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sábado, 6 de junho de 2020

Ninguém – menos ainda um juiz – pode ser ‘neutro’ diante do crime - Flavio Tavares

Flavio Tavares, um sobrevivente de 1964, homenageia o juiz Celso de Mello por sua postura corajosa em face do perigo autoritário. 
 Paulo Roberto de Almeida

Ninguém – menos ainda um juiz – pode ser ‘neutro’ diante do crime
O fantasma sempre presente e atual
Flávio Tavares*
O Estado de S. Paulo, Página 2 – Sexta-feira 5 de junho de 2020

A lúcida visão, de décadas atrás, do pensador católico Alceu Amoroso Lima desponta atual, agora, no Brasil. “O passado não é aquilo que passa, mas aquilo que fica do que passou”, disse ele.
    Como se não bastasse o horror da covid-19, acumulando cadáveres Brasil afora, o final de maio desnudou a mais perigosa ameaça que jamais surgiu no País. Vimos o presidente da República solidarizar-se com os manifestantes que, em Brasília, pediam uma “intervenção militar”, cujo nome real e concreto é “ditadura”. Ao lado do general-ministro da Defesa, Bolsonaro solidarizou-se com os manifestantes e até desfilou a cavalo entre eles, como um Napoleão tropical.
    Antes disso, o filho deputado de Bolsonaro havia frisado que, agora, se trata apenas de saber “quando” se deve romper o sistema democrático e voltar aos tempos do AI-5, com medo e perseguição comandando tudo. Já não se discute (disse ele, como numa alucinação) a necessidade, mas apenas o “quando”.
    Nunca houve no Brasil algo tão despudorado. Nem sequer em 1964, quando se pregava a derrubada do governo para “preservar a democracia”, mas em seguida se instalou a ditadura. Hoje já não se trata de opção política entre “ditadura” e “democracia” (dualismo inaceitável, pois não se escolhe entre “o mal” e “o bem”), mas de posição moral e ética. Está em jogo a segurança que só a democracia proporciona a cada habitante do País.
       Nesse contexto de aberta pregação ditatorial, indiretamente estimulada pelo Palácio do Planalto, surgiu o alerta do decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, comparando o Brasil atual à Alemanha de 1933, quando Hitler subiu ao poder pelo voto, “guardadas as devidas proporções”. É desnecessário falar do terror de Hitler ou repetir o que Celso de Mello resumiu sobre o eleito que virou ditador brutal.
     O alerta de Celso de Mello não afeta a imparcialidade do decano do STF. Apenas mostra que ninguém – menos ainda um juiz – pode ser “neutro” diante do crime. Não há crime maior do que estraçalhar os Poderes que guiam a democracia, tal qual pregam os próximos a Bolsonaro.
No Brasil, a confusão domina a política e o que dela deriva passa a simulacro. Os partidos já não definem posições e ideias diferentes sobre a organização da sociedade, hoje são meros aglomerados de gente ansiosa por desfrutar o poder.
       A definição tradicional entre “direita”, “esquerda” ou “centro” já não existe. Ainda que os termos sigam em voga, são apenas fantasmas num mundo aqui desaparecido.
Os exemplos gritantes são, de um lado, o PT e Lula da Silva e, de outro, Jair Bolsonaro. O antigo metalúrgico chefia um partido que, até pela denominação, seria de “esquerda”, mas se jacta de que os bancos (símbolos da “direita”) “nunca lucraram tanto” quanto nos seus anos de presidente da República. Não oculta sequer o que, em si mesmo, é aberrante e contraditório.
        De outro lado, em 2018 Bolsonaro usou os novos instrumentos das chamadas “redes sociais” e chefiou uma rebelião popular que o levou à Presidência da República sem jamais definir o que sua rebeldia significava. Ao contrário, sempre silenciou. Sob a alegação de que estava sob cuidados médicos devidos à facada que sofreu, não participou sequer dos debates com seu adversário no segundo turno. Foi, de fato, um rebelde sem causa.
     Antes, quando o juiz Sergio Moro e a Polícia Federal desmontavam a rede corrupta entre grandes empresários e os chefes dos partidos no poder (do PT ao MDB, PP e outros da “base alugada”), o candidato Bolsonaro aproveitou-se da nova situação psicossocial e, de apagado deputado do chamado “baixo clero” na Câmara dos Deputados, travestiu-se no candidato que prometia ser “o vingador” do ultraje cometido pela baixa política.
     Usou uma situação de que foi mero espectador como se fosse um dos atores. A “novidade” das chamadas “redes” chegou às famílias brasileiras como “a volta” à honestidade ou à ordem e ao progresso da Bandeira. O estelionato eleitoral ficou claro 16 meses após a posse de Bolsonaro, quando o ministro da Justiça, Sergio Moro, teve de se demitir ao denunciar as manobras do presidente para fazer da Polícia Federal uma instituição protetora da prole presidencial.
      Esse simulacro que domina a política é, ainda, um dos resquícios herdados dos 21 anos da ditadura implantada em 1964. Ali, tudo era simulação. A ditadura se implantou em nome da “liberdade”, manteve aberto os Legislativos com eleições sob controle, em que os opositores mais aguerridos não podiam concorrer. O Ato 5 permitiu ao governo controlar o Judiciário e a sociedade toda ao censurar a imprensa. Esses 21 anos se impregnaram de tal forma na visão política do País que ainda hoje o povo confunde “democracia” com “eleição”, como se o debate livre não existisse.
    Vivemos já 35 anos sob democracia, mas não nos libertamos por inteiro do fantasma principal da ditadura, ainda presente e atual.

✽ JORNALISTA E ESCRITOR, PRÊMIO JABUTI DE LITERATURA 2000 E 2005, PRÊMIO APCA 2004, É PROFESSOR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

domingo, 4 de agosto de 2019

"Bolsonaro transgride separação de poderes" - Celso de Mello (FSP)

Bolsonaro transgride separação de poderes, diz Celso de Mello
O Estado de S. Paulo, 3/08/2019
"Presidente minimiza a Constituição’, diz decano”
Depois de dar o voto mais contundente no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal contrariou o Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse ao Estado que o presidente Jair Bolsonaro “minimiza perigosamente” a importância da Constituição e “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro”, ao reeditar o trecho de uma medida provisória que foi rejeitada pelo Congresso no mesmo ano. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”, afirmou. Ao longo dos últimos meses, o decano se tornou o principal porta-voz do Supremo em defesa das liberdades individuais e de contraponto às posições do governo. Alvo de um pedido de impeachment após votar para enquadrar a homofobia como crime de racismo, Celso de Mello disse que a Corte não se intimida com manifestações nas ruas ou ameaças de parlamentares. “Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções”, disse. É do decano o voto considerado decisivo no julgamento da Segunda Turma do Supremo em que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, de agir com parcialidade ao condenar o petista no caso do triplex do Guarujá (SP). O ministro defendeu celeridade na análise do habeas corpus do ex-presidente, mas disse que sua convicção sobre o tema não está formada. 
Celso de Mello falou ao Estado após a sessão plenária de anteontem.
- Por unanimidade, o Supremo impôs nova derrota ao Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai. Foi um recado ao presidente Jair Bolsonaro?
- É fundamental o respeito por aquilo que se contém na Constituição da República. Esse respeito é a evidência, é a demonstração do grau de civilidade de um povo. No momento em que as autoridades maiores do País, como o presidente da República, descumprem a Constituição, não obstante haja nela uma clara e expressa vedação quanto à reedição de medida provisória rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, isso é realmente inaceitável. Porque ofende profundamente um postulado nuclear do nosso sistema constitucional, que é o princípio da separação de Poderes. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República.
-Faltou um melhor assessoramento jurídico para o presidente Jair Bolsonaro nesse caso?
- Isso eu não sei, eu realmente não posso dizer.
-O senhor deu um voto contundente, apontando “perigosa transgressão” ao princípio da separação dos Poderes. O Supremo também contrariou o Planalto ao proibir o governo de extinguir conselhos criados por lei e foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
- Aqui (na demarcação de terras indígenas) a clareza do texto constitucional não permite qualquer dúvida, é só ler o que diz o artigo 62, parágrafo 10 da Constituição da República (o texto diz que é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo). No momento em que o presidente da República, qualquer que ele seja, descumpre essa regra, transgride o princípio da separação de Poderes, ele minimiza perigosamente a importância que é fundamental da Constituição da República e degrada a autoridade do Parlamento brasileiro. A finalidade maior da Constituição é estabelecer um modelo de institucionalidade que deva ser observado e que deva ser respeitado por todos, pois, no momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República. No momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito.”
- O voto na criminalização da homofobia, considerado histórico por integrantes do STF, lhe rendeu um pedido de impeachment, assinado por deputados da ala conservadora. O senhor vê como uma forma de intimidar a Corte? 
- A história do Supremo Tribunal Federal, desde a primeira década republicana, nos tem revelado que tentativas de intimidação não têm efeito algum. Isso ocorreu no governo do marechal Floriano Peixoto, do marechal Hermes da Fonseca e, no entanto, o Supremo manteve-se fiel ao cumprimento de sua alta missão institucional, que consiste na tarefa de ser o guardião da ordem constitucional. Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções constitucionais. O direito de o público protestar é legítimo, ninguém neste país pode ser calado. Qualquer cidadão tem, sim, o direito de protestar. É o direito legítimo. Agora, intimidações não são.
- É aguardada com expectativa a posição do senhor no caso em que a defesa do ex-presidente Lula alega parcialidade do então juiz Sérgio Moro na sentença do triplex. O voto do senhor, que deve ser decisivo, já foi concluído? 
- Eu tenho estudado muito, porque é uma questão que diz respeito não só a esse caso específico, mas aos direitos das pessoas em geral. Ainda continuo pensando, refletindo. Eu, normalmente, costumo pesquisar muito, ler muito, refletir bastante para então, a partir daí, formar definitivamente a minha convicção e compor o meu voto.
- A convicção do senhor já está formada nesse caso?
- Não, não, eu estou ainda em processo de reflexão.
- O senhor acha que seria ideal julgar o caso da suspeição de Sérgio Moro o quanto antes?
- A Constituição manda que o exercício da jurisdição se faça de maneira célere. O direito a um julgamento justo e rápido é um direito que hoje a Constituição assegura a todos, por isso eu acho que, sem distinção de casos, é possível e é necessário que o Supremo Tribunal Federal, como qualquer outro tribunal da República, decida com presteza, porém com segurança.
- Como o senhor avalia a situação da democracia brasileira?
- O regime democrático, muitas vezes, se expõe a situações de risco, mas eu confio que o regime democrático vai ser preservado em plenitude, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal julgar com independência, como tem efetivamente julgado.
- O senhor ainda trabalha madrugada adentro, ao som de música clássica e bebendo Coca-Cola? 
- Eu gosto de trabalhar ouvindo música clássica, mas Coca-Cola não mais. Coca-Cola me deixa acordado.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Mensalao: uma decisao para confortar ou para envergonhar o Brasil: dia 18/09/2013

Apenas relembrando:


Esses vergonhosos atos de corrupção governamental que afetam o cidadão comum ─ privando-o, como já se disse aqui, de serviços essenciais, colocando-os à margem da vida ─, esses atos significam tentativa imoral e ilícita de manipular criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático. Esses atos de corrupção parlamentar significam, portanto, tentativa imoral e penalmente ilícita de manipular criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático, comprometendo-lhe a integridade, conspurcando-lhe a pureza e suprimindo-lhe os índices essenciais de legitimidade, que representam atributos necessários para justificar a prática honesta, a prática honesta e o exercício regular do poder aos olhos dos cidadãos desta nação. Esse quadro de anomalia, senhor Presidente, esse quadro de anomalia revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana entre corruptos e corruptores, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, tanto públicos quanto privados, e de parlamentares corruptos em comportamentos criminosos devidamente comprovados que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do país, a atuação desses marginais do poder.
Celso de Mello, dia 1/10/2012

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Perguntar nao ofende: sera' que vai cair no ENADE de 2013?

Já que os companheiros sempre escolhem trechos significativos de algum evento corrente para ilustrar casos concretos que devem ser comentados pelos estudantes do secundário e do terceiro ciclo, que tal colocar este aqui?:

“Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício das instituições da República pudesse ser degradado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais. Esse quadro de anomalia revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do País, a atuação desses marginais do poder”.