Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
Meu próximo livro, feito conjuntamente com meu colega André Heráclio do Rêgo, sociólogo e historiador. de raízes pernambucanas, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco (Recife: CEPE, 2017,
175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7).
Índice
Apresentação:
O maior historiador diplomático brasileiro
Paulo Roberto de
Almeida, André Heráclio do Rêgo
1. O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas
itinerários divergentes
Paulo Roberto de
Almeida
2. Oliveira Lima, intérprete das Américas
André Heráclio do Rêgo
3. O
império americano em ascensão, visto por Oliveira Lima
Paulo Roberto de
Almeida
Apêndice:
O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Joaquim Nabuco
A primeira delas, José Maria da Silva Paranhos Júnior,
o barão do Rio Branco, era, ademais do negociador e do chanceler que marcou
época, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da
Academia Brasileira de Letras. O segundo, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de
Araújo, além de haver sido o paladino do pan-americanismo e nosso primeiro
embaixador em Washington, já na idade madura, após uma juventude em que deixou
sua marca na História do Brasil, ao dedicar-se à causa abolicionista, era
também historiador e memorialista, considerado por Gilberto Freyre como um dos
maiores estilistas da língua portuguesa.
Essas duas primeiras
personalidades foram consagradas ainda em vida. Nabuco, desde a campanha
abolicionista; Rio Branco, desde as questões de limites. Multidões acorreram
aos respectivos enterros, o de Joaquim Nabuco no Recife, em 1910, o de Rio
Branco no Rio de Janeiro, ao início de 1912, ocasião na qual inclusive o
carnaval teve que ser adiado.
A terceira personalidade não
teve consagração em vida, e ainda hoje não alcançou completamente nem a
póstuma. Trata-se de Manuel de Oliveira Lima. Pernambucano como Nabuco,
Oliveira Lima era bem mais jovem do que os outros dois. Além da diferença generacional,
também não compartilhava com eles a formação nos cursos jurídicos de Olinda e
de São Paulo. Ao contrário, graduou-se em Lisboa, no curso superior de Letras,
tendo uma formação ‘profissional’ nas áreas de História e Literatura. Terá
sido, pois, na sua época, o único grande historiador brasileiro que não foi
autodidata. Também ao contrário de Nabuco e Rio Branco, foi republicano na
juventude e na idade madura flertou com a monarquia.
Entrou no Itamaraty no
princípio da última década do século XIX, numa época em que a situação política
de Rio Branco e Nabuco não era das melhores. Paralelamente à carreira
diplomática, logo se iniciou na escrita da História, tendo publicado ainda
nesta década dois livros, que possibilitaram sua entrada na Academia Brasileira
de Letras entre os 40 primeiros integrantes, ou seja, como membro fundador,
glória que, se não pode ser comparada à de Nabuco, que além de fundador foi o
idealizador da instituição, ao lado de Machado de Assis, foi bem superior à de
Rio Branco, que teve de esperar a abertura de uma vaga para entrar no grêmio.
Oliveira Lima poderia ter sido
um êmulo do barão do Rio Branco, nosso grande chanceler e modelo da diplomacia
até hoje, se tivesse mais ‘diplomático’. Sua caracterização como ‘diplomata
dissidente’ é adequada; em alguns casos terá sido também um “rebelde com
causa”, que foi a de sua luta pelo desenvolvimento social, político e econômico
e do Brasil, para ele espelhando, mas apenas parcialmente, os magníficos
progressos da nação americana, em cuja capital ele trabalhou como jovem
diplomata, mas já totalmente consciente das grandes diferenças que separavam o
mundo anglo-saxão do errático universo ibero-americano que ele soube analisar
tão bem numa fase já madura de sua vida.
Não sendo muito diplomático e
não aceitando ficar à sombra do poderoso barão, voltou-se cada vez mais para os
estudos históricos, contando para tanto com a ajuda do próprio chefe desafeto,
que lhe propiciava longos períodos de inatividade diplomática. Graças a esses
longos períodos em disponibilidade e às longas licenças que tirava – o que
certamente não agradava à chefia superior, que paradoxalmente o punia com
longos períodos em disponibilidade, teve tempo para pesquisar e escrever,
erguendo uma obra historiográfica mais sistemática e consistente que as de Rio
Branco e Nabuco. Nela, foi muitas vezes pioneiro e precursor: da história da
vida privada, por exemplo, ao indicar a utilização de romances como fonte
historiográfica; da utilização das obras de viajantes estrangeiros sobre o
Brasil. Sua obra antecipou, de certa forma, os escritos de Gilberto Freyre,
Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e José Honório
Rodrigues, entre outros. Se passarmos para o campo da patriotada, poderíamos
dizer até que ele foi precursor de Norbert Elias e de Lucien Febvre,
respectivamente nos conceitos de processo civilizatório e de instrumentos
mentais, e até mesmo de Georges Duby, no que se refere à caracterização
tripartite da sociedade. Além disso, Oliveira Lima foi pioneiro em estudos
comparatistas, e era o historiador brasileiro que mais sabia da história de
Portugal, dispondo para tanto de uma capacidade de síntese sem igual.
Ele, como Nabuco e Rio Branco,
foi único e incontornável, mas a História lhe foi ingrata, algumas vezes por
culpa sua, por ser corajosamente sincero, ao ponto de ser incômodo. Após um
começo brilhante, sua vida profissional e intelectual passou a se caracterizar
por um ressaibo amargo de incompletude e de frustração, no que se poderia
considerar uma trajetória interrompida. Ao contrário de Rio Branco e de Nabuco,
ao seu enterro não compareceram multidões, apenas a esposa, que compartilhava
com ele o ‘exílio’ em Washington, e mais uns poucos.
Aos 150 anos de seu
nascimento, no Recife, em dezembro de 1867, vale examinar alguns dos seus
muitos escritos com o objetivo de constatar que ele foi, efetivamente um dos
grandes, senão o maior dos historiadores diplomáticos brasileiros, pesquisador
incansável dos arquivos, leitor das crônicas dos contemporâneos, colecionador
de manuscritos, de livros e de obras de arte, leitor da literatura de cada
época, dos jornais do momento e dos grandes historiadores do passado. Sua obra
completa excede as possibilidades de um único estudioso e, talvez por isso,
temos de nos contentar com uma Obra
Seleta, e com vários outros trabalhos, reeditados de forma dispersa e
errática, ao sabor do interesse de editores, de admiradores e de alguns poucos
acadêmicos devotados ao estudo de uma imensa série de livros, resenhas, notas e
artigos de revista e de jornais, que pode facilmente encher mais de uma estante
de livros.
Sua biblioteca, depositada na
Universidade Católica de Washington, oferece um testemunho de seu voraz
interesse por toda a história das civilizações ocidentais desde os descobrimentos,
com um grande foco no hemisfério americano, daí o título desta coletânea por
dois estudiosos e admiradores de sua obra, que é especialmente relevante no
plano pessoal, não apenas pela mesma condição profissional, a de diplomatas de
carreira, mas igualmente pelo que ela oferece como interpretação significativa,
e ainda válida, a despeito da passagem de um século, sobre o desenvolvimento
comparado dos povos das Américas. Oliveira Lima não foi apenas historiador, mas
também sociólogo, cientista político, fino psicólogo dos personagens estudados
– como D. João VI, por exemplo – e também uma espécie de antropólogo cultural,
como tal inspirador de uma outra rica obra construída pelo conterrâneo Gilberto
Freyre, que com ele conviveu em sua fase iniciante e já na fase madura e
derradeira do grande historiador pernambucano.
Os trabalhos aqui coletados
não podem representar a justa homenagem que lhe é devida no 150o
aniversário de seu nascimento, mas eles representam, ainda assim, um testemunho
de apreço, nos planos sociológico e historiográfico, pelo valor intelectual da
produção ímpar do historiador e diplomata Oliveira Lima. Não temos nenhuma
dúvida de que nos próximos 150 anos essa obra continuará a ser lida e a servir
de inspiração a novos historiadores e sociólogos das civilizações do hemisfério
americano.
Apenas uma miniresenha como recomendação para esta nova edição, agora ilustrada, de uma obra magnífica:
Evaldo
Cabral de Mello:
O Negócio do Brasil:
Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669
(edição ilustrada com
imagens da época; Rio de Janeiro: Capivara Editora, 2015, 272 p.; ISBN:
978-85-89063-53-1)
Quarta edição de um clássico, inteiramente
revista, agora ilustrada e dedicada à memória de José Guilherme Merquior, mas
que ainda carrega no frontispício a frase do negociador português, Francisco de
Sousa Coutinho, que confessava seu “talento incapaz para negócio tão grande”,
que era simplesmente a devolução do Nordeste ocupado pelos holandeses da
Companhia das Índias a seus antigos donos. A primeira edição do livro se
situava entre duas outras obras de uma trilogia do autor, Olinda restaurada e Rubro
veio, abordando aqui o contexto internacional e as negociações diplomáticas
que permitiram por fim ao primeiro conflito internacional do “Brasil”. Em todos
os seus livros, os temas centrais são a produção de açúcar, o tráfico de
escravos e o comércio em geral, ademais da questão das mentalidades. Neste aqui,
a visão diplomática global foi fundamental.
Do Prefácio de 2010 de Evaldo Cabral
de Mello:
“O assunto aqui versado, como em geral os de história política e
diplomática, presta-se idealmente às análises contrafatuais relativas às
possibilidades alternativas, ou seja, àquilo “que poderia ter sido e não foi”,
como no verso de Manuel Bandeira. De tão cultivada a moda, especialmente entre
os historiadores de língua inglesa, caberia falar num novo gênero histórico, a
história virtual. Contudo, a novidade não é tão grande quanto parece, na medida
em que a contrafatualidade é inerente ao raciocínio historiográfico, embora não
seja quase nunca explicitada, como há muito percebeu Max Weber. Na fórmula de
Raymond Aron, “todo historiador, para explicar o que foi, se pergunta o que
poderia ter sido”. A atribuição de relevância a determinados acontecimentos é
realizada mediante operação comparativa pela qual o historiador indaga-se o que
teria ocorrido na inexistência deles.”(p. 14)
Neste caso, a unidade territorial do
Brasil poderia ter ficado inteiramente comprometida.
A Funag tornou-se, possivelmente, ou quase certamente, a maior editora brasileira de livros de relações internacionais, com a vantagem, utilíssima (e até necessária para muitos estudantes e mesmo professores), de que eles estão livremente disponíveis para download no site da Funag.
Foi no
contexto de abertura da China às nações ocidentais que o governo imperial do
Brasil enviou sua primeira missão diplomática à China, com o objetivo de
assegurar ao País os benefícios da colonização e firmar um Tratado de Amizade,
Comércio e Navegação. Embora assinado, o tratado não foi ratificado pelo
Congresso brasileiro, senão algum tempo mais tarde, com modificações no texto
original.
A
documentação produzida pelos diplomatas brasileiros foi publicada em edição de
2012, dos Cadernos do CHDD, dedicada ao Oriente. Um dos integrantes daquela
missão, que lá esteve entre os anos de 1880 e 1882, foi Henrique Carlos Ribeiro
Lisboa (1847-1920), autor da obra que ora levamos ao público e filho do também
diplomata Miguel Maria Lisboa (1809-1881).
Além de A China e os chins: recordações de
viagem, (1888), Lisboa escreveu Os Chins de
Tetartos: continuação d’A China e os
Chins (1894). Os dois livros cumpriram o papel de informar os brasileiros
sobre diferentes aspectos da China e explorar eventuais possibilidades de uma
mudança de posicionamento do Brasil a respeito do país asiático.
O
registro de Lisboa, de mais de 130 anos, nos revela uma China há muito
desaparecida. O cerimonial do milenar império recebeu minuciosa descrição e, já
nos primeiros parágrafos, nos damos conta de que as transformações por que
passava o país eram profundas e, sobretudo, irreversíveis. Obra escrita por
pessoa culta e observadora, A China e os
chins certamente será útil àqueles que têm na China de hoje seu campo de
trabalho e estudo.
(Texto extraído da apresentação de Ricardo
Pereira de Azevedo, com adaptações)
O
aniversário de setenta anos da criação da Organização das Nações Unidas e da
adoção de sua Carta, celebrado em 2015, inspirou o projeto de publicar este
livro, que reproduz as instruções para a delegação do Brasil à Conferência de
São Francisco e seu relatório, bem como reúne textos inéditos de cinco
Representantes Permanentes do Brasil em Nova York e de diplomata especialista
na participação brasileira naquela conferência. O objetivo da obra é recordar a
ativa participação do Brasil no processo de elaboração da Carta e, de modo mais
amplo, contribuir para a melhor compreensão da política externa brasileira,
sempre influenciada pelo apego ao multilateralismo, e da atuação do Brasil nas
Nações Unidas.
Ao
resgatar e difundir a importante contribuição da diplomacia brasileira às
Nações Unidas, esta publicação demonstra e ilustra a relevância do
multilateralismo para a realização dos legítimos anseios nacionais por um
sistema internacional que favoreça o desenvolvimento do País.
(Texto extraído da apresentação de Mauro
Vieira, com adaptações)
Como bem
assinalado nessa excelente tese escrita por Maria Rita Silva Fontes Faria,
parte da Coleção CAE, as migrações internacionais constituem tema global por
excelência. O mundo possui hoje cerca de 250 milhões de migrantes
internacionais (3,2% da população mundial). A multiplicidade de questões e o
montante dos números associados às imigrações – pessoas e países envolvidos,
além de fluxos de recursos nos países de origem e destino – elevam a importância
do tema na formulação de políticas nacionais e internacionais.
Apesar
de terem seus direitos reconhecidos por conjunto expressivo de instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos, os migrantes continuam
submetidos à lógica realista da prevalência da soberania estatal no desenho de
políticas públicas de controle dos fluxos migratórios.
A obra
expõe ainda dimensão importante da atuação interna do Brasil no campo das
políticas migratórias, evidenciando as fortalezas e as fragilidades do tratamento
do tema pela diplomacia brasileira nos principais debates e negociações
internacionais e regionais.
No plano
interno, o trabalho revela a existência de visões divergentes quanto à
definição das competências dos vários órgãos públicos o tratamento da questão
migratória, à luz da futura legislação doméstica sobre a matéria.
(Texto extraído da apresentação de Silvio
José Albuquerque e Silva, com adaptações)
O Brasil
foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola em 1975. Essa
decisão, que, internamente, teve repercussões castrenses por chocar-se com a
orientação ideológica do regime militar (1964-1985), pelo menos com seus
segmentos mais radicais, colocou o Brasil, no plano externo, pela primeira vez,
como ator no complexo tabuleiro geopolítico da Guerra Fria na África Austral. O
propósito da obra é contextualizar esse importante marco da política externa
brasileira com vistas a estimular a reflexão e o aprofundamento da pesquisa
sobre o tema. Trata-se de uma das páginas mais reveladoras tanto do pensamento
estratégico, quanto dos meandros do processo decisório de uma potência
emergente e de sua contribuição para a história contemporânea.
O
reconhecimento de Angola representou alento à conclusão do processo de
emancipação dos povos africanos. O resgate da hipoteca dos anos de apoio ao
colonialismo português teve o mérito adicional de recolocar o Brasil na posição
de prestígio que lhe cabe nas Nações Unidas, reforçando suas credenciais
históricas, inclusive o compromisso com o multilateralismo.
Ao
participar deste projeto de resgate da gênese das relações políticas entre
Brasil e Angola, com ênfase nas circunstâncias do reconhecimento de sua
Independência, a FUNAG cumpre a missão institucional de apoiar a preservação da
memória diplomática e de contribuir para a formação de uma opinião pública
sensível aos problemas da convivência internacional.
(Texto extraído da orelha do livro de autoria
de Sérgio Eduardo Moreira Lima, com adaptações)
Al reeditar, junto con la Academia Diplomática y
Consular Carlos Antonio López, la obra La
Independencia del Paraguay y el Imperio del Brasil, de R. Antonio Ramos, la
Fundación Alexandre de Gusmão tiene como propósito contribuir para el rescate
de la memoria de hechos destacados, aunque no tan conocidos, de la formación de
los Estados de América del Sur em el siglo XIX, como el rol desempeñado por
Brasil em el proceso de Independencia del Paraguay.
Por ser su autor el eminente historiador guaraní,
fundador de la Academia de Historia del Paraguay, este proyecto editorial de
publicación, en el idioma original, adquiere um especial significado. Antonio
Ramos, que también fue membro corresponsal del Instituto Histórico y Geográfico
Brasileño (IHGB), tiene el mérito de desarrollar allí, desde una perspectiva
propria y abarcadora, la narrativa del reconocimiento internacional de la
independencia paraguaya, em las décadas de 1840 y 1850, incluyendo la
importante participación de Brasil.
(Texto extraído da apresentação de Sérgio
Eduardo Moreira Lima, com adaptações)
A epopeia de Pedro Teixeira
(1637-1639), ao empreender a primeira navegação Amazonas acima e fundar, no
retorno, o povoado de Franciscana, em nome da Coroa Portuguesa e por instrução
do governador do Maranhão, constitui uma das páginas menos conhecidas da
História do Brasil colonial, embora das mais importantes para a formação
territorial do País. O explorador português, com sua coragem e bravura,
possibilitou o desenho do Brasil resultante do Tratado de Madri (1750) com a
notável extensão das fronteiras nacionais para oeste, na Amazônia. Este livro
foi inspirado nas consequências diplomáticas da expedição de Pedro Teixeira.
Como pressentido pelas
autoridades espanholas do Vice-Reino do Peru e pelo Conselho das Índias, os
relatos e documentos que constam da presente publicação foram devidamente
registrados e, um século depois, utilizados por Alexandre de Gusmão nas
negociações do Tratado de Madri, sendo decisivas no processo de reconhecimento
das fronteiras ultramarinas de Portugal e Espanha e no deslocamento da linha
limítrofe do Tratado de Tordesilhas, de 1494.
Apesar do alcance da histórica
expedição, seu significado ainda não conta com uma narrativa abrangente, que
consolide os estudos e documentos esparsos existentes a respeito, alguns dos
quais em bibliotecas de Portugal e de outros países europeus.
Diante disso, a FUNAG se propôs
o desafio editorial de produzir um levantamento das principais referências
documentais sobre a missão de Pedro Teixeira, com o objetivo de contemplar a
exploração do rio Amazonas a partir da perspectiva da Coroa Portuguesa, no
contexto do período final da União Ibérica. O material deixa entrever a
existência de uma efetiva política de Estado de Portugal com vistas à expansão
de seu território americano para além dos limites do Tratado de Tordesilhas
naquele período; e é possível argumentar que o episódio contribuiu para emular
o nacionalismo português em direção ao processo político, iniciado um ano após
o retorno a Belém da expedição de Pedro Teixeira e que culminaria com a
Restauração da Coroa Portuguesa.
Esta publicação é, portanto, um
tributo ao desbravador e explorador luso-brasileiro, a quem a Coroa Portuguesa
deveu a posse de quase toda a bacia Amazônica; e o Brasil, a exploração de mais
de 10.000km² de seus rios e trilhas. Constitui o reconhecimento de uma visão
político-estratégica, cuja dimensão diplomática foi atingida em sua plenitude
com o Tratado de Madri, em 1750.
(Texto extraído da apresentação de Sérgio
Eduardo Moreira Lima, com adaptações)
Confesso que tenho duas grandes confissões a fazer: uma boa, outra menos boa. A boa é que eu gostei muito de escrever esse texto, que pode ser a base de alguma obra maior, sobre as grandes reformas nunca feitas em nosso país em 200 anos de história; ele estava há muito tempo em minha cabeça, mas nunca tinha feito sequer uma anotação para ele, pois a gente espera alguma grande oportunidade para sentar, pensar, refletir, pesquisar algumas coisas e depois elaborar algo mais estruturado. Pois bem, nunca tinha feito, pois essas oportunidades sempre são perdidas, como diria Roberto Campos. Foi preciso receber um convite do Rodrigo da Silva, do Spotniks, para escrever um texto sobre um assunto completamente diferente para eu me decidir finalmente a escrever; e ele veio de um só jato, como se diz; escrevi durante uma noite inteira, entre meia noite e cinco da manhã, que são as minhas melhores horas de escrita (para desconforto de alguns próximos). Eu gostei muito, portanto, de ter recebido o convite, o que me permitiu "desovar" algo que estava dormindo em minha cabeça desde algum tempo. Como sempre digo, quando me decido a escrever algo: o artigo (ou o livro) já está pronto, só me falta escrevê-lo, o que é a parte mais fácil (com alguma revisão posterior para corrigir os inúmeros erros de digitação e concordância que inevitavelmente surgem de uma escrita muito rápida, mas que não acompanha um pensamento duas vezes mais rápido). A confissão menos boa, mas que faço mesmo assim é que não gosto do título. Não gosto de ter chamado meus dez personagens de "derrotados", ainda que estas aspas possuem um enorme significado implícito, obviamente. Eu não considero esses brilhantes pensadores "derrotados", inclusive porque eles integram a memória coletiva de nosso povo como alguns dos melhores brasileiros que se esforçaram para fazer do país uma sociedade melhor, mais justa, mais moderna, mais conforme os valores universais do direito e da democracia. Mas optei por deixar "derrotados" (que devem ser lidos sempre com aspas) com o objetivo precípuo de chocar, de impactar, de incitar à curiosidade os estudantes mais jovens pela história, pela obra e pelo pensamento desses brasileiros geniais, e possivelmente estimular mestrandos e doutorandos a pesquisar sobre seus projetos de reforma, e de trazer novamente à tona uma agenda inconclusa de modernização do país, de sua política e de sua economia, enfim, projetos para "civilizar" o Brasil, como diziam os primeiros pensadores da nacionalidade. Estas são as minhas reflexões adicionais sobre esse texto que me deu imenso prazer ao "retirá-lo" de minha cabeça e colocar sob a forma de um arquivo eletrônico, agora à disposição dos interessados graças à generosidade do Rodrigo da Silva e do Spotniks. Vale! Paulo Roberto de Almeida Brasília, 14/02/2016
Dez grandes derrotados da nossa história (ou, como o Brasil poderia ter dado certo, mas não deu)
O Brasil, já disse alguém, não é para
principiantes. Vamos admitir que a frase expresse a realidade, ainda que
ela seja uma mera banalidade conceitual. A verdade é que nenhuma
sociedade urbanizada, industrializada, conectada, ou seja, complexa,
como são quase todas as nações contemporâneas, é de fácil manejo para
amadores da vida política ou para iniciantes no campo da gestão
econômica. Não deveria haver nada de surpreendente, portanto, em que o
Brasil, de fato, não seja para principiantes, como dito nesse slogan tão
folcloricamente simpático quanto sociologicamente inócuo.
Mas
atenção: a frase é, sim, relevante pelo lado do seu exato contrário. O
mais surpreendente, no caso do Brasil, está em que o país não é de
rápida explicação ou de fácil interpretação nem mesmo para pensadores
distinguidos e intelectuais de primeira linha (eles o são, de verdade?).
Ele tampouco parece ser de simples manejo mesmo para estadistas da
velha guarda (nós os temos?), para políticos experientes (parece que
ainda existem), sem esquecer os empresários inovadores (quantos são,
alguém sabe dizer?) ou para economistas sensatos (seria uma espécie
rara?). O Brasil já destruiu mais de uma reputação política, como
continua desafiando as melhores vocações de “explicadores sociais”
(inclusive brasilianistas), com o seu jeito sui-generis de ser. Existe,
por exemplo, alguma explicação sensata para o fato de que “o país do
futuro”, o “gigante inzoneiro”, a terra dos recursos infinitos, seja
ainda uma sociedade desigual, ricamente dotada pela natureza, mas com
muitos pobres, milhões deles, uma nação até materialmente avançada, mas
(aparentemente, pelo menos) mentalmente atrasada? O que é que nos retém
na rota do desenvolvimento social integrado? Quais são os formidáveis
obstáculos, quantas e quais são as barreiras intransponíveis?
Não foram
poucos os espíritos corajosos que tentaram vencer essas dificuldades e
nos colocar num itinerário de progresso sustentado. A maior parte acabou
derrotada por um conjunto variado de circunstâncias cuja identificação
exata requereria um batalhão de sociólogos, dos melhores. Vamos
repassar, ainda que brevemente, o itinerário de dez grandes
personalidades que, em momentos decisivos da história do Brasil, viram
seus projetos e propostas de reformas ou de melhorias para o país
totalmente frustrados em função das condições ambientes, por força da
oposição de outros personagens ou de grupos poderosos, ou pelo fato de
que eles mesmos não souberam, ou não puderam, obter apoios suficientes
para que suas propostas de políticas públicas fossem, em primeiro lugar,
aceitas por outros dirigentes, ou pela opinião pública, depois seguidas
pela coalizão dominante a cada momento e, finalmente, implementadas na
forma por eles concebida inicialmente. A maior parte desses homens não
foi sequer consolada, em vida, por aquele famoso dístico de bandeira
estadual: “ainda que tardia”.
1) Hipólito José da Costa
Nascido na
Colônia do Sacramento, criado em Rio Grande, espírito iluminista,
liberal econômico, assessor, durante algum tempo, do grande estadista
português da passagem do século 19, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o
conde de Linhares, para quem investigou as inovações econômicas e
melhoramentos agrícolas da jovem República americana nos anos finais do
século 18, e por quem foi enviado à Inglaterra para adquirir
equipamentos gráficos, para modernizar a imprensa do Reino, e onde se
tornou maçom, foi preso e torturado pela Inquisição ao retornar a
Portugal, tendo conseguido fugir após alguns anos de cárcere.
Estabelecido na Inglaterra desde então, Hipólito deu início ao primeiro
jornal independente brasileiro, o Correio Braziliense, que
editou sozinho em Londres desde a transmigração da corte portuguesa para
o Brasil, em 1808, até que fosse confirmada a independência e a
separação do, até então, Reino Unido, no final de 1822. Nomeado cônsul
do Brasil em Londres, por José Bonifácio, Hipólito ainda teve tempo de
enviar-lhe, em fevereiro de 1823, um ofício propondo reformas nos
correios, nos transportes e na colonização, mas não para tomar posse do
cargo para o qual estava preparado como nenhum outro brasileiro.
Seu Correio Braziliense
forneceu, durante exatos quatorze anos e sete meses ininterruptos,
material de informação, de reflexão e de críticas a todos os dirigentes
portugueses (que o liam à sorrelfa) e aos brasileiros ilustrados,
constituindo o maior repositório de dados e análises fiáveis sobre o
estado do reino de Portugal, sobre a situação da Europa napoleônica e
pós-napoleônica, sobre as Américas em geral e sobre o Brasil em
particular. Seu “armazém literário” constitui o mais completo manual de
políticas públicas e de economia política – no sentido de estadismo para
a prosperidade dos povos, como a definia Adam Smith – cujo grande
objetivo era o de ajudar o Brasil e os “brazilienses” a enriquecer
rapidamente, como ocorria então na Inglaterra. Muitos ministros do
reino, em Portugal e no Brasil, concordavam com ele, mas às escondidas,
pois não o podiam revelar, ainda que um ou outro mais ousado tentasse
convencer o príncipe regente, depois D. João VI, do acertado daqueles
críticas e propostas de políticas, inclusive no que se referia aos
tratados desiguais com a própria Inglaterra. Infelizmente seus conselhos
foram raramente seguidos e ele veio a morrer antes de poder servir de
forma mais efetiva ao país que era o seu, mas que tinha abandonado ainda
muito jovem para nunca mais voltar.
2) José Bonifácio de Andrada e Silva
As mesmas
ideias defendidas por Hipólito, de monarquia constitucional e de fim da
escravidão, foram esposadas por José Bonifácio, grande intelectual
nascido em Santos, SP, homem de ciência e de grandes luzes, membro de
diversas academias europeias, combatente contra as tropas napoleônicas
em Portugal, antes de retornar ao Brasil para servir ao Reino Unido e se
converter no verdadeiro artífice da independência do Brasil. Proclamada
esta, ele pretendia, já na Assembleia Constituinte, libertar o Brasil
da mácula do tráfico escravo e, assim que possível, da nódoa da
escravidão, conseguindo braços para a lavoura e para a formação de uma
sólida economia agrícola entre camponeses imigrados europeus. Como
Hipólito, e como tantos outros abolicionistas, José Bonifácio foi
derrotado pela coalizão de mercadores de escravos e de grandes
proprietários de terras, abandonado, aliás, pelo próprio Imperador, que
aproveitou-se do recrudescer das turbulências políticas na Assembleia
Constituinte e das divisões políticas entre os maçons para decretar o
encerramento do breve exercício de ordenamento constitucional, “cassar”
os seus membros e exilar ou prender toda a família dos Andradas.
Bonifácio foi mais uma vez para a Europa, e só retornou ao Brasil para
ser preceptor, por breve tempo, do menino Pedro de Alcântara, mas já sem
condições de influenciar a política no período regencial. Foi um dos
grandes derrotados de nossa lista de estadistas-idealistas.
3) Irineu Evangelista de Souza
O gaúcho de nascimento e self-made man
só adquiriu o título nobiliárquico de Barão de Mauá (depois Visconde,
em 1875) na data da inauguração, em 1854, do primeiro trecho da ferrovia
Rio-Petrópolis, entre o porto de Mauá, na baia da Guanabara, e o pé da
serra de Petrópolis. Antes disso ele já tinha amealhado fortuna com seus
empreendimentos industriais (sobretudo estaleiros) e comerciais (em
especial seus bancos, no Brasil e em diversas capitais estrangeiras).
Homem possuidor do mesmo espírito empreendedor e liberal de seus tutores
ingleses (primeiro numa casa de importação no Rio, depois mediante
viagem à Inglaterra, em 1840), ele enfrentou inúmeras dificuldades num
país escravocrata e caracterizado pela mão pesada do Estado em todo e
qualquer setor da economia (o governo tinha de autorizar qualquer novo
empreendimento que ele desejasse fazer), e teve vários atritos com
ministros de sucessivos gabinetes do Segundo Império; essas desavenças o
levaram à ruina comercial e financeira, e obstaram a que suas ideias
progressistas pudessem ser reconhecidas como válidas e implementadas num
país em que o status de senhor de escravos ainda era sinal de
distinção.
O
historiador Nathaniel Leff, heterodoxo entre os intérpretes de nossa
história econômica, afirma que o atraso do Brasil não se situa tanto na
colônia, como afirmam vários historiadores consagrados, mesmo os da
vertente marxista, mas precisamente no período do Segundo Império,
quando o Brasil perde a oportunidade de implementar as reformas
preconizadas por Mauá, seja no terreno da força-de-trabalho, seja na
política monetária, ou no ambiente de negócios e no da infraestrutura.
Não há nenhuma dúvida que, ao final do Império, o Brasil teria sido um
país muito diferente se as ideias (não só econômicas) de Mauá tivessem
sido implementadas como políticas públicas. Ele foi, provavelmente, o
primeiro empresário derrotado de nossa história.
4) Joaquim Nabuco
O
“aristocrata” da zona da mata de Pernambuco é mais um derrotado de nossa
lista, não exatamente enquanto publicista – terreno no qual ele foi
brilhante – ou como diplomata do Império e da República, mas enquanto
abolicionista, a despeito de suas raízes nos engenhos de açúcar do
Nordeste. Intelectual blasé, ele bateu-se com denodo pela causa
da emancipação, e seu livro sobre o abolicionismo (publicado em Londres
em 1883) foi decisivo na intensificação da campanha, nessa mesma
década. Mas ele já tinha sido derrotado antes, pois que não conseguiu
reeleger-se para sua primeira cadeira de deputado, conquistada em 1878,
assim como viu frustrada sua campanha pela laicização do Estado
Imperial, que tinha a religião católica como oficial. Mesmo quando da
abolição, por decreto imperial, suas propostas para que a emancipação
dos escravos fosse acompanhada de um grande programa de reforma agrária e
da universalização da educação pública, compulsória e gratuita, com
vistas à elevação do padrão educacional de milhões de brasileiros
pobres, e não apenas dos negros libertos, jamais foram seriamente
consideradas pela República oligárquica.
Ele
afastou-se da política, como monarquista que era, e dedicou-se aos
livros e à história. Só retornou à vida pública para novamente
dedicar-se à diplomacia, não para defender o regime, mas para servir ao
país. O retorno lhe deu ainda mais desgosto, no caso da arbitragem
italiana sobre a questão da Guiana, fronteira com a colônia britânica: a
Grã-Bretanha abocanhou quase 50% a mais do território disputado do que
foi concedido ao Brasil, nascendo aí seu acentuado monroismo, ou
americanismo, ao considerar que das potências europeias o Brasil não
deveria esperar nada. Do nosso ponto de vista, entretanto, o Nabuco
“derrotado” que interessa registrar é o das nunca implementadas
propostas de reforma agrária e de educação pública em favor de negros
libertos e dos brancos pobres, na verdade para todos.
O Brasil
republicano, desde o início, e provavelmente até hoje, continua a pagar
muito caro pela ausência de medidas desse tipo, para elevar a capacidade
produtiva do seu povo. A reforma agrária, na verdade, na prática se
tornou inócua pela modernização capitalista da economia rural, mas no
campo da educação continuamos a exibir atrasos, se não quantitativamente
(a taxa de escolarização, no início do primário, alcançou, por fim, a
dos países avançados, mas 150 anos depois), certamente em qualidade do
ensino.
5) Rui Barbosa
Conselheiro
do Império, primeiro ministro da Fazenda do novo regime, no governo
provisório de Deodoro, quando empreendeu algumas boas reformas e outras
menos boas, o homem mais inteligente do Brasil (segundo os baianos),
foi, antes de tudo, um pensador, um doutrinário e um publicista (e um
dos mais prolíficos do Brasil, que nunca publicou um livro sequer, mas
que tem obras completas em dezenas de volumes). Ele é usualmente
definido como um polímata, pois suas atividades e escritos abrangiam os
mais diversos domínios do conhecimento humano, com especial predileção
pelo direito. Logrou sucesso em muitos dos empreendimentos que lhe foram
oferecidos ou para os quais ele se voluntariou, em virtude de seus
vastos conhecimentos jurídicos; voltou da Segunda Conferência
Internacional da Paz da Haia, em 1907, como um herói, o “Águia de Haia”,
como exageradamente seus conterrâneos chamaram-no.
Mas também
acumulou vários insucessos, entre eles a mal concebida reforma bancária
do início da República, que acabou resultando numa violenta
especulação, o chamado Encilhamento. Opôs-se a Rio Branco na compra do
Acre à Bolívia, e saiu ruidosamente da delegação negociadora. Sua maior
derrota, porém, não para ele, mas para o Brasil, foi ter perdido o
pleito presidencial de 1910 para o Marechal Hermes da Fonseca,
militarista como seria de se esperar, mas sobretudo prepotente, mandando
submeter a golpes de canhão os governadores recalcitrantes dos estados
que não o obedeciam. Por isso mesmo, o chanceler Rio Branco, angustiado,
pensou em se demitir do seu cargo, sucessivamente renovado em quatro
governos: coitado, morreu logo após.
A derrota
para Hermes da Fonseca foi uma derrota para o Brasil, no sentido em que
representou a consolidação do arbítrio como norma de governo, um golpe
de Estado permanente contra vários princípios constitucionais, a ofensa
aos adversários políticos (considerados inimigos) como coisa
corriqueira, o despotismo do Executivo sobre os demais poderes. Rui se
exasperava em face do desprezo que o governo exibia contra os mais
comezinhos valores da democracia, entre eles as liberdades individuais e
o pleno vigor do Estado de direito. Seus artigos, conferências e
palestras dos últimos anos revelam justamente sua revolta contra o
desrespeito demonstrado pela maior parte dos políticos – e dos militares
– às normas mais elementares do sistema democrático. Como seu amigo
Nabuco, ele faria um excelente ministro – talvez até primeiro – de um
sistema parlamentar ao estilo inglês (se possível de uma monarquia
constitucional, pois a despeito do seu republicanismo, Rui, a exemplo de
Oliveira Lima, se decepcionou rapidamente com aquela república), ou de
um governo congressual ao estilo americano, como preconizado pelo
professor de Princeton Woodrow Wilson, mais tarde presidente. Como os
anteriores, Rui também foi um derrotado, não apenas nos seus princípios e
convicções, mas também em suas tentativas práticas de democratizar
plenamente e de enquadrar o Brasil num Estado de direito efetivo.
6) Monteiro Lobato
O filho de
fazendeiros do Vale do Paraíba se espantou desde cedo com a
inacreditável miséria dos caboclos do interior, que ele imortalizou na
figura emblemática do Jeca Tatu. Ele constatou as condições sanitárias
abomináveis dos matutos do interior e, sobretudo, a ignorância abismal
desses homens que sequer tinham consciência de sua condição ou da
existência de um país chamado Brasil. Seus muitos artigos de imprensa,
sua atividade de editor, seus diálogos imaginários sobre nossos
problemas com um inglês da Tijuca – Mister Slang e o Brasil –,
todos eles batem na mesma tecla: o Brasil é um país profundamente
atrasado, tão arcaico a ponto de ser derrotado pelas saúvas e por
endemias eternas, e só teria salvação se empreendesse um vigoroso
esforço de modernização, de preferência modelado no exemplo americano.
O fordismo
lhe parecia a solução ideal para nossa débil industrialização, e o
petróleo seria o combustível indispensável à redenção da nação. Lobato
está na origem do “petróleo é nosso”, mas ele não era um chauvinista, um
patriota rústico que queria afastar o capital estrangeiro do esforço de
capacitação industrial e tecnológica. Ele se batia contra os “trustes
estrangeiros” não porque fossem estrangeiros, mas porque via neles uma
conspiração contra a prospecção de poços no Brasil, ao preferirem as
jazidas mais fáceis do Oriente Médio. Achava que o governo não fazia
esforços suficientes nessa direção, e denunciou o “entreguismo” da
ditadura Vargas: por isso foi processado e preso. Mas a sua concepção de
progresso era indiscutivelmente americana: ele foi mais um derrotado
pelo nacionalismo rastaquera e pelo estatismo arraigado nos corações e
mentes das elites políticas e industriais. Só o fato de proclamar o
valor dos livros na construção da nação já lhe valeria a entrada num
panteão da pátria. Pena…
7) Oswaldo Aranha
Paradoxalmente,
só foi derrotado quando finalmente chegou ao momento de maior glória, e
pelo próprio homem que ajudou a colocar no poder. A “estrela da
revolução liberal” de 1930, foi de fato o homem que “liquidou” a
República Velha, ante as hesitações e dúvidas de Getúlio Vargas quanto
às chances de vitória do movimento contra Washington Luís e seu
presidente eleito do bolso do colete. Não fossem os esforços decididos
de Aranha, no sentido de unir gaúchos e mineiros, e de aliciar forças
decisivas no Exército e nas tropas estaduais militarizadas, a revolução
de 1930 não seria o marco da modernização do Brasil e da construção de
um Estado moderno, não mais a “República carcomida” das oligarquias do
café-com-leite. Sucessivamente ministro da Justiça, da Fazenda (quando
ele encaminha os problemas da dívida externa e dos estoques de café) e
embaixador em Washington, Aranha estava no auge de sua glória quando
decide abandonar, por desgosto, seu posto diplomático, na sequência do
Estado Novo, em novembro de 1937, que repudiou imediatamente.
Foi apenas
sua amizade com Vargas, e a necessidade que este tinha de manter as
melhores relações possíveis com os americanos – a despeito de suas
notórias simpatias pelos regimes fascistas da Europa – que explicam seu
retorno à política, como chanceler do Estado Novo, de março de 1938 a
agosto de 1944. Sua ação à frente do Itamaraty foi decisiva para conter a
inclinação de muitos dos expoentes do regime por uma aliança com as
potências nazifascistas, aparentemente invencíveis no início dos anos
1940, e para ancorar vigorosamente o Brasil no grupo das Nações Aliadas.
Aranha
sempre foi um candidato natural das forças democráticas à presidência da
República: hipoteticamente em 1934, numa eventual escolha alternativa
pela Constituinte (e provavelmente por isso, Vargas decidiu manda-lo
para Washington); talvez em 1938, se as eleições previstas não tivessem
sido cortadas pelo golpe de Estado; possivelmente ao final do Estado
Novo, quando Vargas ainda manobrava para continuar, depois indicando um
sucessor de sua escolha; em 1950, quando foi sondado, mas preferiu
deixar o terreno livre para o ex-ditador; ou ainda, e finalmente, à
morte deste, nas eleições de 1955, disputadas por muitos candidatos bem
menos qualificados do que ele. Foi uma pena que sua falta de ambição, e
sua fidelidade irrestrita ao “irmão maior” que era Vargas, obstaram que
ele galgasse o posto mais alto da República.
Para se
ter uma ideia de como o Brasil poderia ter sido diferente, se ele
tivesse ascendido ao comando da nação, basta ler a carta que Aranha
enviou a Vargas para que este discutisse os assuntos da guerra e da paz
no encontro que o ditador teria em Natal com Franklin Roosevelt, em
janeiro de 1943. O maquiavélico ditador não só o afastou traiçoeiramente
dessas conversações, mas também impediu um encontro especial que se
realizaria em Washington com o presidente americano no mesmo mês em que
Aranha foi humilhado pela polícia política do regime, no triste episódio
da Sociedade das Américas, em agosto de 1944, o que acabou determinando
sua saída da chancelaria.
Naquela
carta, Aranha delineou não apenas um esquema de aliança com os EUA, para
ganhar a guerra, mas também uma estreita cooperação para participar da
nova ordem mundial a partir da restauração da paz; ele incluiu,
sobretudo, um programa inteiro de modernização industrial e de
capacitação do Brasil, com ajuda americana, de molde a realmente
impulsionar o grande deslanche do país à condição de potência regional
(num esquema não muito diferente da aliança não escrita defendida por
Rio Branco, e mais enfaticamente por Nabuco, no começo do século). O
Brasil teria sido um país muito diferente do que foi o caso, e
certamente melhor, se Oswaldo Aranha tivesse ascendido à presidência e
imprimido um estilo de governança e de políticas econômicas bem mais
abertas e propensas à integração na política e na economia mundiais.
8) Eugênio Gudin
Um
personagem nascido no século 19, que quase atravessou todo o século 20,
pregando sempre as mesmas ideias liberais em economia e de simples
sensatez na gestão pública. Formado em engenharia, mas economista por
gosto, Gudin foi um aderente da escola neoclássica, mas de fato um
eclético, e o responsável pela institucionalização dos cursos de
economia nas faculdades brasileiras de humanidades e de ciências sociais
em 1944. No mesmo ano, e no seguinte, foi protagonista do mais
importante debate jamais ocorrido na história intelectual do Brasil;
este representou, na verdade, um anticlímax, no sentido em que sua
importância tanto teórica quanto prática foi deixada de lado pelo “curso
natural das coisas”, ou seja, pela continuidade, em nossa governança,
das mesmas inclinações e tendências estatizantes e intervencionistas que
caracterizam o universo conceitual das lideranças políticas e
empresariais do país.
O debate
ocorreu quando se discutia abandonar os mecanismos intervencionistas em
vigor durante o período bélico para adotar novos instrumentos capazes de
guiar a ação do Estado no apoio ao processo de industrialização
(sinônimo de desenvolvimento na concepção da época). Gudin, que
naturalmente defendia princípios liberais e mecanismos de mercado para
guiar a ação do Estado no fomento desse processo, teve como contendor no
debate o industrial e intelectual – professor na Escola Paulista de
Sociologia e Política – Roberto Simonsen. Em 1930, fez traduzir e
publicar pelo CIESP, o Centro da Indústria do Estado de São Paulo, que
ele tinha criado em oposição à FIESP, o livro do economista romeno
Mihail Manoilescu, Teoria do Intercâmbio Desigual e do Protecionismo,
uma atualização “científica” das ideias de Friedrich List. Simonsen,
obviamente, se bateu pelo planejamento estatal, pelo protecionismo
tarifário e pelos subsídios oficiais à “indústria infante”, enfim, todo o
contrário do que pensava e preconizava Gudin, que era pela adesão do
Brasil aos princípios das vantagens comparativas, que recomendavam
incrementar o esforço de modernização agrícola, melhorar a
infraestrutura e o capital humano, e manter uma governança econômica em
bases sólidas e fiscalmente equilibradas.
O
resultado do debate foi mais uma vez paradoxal: Gudin saiu-se como o seu
vencedor teórico, ao demonstrar a inconsistência lógica e a escassa
solidez prática dos argumentos de Simonsen. Mas este foi, ao fim e ao
cabo, o vencedor efetivo do debate, uma vez que, no decurso das décadas
seguintes, todos os governos, apoiados pelos industriais e pelos
empresários em geral, seguiram as recomendações dos estatizantes, dos
nacionalistas primários, dos protecionistas declarados, que sempre foram
legião em todas as esferas da administração pública e na vida civil do
país. Mais uma vez, o derrotado foi o Brasil, único país no mundo a ter
conhecido oito (OITO) moedas sucessivas no espaço de pouco mais de meio
século: mil-réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo,
cruzeiro, cruzeiro real, real. Não é preciso referir-se aos números
astronômicos dos nossos processos inflacionários para constatar os
desastres criados pelos êmulos de Roberto Simonsen, que eliminaram na
prática as receitas mais equilibradas e ponderadas do longevo Gudin. Ele
continuou, até o final de sua vida secular, a preconizar as mesmas
receitas, sempre para ser derrotado pela realidade.
9) Roberto Campos
O
ex-seminarista que se fez diplomata às vésperas da Segunda Guerra, teve a
chance de servir em Washington quando se realizou a célebre conferência
de Bretton Woods, em 1944, na qual ele era um simples assessor, e não
um delegado. O mesmo ocorreu na conferência de Havana, sobre comércio e
emprego, em 1947-48, quando ele continuou a aperfeiçoar seu conhecimento
prático de economia, ao mesmo tempo em que fazia um mestrado nessa área
na George Washington University, quando defendeu uma tese sobre os
ciclos econômicos, de tinturas tanto neoclássicas quanto precocemente
keynesianas. Ele ainda era um partidário do Estado promotor do
desenvolvimento econômico, quando exerceu o cargo de diretor no BNDE,
nos anos 1950, quando colaborou na arrancada dos “cinquenta anos em
cinco” do governo JK, que também elevou a inflação a patamares nunca
antes vistos no Brasil, inclusive com a construção de Brasília (que foi
feita sem orçamento, à margem do orçamento e contra o orçamento, à razão
de 1,5% de déficit fiscal durante quatro anos).
Não
surpreende, assim, que o Brasil fosse levado a uma situação de grave
desequilíbrio orçamentário e de enormes problemas de balanço de
pagamentos no início dos anos 1960, quando ele foi, durante três anos,
embaixador em Washington. Ele se demitiu do posto, exasperado com a
inépcia de Jango, três meses antes do golpe de 31 de março de 1964,
cujos líderes o guindaram à função de ministro do planejamento, em
dobradinha com o ministro da Fazenda Octávio Gouveia de Bulhões. Ambos,
entre 1964 e 1967, conduziram o mais importante processo de reformas
econômicas e administrativas jamais empreendido no Brasil, um conjunto
ambicioso de mudanças constitucionais e de medidas infraconstitucionais
que abriram o caminho para o mais vigoroso ciclo de crescimento de nossa
história econômica.
Paradoxalmente,
porém, os dois, ainda que liberais em espírito e em intenção, foram
também os responsáveis pelo início da mais imponente escalada econômica
estatal jamais vista nessa mesma história. Não só eles, pois que seus
sucessores, em especial os acadêmicos Delfim Netto e Mário Henrique
Simonsen, impulsionaram, com o apoio entusiasta dos militares
reformistas, esse engrandecimento inédito do ogro estatal, elevando
enormemente a carga fiscal – a pretexto de aumentar o investimento
público –, criando dezenas de estatais em todos os setores considerados
“estratégicos”, não apenas para a economia, mas também para a “segurança
nacional”. De certa forma, o Brasil do regime militar conduziu uma
espécie de “stalinismo para os ricos”, uma industrialização “num só
país” que respeitava inteiramente o vezo nacionalista rústico dos
militares e sua preferência pela mais acabada autarquia produtiva, essa
introversão míope que tinha sido a marca dos regimes fascistas da Europa
dos anos 1930 (por acaso, um período no qual muitos dos líderes da
“revolução de 1964” estavam estudando nas academias militares e
aprendendo rudimentos econômicos de “independência e de soberania
nacional”).
Roberto
Campos detectou desde muito cedo essa deriva do Estado
reformista-modernizador dos militares para um “complexo
industrial-militar” orientado mais pelos princípios da “segurança
nacional” do que pelos saudáveis valores da economia de mercado; passou o
resto de sua vida tentando reverter o intervencionismo exacerbado do
regime militar e o nacionalismo tosco dos políticos da redemocratização.
Sem sucesso, porém: como Raymond Aron, na França, que durante anos
lutou contra os instintos socialistas da intelectualidade parisiense,
Campos lutou contra a indigência mental de nossos políticos e a
ignorância econômica da maior parte da intelligentsia nacional (que
Millor Fernandes chamava de “burritsia” acadêmica). Como Aron,
igualmente, só foi reconhecido como visionário ao final da vida, e ainda
assim, nem um, nem outro, conseguiu recolocar os respectivos países no
caminho das reformas liberais e pró-mercado. A despeito de ter acertado
em praticamente 90% do que escreveu durante toda a sua vida, Campos foi
ironicamente derrotado por uma de suas mais conhecidas ironias: “o
Brasil é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades”.
10) Gustavo Franco
Um dos
mais jovens expoentes da equipe que idealizou, montou e administrou o
lançamento do Plano Real, o mais bem sucedido esforço de estabilização
macroeconômica conhecido em nossa história econômica – hoje,
infelizmente, ameaçado pela Grande Destruição lulopetista –, que exibe a
distinção adicional de ter concebido o regime de transição da antiga e
desvalorizada sétima moeda de nossa história monetária para o Real,
mediante a indexação monetária via URV, cuja inspiração lhe tinha sido
dada ao estudar a experiência alemã de saída da inflação, em 1923. Ele
também foi o defensor de uma política de capitais e de câmbio bem mais
livre do que o normalmente admitido tradicionalmente, não apenas nas
faculdades de economia, mas sobretudo nos escalões governamentais, não
obtendo inteiro sucesso nessa área, em razão, como sempre, dos azares da
política.
A primeira
versão do Plano Real previa um esforço de ajuste fiscal bem mais severo
do que o efetivamente realizado, não implementado porque o presidente
Itamar Franco queria uma “estabilização sem recessão”. Foi preciso,
assim, manter os juros num patamar bem mais elevado do que o adequado,
pois que a âncora fiscal, que deveria ter sido implantada, foi
substituída por uma âncora cambial, que redundou, contra a vontade de
muitos economistas, numa excessiva valorização do Real (daí os
desequilíbrios de transações correntes acumulados na segunda metade dos
anos 1990). O resultado foi a crise de 1998-99, ainda assim provocada
por fatores externos: as crises asiáticas de 1997 e a moratória russa de
agosto de 1998, que impactou diretamente o Brasil; a situação foi
enfrentada mediante um programa de apoio financeiro das instituições de
Bretton Woods e de países credores, com sucesso relativo até a década
seguinte, quando a crise argentina, o apagão elétrico e as eleições de
2002 (e os efeitos econômicos do PT) agravaram o quadro de turbulências
no Brasil.
Gustavo
Franco, que tinha sido secretário de política econômica na gestão Itamar
e depois diretor de assuntos internacionais do Banco Central, ao
iniciar-se a gestão FHC, foi elevado à condição de presidente do BC em
meio às turbulências financeiras da crise asiática; conduziu um
meticuloso programa de ajustes cambiais que, teoricamente pelo menos,
permitiriam ao Brasil compensar a valorização por etapas, para evitar
uma grave crise e mais inflação. A pressão dos mercados, e do próprio
jogo político, foi entretanto mais forte, e Gustavo se viu constrangido a
sair do BC no auge da desvalorização cambial do início de 1999, e antes
do estabelecimento dos regimes de metas de inflação e de flutuação
cambial, finalmente adotados por Armínio Fraga, levado à presidência do
BC pouco depois. Uma história completa desses episódios, do ponto de
vista da política cambial, ainda está para ser escrita e o próprio
Gustavo é um bom candidato para empreender a tarefa. Mas esse é apenas
um detalhe num itinerário de reformas tentativas que Gustavo Franco
tentou impulsionar e que aguardam ainda hoje para serem continuadas e
completadas.
A
importância de Gustavo Franco, como economista e intelectual, está em
sua condição de debatedor, de publicista, ao defender em seus muitos
artigos, entrevistas e palestras, e em diversos livros, o Plano Real
como apenas o início de um processo de reformas e de mudanças
estruturais no Estado e na economia do Brasil que o levariam da condição
de adepto eterno de um keynesianismo de botequim e de um cepalianismo
tosco ao status de “país normal”, ou seja, simplesmente aderente de
regras claras, estáveis e transparentes de gestão econômica, como
compete a qualquer país dotado de uma economia de mercado digna desse
nome. Infelizmente, a gestão econômica companheira fez o Brasil
retroceder pelo menos vinte anos economicamente, e muito mais ainda
moralmente falando. Gustavo Franco também foi um derrotado, ainda que
temporariamente, uma vez que as reformas que ele preconizava não foram,
senão minimamente, implementadas nos anos seguintes, e muitas delas
revertidas na gestão irresponsável dos lulopetistas. Seus escritos e
declarações indicam o que está aberto nessa agenda de “work in progress”
(na verdade, evoluindo para trás, atualmente).
Os “derrotados” do desenvolvimento brasileiro: um balanço frustrante
Todas as
personalidades brevemente referidas aqui foram, em primeiro lugar,
pensadores, intelectuais com distintas formações acadêmicas – ou na vida
prática, como Irineu Evangelista de Souza – e com diferentes situações
sociais, de atuação no setor público e de responsabilidade nos governos
aos quais serviram ou com os quais trabalharam – ou não, caso de
Hipólito e Monteiro Lobato. Vários conceberam planos mais ou menos
arrojados para o futuro do Brasil, alguns com projetos ambiciosos de
mudanças estruturais, outros – como Gudin – com um cuidado mais prosaico
com uma gestão simplesmente responsável da coisa pública. Todos eles
preconizaram reformas corajosas para eliminar obstáculos e enfrentar os
problemas e desafios que constatavam existir no itinerário do
desenvolvimento brasileiro.
De certa
forma, muitos deles foram visionários, mas sensatos, no sentido em que
nenhum deles concebeu qualquer projeto utópico de reforma integral,
revolucionária, da sociedade brasileira. Nenhum deles foi um “engenheiro
social”, no sentido várias vezes criticado por um pensador liberal como
Isaiah Berlin: todos eles preconizaram atuar nos quadros dos regimes
constitucionais em vigor, respeitando as mais amplas liberdades –
sobretudo a de empreender – e os princípios e valores dos regimes
democráticos. Não por acaso, as propostas por eles formuladas se
aproximavam do modelo constitucional e de governança de corte britânico,
de amplo sucesso prático nos Estados Unidos e nos países que
institucionalmente e culturalmente pertencem ao mesmo arco
civilizatório.
Nenhum
deles teve sucesso – no máximo parcial – nas reformas e nas medidas
preconizadas para levar o Brasil a um patamar mais alto de
desenvolvimento político, econômico e social, num processo de total
respeito às regras elementares do jogo democrático, como diria Norberto
Bobbio. Aliás, o jurista e filósofo italiano, a despeito de seu imenso
sucesso intelectual e do prestigio cívico alcançado, foi outro derrotado
em seu próprio país, por acaso caracterizado por uma governança quase
tão corrupta quanto a brasileira.
Todos os
brasileiros, se tivessem logrado sucesso na implementação das medidas
propostas – se tivessem sido por acaso guindados a posições de mais alta
responsabilidade governativa, o que ocorreu unicamente com José
Bonifácio, mas ele foi rapidamente “podado” pelo seu soberano – teriam
provavelmente mudado o Brasil de uma forma mais profunda, mais intensa, e
mais positiva do que efetivamente ocorreu nos dois séculos que levam de
Hipólito José da Costa a Gustavo Franco. Este último continua um
batalhador incansável pelas reformas necessárias, e o único
“sobrevivente” (com perdão pela palavra) nesta nossa seleção: a ele cabe
manter a tocha das reformas, em primeiro lugar como publicista,
eventualmente, e novamente, como reformador.
No momento
em que o Brasil enfrenta a mais grave crise de sua história –
certamente na esfera econômica, mas também, e sobretudo, no plano moral –
é útil refletir sobre todas essas oportunidades perdidas, sobre a ação,
em grande medida frustrada, de todos esses “derrotados” na prática. Do
meu ponto de vista, eles são vitoriosos morais, gigantes intelectuais da
modernização e do progresso brasileiro, que, por um conjunto variado de
circunstâncias, não puderam conduzir suas propostas a bom termo, ou que
não tiveram a oportunidade, em virtude de um ambiente particularmente
negativo para os reformistas de qualquer quilate, de vê-las
implementadas pelos tomadores de decisões de cada momento. A “agenda
conjunta” de reformas modernizadoras – e corretoras de nossos grandes
defeitos sociais –, que todos eles preconizavam, permanece inconclusa:
na verdade, ela só existe no papel, num exercício como este de
levantamento das nossas lacunas e omissões, uma vez que não pudemos
contar, ainda, com estadistas que as implementassem verdadeiramente, com
base num consenso necessário e no respeito das liberdades democráticas.
A pergunta
final é inevitável: quando vamos contar com personalidades que se
apoiem nas propostas desses gigantes intelectuais para arregaçar as
mangas e “civilizar o Brasil”, na linguagem dos próceres da
independência? Não sabemos ainda. Mas seria útil retomar cada uma das
propostas desses pioneiros, para ver o que ainda falta fazer no Brasil.
Mãos à obra, pesquisadores e ativistas: a agenda já existe. Cabe agora
debater os meios de implementá-la, para passarmos da condição de
“derrotados” à de vencedores.
Que tal começar pelo levantamento do que falta fazer?
**Paulo Roberto de Almeida é Doutor em
Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas. Foi
ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington (1999-2003).
Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República.