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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Pensando no novo governo - Carlos Pio e Paulo Roberto de Almeida

Meu amigo Carlos Pio, professor no IRel da UnB, andou pensando numa forma de tornar o governo mais funcional, mais enxuto, mais compatível com as necessidades de governança efetiva, no Brasil.
Fez um projeto tão bom, que acho difícil ser aplicado, pois para isso seria preciso ter a cooperação do Congresso, que veria com maus olhos -- não o Congresso, mas os partidos e os políticos que o compõem -- a redução de cargos e o enxugamento de despesas inúteis.
Em todo caso, reproduzo aqui o organograma que ele elaborou para um novo governo, decente, responsável, e mais abaixo os seus comentários iniciais sobre algumas reformas necessárias.
Por fim, como eu já tinha pensado também nessa mesma questão, o que fiz foi elaborar uma primeira mensagem do novo presidente ao Congresso, tratando das mesmas medidas, só que não em forma de organograma e sim como proposta de redução da máquina ministerial, trazendo-o ao que considero estritamente necessário, com extinção de vários órgãos, absorção de outros, e assemblagem do que nunca deveria ter sido fragmentado (para o esquartejamento partidário, o que os italianos chamam de lotizzazione, mas que tem o mesmo sentido, de prebendas partidárias oportunistas).
O esquema do Carlos Pio é muito mais completo do que o meu, e eu o cumprimento por isso, mas também acho, como já disse, que será mais difícil de ser implementado, pois isso obrigaria o novo governo a passar pelo menos seis meses (senão mais), negociando com o Congresso, entre projetos de lei e medidas provisórias, toda essa reformulação complexa, e depois mais seis meses na acomodação interna de ministros, funcionários, locais, aspones, gastos de adaptação, etc.
Nossas duas propostas talvez pudessem ser combinadas, para evitar que o governo perca um ano inteiro de burocracia administrativa, quando ele terá imensos ajustes econômicos a fazer.
O debate está lançado.
Paulo Roberto de Almeida
Vancouver, 11/09/2014

Projeto de organograma do novo governo, por Carlos Pio: 


Propostas de reforma administrativa e medidas econômicas de Carlos Pio:

PACTO DE ARACAJÚ
UMA AGENDA DE REFORMAS ECONÔMICAS.
Segue uma lista muito preliminar do que se pretende fazer — que, em homenagem ao Gustavo Franco, eu chamaria de "Pacto de Aracajú". Sugestões são sempre bem-vindas!
1) Estabelecimento de compromissos de superávit nominal das contas públicas por um longo período, algo como 8 anos (2 mandatos presidenciais);
2) Abertura unilateral da economia brasileira — gradual e programada (como foi feito entre 1990-93), porém sem excetuar qualquer setor —, tanto para permitir maior concorrência no plano doméstico e viabilizar a redução de custos associados à importação de insumos (promovendo-a), como para estimular a que empresas localizadas no País passem a fazer parte de densas cadeias transnacionais de produção — nos moldes do que faz a Embraer e do que se faz no México e no sudeste da Ásia há 25 anos. O ponto de chegada desejável é uma estrutura tarifária simples, com valores específicos módicos, transparente e reconhecida como único instrumento de proteção comercial (fim dos regimes especiais);
3) Desregulamentação da atividade econômica — redução de processos administrativos requeridos e de custos associados à abertura e fechamento de empresas, quebra de monopólios, venda gradual de todas as participações do BNDESPar em empresas públicas e privadas, simplificação de processos aduaneiros e alfandegários;
4) Simplificação da estrutura tributária e redução consistente da carga, especialmente tributos que incidem sobre uma cesta básica ampliada, sobre a folha de pagamentos e em cascata;
5) Aumento do grau de conversibilidade da moeda nacional — de forma gradual, mas consistente, com vistas a permitir um trânsito muito mais livre e ágil de recursos entre as fronteiras nacionais e de beneficiar não apenas os grandes poupadores, mas também os poupadores médios e pequenos. No limite, a conversibilidade implica garantir a cada indivíduo a máxima liberdade para comprar moeda estrangeira e depositá-la nos bancos localizados no País, o que reforçará a pressão por uma política econômica consistente com a estabilidade cambial — por sua vez dependente de baixa inflação, queda sustentável dos custos de produção, elevação contínua da produtividade do conjunto da economia, redução da carga tributária, etc ;
6) Independência do Banco Central, com estabelecimento de mandatos fixos para a diretoria, escalonados ao longo do tempo e, no caso do presidente da instituição, dissociado do mandato da/o presidente da República;
7) Garantias institucionais à independência das agências regulatórias criadas nos anos '90, com transferência de funcionários e dotações orçamentárias dos respectivos ministérios com vistas a assegurar sua operação livre de pressões partidárias;
8) Redução significativa do subsídio financeiro implícito na TJLP do BNDES e sua gradual transformação num financiador de programas abrangentes de elevação da produtividade geral dos fatores;
9) Ampla revisão da estrutura de gastos orçamentários da União, de todos os ministérios, tendo como meta o corte de programas inteiros que sejam considerados arcaicos e não mais desejáveis a fim de viabilizar os propósitos de redução da carga tributária com simultâneo compromisso de superávites nominais das contas públicas por 2 mandatos;
10) Restabelecimento da transparência fiscal, perdida nos anos recentes, especialmente das transferências entre instâncias do Executivo Federal -- Tesouro, Bacen, BNDES, Petrobrás, BB, CEF, Eletrobrás, entre outras.


A primeira mensagem ao Congresso: Paulo Roberto de Almeida 


Origem: Casa Civil da Presidência da República (2015-2018)

Senhoras e Senhores Parlamentares,
É com grande honra e justificada satisfação que cumpro, neste momento, o dever constitucional de dirigir-me ao Congresso Nacional para, pela primeira vez em meu mandato, trazer-lhes as primeiras medidas administrativas que têm por objetivo dotar o meu governo de condições para efetuar as mudanças que hão de caracterizar a fase promissora de modernização e de racionalidade que se abre agora para o Brasil.
Pretendo reformular inteiramente as bases da governança neste país, depois de mais de uma década de caos administrativo, de inchamento desmesurado do governo e de emissão de medidas que engessaram ainda mais a gestão pública e que converteram a administração das empresas privadas num inferno burocrático, paralisadas que foram por medidas contraditórias, por leis irracionais e por decretos irresponsáveis, que aumentaram exageradamente o chamado “custo Brasil”, mas que também minaram, do lado do setor público, a confiança dos brasileiros no Estado e em suas instituições.
Devo alertá-los desde já que este esforço não será concretizado sem a parceria do Congresso Nacional, uma vez que é minha intenção associar cada uma das senhoras e dos senhores às propostas de legislação que pretendo trazer para discussão nesta Casa. Minha disposição é a de recorrer o menos possível a medidas provisórias ou a decretos executivos, uma vez que entendo ser da responsabilidade desta Casa o debate aberto e esclarecedor sobre cada uma das propostas que pretendo submeter-lhes.
Estão atualmente sob a responsabilidade do chefe do Executivo nada menos do que 39 ministérios ou secretarias de Estado com status de ministérios, numa estrutura de gestão pública que se afigura exagerada para qualquer padrão administrativo que se possa conceber. Esta foi uma das muitas heranças inconvenientes que recebemos dos governos anteriores, uma máquina superdimensionada de administração. Pretendo, com a colaboração das senhoras e dos senhores, reformulá-la com sentido de racionalidade.
Portanto, se este Congresso aprovar – e entendo que ele há de respeitar o direito do chefe do Executivo de definir a organização da administração direta que ele julga a mais adequada ao País –, pretendo trabalhar com o ministério seguinte:

1)    Justiça
2)    Defesa
3)    Relações Exteriores
4)    Fazenda
5)    Educação
6)    Saúde
7)    Indústria e Comércio
8)    Agricultura
9)    Ciência e Tecnologia
10) Trabalho
11) Transportes
12) Comunicações
13) Interior e Infraestrutura
14) Desenvolvimento Social
15) Minas e Energia
16) Planejamento
17) Previdência Social
18) Casa Civil
19) Casa Militar

As seguintes áreas administrativas passam a ser vinculadas, enquanto secretarias de Estado, aos ministérios aqui especificados:

1)    Cultura e Esporte ao ministério da Educação;
2)    Integração Nacional ao ministério do Interior e Infraestrutura;
3)    Cidades ao ministério do Desenvolvimento Social;
4)    Meio Ambiente ao ministério da Ciência e Tecnologia;
5)    Turismo ao ministério da Indústria e Comércio;
6)    Desenvolvimento Agrário, Pesca e Aquicultura ao ministério da Agricultura;
7)    Advocacia-Geral da União e Controladoria-Geral da União à Casa Civil;
8)    Gabinete de Segurança Institucional à Casa Militar;
9)    Portos e Aviação Civil ao ministério dos Transportes;
10) Assuntos Estratégicos ao ministério do Planejamento;

Ficam extintas as seguintes Secretarias de Estado com status de ministério, passando suas responsabilidades respectivas a serem exercidas pelas áreas que se indica:

1)    Comunicação Social, nomeando-se um Porta-Voz da Presidência da República, e encarregando-se a Casa Civil de dispor dos demais serviços;
2)    Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Políticas para as Mulheres e Direitos Humanos para o ministério da Justiça
3)    Micro e Pequena Empresa para o ministério da Indústria e Comércio;

Ficam extintas a Secretaria-Geral e a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, sendo as atribuições da primeira passadas para a Casa Civil.
O Presidente do Banco Central do Brasil não mais terá status de Ministro de Estado, sendo de nomeação da Presidência da República após sua aprovação pelo Congresso, dispondo de mandato fixo e de autonomia administrativa e operacional, e passando a responder ao Congresso Nacional, no cumprimento das funções que lhe forem atribuídas pelo Conselho Monetário Nacional.
A Presidência da República disporá, ainda, em caráter experimental, de uma Secretaria de Comércio Exterior, que trabalhará em estreita conexão com os ministérios das Relações Exteriores, da Fazenda, da Indústria e Comércio, da Agricultura e demais áreas que se afigurem pertinentes. Suas atribuições e a própria manutenção serão objeto de discussão e avaliação pelo Congresso, após três anos de funcionamento.
Meu governo não pretende dispor de comunicação institucional. Necessidades tópicas de informação de relevante interesse público serão afetas ao órgão interessado – como, por exemplo, campanhas de vacinação no âmbito da Saúde – abrindo-se amplo espaço para que a própria sociedade, através de empresas privadas de comunicações, cuide de sua informação, sem qualquer orientação ou aconselhamento do governo.
Meu governo seguirá o princípio de que cabe ao Estado regular apenas as áreas e atividades que lhe são precipuamente devidas, deixando todas as demais para a livre organização da sociedade. São extensas, incontáveis essas áreas e dou, neste momento, um único exemplo de como o governo pretende atuar. Entendo que não cabe ao Estado determinar os horários de funcionamento dos bancos comerciais, inclusive os públicos: cada estabelecimento bancário permanecerá aberto, segundo seu próprio interesse de atender ao público. A legislação laboral já dispõe sobre os direitos dos trabalhadores; os bancos serão livres para negociar horários de funcionamento com seus empregados.
Novas propostas de reformas administrativas serão encaminhadas ao Congresso, sempre sob esta orientação geral: as atividades privadas vão se libertar da mão pesada do Estado, e os brasileiros reterão os frutos do seu trabalho na maior extensão possível. As prioridades do meu governo são as de reduzir o peso indevido do Estado sobre o setor privado, em todas as esferas. Dessa forma, construiremos um Brasil mais rico.

Presidência da República, janeiro de 2015

[Com a assessoria técnica de Paulo Roberto de Almeida (Hartford, 12/07/2014)]

quinta-feira, 8 de maio de 2014

(Des)Governanca companheira: as seis leis do caos administrativo - Jose Serra

Ineficiência aprendiz e loquaz: 6ª antilei petista

08 de maio de 2014
José Serra* - O Estado de S.Paulo
Já se disse que a política requer duas habilidades. A primeira: é preciso prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem e no ano seguinte. A segunda: é preciso explicar depois por que as previsões não se cumpriram. Nisso, todos os países e partidos são iguais, mas o Brasil da era petista tem sido mais igual que os outros. Há um abismo angustiante entre o que o atual governo prevê e a capacidade de explicar por que as coisas não acontecem.
Entre as previsões megalômanas e os resultados pífios, há o reino das antileis petistas, cultivadas cuidadosamente pela presidente Dilma e sua equipe. A primeira delas, uma espécie de cláusula pétrea do petismo, prescreve a necessidade de utilizar o máximo de palavras para expressar um mínimo de pensamento. Querem um exemplo magnífico? Vejam o que a então candidata disse sobre e elevada carga tributária no Brasil num debate da campanha presidencial de 2010 (transcrevo como foi dito): "O Brasil sai também de um nível muito elevado de carga tributária, e, agora, eu acho que ele entra numa fase de com a reforma tributária de decréscimo. Houve muitas pessoas contrárias à reforma tributária nos últimos anos. Agora, seguramente, o crescimento do PIB e a redução dos juros permitirá um Brasil mais desenvolvido". Diga-se, a propósito, que essa "reforma tributária de decréscimo", seja lá o que for isso, conviveu com a elevação da carga de tributos durante o governo Dilma ao nível mais alto da história.
A segunda antilei viola o princípio de que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta; para eles, é uma curva torta. Este passou a ser o critério dominante das ações de governo: sempre pelo caminho mais longo, incerto e penoso. A terceira antilei supõe que o sol e os planetas giram em torno da Terra, ou seja, a presidente e seu partido coordenam e comandam o universo da política, da economia e das instituições, de modo que as conspirações da mídia e da oposição para enfraquecê-los podem provocar algum Big Bang que vá explodir o País, ou algum buraco negro que o devore. Outra antilei, a quarta, prescreve a transformação contínua de facilidades em dificuldades. Nada que seja fácil de fazer deve ser feito. Por exemplo, cria-se um programa chamado "Ciência sem Fronteiras" para enviar bolsistas ao exterior, mas se deixa de lado o requisito prévio de que os estudantes devam dominar o idioma do país que os recebe. Eles chegam ao Canadá, não falam inglês e têm de ser repatriados ou de fazer curso de línguas em Toronto, com o dinheiro dos contribuintes brasileiros. Geram-se atritos e desperdícios, além de desmoralizar a ideia de proporcionar aos nossos jovens novos conhecimentos que os beneficiem e ao nosso país.
Há uma quinta antilei - essa, reconheço, do agrado especial de Dilma (se ela não existisse, a mandatária certamente a editaria como medida provisória): cada ministro deve saber menos do que a presidente sobre a sua área de responsabilidade. As ideias e a forma de execução dos projetos ficam por conta da chefe do Executivo, que exibe, entre seus principais atributos, precisamente a falta de conhecimento dos assuntos de governo e a baixa capacidade de gestão.
Finalmente, ao menos por ora, há uma sexta antilei, que é muito forte: chega-se ao governo não para administrar, mas para aprender, como se fosse um curso supletivo ou de graduação. Isso vale para toda a nação petista, nos três níveis da Federação - União, Estados e municípios. O exemplo mais recente e vistoso, sem dúvida, ocorre na cidade de São Paulo, cuja administração se dedica ao papo-cabeça e aos experimentos macrolaboratoriais, em que as cobaias são os paulistanos sofredores. É o caso, por exemplo, da devolução dos hotéis da Cracolândia aos traficantes de droga a fim de que recebam seus clientes e dos subsídios dados aos dependentes químicos para que paguem preços mais altos pelo crack.
Na esfera federal, é antológica uma confissão da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, feita numa boa, em 2011, sobre a dificuldade que estava encontrando na elaboração do Plano Plurianual (2012-2015): "Não é possível monitorar e muito menos ser efetivo com 360 programas. No PAC, todo mundo está reaprendendo a fazer obras de infraestrutura - nós, do setor público, e também o setor privado". Isso depois de oito anos de governo do PT e já sob a presidência de Dilma, anteriormente consagrada como genitora do PAC pelo então presidente Lula!
Outra preciosa declaração, em setembro do ano passado, da então ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, mostrou que, no 11.º ano de governo, o PT ainda não sabia o que fazer com as concessões de estradas: chegou a dizer que a concessão da BR-101, na Bahia, iria ficar por último "a fim de termos uma avaliação melhor". E continuou: "Se chegarmos à conclusão de que é impossível fazer concessão, vamos migrar para obra pública". Como escrevi na ocasião, "quantos anos já transcorreram e quantos ainda teremos pela frente até essa terapia infraestrutural de grupo chegar ao fim?".
Nesse emaranhado de antileis, vigilantemente aplicadas, pode-se vislumbrar a chama que tem derretido o prestígio de Dilma junto da população. Até porque as pessoas vão se dando conta, cada vez mais, da antilei n.º 1, que maximiza o palavrório e minimiza o pensamento, dificultando a explicação, já não diria convincente, mas, ao menos inteligível, da frustração das previsões originais e das que são refeitas a cada mês.
A mais reluzente das explicações carece de qualquer lógica: atribui-se à dobradinha entre imprensa e oposição a culpa pelas lambanças na Petrobrás, pela perda de mais da metade do patrimônio da empresa e pelo endividamento que bate o recorde mundial. Tudo isso faria parte de uma diabólica estratégia daquela dobradinha para privatizar a gigante do petróleo. De acordo com esse delírio, quanto mais desmoralizada ela estivesse, mais fácil seria sua privatização! Tenho a certeza de que tal disparate, em lugar de convencer, ofende as pessoas e aquece a chama do derretimento político não só da presidente, mas de um estilo de governo.
*José Serra é ex-governador e ex-prefeito de São Paulo.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Temas de politica externa 3: Perspectivas da nova governança internacional: desafios para o Brasil - Paulo Roberto de Almeida

3. Perspectivas da nova governança internacional: desafios para o Brasil
Paulo Roberto de Almeida 

Governança é um termo equivocado, em primeiro lugar porque não se trata propriamente de governança, em segundo lugar porque não é exatamente nova, e em terceiro lugar porque não é, verdadeiramente, internacional. Em todas as épocas, quase todos os homens, e as mulheres também, são atacados pela miopia do conjunturalismo, e pelo mal do exclusivismo societal.
Todas as sociedades, e o mundo com elas, estão mudando o tempo todo, e as interpretações sobre tudo isso também mudam. Os habitantes da Europa pós-romana não tinham consciência de que estavam vivendo na Idade Média, ou de que eles fossem “medievais”. Os habitantes da Itália do século XIV não tinham ideia de que estavam entrando no “Renascimento”, e os “modernos” nunca souberam quando entraram e, pior, quando saíram dessa tal de Era Moderna. Alguns, em geral os marxistas, acreditam que foi só na revolução francesa, e que a partir daí vivemos numa coisa chamada Era Contemporânea. Que seja: eu me considero muito satisfeito por ser contemporâneo de mim mesmo, e sempre achei o futurismo um pouco ingênuo (sem falar de algumas tendências notoriamente fascistas, mais passons...).
A tribo dos historiadores, sempre eles, ainda não se entendeu sobre quando começou, e quando acabou, o século XX, e talvez nem mesmo o século XIX. Parece que este último começou em 1815, na derrota de Napoleão – que tinha a sua própria noção de governança – e terminou com os canhões de agosto de 1914, num dos episódios mais insensatos da governança da belíssima Belle Époque. E parece que o século XX começou em 1918 – o marxista Hobsbawm prefere que seja em 1917 – e terminou em 1989, com a queda do muro de Berlim, ou em 1991, com o colapso da União Soviética, vocês escolhem.
 A implosão daquele formidável império escravocrata representou, para um czar contemporâneo, a “maior catástrofe geopolítica do século XX”. Concordo com ele, mas com essa pequena diferença de que acho que se tratou da melhor e da mais positiva “catástrofe” jamais ocorrida na história da humanidade: ela permitiu, pela primeira vez em três gerações – ou seja, nos 75 anos de “construção do socialismo”, defendido até o fim por Hobsbawm e, ainda hoje, por vários outros aloprados – libertar dois terços da população mundial da opressão dos engenheiros sociais para começar, finalmente, a construção de um novo tipo de governança internacional, como pretendia George Bush (pai), em 1992, ao falar de uma “nova ordem internacional.” Pois bem, sabemos do que veio depois, na China (Praça da “Paz Celestial”) ou na própria Rússia, para demonstrar como são efêmeras, e enganosas, essas proclamações de “novas ordens” ou de uma “nova governança internacional”.
Pois bem, não existe tal coisa, mas existem arranjos circunstanciais, no mais das vezes temporários, sobre determinadas regras que devem presidir às relações entre os Estados, garantindo um mínimo de convivência entre os mais poderosos entre eles, para evitar que eles se entredevorem em guerras totais e conflitos monumentais. Assim foi com as guerras de religião que resultaram nos tratados de Westfália; assim foi com as guerras napoleônicas, que redundaram nos acordos de Viena; assim foi com a Primeira Guerra Mundial – era para ser apenas a última das guerras europeias, e foi chamada de Grande Guerra até 1939 – que terminou com a humilhação da Alemanha no tratado de Versalhes; assim foi na Segunda Grande Guerra – esta sim, mundial – e que terminou, não em San Francisco, mas em Ialta e Potsdam, no máximo em Dumbarton Oaks, quando foram traçados os contornos da “nova governança internacional” que resistiria aos anos da Guerra Fria, até 1989, ou 1991, justamente.
Bem, não houve aqui nenhuma grande catástrofe mundial, apenas uma feliz primavera dos povos (da Europa oriental), mas ela foi geopoliticamente importante, sem nenhuma dúvida. Mas, espíritos nostálgicos estão sempre querendo restabelecer as glórias de tempos passados, da mãe Rússia, da nova Roma, do novo Império do Meio. Essa tal de “nova governança internacional”, como vemos, não existe; o que existem são arranjos temporários, e circunstanciais, para acomodar os interesses dos Estados mais poderosos, os únicos capazes de moldar, de influenciar, ou de compor a agenda internacional que passa a ser debatida – jamais resolvida – em foros de cooperação do tipo da ONU e suas agências especializadas, que minimizam os conflitos e até conseguem, de vez em quando, administrar alguns (mas apenas quando isso convém às grandes potências).
Sim, para este aprendiz de historiador, não haverá mais guerras globais, não acontecerão novos, futuros, eventos catastróficos, contrapondo diretamente essas grandes potências da atualidade, uma vez que elas não podem se permitir o mútuo aniquilamento num conflito nuclear. O que haverá, como já chamei em um trabalho anterior, será, já é, uma “Guerra Fria econômica”, uma competição – não por novas fontes de matérias primas e produtos estratégicos, uma vez que o sistema comercial multilateral é suficientemente aberto para permitir acomodações – por vantagens econômicas temporárias e circunstanciais, uma vez que as governanças econômicas nacionais – estas, sim, bem reais – precisam acomodar as necessidades de emprego, de renda, de prosperidade, para os seus próprios povos, embora também existam elites predatórias que estão bem mais ocupadas em explorar o seu próprio povo (sim, existe, e é mais comum e frequente do que se pensa).
Por todos os argumentos alinhados acima considero um pouco bizantino qualquer debate sobre as perspectivas da “nova governança internacional” e os seus “desafios para o Brasil”. Cada um, segundo sua formação, informação e deformação ideológica terá a sua interpretação do que seja essa tal de “nova governança internacional”, terá a sua noção das perspectivas dessa coisa no futuro próximo, e terá as suas recomendações a fazer no que considera serem os “desafios para o Brasil” nesse imbróglio de palavras, ideias, conceitos e opiniões. Eu, como não sou muito afeito a debates bizantinos, prefiro deixar em paz as tais de perspectivas da “nova governança internacional” e me concentrar nos desafios brasileiros para o próprio Brasil.
Sim, sou um otimista incurável, e considero que o mundo nunca foi tão bom quanto é hoje, para o Brasil e para quaisquer outros países da chamada comunidade internacional. A globalização – ou melhor, sua terceira onda, enfim liberta da praga do tal de socialismo internacional – oferece as melhores oportunidades para o pleno desenvolvimento das vantagens ricardianas de cada nação e permite aproveitar muitas chances de capacitação técnica, tecnológica, científica e educacional para o integral desenvolvimento dos seus povos, à condição que eles sejam livres e abertos a seus influxos inovadores (e desafiadores, para ficar no tema). A China, por exemplo, o Império do Meio, ofereceu pelo menos um terço da taxa de crescimento do PIB para o Brasil na última década, ao empurrar os preços das matérias primas para alturas nunca antes conhecidas na história econômica mundial; de certa forma, o Brasil surfou na bonança da economia mundial durante esses anos todos, uma vez que raramente enfrentou os desafios de fazer reformas adaptativas às novas condições da economia mundial. Sim, acho que os nossos pecados começam por aí mesmo.
Como diz um velho preceito, fica difícil ajudar alguém que não quer ajudar-se a si mesmo, e o Brasil tem falhado miseravelmente nessa missão. Todos os nossos problemas, à diferença do que andam proclamando por aí – crise mundial, tsunami financeiro, concorrência desleal e outras bobagens – são exclusivamente “made in Brazil”, nenhum deles é causado por qualquer ameaça externa, exploração estrangeira ou cupidez de especuladores internacionais. Senão vejamos.
Insuficiência de infraestrutura? O mundo tem dinheiro sobrando para investir, bastando marcos regulatórios adequados e estabilidade de regras. Baixa capacidade de inovação? O mundo está aberto ao comércio de tecnologia, mas mais importante do que o intercâmbio de produtos é o comércio de ideias, razão pela qual nossas universidades deveriam não só serem mais abertas à internacionalização, como sobretudo abertas à osmose com o mundo empresarial. Corrupção? É coisa nossa, de vez em quando envolvendo algum capitalista estrangeiro, mas apenas porque aqui existem pessoas dispostas a meter a mão em algum dinheiro que só pode entrar regulado por algum governo maroto. Má qualidade da educação? Só tenho uma resposta, e um único culpado: o idiota do Paulo Freire, que aliás é “patrono da educação brasileira”.
Vejamos outras mazelas “made in Brazil”. Déficit habitacional, caos nos transportes urbanos, desastres ambientais e humanos provocados por ocupações irregulares, criminalidade ascendente, deterioração do simples sentido da ordem e do respeito ao patrimônio público – evidentes nessas manifestações espontâneas ou organizadas que terminam em depredações – e a inflação renitente que insiste em podar, todo ano, uma parte do poder de compra do brasileiro? Tudo isso não tem nada a ver com o ambiente externo ou ameaças vindas de fora. São males genuinamente nossos, fabricados, entretidos, mantidos e aumentados aqui mesmo, em parte pela chamada “pressão das massas” e os desejos de “inclusão social”, mas muito mais pela imprevidência, despreparo e incompetência das políticas públicas, macroeconômicas e setoriais, que deveriam se ocupar justamente desses problemas prioritários do Brasil.
Ou seja, o Brasil não tem um problema, sequer desafios, de governança internacional, mas ele tem muitos problemas brasileiros, que só poderão ter respostas aqui dentro. Com isso não quero dizer que o Brasil deva esquecer o ambiente externo, desprezar a tal de “nova governança internacional” e passar os próximos dez anos tentando resolver os seus problemas internos. Mas acredito que o Brasil já daria uma imensa contribuição à ordem internacional se respondesse pelo seu exemplo com boas e eficazes soluções para os problemas da boa governança econômica – estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, abertura ao comércio internacional e aos investimentos diretos estrangeiros – e também para os problemas de governança política e social: boa gestão pública, sem muita corrupção e barganhas indecorosas, instituições independentes (sem o predomínio de uma sobre as demais), boa qualidade da educação pública, da infraestrutura, gastos sociais que não signifiquem simplesmente um subsídio ao consumo dos mais pobres (mas que os capacitem para ganhar sua renda e seu sustento nos mercados, em lugar da assistência pública), enfim, uma série de ações que são tão evidentes aos olhos e mentes dos estadistas sensatos que nem seria preciso ficar aqui repetindo o manual da boa governança. Acredito que um bom diagnóstico de situação já represente um bom começo para a formulação e execução de políticas que caminhem no sentido da boa governança interna.
Quanto à governança internacional, acredito que os bons exemplos podem também começar aqui dentro: defesa da democracia, dos direitos humanos, não ingerência nos assuntos internos de outros povos (mas também solidariedade em relação a certas situações de opressão e de desrespeito notório aos direitos humanos), enfim, todos esses valores que nunca juramos na escola mas que seria bom que começássemos a defender, inclusive lá fora. Já seria uma excelente contribuição para a boa governança internacional. Oxalá.


12/03/2014

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Pisando nos astros distraida...

Seria bom se fosse apenas uma canção popular, mas estamos falando do meu, do seu, do nosso dinheiro, que se esvai pelo ralo com a governança mafiosa em certas áreas...


"DILMA: A GERENTE DISTRAÍDA"!
    
(Clovis Rossi - El País, 28) No governo Lula, Dilma era uma espécie de primeiro-ministro, como chefe da Casa Civil, supervisora geral do governo. Ora, todos os escândalos que acabaram resultando na demissão de ministros referem-se a fatos ocorridos no governo do qual Dilma era a supervisora. Portanto, trata-se de uma gerente sumamente distraída, que não só não se deu conta do que ocorria às suas costas (ou à sua frente) como aceitou designar para o ministério pessoas que, se tivesse sido devidamente supervisionadas, jamais ocupariam outra vez cargos públicos. Pior: os demitidos foram substituídos por representantes das mesmas famílias políticas (ou "famiglias", ao gosto do leitor), que se tornaram donas de fatias do governo. É uma disfunção já clássica na política brasileira: o presidente nomeia um político para chefiar um ministério e este preenche todos os cargos de confiança, abaixo dele, com seus correligionários. Cada ministério acaba virando uma "caixa preta" - o que é um convite a negócios, legais ou irregulares, com seus amigos e partidários. Posto de outra forma, o ministério trabalha para o partido, não para o público.