americano, têm sido mais intensos com países mais próximos, em termos de visão de mundo, do que com outros países – ao longo dos anos, e não necessariamente agora. É uma relação muito ampla, o tabuleiro é muito amplo nessa relação. Não há nenhum tipo de condicionamento entre essa proximidade e visão de mundo e a defesa dos interesses concretos. [Isso é muito] quando você olha no detalhe.
Quando você se afasta um pouco mais, eu acho que há um impacto positivo. Você vê, por exemplo, os grandes avanços, até agora, que nós conseguimos na relação com os Estados Unidos – por exemplo, a assinatura do acordo de salvaguardas tecnológicas, o apoio americano à nossa entrada na OCDE. Acho que eles estão vinculados a essa proximidade de visões. Não sei se teriam acontecido num outro momento, porque não aconteceram em outros momentos em que não havia essa convergência. A convergência tende a ser positiva no macro.
No micro, às vezes, surgem essas questões que, ao mesmo tempo, a visão mais ampla pode ajudar a resolver – assim como eles encaminharam, já, ao longo dos anos, questões com o Canadá, e com o Japão, também, que teve muitos problemas comerciais com os Estados Unidos, [e as questões] sempre foram encaminhadas a contento.
Outra parceria que o Brasil fez com os Estados Unidos foi na Aliança Internacional para a Liberdade Religiosa. Quem foi o idealizador dessa aliança, qual é a finalidade dela e como ela vai funcionar na prática?
Quem tem tido muita liderança nisso, nos Estados Unidos, é o secretário de Estado Mike Pompeo, com quem já estive várias vezes – temos um excelente relação – e a quem admiro muito. No nosso caso, nós percebemos, realmente, que havia uma demanda da sociedade brasileira, havia uma necessidade, uma expectativa de que a gente atuasse mais nisso.
Houve aqui, como em muitas outras esferas, eu acho, uma convergência de propósitos. Em nenhum momento houve, assim, uma [ideia]: "Ah, os Estados Unidos estão tendo essa iniciativa e nós vamos seguir por serem os Estados Unidos". Não é. É por ser uma iniciativa em algo que a gente acredita que é extremamente importante no mundo de hoje, que é dar voz e ter consciência dos problemas que afetam a liberdade religiosa.
Há alguns outros países que estão com uma atenção muito especial a isso, como a Hungria, por exemplo, e a Polônia. Nós, também, acho que temos nos colocado na vanguarda dessa discussão, que a gente acredita [ser] muito importante – pelo que ela é, e não por um cálculo, ou por uma conveniência, mas pela nossa convicção.
Como vai funcionar na prática? Já há algo mais concreto sobre essa aliança?
Há diferentes iniciativas que convergem para ela em termos, sobretudo, de conscientização do problema. Há atuação conjunta em diferentes organismos internacionais que tratam de temas correlatos, sobretudo na parte de direitos humanos. Há toda uma agenda, mas, ao mesmo tempo, não é uma agenda necessariamente fixa. Os países vão fazendo coisas e vão se articulando de maneira flexível, mas com essa inspiração muito clara.
O senhor diz que conversa muito com o secretário Mike Pompeo. Chegaram a conversar sobre a crise relacionada à declaração de Trump?
Ainda não conversamos. Na verdade, acho que a gente não deveria chamar de crise. É uma coisa normal na situação de hoje. Mas ainda não conversamos hoje, não. Mas sempre é um canal importantíssimo que nós temos, justamente porque é um dos canais em que a gente percebe que há uma percepção, por parte do secretário de Estado, do valor estratégico da relação com o Brasil. Essa visão mais de cima, e não apenas essa visão limitada a temas específicos.
O acordo entre Mercosul e União Europeia foi considerado uma das grandes conquistas deste ano do Brasil na política externa. Mas, nos últimos meses, alguns atores importantes desse acordo deram sinais de que pode haver retrocesso. Como o governo brasileiro está trabalhando para não perder essa conquista?
Achamos que é um acordo muito relevante para todas as partes envolvidas, não só para nós. E achamos que cada parte, cada país, tem que identificar seus interesses e trabalhar pelo acordo da maneira como achar que são os seus interesses. Nós estamos convencidos de que, para os países europeus, é um acordo bom também. Cabe a eles, de acordo com o processo de cada um, ir adiante com o processo de ratificação para que isso entre em vigor. A cada um cabe fazer essa análise. Acho que é uma análise que cada país está fazendo de maneira fria e que às vezes não aparece muito na mídia.
Aparece muito por declarações que diferentes países querem fazer para seu público interno – declarações que às vezes são mais negativas, mas existe um pouco mais por baixo, não tão visível, toda uma série de iniciativas de ver qual é a qualidade desse acordo. Eu acho que é uma grande qualidade para todos os envolvidos, que às vezes não aparece muito.
Lembrando, também, que nós, como todos os envolvidos, temos ganhos a esperar do acordo, mas também estamos fazendo sacrifícios para obtê-lo – é assim em qualquer negociação comercial. E isso faz parte do balanço de cada país. Nós continuamos convictos de que é bom para nossa economia, é bom para todas as economias envolvidas, e acho que cabe a cada um fazer essa análise de maneira racional, de maneira fria. É normal que haja mensagens para o público interno, mas que isso realmente não seja determinante, que o determinante seja uma análise fria e racional dos prós e contras. Eu acho que os prós são bem maiores para todos os envolvidos.
O senhor viaja para a Cúpula do Mercosul nesta semana. Essa vai ser a última cúpula com o presidente [da Argentina] Mauricio Macri, e o Alberto Fernández assume cinco dias depois da reunião dos líderes. O Lacalle Pou [presidente eleito do Uruguai] vai assumir daqui a quatro meses. A ausência de dois novos governos que estão prestes a assumir não pode prejudicar a tomada de decisões?
No ano passado, também houve uma reunião do Mercosul quando o governo do Brasil também ia mudar poucas semanas ou poucos dias depois. Isso é normal, nesse ritmo, é comum que haja eleições e logo depois uma transição. Se a gente fosse sempre esperar o novo governo, a gente acabaria não fazendo as reuniões. E o calendário tem que ser cumprido.
Fazer uma cúpula agora nos pareceu importante. Sempre se fez cúpula em dezembro, independentemente dessa proximidade ou não de uma troca governamental. Nós pretendemos fazer uma cúpula normal, uma cúpula que tenha bons resultados, da qual participarão os governos atuais, se conseguirmos chegar a esses resultados da Argentina e do Uruguai, juntamente com Brasil e Paraguai, evidentemente.
E depois a equação vai mudando. Aí, dependendo da equação, vamos ver como é que fica a possibilidade de novos avanços, de acordo com a mensagem, a visão que os novos governos da Argentina e do Uruguai tragam. Mas o nosso propósito é fechar alguns avanços importantes com os governos que estão hoje, que acreditamos que são benéficos para os países em si, não apenas para esses governos.
Vai ser possível negociar a tarifa externa comum?
É nossa intenção. É uma prioridade para nós desde o começo do ano. Não uma rebaixa agora, mas avançar nos conceitos que permitam uma revisão da tarifa externa comum benéfica para nossa competitividade. Vamos ver se isso é possível. Pretendemos, também, ver se chegamos a um acordo de facilitação de comércio que elimine algumas travas, algumas barreiras que ainda existem no comércio entre países do Mercosul. Esse é um trabalho contínuo. Alguma melhora e racionalização da estrutura institucional, enfim, é um trabalho que tem que ser contínuo. A gente não pode ficar sempre esperando a nova equação política.
Dentro dessa equação política atual, muitas coisas foram possíveis, entre elas o fechamento do acordo Mercosul-União Europeia, que, como você mencionou, foi, talvez, o grande avanço de política externa brasileira, mas não só brasileira, foi um grande avanço para o conjunto do Mercosul, nós estamos certos disso, graças a certa equação política. Vamos ver, com a nova equação, qual tipo de avanço, qual tipo de atitude, será possível ou não será possível no Mercosul. Mas, nesta nova equação, nós teremos uma visão fixa da qual nós não abrimos mão, de um Mercosul dinâmico, de um Mercosul sem barreiras internas, de um Mercosul com uma estrutura institucional ágil, de um Mercosul onde a tarifa externa comum seja um instrumento de competitividade, e com uma agenda dinâmica de negociações com terceiros países, com terceiras regiões. Essa é a nossa visão, que não é nossa, é a visão organizacional original do Mercosul.
Vai haver alguma discussão sobre a situação política dos países em crise na América do Sul, como o Chile?
Não, isso a gente não espera muito que haja. Nós queremos concentrar na matéria em pauta, nesses avanços concretos que nós queremos realizar. Nós não estamos pensando nisso. Na sessão da cúpula, propriamente, os presidentes falarão possivelmente sobre a situação regional, mas achamos que é importante que haja uma concentração em falar de Mercosul, em falar do momento do Mercosul e dessa visão de futuro.
Neste primeiro ano de governo, um destaque da política externa foi o fortalecimento da parceria comercial entre Brasil e China. A médio prazo, isso pode ser bom para a economia brasileira. Mas, a longo prazo, não há o risco de uma dependência exagerada do ponto de vista comercial?
Não, porque nós estamos trabalhando muito bem com a China, como você mencionou, mas também estamos procurando diversificar e aprofundar outras parcerias. Já estamos conseguindo isso com os países do Golfo, por exemplo, muito em função da diplomacia presidencial, da nossa visita aos países do Golfo. Pretendemos trabalhar bem mais a fundo com os países da Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático], por exemplo.
Farei, daqui a duas semanas, uma viagem a alguns países da África. A África é um continente que tem oportunidades enormes em termos de comércio. Queremos estar muito mais presentes nessa relação comercial com a África. Temos tido notícias de investimentos novos de toda parte, em função das enormes oportunidades do PPI, sobretudo, e de um otimismo com a economia brasileira. Acho que nós estamos vendo um quadro muito promissor. Temos um crescimento da relação com a China, que você mencionou, mas também com vários outros parceiros. Não vemos essa perspectiva de um aumento da dependência. Ao contrário, vemos uma diversificação da nossa pauta, num bom sentido: todos crescendo.
Talvez, algumas parcerias que eram menos exploradas passem a ser mais exploradas, mas todos crescendo ao mesmo tempo. Ficamos muito animados porque vemos o investidor internacional entendendo o que é a política desse governo, o que são as reformas, o que é o compromisso com a abertura, o que é o compromisso com um ciclo de crescimento baseado no investimento privado, baseado na competitividade. Essa mensagem é percebida pelos investidores, e eles estão respondendo a isso. Isso nos deixa realmente muito animados.
Porque é diferente, muitas vezes, de uma certa interpretação que não leva em conta o sentimento dos investidores. Às vezes, falam, sobretudo na questão ambiental, às vezes, ainda aparece essa preocupação... Mas, como eu disse antes, em outro contexto, eu acho que isso tem muito a ver com preocupações de política interna de certos países. Quando você olha a realidade dos fluxos financeiros, dos fluxos de investimento, há uma percepção extremamente positiva em relação ao Brasil.
A Bolívia tem agora um governo de transição de direita, e o Luis Camacho, líder dos protestos que levaram à renúncia do Evo Morales, é o favorito para vencer as eleições. Os bolivianos querem entrar no Mercosul, mas dependem de uma aprovação do Congresso brasileiro para isso. Se a guinada à direita se consolidar, a Bolívia vai ter mais chances de entrar no Mercosul?
Não depende disso. Depende, antes de mais nada, da decisão do Congresso brasileiro, se autoriza o Executivo a ratificar o processo de adesão da Bolívia. Isso, antes de mais nada, é uma deliberação que ainda não foi tomada pelo nosso Congresso. Eu acho que não depende tanto da cor política que tenha o governo da Bolívia ou de qualquer outro país. Depende da percepção de a Bolívia estar preparada, ter compromisso com os objetivos do Mercosul, com esses pilares básicos do Mercosul a que eu me referia.
A Bolívia que dê uma mensagem – qualquer que seja o governo boliviano – de que está comprometida com o livre comércio, com a abertura, com a integração aberta, e também com a democracia (porque o compromisso democrático é parte essencial do Mercosul), essa Bolívia, ou qualquer outro país, terá, evidentemente, muito mais a aportar, e certamente será mais fácil seu processo com o Mercosul – mas por causa desses compromissos, e não pela cor política do seu governo.
O Brasil tem pedido a extradição de alguns criminosos e traficantes que estavam presos na Bolívia, e um ministro do novo governo boliviano disse que esses pedidos tinham simplesmente sumido nos arquivos do governo Evo Morales. O sr. considera que, com o novo governo boliviano, a atuação de organizações criminosas vai ser dificultada nas fronteiras?
Até o momento, há bons indícios de que a cooperação para o combate ao crime com esse governo interino da Bolívia está mais produtiva do que era anteriormente. Não quero fazer crítica a como era antes, mas há sinais muito bons agora, nesse momento.
Há uma expectativa muito grande de que essa cooperação, que é muito importante para nós com todos os países fronteiriços, se mantenha e seja intensificada com um novo governo eleito da Bolívia. É uma das áreas prioritárias para nós. Segurança é uma prioridade para todo o nosso governo, e na política aqui na região é algo fundamental. A gente espera que seja realmente concretizado. Os sinais realmente são animadores nesse governo provisório, como têm sido com o Paraguai, que tem tido uma atitude extremamente positiva na cooperação conosco. É uma porta bastante promissora que se abre.
O embaixador Otávio Brandelli disse, em julho, que a atuação do Hezbollah na América Latina é “um dado da realidade”. Mesmo assim, o Brasil ainda não classifica o Hezbollah como um grupo terrorista, ao contrário da Argentina e do Paraguai. Por quê?
Essa classificação precisa levar em conta muitos fatores. Evidentemente que é um grupo que a gente conhece, cujas algumas das atividades a gente conhece, que realmente tem uma presença deletéria, mas essa classificação tem toda uma complexidade, todo um impacto que exige uma análise profunda que nós estamos realizando, escutando. Nós queremos entender bem quais são os problemas, vê-los documentados, quais são os problemas que essa organização pode causar. A gente está atento, com os olhos abertos e, como eu digo, é algo que depende de uma análise muito criteriosa, que está em andamento.
É uma possibilidade que está sendo estudada?
Sim, porque vários serviços de inteligência chamam atenção para isso, para atividades que essa organização possa ter. A gente tem que prestar muita atenção a isso, com a maior seriedade. Novamente, voltando a essa prioridade que nós damos, evidentemente, à segurança da nossa população e da nossa região. Sempre que chega um serviço que nos chama a atenção para determinadas atividades, a gente olha com a maior atenção, e vamos continuar olhando isso.
Na reunião do Grupo de Lima, o chanceler peruano falou: “Preocupa que a reiteração das posições [sobre a Venezuela] possa terminar banalizando-as”, querendo indicar que há muita conversa e pouca ação. O Julio Borges, da Venezuela, disse que “o desafio do Grupo de Lima é passar da literatura à matemática”. O sr. falou que o Grupo de Lima tem “uma responsabilidade conceitual, que vai além da dimensão puramente política”. Mas não estão faltando, como indicaram eles, ações mais concretas em relação à crise da Venezuela?
Araújo: Isso permanentemente. É claro que nós estamos num processo diplomático que tem os limites da ação diplomática. Dito isso, o Grupo de Lima é uma grande esperança para os venezuelanos que querem o seu país de volta, que querem a liberdade de volta na Venezuela. Por isso que esse grupo tem uma responsabilidade permanente, que vai além dos resultados específicos de cada reunião.
O Grupo de Lima se consolidou como uma espécie de personalidade coletiva que representa uma tentativa de chegar a uma alternativa para a Venezuela. Antes de falar de qualquer iniciativa específica, eu acho que a gente tem que estar muito consciente dessa responsabilidade que os venezuelanos amantes da democracia depositam no Grupo de Lima. Isso não é uma coisa banal, é algo que é existencial para essas pessoas que estão sofrendo tanto na Venezuela.
Eu acho que, sim, é preciso sempre ter a preocupação de gerar iniciativas e resultados concretos, mas sem esquecer esse lado mais profundo, que é a esperança que a gente gerou desde o começo. Não raciocinar desta maneira: "Olha, já que temos dificuldades, então vamos abandonar, ou vamos relativizar". Não. Não é porque é difícil naquele momento que a gente vai abandonar os princípios e, sobretudo, essa coisa muito rara na diplomacia: as pessoas terem uma esperança que não é a de quem leu um jornal de política externa, mas dos venezuelanos comuns na rua que querem o seu país de volta e que olham para o Grupo de Lima como uma fonte de esperança.
Mas, na Venezuela, agora, há pessoas sofrendo pela falta de ação mais concreta de outros países. O Grupo de Lima vinha para solucionar isso, mas, até agora, a grande decisão do ano foi o reconhecimento do Juan Guaidó como presidente, e o Guaidó tem perdido relevância. O governo brasileiro tem alguma estratégia para mudar essa situação?
Nós continuamos com esperança e expectativa de que o restante da comunidade internacional se mobilize em favor da Venezuela. Esperávamos que isso acontecesse mais rapidamente, mas ainda acreditamos no coração das pessoas ao redor do mundo, de verem a realidade e agirem de acordo, independentemente de conceitos políticos muito petrificados e que, às vezes, levam as pessoas a decisões erradas.
As pessoas às vezes olham [e dizem]: "Ah, e o princípio da não-interferência?" A gente não está violando, de forma nenhuma, o princípio da não-interferência, mas estamos com uma tensão muito grande com relação à Venezuela, que destoa da indiferença, às vezes, que a gente vê em outras outras percepções. O que a gente ainda acha é que é possível vencer essa indiferença. Olhar o tema da Venezuela não como um tema de conveniência geopolítica, mas como um tema realmente humanitário básico de sobrevivência de uma nação que quer buscar um outro outro caminho.
Concretamente, a gente precisa continuar tendo o Grupo de Lima e outros países, também, que têm percepções um pouco diferentes, mas que estão também imbuídos da mesma proposta. É importante que a gente continue sendo uma caixa de ressonância, para não deixar isso se calar.
Eu sempre comparo muito o tema da Venezuela com a superação do regime do apartheid na África do Sul, onde durante muito tempo as pessoas se desesperavam de mudar aquele regime horrível, aquele regime racista, e, em grande parte, a mobilização crescente da comunidade internacional foi que ajudou a mudar aquele regime. Claro, houve a luta permanente de vários setores da sociedade sul-africana pela liberdade, por ter um país mais justo livre daquele regime. Foi algo que durou tempo, a gente espera que até o processo na Venezuela seja mais curto, mas não pode desesperar.
Também naquele momento, em muitos momentos, as pessoas falavam: "Não vai mudar nunca, porque você tem um regime que tem o poder na África do Sul. Ah, é racista? É, mas não tem o que fazer". Se as pessoas tivessem desistido, tivessem pensado "bom, não temos [o que fazer]"… Nunca houve intervenção. O que houve foi uma mobilização por um princípio moral com alguns elementos de sanção econômica, com alguns elementos de sanção política, como existe, também, no caso da Venezuela, mas, sobretudo, esse não desistir e essa convicção moral.
Claro que cada caso é um caso, mas acho que é um fator inclusive de inspiração para nós em relação àquilo que a gente pode fazer na Venezuela. Alguns países que apoiavam, inicialmente, o regime do apartheid, aos poucos, foram vendo que isso não era possível, foram abandonando esse apoio. Eu acho que é um pouco um paradigma no qual a gente pode pensar.
Concretamente, a gente continua identificando… – por exemplo, amanhã (terça-feira, 13) tem a reunião dos países do TIAR [Tratado Interamericano de Assistência Recíproca], em Bogotá, que não é o Grupo de Lima, mas praticamente todos os países do Grupo de Lima apoiam essa iniciativa – de identificar pessoas do regime Maduro que precisam ser investigadas por suas conexões possíveis com o crime organizado, com atividades criminosas em geral.
Isso é um avanço importante e é um avanço concreto, é um avanço que existe porque existe essa mobilização do Grupo de Lima, em grande parte, e é isso. Vamos continuar a trabalhar nos organismos internacionais, sempre para chamar a atenção. É claro que, às vezes, as pessoas cansam: "Ah, não houve avanço". Mas é preciso que a gente não se cale, que a gente continue falando.
Para o ano que vem, o presidente já tem algumas visitas programadas – à Índia, por exemplo. Vai haver visitas à Europa – a países próximos, como Polônia, Hungria e Itália? Quais vão ser os principais objetivos de 2020 em relação a visitas internacionais?
O presidente pretende ter um calendário bem intenso de visitas no ano que vem. A Europa, você mencionou, países que são próximos. Além desses, o presidente pretende ir a outros países. Ele quer ir a Portugal, por exemplo, possivelmente Espanha. Vários outros. Praticamente com todos os países europeus nós temos laços profundos e queremos estar presentes. Claro que a visita presidencial é um momento ideal para isso, mas, mesmo aqueles países que a gente, por acaso, não possa visitar, nós queremos trabalhar muito a relação com esses países. Colocar a voz do Brasil, colocar essa dimensão que nós queremos dar à nossa atuação externa, e à parte econômica, de atração de investimentos, de comércio.
Mas não só com a Europa. Uma região com que nós queremos trabalhar muito é a Asean, o sudeste asiático. A Ásia como um todo. Com o Japão, foi muito animador o contato que nós tivemos. Queremos intensificar com o Japão, com o Oriente Médio, com os países árabes, com Israel, evidentemente, com quem já abrimos uma parceria muito interessante. Acho que consolidar várias coisas que abrimos. Com os Estados Unidos, evidentemente – estou falando não necessariamente de visitas presidenciais, mas dessa agenda como um todo. Consolidar novas relações humanas que nós abrimos.
Com a Índia, aí sim, visita presidencial. Uma visita que será certamente da maior importância. A Índia está dando atenção enorme ao Brasil, e nós, à Índia. É um momento de mudar o patamar da relação com a Índia, como nós queremos mudar com praticamente todos os parceiros. É difícil apontar prioridades porque praticamente tudo é prioridade para nós, para um país como o Brasil. Nós queremos estar presentes em todas as áreas.
Na África, eu estarei agora, e o presidente quer ir a países africanos proximamente. O presidente tem tido esse dom de criar parcerias profundas, de estabelecer novos vínculos, mesmo com países já com parcerias tradicionais, de lançar novas ideias, de mudar a visão do Brasil, de proporcionar uma visão de um Brasil que realmente está se renovando, que está se abrindo, um país que quer ser um novo parceiro no mundo. Idealmente, estaríamos presentes em todas essas… Faltaria tempo, né. Mas, certamente, a Europa, mas também África, sudeste asiático, o restante da Ásia, Oriente Médio, América Latina – evidentemente, é sempre uma prioridade –, Estados Unidos, todo o nosso hemisfério. A única que está marcada, por enquanto, é a visita à Índia. Mas, como eu disse, o presidente quer ter um calendário intenso, e será mais um momento para a gente consolidar essas parcerias.




domingo, 4 de agosto de 2019

"Bolsonaro transgride separação de poderes" - Celso de Mello (FSP)

Bolsonaro transgride separação de poderes, diz Celso de Mello
O Estado de S. Paulo, 3/08/2019
"Presidente minimiza a Constituição’, diz decano”
Depois de dar o voto mais contundente no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal contrariou o Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse ao Estado que o presidente Jair Bolsonaro “minimiza perigosamente” a importância da Constituição e “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro”, ao reeditar o trecho de uma medida provisória que foi rejeitada pelo Congresso no mesmo ano. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”, afirmou. Ao longo dos últimos meses, o decano se tornou o principal porta-voz do Supremo em defesa das liberdades individuais e de contraponto às posições do governo. Alvo de um pedido de impeachment após votar para enquadrar a homofobia como crime de racismo, Celso de Mello disse que a Corte não se intimida com manifestações nas ruas ou ameaças de parlamentares. “Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções”, disse. É do decano o voto considerado decisivo no julgamento da Segunda Turma do Supremo em que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, de agir com parcialidade ao condenar o petista no caso do triplex do Guarujá (SP). O ministro defendeu celeridade na análise do habeas corpus do ex-presidente, mas disse que sua convicção sobre o tema não está formada. 
Celso de Mello falou ao Estado após a sessão plenária de anteontem.
- Por unanimidade, o Supremo impôs nova derrota ao Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai. Foi um recado ao presidente Jair Bolsonaro?
- É fundamental o respeito por aquilo que se contém na Constituição da República. Esse respeito é a evidência, é a demonstração do grau de civilidade de um povo. No momento em que as autoridades maiores do País, como o presidente da República, descumprem a Constituição, não obstante haja nela uma clara e expressa vedação quanto à reedição de medida provisória rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, isso é realmente inaceitável. Porque ofende profundamente um postulado nuclear do nosso sistema constitucional, que é o princípio da separação de Poderes. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República.
-Faltou um melhor assessoramento jurídico para o presidente Jair Bolsonaro nesse caso?
- Isso eu não sei, eu realmente não posso dizer.
-O senhor deu um voto contundente, apontando “perigosa transgressão” ao princípio da separação dos Poderes. O Supremo também contrariou o Planalto ao proibir o governo de extinguir conselhos criados por lei e foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
- Aqui (na demarcação de terras indígenas) a clareza do texto constitucional não permite qualquer dúvida, é só ler o que diz o artigo 62, parágrafo 10 da Constituição da República (o texto diz que é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo). No momento em que o presidente da República, qualquer que ele seja, descumpre essa regra, transgride o princípio da separação de Poderes, ele minimiza perigosamente a importância que é fundamental da Constituição da República e degrada a autoridade do Parlamento brasileiro. A finalidade maior da Constituição é estabelecer um modelo de institucionalidade que deva ser observado e que deva ser respeitado por todos, pois, no momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República. No momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito.”
- O voto na criminalização da homofobia, considerado histórico por integrantes do STF, lhe rendeu um pedido de impeachment, assinado por deputados da ala conservadora. O senhor vê como uma forma de intimidar a Corte? 
- A história do Supremo Tribunal Federal, desde a primeira década republicana, nos tem revelado que tentativas de intimidação não têm efeito algum. Isso ocorreu no governo do marechal Floriano Peixoto, do marechal Hermes da Fonseca e, no entanto, o Supremo manteve-se fiel ao cumprimento de sua alta missão institucional, que consiste na tarefa de ser o guardião da ordem constitucional. Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções constitucionais. O direito de o público protestar é legítimo, ninguém neste país pode ser calado. Qualquer cidadão tem, sim, o direito de protestar. É o direito legítimo. Agora, intimidações não são.
- É aguardada com expectativa a posição do senhor no caso em que a defesa do ex-presidente Lula alega parcialidade do então juiz Sérgio Moro na sentença do triplex. O voto do senhor, que deve ser decisivo, já foi concluído? 
- Eu tenho estudado muito, porque é uma questão que diz respeito não só a esse caso específico, mas aos direitos das pessoas em geral. Ainda continuo pensando, refletindo. Eu, normalmente, costumo pesquisar muito, ler muito, refletir bastante para então, a partir daí, formar definitivamente a minha convicção e compor o meu voto.
- A convicção do senhor já está formada nesse caso?
- Não, não, eu estou ainda em processo de reflexão.
- O senhor acha que seria ideal julgar o caso da suspeição de Sérgio Moro o quanto antes?
- A Constituição manda que o exercício da jurisdição se faça de maneira célere. O direito a um julgamento justo e rápido é um direito que hoje a Constituição assegura a todos, por isso eu acho que, sem distinção de casos, é possível e é necessário que o Supremo Tribunal Federal, como qualquer outro tribunal da República, decida com presteza, porém com segurança.
- Como o senhor avalia a situação da democracia brasileira?
- O regime democrático, muitas vezes, se expõe a situações de risco, mas eu confio que o regime democrático vai ser preservado em plenitude, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal julgar com independência, como tem efetivamente julgado.
- O senhor ainda trabalha madrugada adentro, ao som de música clássica e bebendo Coca-Cola? 
- Eu gosto de trabalhar ouvindo música clássica, mas Coca-Cola não mais. Coca-Cola me deixa acordado.

sábado, 27 de julho de 2019

Para ser uma "república de bananas" o Brasil precisa ser uma República antes, não um assunto de família

Diplomata brasileiro compara Brasil a “República das bananas”

EPA/Joedson Alves
O diplomata do Ministério das Relações Exteriores brasileiro (Itamaraty) Paulo Roberto de Almeida afirmou este sábado, à agência Lusa, que o Brasil assemelha-se a uma “República das bananas” devido ao “nepotismo” da nomeação de Eduardo Bolsonaro para embaixador.
O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, anunciou no dia 11 de julho a sua intenção de indicar o seu terceiro filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, para embaixador do Brasil em Washington, capital dos Estados Unidos da América, uma possibilidade que, segundo Paulo Roberto de Almeida, tem prejudicado a imagem internacional do país.
Só Repúblicas de bananas têm esse ‘familismo’, esse nepotismo, filhotismo, essa personalização de relações políticas importantes, como são as diplomáticas, num sistema que antigamente pertencia à aristocracia, às oligarquias, e que hoje é inaceitável para os padrões de uma diplomacia consolidada no sistema burocrático”, afirmou o ex-embaixador em entrevista à Lusa.
O diplomata não tem dúvidas ao declarar que Eduardo Bolsonaro não “tem capacidades” para atender as necessidades do cargo, apesar do chefe de Estado brasileiro confiar nas competências do filho, realçando o facto de falar várias línguas e de conhecer a família do Presidente norte-americano, Donald Trump,
Ele não é capacitado, vamos ser muito claros. Acaba de fazer 35 anos, não tem formação adequada, conhece muito pouco, ou nada, de relações internacionais. Essa adesão às teses de Trump é algo estranho e até bizarro, porque certamente o Presidente norte-americano já colocou o Brasil naquela lista dos ‘shithole countries’, ou seja, um desprezo total por Estados que fornecem imigrantes ilegais aos EUA”, frisou o diplomata de carreira.
Paulo Roberto de Almeida exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior, tendo sido ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, entre 1999 e 2003.
Na sua passagem pelos Estados Unidos, Paulo Almeida seguiu de perto a situação de muitos brasileiros em situação irregular naquele país, reforçando, porém, a natureza “honesta” e “trabalhadora” da grande maioria desses cidadãos.
Em março deste ano, numa passagem pelos EUA, Eduardo Bolsonaro, que além de deputado é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, classificou os imigrantes brasileiros em situação ilegal como uma “vergonha para o país”, uma atitude que não agradou a Paulo Almeida.
Dizer que é uma vergonha para o Brasil ter imigrantes ilegais nos EUA não é verdade. Eles são pessoas que não tendo oportunidades no Brasil, como muitos outros latinos, africanos ou asiáticos, devido a crises económicas ou a guerras civis, buscaram com os pés uma vida melhor com as suas famílias”, garantiu o também professor universitário.
Questionado se a nomeação de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador não será uma estratégia de política externa delineada pelo Presidente, Paulo Roberto de Almeida disse que se foi essa a intenção, tratou-se de um “erro fundamental”.
“Pode ser que na conceção primária de política externa de Jair Bolsonaro fosse uma estratégia, mas é um erro fundamental.(…) Nos últimos 70 anos, na grande organização burocrática de relações internacionais do sistema da ONU, a diplomacia é conduzida pelos canais oficiais dos Ministérios das Relações Exteriores. Temos carreiras diplomáticas que compreendem todo um treino ao longo de décadas, para postos de certa importância. O filho do Presidente, certamente, não tem nenhuma capacidade para ser embaixador em quaisquer condições normais”, reforçou.
No entanto, para o diplomata, não é apenas a nomeação de Eduardo Bolsonaro como embaixador que afeta a imagem do país sul-americano. Também as adesões do Brasil a teses minoritárias o preocupam.
Nas últimas semanas, o Brasil ficou ao lado de países como o Iraque, Paquistão e Arábia Saudita, em causas vinculadas a Direitos Humanos na ONU, em relação a ideologia de género, sexualidade, ou proteção das mulheres, o que, na voz de Paulo Almeida, causa “perda de prestígio” do país, no plano internacional.
Em março deste ano, Paulo Roberto de Almeida foi demitido da presidência do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), cargo que ocupava desde 2016, naquele órgão vinculado ao ‘Itamaraty’, nome como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, passando a ocupar um cargo na divisão de arquivo da mesma pasta.
Apesar de crítico dos Governos do Partido dos Trabalhadores (PT), foram as opiniões negativas tecidas ao Governo de Bolsonaro no seu blogue pessoal, nomeadamente ao ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, que terão levado à sua exoneração.
Pelo menos é nisso que o diplomata acredita, apesar de essa tese ter sido contrariada pelo executivo, que afirmou que a demissão “já estava decidida” antes mesmo da polémica.
À lusa, o ex-embaixador reforçou críticas a Ernesto Araújo, dizendo que o atual chefe da diplomacia brasileira foi uma “péssima escolha para o cargo”, e que acredita que o ‘chanceler’ conseguiu liderar um Ministério devido a “oportunismo”.
Acho que foi uma péssima escolha. Não se sabia nenhuma adesão dele a teses de direita, e acho que construiu isso de forma artificial nas relações com Eduardo Bolsonaro ou Olavo de Carvalho (considerado ‘Guru’ de Bolsonaro. (…) Do ponto de vista internacional, alguém que resolver empreender uma campanha contra o globalismo, multilateralismo e comercialismo é alguém que em deficiências de raciocínio lógico em relação ao sistema internacional”, depreendeu.
“Eu não consigo compreender como é que um diplomata formado na escola do Itamaraty, nas leituras e na experiência internacional consiga aderir a teses tão bizarras quanto essas, a não ser por puro oportunismo”, concluiu Paulo Roberto de Almeida em entrevista à agência Lusa.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Entrevista do chanceler brasileiro - BBC (16/07/2019)

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PRA


Da luta contra o Foro de SP ao voto com islâmicos sobre mulheres, o novo Brasil de Ernesto Araújo
Ricardo Senra - @ricksenraDa BBC News Brasil em Londres
17 de julho de 2019


Na noite da última quinta-feira (11), horas depois de o presidente Jair Bolsonaro surpreender até os assessores mais próximos ao anunciar o filho Eduardo como seu preferido para a embaixada brasileira em Washington, diplomatas foram avisados sobre uma reunião marcada por "motivos de força maior" para a primeira hora da sexta-feira, no gabinete principal do Palácio do Itamaraty.

Na manhã seguinte, perto da famosa tapeçaria que reproduz o planisfério de Marini - um mapa desenhado em 1502, primeiro da história em que o Brasil aparece representado -, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, confirmaria ao ex-escrivão da Polícia Federal que apoiava sua indicação ao cargo mais alto da principal embaixada brasileira.
O encontro durou pouco mais de uma hora. Na saída, Eduardo Bolsonaro falou a jornalistas sobre o aval do chanceler à empreitada. Ernesto Araújo, simultaneamente, contava à BBC News Brasil que o principal assunto havia sido outro.
"Conversamos sobre uma pauta nossa de coordenação sobre temas de política latino-americana. Muito especialmente a questão do Foro de São Paulo, que vai se reunir no final do mês e é um tema que nos preocupa e a outras pessoas também."
Enquanto muitos começaram a especular sobre possíveis atritos entre o chanceler e o deputado, o apoio de Araújo à nomeação não foi surpresa para nenhum de seus auxiliares e conselheiros mais próximos. "Eduardo é o grande - e um dos únicos - apoiadores do Ernesto", disse uma embaixadora à reportagem, sob condição de anonimato.

O ministro sabe que disputar protagonismo com o filho do presidente tende a ser uma batalha perdida, a exemplo de outros ministros que entraram em conflito com outro filho, Carlos. Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro estão do mesmo lado na gestão bolsonarista e lideram uma agenda comum que ocupa o topo das preocupações do presidente: consolidar uma alternativa conservadora ao famoso grupo criado em 1990 por Luiz Inácio Lula da Silva e o então presidente cubano Fidel Castro para articular forças de esquerda na América Latina e no Caribe.
Na entrevista mais detalhada que concedeu desde que assumiu o cargo, em janeiro deste ano, Araújo explica as bases do que tenta emplacar como Aliança Liberal Conservadora - uma versão à direita do Foro de S. Paulo que reúne elementos-chave da lógica bolsonarista, pautada pela ruptura com pautas globais como as mudanças climáticas e princípios históricos da agenda de direitos humanos, como a consolidação de direitos LGBT, o combate a exploração sexual por meio da educação na infância e o repúdio à violência policial.
"Acho que às vezes os conceitos atrapalham a realidade", diz o Araújo durante quase uma hora de conversa. A frase serve como fio da meada para tentar entender a cabeça do chanceler.
Você pode assistir à entrevista completa, na íntegra, no canal da BBC News Brasil no YouTube.

Video-entrevista completa: https://youtu.be/wyARxri8EWA

O fim da diplomacia como ela acontecia até hoje

A principal ruptura da gestão de Araújo à frente do Itamaraty é com a própria tradição da pasta.
"Nós precisamos fazer coisas que sejam importantes para o povo brasileiro e não apenas coisas que sejam importantes para outros diplomatas", disse o ministro à BBC News Brasil ao defender a nomeação de Eduardo Bolsonaro em meio a acusações de nepotismo e despreparo do deputado. "Não é nepotismo nenhum."
Bolsonaro não tem formação em Relações Internacionais e sua única vivência no exterior, além de viagens acompanhando ou representando o pai, foi um intercâmbio em 2005, durante a faculdade, quando trabalhou numa lanchonete.
"Acho que ter, nessa hipótese, um embaixador não de carreira em uma embaixada como Washington ajudaria nesse processo muito necessário de romper um ensimesmamento do Itamaraty e romper um ciclo vicioso onde nós trabalhamos só para nós mesmos e esquecemos a sociedade do lado de fora."
A exemplo do que ocorre nos EUA de Donald Trump, de quem Araujo e Bolsonaro são admiradores confessos, o nacionalismo está na base desta ruptura com o passado recente.

"O Brasil é parte de um movimento de recuperação do papel de nação como ator no sistema internacional. Uma nação que atue tanto domesticamente quanto no sistema internacional em função do bem do seu próprio povo", diz.
A Aliança Liberal Conservadora, que Araújo tenta criar como oposição ao Foro de S. Paulo, ressoaria estas ideias junto a países como EUA, Hungria, Itália, Argentina e Colômbia.
"Há uma sensação de que a gente pode derrotando percepções ideológicas que dizem que você não pode ter nação, não pode ter povo, tem que ter padrões globais que valham para todos independentemente das suas identidades e só assim você pode atingir a prosperidade."
"Isso está acontecendo cada vez mais, e ao mesmo tempo, países e atores internacionais que acham que para isso você não precise renunciar à sua identidade e se transformar em uma geleia geral, como a gente diz aqui no Brasil. Pode-se ter uma comunidade internacional forte, dinâmica, pacífica, próspera, construída a partir de nações também saudáveis, pacíficas, com povos vivendo em harmonia e prosperidade", avalia.

LGBTs como 'coisas abstratas'

A diplomacia brasileira é conhecida no exterior pela vanguarda em temas ligados a minorias.
O país foi, em 2003, o primeiro do mundo a propor uma resolução na Organização das Nações Unidas (ONU) sobre "Direitos Humanos e Orientação Sexual", abrindo caminho para discussões sobre o tema na instituição. Em 2008, patrocinou um documento na Organização dos Estados Americanos (OEA) para a prevenção da violência contra pessoas LGBT. No mesmo ano, o país foi o primeiro a realizar Conferência Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBT, um modelo repetido no exterior desde então.
Para Araújo, no entanto, o Brasil pré-Bolsonaro "procurava se pautar por aquilo que não desagrada ninguém, que procurava sempre ver 'se eu posso dizer isso, se eu posso dizer aquilo', que cada vez se limitava mais dentro do politicamente correto".
Na visão do chanceler, o país "vinha simplesmente copiando o discurso oficial e padrão do politicamente correto, e isso não é influenciar. Estávamos simplesmente indo com uma onda".
Araujo ilustra a mudança de maré quando explica, por exemplo, por que o Brasil retirou menções ao termo LGBT em sua recém-apresentada candidatura ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

"Nossa plataforma é colocar a nossa contribuição no Conselho de Direitos Humanos em favor da defesa dos direitos humanos reais de pessoas reais, e não de coisas abstratas que são sempre usadas para distorcer a realidade e a realidade daquilo que as pessoas geralmente querem", diz.
A reportagem pergunta se LGBTs não são pessoas reais ou algo concreto - no Brasil, segundo dados de 2017 do Ministério de Direitos Humanos, o Brasil registra 552 pessoas mortas por ano vítimas de homofobia - ou uma a cada 16 horas.
"(O termo) é usado como se fosse simplesmente um mecanismo para controle do discurso, daquilo que se pode falar, dizer, e não como algo que seja usado realmente para a igualdade às pessoas com opções sexuais diferentes nesse sentido aí", responde Araújo.
"Nós queremos defender os direitos das pessoas, né, independentemente de a gente usar ou não uma determinada denominação padrão ou não."

Acordo com islâmicos em discussões sobre mulheres

O ministro defende uma ruptura definitiva com o pensamento de esquerda a partir do que chama de "resgate de valores cristãos e ocidentais" - em coro com o presidente, que já fez críticas ao alinhamento de governos petistas com países como Irã, Rússia e China.
Recentemente, no entanto, o Brasil se afastou das principais democracias europeias e das Américas ao se unir a países como Arábia Saudita, Paquistão, Bangladesh, Afeganistão e Egito em discussões na ONU sobre mulheres.
Emissários de Araújo apoiaram estes países em discussões sobre referências à educação sexual como forma de combate a violência contra mulheres e casamentos forçados.
"O que aconteceu? Estamos junto com o Ocidente ou esta é uma pauta em que estamos mais próximos dos islâmicos?", pergunta a reportagem.
"Tem que ver o que é Ocidente, né?", responde o chanceler.
"Ocidente não é necessariamente aquilo que determinados países ocidentais defendem nas Nações Unidas ou em outras instâncias. Nós nos consideramos parte do Ocidente e temos uma voz em dizer o que é Ocidente, né? E uma das coisas que achamos que é Ocidente é você, no caso, não sexualizar a infância, digamos assim. É uma das coisas que fazem parte da ética, digamos, ocidental. Claro, cada país tem sua maneira de defender e interpretar quais são os seus valores. A nossa é essa maneira."
Dados do governo federal apontam que, em 2018, foram registradas 17.093 denúncias de violência sexual contra menores. Mais de 70% dos casos foram praticados por pais, mães, padrastos ou outros parentes - e dentro de casa.
A reportagem lembra que a argumentação dos países que se opunham ao Brasil e aos árabes defendiam não se referia à sexualização de crianças, mas à formação de jovens para que possam identificar, se defender e aprender a denunciar abusos.
"São interpretações diferentes, né? Cada um tem a sua. Nós queremos tentar ter uma política coerente em que você defenda os direitos das mulheres, das meninas, evidentemente, mas ao mesmo tempo que se evite uma coisa que nos preocupa há muito tempo que é educação sexual precoce e esse tipo de coisa que não nos parece permanente e que eu acho que não corresponde ao que a sociedade brasileira como um todo deseja, né?"
Ele prossegue: "Você pensa 'valores ocidentais'. Tem muitos países que são democracias estabelecidas, alguns pelo menos, na Europa que ainda reconhecem a ditadura Maduro como legítima na Venezuela. Aí também temos uma diferença, digamos de interpretação, do que seja democracia".

Otan, Filipinas e o novo Brasil militarista

Em junho, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que os EUA aceitaram o Brasil aliado extra-Otan - a Organização do Tratado do Atlântico Norte - em um desdobramento de sua visita oficial ao presidente Donald Trump em Washington, em março.
"Isso já foi consignado pelos EUA, é uma decisão deles que já foi anunciada ao Congresso americano e começando a ser implementado", diz Araújo à reportagem.
"Nós acreditamos que vai nos trazer benefícios para a recapacitação da nossa capacidade militar sobretudo, que é algo que já se tem dito que foi um pouco negligenciado em governos recentes. Isso é um processo e esse é um dos elementos desse processo de o Brasil ter um aparato de defesa compatível com as nossas necessidades."
A BBC News Brasil pergunta por que exatamente o país quer ampliar investimentos e poderio militar. "Por que isso é importante nesse momento na prática?"
"Isso, enfim, faz parte das relações internacionais você ter uma capacidade inclusive de dissuasão, uma capacidade de defesa do seu território", diz Araújo, que nega que os investimentos tenham relação com a oposição do Brasil ao governo de Nicolás Maduro na Venezuela.
No passado, tanto Ernesto quanto Eduardo Bolsonaro não descartaram, em declarações públicas, uma eventual ação militar no país bolivariano. Mais tarde, sob pressão de militares membros do governo, ambos recuaram.
"Isso (militarização) é uma função clássica de qualquer Estado. Um país das dimensões do Brasil, com a diversidade de interesses que nós temos, litoral inclusive, é um país que tem um desafio muito grande nessa área de defesa e para isso nós precisamos de parcerias que deem a capacidade inclusive tecnológica de uma presença de defesa."
Sob a égide de Araújo, o Brasil se absteve no início do mês de votar a favor de uma investigação na ONU sobre a política de guerra as drogas nas Filipinas, que teria deixado mais de 27 mil pessoas mortas. O presidente Rodrigo Duterte defende execuções sumárias contra suspeitos de tráfico. A reportagem pergunta por que o Brasil não defendeu a apuração.
"A gente está totalmente numa linha de evidentemente combate ao crime em todas as suas vertentes e isso não é problema nenhum. No caso das Filipinas, nos pareceu que era um tema que estava mal definido e por isso o Brasil se absteve. A gente é sempre a favor de que tudo que seja necessário se esclarecer se esclareça, né, e ao mesmo tempo somos a favor, tanto no Brasil quanto em outros lugares, de combate ao crime", respondeu o ministro.
"Nos pareceu um tipo de proposta mal enquadrado. Isso é um recurso que muitas vezes se utiliza no sistema multilateral quando você acha que determinada questão está mal enquadrada em um projeto você se abstém", disse. "Por um lado, não queremos limitar nenhum país no seu direito de combater o crime dentro do seu território e por outro lado queremos que seja feito sempre respeitando normas, direitos humanos e tudo isso."
O chanceler optou por não responder quando questionado sobre o que estaria mal enquadrado na proposta. "Nós achamos que nesse momento não era a maneira de encaminhar essa questão em relação às Filipinas", disse.

Dúvidas sobre aquecimento global e 'o frio na Itália que não aparece tanto'

Araújo já disse que as noções de aquecimento global e mudanças climáticas são uma "trama marxista".
Durante a entrevista, ele se absteve de afirmar se acredita ou não nas mudanças como fruto da ação do homem, mas questionou métodos da comunidade científica e defendeu "liberdade de expressão e de debate" para "que as pessoas que, com base em argumentos científicos, contestam a teoria do aquecimento global antropogênico não sejam demonizadas".
"O comportamento da temperatura tem ficado sempre abaixo do que os modelos pressupõem", diz Ernesto. "Você tem estudos sobre isso e é claro que isso não é muito divulgado."
A reportagem lembra que a preocupação com as mudanças climáticas associada ao desmatamento e a poluição são um consenso em todas as principais universidades e entidades científicas do planeta, como a Nasa.
"Cada vez que há algo que parece confirmar o aquecimento global, isso vai para a imprensa e todo mundo acha que está sendo confirmada a teoria do aquecimento global. Quando algo desmente, não aparece." Segundo Araújo, os modelos científicos que preveem a evolução do aquecimento global são falhos.

Ele ilustra seu ponto. "Visitei a Itália no começo de maio. Cheguei lá e estava muito frio na Itália para maio. Me disseram que havia sido o abril mais frio em Roma dos últimos 60 ou 70 anos. Isso não aparece tanto. Se tivesse sido o abril mais quente dos últimos 70 anos, claro, estaria em todas as manchetes."
Em seu site, a Nasa desmente a ideia de que recordes de temperatura fria poriam em xeque a mudança climática, explicando que o aquecimento global vem acompanhado de temperaturas extremas, para cima e para baixo.
"O caminho até um mundo mais quente terá muitos episódios de tempos extremamente quentes e extremamente frios", diz a agência especial americana
Para cientistas, mesmo que esteja fazendo mais frio que a média em uma região específica, o mundo como um todo está, na média, mais quente. Esse aquecimento da temperatura média da Terra provoca eventos climáticos extremos, desde inundações na África até seca no Brasil, passando por invernos muito mais rigorosos na América do Norte.
"Ou seja, estamos falando de grandes flutuações. E esses eventos climáticos tendem a ficar cada vez mais frequentes e exagerados", explicou recentemente à BBC News Brasil Alexandre Köberle, pesquisador do Grantham Institute na Universidade Imperial College London.

Ricos não respeitam o Acordo de Paris

Mesmo colocando o tema em xeque, o ministro reiterou a participação do Brasil no Acordo de Paris, um tratado assinado em 2015 por 195 países, a fim de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, um dos vilões por trás do aquecimento global, segundo a comunidade científica.
"O Brasil é parte do acordo do Paris então é importante não assumir que, pelo fato de eu e outras pessoas termos dúvidas sobre se realmente está havendo esse aumento de temperatura e se isso tem origem no homem, não pensar que isso significa que a gente necessariamente fosse denunciar o acordo de Paris. Não é. O acordo é construído a partir de compromissos nacionais, contribuições nacionalmente determinadas, que a meu ver são boas em si mesmas", diz Araújo.
Pelo acordo, o Brasil deverá reduzir em 37% suas emissões até 2025 e chegar a 43% em 2030.
"Sobretudo, no nosso caso, desmatamento: o Brasil quer de toda forma controlar o desmatamento porque mesmo que se daqui a algum tempo se prove que não tem nada a ver o CO2 com temperatura, há uma virtude em si mesma em se preservar, como o Brasil preserva 66% da cobertura nativa, coisa que pouca gente sabe. Que o Brasil continue sendo um grande preservador ambiental porque isso tem valor em si mesmo", disse.
Ele também apontou problemas, citando "a falta de contrapartida por parte sobretudo de países desenvolvidos".
A argumentação não é novidade na diplomacia e também era citada em governos petistas frente à imposição de metas mais ambiciosas a países em desenvolvimento.
"O que há é um compromisso por parte de países desenvolvidos em controlar as emissões deles, o que não está acontecendo em muitos casos, não estão concluindo as suas próprias contribuições", diz.
"Vemos esse tipo de problema e vemos às vezes o problema de que o acordo pode ser usado como pretexto de atuação de ONGs no Brasil que a gente não sabe bem às vezes o que estão fazendo e agem de uma maneira um pouco opaca."

O Brasil para os próximos anos

"Se eu puder, gostaria de colocar a contribuição do Itamaraty para a construção de um Brasil grande e forte, um Brasil que influencia nos destinos do mundo e, ao mesmo tempo, uma política externa que traz desenvolvimento e crescimento econômico para o Brasil, desenvolvimento tecnológico, capacitação econômica, abertura comercial. Basicamente isso", diz o ministro, questionado sobre a marca que pretende deixar em sua gestão.
O chanceler se mostra otimista com a guinada conservadora em curso em um Brasil e diz, ao mesmo tempo em que imprime a marca ideológica do governo, que lida "com problemas reais e não com problemas imaginários ou ideológicos".
"Vejo uma evolução muito positiva porque cada vez há mais países que querem trabalhar, claro, pelo crescimento econômico e por uma economia global que ajude na prosperidade de todos os povos com abertura, com crescimento tecnológico", afirma. "No Brasil, temos hoje uma economia liberal se consolidando depois de décadas de isolamento e economia fechada, ao mesmo tempo em que se tem uma sociedade de valores conservadores se afirmando e uma coisa reforça a outra e não atrapalha. Isso acontece na nossa dimensão nacional no Brasil e de certa forma acontece também ao redor do mundo."
"Então vejo décadas bastante ensolaradas pela frente."

Assista ao vídeo neste link: https://youtu.be/wyARxri8EWA