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terça-feira, 30 de maio de 2017

A Guerra Civil Espanhola, numa versao de uma "tendencia interna" do PSOL

Vocês sabiam que existiam "tendências internas" no PSOL?
Pois é, um partido tão pequeno e já tão dividido entre ex-stalinistas, trotsquistas, neoguevaristas, ex-petistas, etc., etc., etc., e outras coisas mais...
Em todo caso, ao consultar um artigo sobre a guerra civil espanhola, descobri isso.
Paulo Roberto de Almeida

Alberto Besouchet, fuzilado pelos republicanos na Espanha

http://www.insurgencia.org/alberto-besouchet-fuzilado-pelos-republicanos-na-espanha/

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Relembrando o brasileiro voluntário nas Brigadas Internacionais e morto covardemente
Por generosa iniciativa do deputado Adriano Diogo, a Comissão Estadual da Verdade realizou, em 24 de setembro, uma audiência pública para homenagear todos os combatentes brasileiros (1) na Guerra Civil Espanhola, em especial David Capistrano e Apolônio de Carvalho. Com isso, estabeleceu um laço de solidariedade entre a militância dos anos 1930 e a resistência à ditadura, quarenta anos depois.
Estava presente a filha de Capistrano, Carolina, que trouxe lembranças muito vívidas a respeito dos comentários de seu pai sobre sua participação na guerra e também sobre como ele, apesar de ações militares ousadas e corajosas, guardou para sempre um sentimento de rejeição à brutalidade de qualquer guerra. Isso teria sido um dos fatores a levá-lo a aceitar a linha chamada de “convivência pacífica”, adotada pelos partidos comunistas depois de 1956.
Como resistência ao fascismo franquista tem tudo a ver com a resistência à ditadura, lembrou ela a morte trágica de David Capistrano. Enquanto militante do PCB, voltava ao Brasil em 1974 e seria recebido pelo militante José Maçon na fronteira, em Uruguaiana. Desapareceram os dois. Sabe-se hoje que eles foram levados para a prisão clandestina conhecida como Casa de Petrópolis, onde tiveram o fim trágico dos torturados até a morte e esquartejados.
Apolônio de Carvalho, que, depois de participar da Guerra Civil Espanhola, integrou-se à Resistência francesa à ocupação dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, teve a sorte de sobreviver e deixou suas lembranças em Vale a pena sonhar (2), um manancial de informações sobre um largo período da história do Brasil.
Como se tratava de história e de verdade, tive a oportunidade de falar, na audiência, sobre o caso pouco conhecido de Alberto Bomilcar Besouchet, militante comunista que lutou na Espanha, mas que foi fuzilado pelos próprios republicanos. O que significava enveredar por uma história não linear e maniqueísta, abordar, na luta heroica, suas contradições e aberrações, retraçar a linha que levou do pensamento único à repressão policial.
O deputado Adriano Diogo deu provas, nesta ocasião como em outras, que na coordenação da Comissão Estadual da Verdade norteou sempre as atividades com isenção da concepção de pensamento único, que seu esforço pelo restabelecimento da verdade histórica incluiu sempre as várias vertentes que lutaram contra o regime militar.
O cenário mundial
O objetivo deste texto é o de relatar o caso do militante Alberto Besouchet. Ele também era comunista e também foi combater a rebelião franquista na Espanha, em 1936. No entanto, morreu, ou melhor dito, desapareceu, pela ação de policiais republicanos, auxiliados por agentes do serviço secreto soviético e militantes do Partido Comunista Espanhol. Seu desaparecimento aconteceu durante as famosas “Jornadas de Maio” de 1937, em Barcelona, episódio que foi retratado no filme de Ken Loach, “Terra e Liberdade”, que por sua vez está, em grande parte, baseado nas memórias de guerra do escritor inglês George Orwell, Homenagem à Catalunha (3).
Para entender como isto foi possível é preciso inserir a Guerra Civil Espanhola no contexto mundial daquela época. É preciso entender como, dentro da guerra civil entre oficiais do Exército rebelados sob o comando do fascista Franco e as forças defensoras da República espanhola, houve outra guerra, movida por Stalin e seus agentes, contra toda e qualquer esquerda anti-stalinista. Na Espanha estas forças eram representadas pelos anarquistas da CNT-FAI (Confederación Nacional del Trabajo – Federación Anarquista Ibérica) e pelos poumistas, isto é, militantes do POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista), genericamente chamados de “trotskistas”.
A Guerra Civil Espanhola marcou profundamente a história dos soviéticos e do movimento comunista internacional. A Espanha foi o cenário em que os comunistas aplicaram a nova linha da Internacional Comunista, decidida pelo 7º Congresso, em 1935, a da Frente Popular. No período anterior, entre 1928 e 1934, os comunistas tinham sido guiados por uma outra linha (6º Congresso), completamente diferente, que determinava que o inimigo principal a combater eram os socialdemocratas, isto é, os partidos socialistas europeus, considerados “traidores da classe operária”. Os documentos e os líderes comunistas internacionais e, sobretudo, alemães, já que nesse período a Alemanha era o palco central da luta, diziam que Hitler não era importante, que o nazismo era um fenômeno passageiro que iria se exaurir com as primeiras vitórias. A aproximação da militância comunista às milícias nazistas em construção foi uma realidade, sempre aprovada pela direção comunista internacional e acompanhada de perto pela política exterior da União Soviética.
O ponto culminante dessa frente informal, que escandalizou comunistas e progressistas de outros países, foi a posição assumida pelos comunistas alemães em 1931, em um momento de ascensão dos nazistas nas eleições, no caso do referendo da Prússia. Os socialdemocratas alemães dirigiam esta que era a maior e mais importante província da Alemanha desde o início da República de Weimar. Sentindo-se fortes, os nazistas propuseram uma votação pedindo a dissolução do Parlamento prussiano. Por ordem da Internacional Comunista, os comunistas alemães declararam o voto com os nazistas (4).
A calamidade desta política sectária, que tem enorme responsabilidade pela ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, levou a uma mudança radical de linha, no 7º Congresso, em 1935. De repente, na França, em maio de 1934, o Humanité, jornal comunista, publicou um artigo retirado do Pravda que dizia com todas as letras ser admissível propor a unidade de ação aos dirigentes socialistas (5). Estava dado o sinal para a mudança radical de linha. Agora, com a Frente Popular, era preciso fazer frente não apenas com os partidos socialistas, mas também com os partidos burgueses radicais e republicanos. E foi o que aconteceu na Espanha (6).
Mas, ao mesmo tempo em que se abria à direita, a Internacional Comunista enviesava seu sectarismo contra todos os grupos à sua esquerda. Agora o inimigo principal a combater eram os esquerdistas e, principalmente, os “trotskistas”, isto é, os militantes do movimento trotskista e todos os que fizessem críticas à União Soviética e à “linha do partido”. A luta interna dentro do partido comunista soviético transplantou-se para o movimento comunista internacional e para a Guerra Civil da Espanha.
Acontecimentos dramáticos permearam esta transplantação. Em dezembro de 1934, um alto dirigente do partido soviético, Kirov, foi misteriosamente assassinado. Este crime nunca foi completamente elucidado, embora o Relatório Kruschev, de 1956, fale insistentemente na responsabilidade do Estado (7). Mas foi o fator determinante para desencadear um expurgo generalizado dentro do partido soviético, com prisões, torturas, fuzilamentos com ou sem processo, condenações a trabalhos forçados e a exílio na Sibéria.  Esse processo chega a seu ápice exatamente nos anos da Guerra Civil Espanhola.
Em uma atmosfera de medo e terror, na qual a delação de companheiros e colegas de trabalho, nas famosas sessões de autocrítica, aparecia como uma prova de fidelidade ao regime, realizaram-se os chamados “Processos de Moscou”, nos quais foi exterminada a “velha guarda bolchevique”. O primeiro em agosto de 1936, o segundo em janeiro de 1937 e o terceiro em março de 1938, condenaram ao fuzilamento imediato, entre outros, Zinoviev, Kamenev, Piatakov, Bukharin e Rikov, tendo como acusado máximo Trotsky e seu filho Lev Sedov, que estavam fora da União Soviética. Foram vergonhosas paródias de justiça, processos-espetáculo, em que os condenados se acusaram de complôs impossíveis e inverossímeis, previamente escritos pelos agentes do NKVD, a polícia secreta soviética.
É dentro deste contexto que aconteceu também o processo secreto contra oito grandes generais do Exército Vermelho, entre eles Toukachevtsky e Yakir, fuzilados em junho de 1937, ao qual se seguiu um expurgo e consequente repressão aos quadros do Exército, muitos dos quais tinham estado na Espanha.
Mas essa repressão não se limitou aos membros do partido soviético, atingindo também massas de cidadãos. Segundo o historiador Nicolas Werth, “de agosto de 1937 a novembro de 1938, cerca de 760 mil cidadãos soviéticos foram executados depois de terem sido condenados à morte por um tribunal de exceção, ao cabo de uma paródia de julgamento. (…) Ao mesmo tempo, mais de 800 mil soviéticos eram condenados a penas de dez anos de trabalhos forçados e enviados ao Goulag” (8).
O cenário mundial dentro da guerra da Espanha
Agora o inimigo principal era a esquerda: os esquerdistas e os trotskistas. Mas não era mais uma perseguição apenas política e a Espanha foi um laboratório de extermínio da esquerda. Muitos chamados esquerdistas foram assassinados pelos serviços secretos soviéticos e desapareceram, como, por exemplo, o alemão Erwin Wolf, ex-secretário de Trotsky, Camillo Beneri e Fracesco Barbieri, anarquistas italianos, Marc Rein, jornalista socialdemocrata, e o austríaco Kurt Landau, do POUM, para só citar alguns. No início da guerra, o grande anarquista Buenaventura Durruti havia sido morto por uma bala perdida, em Madri, em 20 de novembro de 1936, bala que muitos atribuem aos comunistas.
Mas a repressão também atingiu muitos stalinistas que voltaram da Espanha e foram em seguida presos e fuzilados. Por exemplo, o general Berzine, o general Goriev, o jornalista do Pravda, Koltsov, personagem do livro de Hemingway, Por quem os sinos dobram, e Antonov-Ovsenko, herói da revolução, que havia comandado a tomada do Palácio de Inverno em 1917, cônsul geral soviético em Barcelona, e que tanto trabalhou na Espanha pela repressão à esquerda.
Os voluntários das Brigadas Internacionais, sob o clima de medo e delação reinante na URSS, também sofreram censuras, expurgos, castigos sob a forma de tarefas militares praticamente impossíveis, levando à morte, e execuções sumárias, que aparecem em muitos relatos. O comunista francês André Marty ficou com a fama de ser um dos mais brutais. Ele é descrito no romance já citado de Hemingway como “el carnicero de Albacete”, cidade sede das Brigadas. No entanto, outras narrativas, mais detalhadas, evocam o regime de terror implantado pelo “General Gómez”, na verdade Wilhelm Zaisser, ex-membro do serviço secreto do Partido Comunista Alemão e que depois da guerra dirigiu a “Stasi”, polícia política da RDA (República Democrática Alemã – 9).
Esse clima transparece até em algumas frases dos brigadistas brasileiros que voltaram. Quando entrevistados pelo pesquisador brasileiro Paulo Roberto de Almeida sobre o destino de Alberto Besouchet, Gay da Cunha declarou que ele teria sido fuzilado por André Marty, enquanto para explicar um fuzilamento conduzido pelos republicanos José Homem Correia de Sá disse: “Havia muita incompreensão e ser fuzilado não denigre ninguém” (10).
As “jornadas de maio” e a morte de Andrés Nin
A operação que deu lugar ao episódio das “Jornadas de maio” na Catalunha foi concebida dentro da ideia de liquidar a esquerda – os “trotskistas” e os “incontroláveis” isto é, os anarquistas. O Pravda já anunciara, em dezembro de 1936, essa liquidação (11).
Era nessa província que os andaimes de uma estrutura socialista tinham avançado mais. Os líderes do movimento sindical e operário eram os anarquistas da CNT-FAI e o POUM. O prédio da Central Telefônica, em Barcelona, estava ocupado pelos sindicatos UGT (socialistas) e CNT, desde o início da guerra, juntamente a uma delegação do governo da Catalunha, a Generalitat.
Em 3 de maio de 1937, esse prédio foi atacado por guardas de assalto chefiados por Rodrigues Sala, que era Comissário da Ordem Pública e comunista. Houve resistência e um pequeno tiroteio. Em seguida, espontaneamente, em cerca de poucas horas, a região em torno, em um círculo que atravessava a cidade, foi tomada por operários e milicianos ligados aos anarquistas e aos poumistas. A população trabalhadora mobilizada queria resistir e conservar a posse do prédio. Começaram as escaramuças, narradas no filme de Ken Loach, e depois o combate violento. O serviço secreto russo, o NKVD, junto com comunistas espanhóis, organizava o ataque. Depois de tentar uma reconciliação entre as duas partes, as forças políticas do governo central, chefiadas pelo socialista Largo Caballero e com ministros comunistas, enviaram tropas e a repressão começou. Cerca de 1.000 pessoas foram feridas e 500 foram mortas. Além disso, houve muitos presos. A Telefônica foi desocupada (12).
Começou então a perseguição direta aos militantes do POUM e, em especial, a seu dirigente mais importante, Andrés Nin. Os soviéticos o conheciam bem. Em 1921, ele tinha sido eleito delegado da CNT para assistir ao 3º Congresso da Internacional Comunista e ao congresso de fundação da PROFINTER (Internacional Sindical Vermelha) em Moscou. Permaneceu nesse país trabalhando nesses organismos. Em 1926, aderiu à “Oposição de Esquerda” dentro do partido soviético, liderada por Trotsky. Só deixou o país para voltar à Espanha com a proclamação da República, em 1930.
A perseguição stalinista aos poumistas e a Nin foi estruturada pelo NKVD. Um dos seus principais agentes na Espanha, Orlov, conforme documentos já decifrados nos arquivos russos sobre a “Operação Nikolai”, confeccionou um documento falso que provaria que Nin agia em conluio com os franquistas (13). A ideia era fazer um “processo de Moscou” na Espanha contra um “complô POUM-franquistas”. Andrés Nin foi preso em junho e depois sequestrado da prisão oficial de Alcalá de Henares, perto de Madri.  Foi levado para uma das prisões clandestinas dos agentes soviéticos, chamadas “tchecas”. Torturado para confessar o script do documento falso, não confessou. Não se sabe como foi a tortura que levou à sua morte, mas o relatório de Orlov a Moscou, decifrado pelo filme já citado, encomendado pela Generalitat da Catalunha à Televisão Espanhola, indica os autores da operação e da morte: três espanhóis cujos nomes estão riscados, Orlov e dois outros agentes soviéticos sobre cuja identidade verdadeira se discute ainda. Cobrados publica e até internacionalmente, os comunistas alegaram que ele teria sido sequestrado de Alcalá por franquistas, seus aliados. Coube ao jornalista do Pravda, Koltsov, depois fuzilado, redigir esta explicação (14).
Desaparecimento e morte de Alberto Besouchet
A morte do brasileiro Alberto Besouchet se encaixa neste cenário. As referências à sua história são ainda hoje poucas e esparsas. Há o artigo do diplomata Paulo Roberto de Almeida (15), publicado em 1999, e que foi a base da audiência pública a que me referi no início. Trabalho de historiador, dedicado a retraçar a trajetória de todos os voluntários brasileiros na Guerra Civil Espanhola, ele constitui em si mesmo um capítulo sobre a censura na ditadura brasileira, já que sua primeira versão, concluída em 1979, teve de ser publicada sob o pseudônimo de Pedro Rodrigues, pois o tema era perigoso no Itamaraty. Paulo Roberto de Almeida pôde entrevistar vários combatentes ainda vivos e o irmão de Alberto Besouchet, Augusto. Referindo-se no início do artigo ao caso do seu desaparecimento como “o mistério dos mistérios”, ele retoma tudo que conseguiu averiguar entre as testemunhas que puderam contar alguma coisa (16).
O artigo do historiador Dainis Karepovs (17), escrito em 2006, pôde avançar mais na medida em que inseriu o desaparecimento de Alberto Besouchet no clima de medo e delação que cercou os anos 1936, 1937 e 1938 na URSS e na campanha dos agentes do NKVD pela liquidação do POUM. Utilizando documentos do agrupamento trotskista Liga Comunista Internacionalista, pôde entrar melhor na alma da luta que se travava.
É baseado nestes dois autores, principalmente no segundo, e também em algumas referências feitas por Apolônio de Carvalho em suas memórias (18), que consegui recuperar os elementos básicos da trajetória de Alberto Besouchet. Ele era filho de militar e optou pela carreira do pai. Era também militante do Partido Comunista Brasileiro, como seus irmãos, Augusto, Lídia e Marino. Como tenente, participou do levante comunista de 1935, em Recife e, embora ferido, não foi preso.
Voltou ao Rio de Janeiro e contatou seus irmãos que, entretanto, tinham sido expulsos do Partido por terem criticado a forma com que foi feito o levante de 1935, julgando-a irresponsável. Posteriormente haviam entrado em contato com a Liga Comunista Internacionalista. Eles tentaram ganhar o irmão para suas novas posições, mas não conseguiram. Em vez disso, Alberto Besouchet decidiu partir para a Espanha para colocar a serviço do povo espanhol seus conhecimentos militares. E não saiu do Partido.
No entanto, antes de viajar, escreveu uma carta aberta aos companheiros, entregando-a à direção, pedindo que a divulgasse, na qual conclamava todos, inclusive os presos, a persistirem na luta por “um regime mais justo e humano”. A carta não foi divulgada, mas, sim, respondida com termos grosseiros. Ele havia usado as expressões “Espanha soviética”, “Revolução proletária mundial” e “burguesia internacional”, que a direção considerou “esquerdistas”. Além do mais, já tinha os irmãos fora do Partido (19).
As fontes concordam em que ele foi o primeiro brasileiro a chegar à Espanha para lutar. Teve contatos com comunistas brasileiros na França, caminho para chegar ao território espanhol, onde entrou em fevereiro de 1937. As fontes dizem também que levava uma carta de Mário Pedrosa para Andrés Nin. Não está claro se integrou as Brigadas ou as milícias do POUM. Foi ferido em Guadalajara, quando já tinha o posto de coronel.
Sobre o seu desaparecimento e morte as informações são esparsas. Na documentação sobre os brasileiros na Espanha, contida nos arquivos russos da Internacional Comunista, há apenas, em um relatório assinado por um nome não identificado, a reprodução de uma informação do major Costa Leite, comunista e militar mais graduado a ir para a Espanha, de que Besouchet, além de ter tido relações com os trotskistas, teria sido morto nos acontecimentos de maio de 1937, na Espanha. Mas a família Besouchet recebeu a informação de que ele teria sido fuzilado durante a retirada final das Brigadas Internacionais, de Barcelona, em 1938, juntamente com anarquistas e trotskistas ali presos (20).
Estes retalhos de narrativas se encaixam com as breves palavras de Apolônio de Carvalho: “O tenente Alberto Besouchet, que eu conhecia de Realengo, foi o primeiro de nós a chegar à Espanha, ainda mal curado dos ferimentos infligidos em Recife, quando do levante de novembro. (…) Ascende a coronel em maio de 1937, momento de crise aguda no seio das esquerdas, e logo depois é preso como militante do partido de Andrés Nin. Fins de 1938, com os franquistas às portas de Barcelona, Besouchet é assassinado covardemente. Nada poderá apagar, contudo, a imagem desse comunista culto, modesto e bravo como poucos” (21).
É assassinado covardemente por quem? Obviamente por aqueles que detinham os presos do POUM. Lembrando que a queda da Central Telefônica durante as “jornadas de maio” de 1937 e a repressão que se seguiu a ela levaram à prisão muitos militantes do POUM, é forçoso deduzir que foi nesta situação que a morte o colheu. Lembrando ainda que Julián Gorkin, o segundo mais importante dirigente do POUM, relata que foi preso nessa época e, com outros poumistas, carregado de “tcheca” em “tcheca” durante 18 meses, até que, com a queda de Barcelona nas mãos dos franquistas, conseguiu fugir (22).
Notas:
(1) No folder distribuído com informações históricas está a lista de seus nomes: Alberto Bomilcar Besouchet, David Capistrano, Apolônio de Carvalho, Joaquim Silveira dos Santos, José Homem Correia de Sá, Eneas Jorge de Andrade, Nelson de Souza Alves, Roberto Morena, Dinarco Reis, Delcy Silveira, Eny Antonio Silveira, Nemo Canabarro Lucas, José Gay da Cunha, Hermenegildo de Assis Brasil, Carlos da Costa Leite, Homero de Castro Jobim.
(2) Apolônio de Carvalho, Vale a pena sonhar. Rio de Janeiro, Rocco, 1997.
(3) George Orwell, Lutando na Espanha – Homenagem à Catalunha. São Paulo, Ed. Globo, 2006
(4) Angela Mendes de Almeida, A República de Weimar e a ascensão do nazismo. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 108.
(5) Fernando Claudín, La crisis del movimiento comunista – De la Komintern al Kominform. Francia, Ruedo Iberico, 1970, p. 137.
(6) Angela Mendes de Almeida, Revolução e guerra civil na Espanha. São Paulo, Brasiliense, 1981.
(7) A. Rossi, Autopsie du stalinisme – Avec le texte intégral du Rapport Khrouchtchev. Paris, Ed. Pierre Horay, 1957.
(8) Nicolas Werth, L’ivrogne e la marchande de fleurs – Autopsie d’um meurtre de masse – 1937-1938, p. 16.
(9) Sigmunt Stein, Ma guerre d’Espagne. Paris, Seuil, 2012, pp. 209 e ss.; e Pierre Broué, Staline et la révolution – Le cas espagnol. Paris, Fayard, 1993, p. 359.
(10) Cf. Paulo Roberto de Almeida, “Brasileiros na guerra civil espanhola”, Revista Sociologia e Política, nº 12, jun. 1999, p. 50. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n12/n12a03
(11) Julián Gorkin, Las jornadas de mayo en Barcelona, http://www.fundanin.org/gorkin8.htm;
(12) Julián Gorkin, ibid.
(13) Filme de Llibert Ferri e Dolores Genovés, Operación Nikolai – http://www.youtube.com/watch?v=zLAfmtlCgTU; e Pavel Sudoplatov et Anatoli Sudoplatov,Missions Speciales – Mémoires du maître-espion soviétique Pavel Sudoplatov. Paris, Seuil, 1994, p. 76. Ao final da guerra, Orlov foi convocado para voltar a Espanha e, temendo ser fuzilado, desertou, fugindo para os Estados Unidos. Escreveu diretamente a Stalin, prometendo que nada falaria se não tocassem em sua velha mãe. E assim fez, só escrevendo memórias depois da morte do ditador.
(14) Julián Gorkin, já citado; Pierre Broué, Staline et la révolution – Le cas espagnol. Paris, Fayard, 1993, p. 183.
(15) Paulo Roberto de Almeida, op. cit.
(16) Op. cit., pp. 37-38 e 49-50.
(17) Dainis Karepovs, “O caso Besouchet, ou o lado brasileiro dos processos de Moscou pelo mundo”, Olho da História, 8/12/2006 – http://oolhodahistoria.org/artigos/ESPANHA-o%20caso%20besouchet-dainis%20karepov.pdf
(18) Apolônio de Carvalho, op. cit.
(19)Todas estas informações estão em D. Karepovs, op. cit.
(20) Cf. D. Karepovs, op. cit.
(21) Apolônio de Carvalho, op. cit., p. 125.
(22) Julián Gorkin, L’assassinat de Trotsky. Paris, Julliard, 1970, p.8.
Angela Mendes de Almeida é historiadora e coordenadora do site Observatório das Violências Policiais.
Texto publicado originalmente no Correio da Cidadania em 21/10/2014

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Guerra civil espanhola (1936-1939): um conflito seminal, aos 80 anos - Paulo Roberto de Almeida

Ao se completarem 80 anos da guerra civil internacional da Espanha, repostei meu artigo sobre a participação de voluntários brasileiros no conflito, corrigindo os links da revista e indicando o da plataforma Academia.edu:


BrasileIROS Na Guerra Civil Espanhola, 1936-1939:
combatentes brasileiros na luta contra o fascismo
Paulo Roberto de Almeida

Publicado em:
revista Sociologia e Política (Curitiba, PR; ano 4, nº 12, junho 1999, Dossiê: Política Internacional, pp. 35-66; ISSN 0104-4478, impressa; 1678-9873, online; DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rsocp.v0i12.39262; links: http://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/39262; pdf: http://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/39262/24081).
Postado em Academia.edu, em 14/09/2015 (link: http://www.academia.edu/28496518/608_Brasileiros_na_Guerra_Civil_Espanhola_1936-1939_1999_). Relação de Trabalhos n° 608. Relação de Publicados nº 238.
  
RESUMO
Artigo de natureza histórica sobre a participação de brasileiros, majoritariamente pertencentes ao Partido Comunista, na guerra civil espanhola e sobre o contexto político-diplomático do conflito espanhol. Baseado em pesquisa original feita em fontes primárias, sobretudo em entrevistas e questionários com ex-combatentes e seus familiares, e em consulta às fontes secundárias disponíveis sobre o assunto, o trabalho constitui um dos primeiros levantamentos sobre o envolvimento de combatentes voluntários brasileiros nos episódios militares daquela guerra civil, com destaque para sua participação nas Brigadas Internacionais.

PALAVRAS-CHAVE: Guerra civil espanhola, 1936-39; Brigadas Internacionais; participação de brasileiros voluntários.

Texto inédito, servindo como introdução a um novo trabalho, ainda em fase de redação: 

A guerra civil espanhola tem uma característica muito especial, e tem isso de peculiar, em que ela não foi, apenas ou simplesmente, uma guerra civil espanhola. Ela foi, basicamente, uma guerra civil internacional, ainda que travada essencialmente no território espanhol (algumas operações se passaram no norte da África, de onde partiu Francisco Franco para liderar a rebelião nacionalista contra os republicanos).
À diferença de outras guerras civis – como a inglesa do século 17, por exemplo, que surgiu de um conflito entre o rei, de tendências absolutistas, e o parlamento – ou de revoluções políticas e sociais – como a francesa, que colocou o absolutismo em cheque, tanto por razões de representação política da burguesia, como classe ascendente, quanto por uma aguda crise de abastecimento atingindo as camadas mais pobres da população –, a guerra civil espanhola foi uma revolução política e social, ademais de um golpe contra o governo constituído, dentro de um conflito ideológico radical. De fato, se tratou de uma dos mais graves enfrentamentos entre projetos alternativos de sociedade, que marcaram um dos séculos mais brutais e destruidores da história da humanidade.
A guerra civil espanhola é inseparável do contexto internacional que prevaleceu na Europa e no mundo durante a primeira metade do século 20, colocando em confronto não apenas ideologias autoritárias bastante similares em seu formato – ainda que não em suas substâncias respectivas – como também concepções completamente opostas de organização política, como podem ser governos democráticos de um lado e regimes autocráticos do outro, ademais de modos diferentes de organização social da produção, ou seja, economias de mercados mais ou menos livres de um lado, regimes coletivistas ou estatizantes do outro, como eram o socialismo soviético e o corporativismo fascista.
Ela foi o produto combinado de diversas rupturas daquele conjuntura, desde a Grande Guerra e a revolução bolchevique, de 1917, que dela deriva diretamente, da tomada do poder pelas milícias fascistas de Mussolini, em 1922, e das crises seguidas na ordem econômica do entre-guerras, a começar pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929, pelas insolvências bancárias a partir de 1931, e pela depressão que se seguiu. Aquela fase da história também assistiu à ascensão dos expansionismos militaristas nos anos 1930, a começar pela invasão da Manchúria pelo Japão em 1931, continuando pelo rearmamento agressivo da Alemanha sob Hitler, a partir de 1933, e a invasão, pela Itália fascista em 1935, da Abissínia (Etiópia), o único Estado africano membro da Liga das Nações. Mas ela também foi o resultado das estratégias e táticas contraditórias de Stalin, via III Internacional, nomeadamente a política de “classe contra classe” adotada a partir de 1928 – que viu os comunistas bolcheviques hostilizarem bem mais os socialdemocratas e os trotsquistas do que os fascistas, num primeiro momento –, mas depois recomendar uma política de “aliança de classes”, ou de Frentes Populares, inclusive na própria Espanha e na França, mas apoiar, contraditoriamente, tentativas insurrecionais, como a experimentada no próprio Brasil, em 1935, quando buscaram ultrapassar os compromissos “burgueses” que também foram ensaiados na China e em outros países simultaneamente.
Finalmente, a guerra civil espanhola é fruto, também, e essencialmente, da própria crise política e social espanhola do início dos anos 1930, que levou à abdicação do rei, em 1931, e à instalação de um novo regime republicano, erigido em frágeis bases partidárias e parlamentares. Já se vivia, então, um contexto no qual apelos autoritários e claramente fascistas estavam sendo abertamente promovidos, entre outras regiões, um pouco em toda a Europa e na América Latina: depois de Mussolini, Portugal deu início a um “Estado Novo” em 1928, diversos países latino-americanos conheceram golpes de Estado ou mudanças de regime depois da crise de 1929, e o próprio Japão, que tinha iniciado uma democracia parlamentar “burguesa” no bojo da revolução Meiji, começou uma descida para o fascismo militarista e expansionista no mesmo período.
A Espanha acumulou todos esses elementos ideológicos e institucionais na primeira metade dos anos 1930, tanto quanto se ressentia, desde muitas décadas, de suas próprias contradições econômicas, sociais e políticas; o outrora mais poderoso império do início da era moderna tinha se convertido numa economia atrasada, num país muito dividido num contexto de outros exemplos mais pujantes de capitalismo industrial e financeiro, sob o controle das novas burguesias triunfantes em diversos países europeus. Não se pode descurar, tampouco, a importante esfera das mentalidades: uma Contra Reforma particularmente “bem sucedida”, o que deixou a Igreja Católica especialmente retrógrada, e um conservadorismo político e social claramente reacionário, todos esses elementos caracterizados por altas doses de intolerância recíproca no seio de movimentos políticos à esquerda – inclusive um forte anarquismo sindicalista – e à direita do espectro ideológico então predominante numa Europa em crise generalizada.
A Guerra Civil Espanhola começou em julho de 1936 e terminou em março-abril de 1939: durante todo o período do conflito ambas as partes em luta, os republicanos governamentais de um lado, os monarquistas e direitistas revoltosos de outro, contaram com apoio internacional e solidariedade política e material de suas correntes de adesão respectivas, o movimento democrático e comunista internacional os primeiros, as forças organizadas do nazi-fascismo europeu os segundos. A ajuda ativa, para ambos os lados, traduziu-se também no envio de contingentes de combatentes estrangeiros — voluntários e profissionais — que foram integrados às diversas forças e exércitos em presença nos campos de batalha, embora desproporcionais em número e em organização e, sobretudo, dispondo de logísticas militares diferenciadas e de suprimentos bélicos desiguais, quando comparados entre si.  
Do lado republicano, a solidariedade internacionalista para com o governo legal de Frente Popular manifestou-se pela criação, em quase todo o mundo, do “comitês de ajuda à Espanha republicana”, em especial pelo afluxo de voluntários estrangeiros, vários milhares deles, que se agrupariam nas “Brigadas Internacionais”. O Brasil também se fez presente, embora modestamente, nesse movimento internacional de solidariedade, através do envio irregular e clandestino — pois que coordenado pelo Partido Comunista, então na ilegalidade — de um pequeno grupo de combatentes experimentados que, apesar de dispersos em diferentes unidades militares, distinguiram-se nas várias frentes de luta em que estiveram engajados em defesa da causa legalista, que também era identificada com a luta antifascista e com a causa do socialismo internacional.
  
ler o artigo completo em: 
revista Sociologia e Política (Curitiba, PR; ano 4, nº 12, junho 1999, Dossiê: Política Internacional, pp. 35-66; ISSN 0104-4478, impressa; 1678-9873, online; DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rsocp.v0i12.39262; links: http://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/39262; pdf: http://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/39262/24081).
Postado em Academia.edu, em 14/09/2015 (link: http://www.academia.edu/28496518/608_Brasileiros_na_Guerra_Civil_Espanhola_1936-1939_1999_).  

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Guerra Civil na Espanha (1936-39): Adam Hochschild (book excerpt, Delanceyplace)

Today's selection -- from Spain in Our Hearts by Adam Hochschild.
In 1936, Spain was still a new and fragile democracy when Francisco Franco led a military uprising of "Nationalists" against the government's "Republican" army, inaugurating the brutal, three-year Spanish Civil War. The government was the left-leaning Second Spanish Republic, and the Nationalists were supported by a number of conservative groups, including monarchists such as the religious conservative (Catholic) Carlists, and the Spanish Confederation of Autonomous Right-wing Groups. An estimated 500,000 people died in the war, including thousands upon thousands of civilians from murder, torture, and starvation. It is believed that the government of General Francisco Franco executed 100,000 Republican prisoners after the war, and another 35,000 Republicans died in concentration camps in the years that followed the war. The war was the chilling inspiration for such works as Picasso's painting Guernica and Hemingway's novel For Whom the Bell Tolls:

"[In 1938, Spain] is in flames. For nearly two years, the fractious but democratically elected government of the Spanish Republic has been defending itself against a military uprising led by Francisco Franco and backed by Nazi Germany and Fascist Italy. Franco, who has given himself the title of Generalissimo, has a framed photograph of Adolf Hitler on his desk and has spoken of Germany as 'a model which we will always keep before us.'

Guernica, Pablo Picasso

"The skies above the Ebro this dawn are dark with warplanes, state-of-the-art fighters and bombers, flown by German pilots, that the Fuhrer has sent the Generalissimo. On the ground, tanks and soldiers from Italy, some of the nearly 80,000 troops the dictator Benito Mussolini will loan Franco, have helped launch the greatest offensive of the war. A powerful drive from the western two thirds of the country, which Franco controls, its goal is to reach the Mediterranean, splitting the remaining territory of the Spanish Republic in two.

"Franco's prolonged battle for power is the fiercest conflict in Eu­rope since the First World War, marked by a vindictive savagery not seen even then. His forces have bombed cities into rubble, tortured political opponents, murdered people for belonging to labor unions, machine-gunned hospital wards full of wounded, branded Republi­can women on their breasts with the emblem of his movement, and carried out death sentences with the garrote, a medieval iron collar used to strangle its victim.

"Battered by the new offensive, the Republic's soldiers are retreat­ing chaotically, streaming eastward before Franco's troops, tanks, and bombers. In some places, his rapidly advancing units have leapfrogged ahead. The Republican forces include thousands of volunteers from other countries, many of them Americans. Some have already been killed. Franco has just announced that any foreign volunteers taken prisoner will be shot."

Spain in Our Hearts: Americans in the Spanish Civil War, 1936-1939
Author: Adam Hochschild
Publisher: Houghton Mifflin Harcourt
Copyright 2016 by Adam Hochschild
Pages xiii-xiv

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