Um inquérito ainda em curso.
Crédito: Getty Images Intrigada com as imagens e falas colhidas desde o 8 de janeiro revelando a amplitude das visões extremistas que acometeram o Brasil, propus a vocês, leitores e leitoras dessa Newsletter, uma ideia. Pedi que, caso tivessem interesse, relatassem a experiência pessoal de vocês com o extremismo, ou melhor, com pessoas no entorno de cada um/a que se radicalizaram ao longo do tempo. Colhemos aqui mais de 200 relatos ilustrando muitas semelhanças e nuances. A partir dessas experiências tem sido possível não apenas ver mais de perto o País moldado nesses últimos anos, como também pinçar elementos particularmente intrigantes. Meu profundo agradecimento a todos e todas que participaram e continuam participando por meio da apresentação de suas vivências próximas. A imagem que acompanha esse texto é de uma cidade subterrânea na região da Capadócia, Turquia. Derinkuyu é um complexo labiríntico do Século VIII a.c.. São dezoito andares subterrâneos capazes de abrigar mais de vinte mil pessoas. Pensei nessa e em outras cidades ocultas e misteriosas quando comecei a refletir sobre o extremismo brasileiro. Quem são essas pessoas? O quê as motiva? Como foram capturadas pelas ideias que acabaram por escravizá-las? O quê torna essas pessoas especialmente intrigantes, sobretudo não sendo o extremismo algo propriamente novo na história da humanidade? Evidentemente, não tenho respostas para nenhuma dessas perguntas. Mas, os relatos de vocês ajudaram a lançar luz sobre os túneis e labirintos que se formam nas mentes contaminadas pelo extremismo. Idosos aparecem em praticamente todos os relatos. Pais e mães, amigos, irmãos. Recentemente, o Nexo Jornal publicou uma apresentação acompanhada de breve análise que destaca, precisamente, a participação de adultos e idosos no 8/1. Os gráficos lá ilustrados corroboram os relatos da maioria de vocês. O extremismo brasileiro tem rugas, cabelos grisalhos, o corpo marcado pelo tempo. É claro que há, também, muitos jovens extremistas. Contudo, espanta a vasta presença de pessoas com mais de 45 anos que se deixaram levar pelo ressentimento, pela indignação, pelo ódio, pelo preconceito. O preconceito. Muitos de vocês relatam primeiro ter se dado conta da mudança de comportamento das pessoas por meio daquilo que passaram a dizer com mais e mais frequência. Ainda que a palavra “preconceito” propriamente dita não tenha aparecido, vários de vocês destacaram falas crescentemente radicais a respeito de grupos de pessoas percebidos como uma espécie de ameaça. Em muitos casos, esse comportamento se tornou o motivo do afastamento. Uma pessoa escreveu algo que me tocou profundamente: não é só política, mas um modo de ver a vida. Pensando nessa observação, compreendi que não é só política, é um modo de ver a vida, mas, sobretudo, de viver a vida. O que faz uma pessoa em idade já avançada trocar de forma súbita a sua forma de viver a vida, rompendo, inclusive, com filhos e netos? Solidão e isolamento são fatores, sem dúvida. No entanto, não sei se dão conta de explicar a intensidade da militância anos adentro da segunda metade da vida. Tampouco é possível tratar os preconceitos verbalizados por muitas dessas pessoas como algo particularmente brasileiro. O fato de ter o Brasil se transformado — em parte — em um reduto do reacionarismo idoso não é um elemento circunscrito às fronteiras do nosso País. Nos Estados Unidos e na Europa muitos movimentos extremistas de direita são também caracterizados pela militância idosa, conforme documentam alguns estudos. Fica cada vez mais evidente que a enunciação e a anunciação de preconceitos deixaram de ser apenas parte da vida social para se tornarem, também, uma expressão política e um modo de ver a vida, ou de se ver no mundo. Um mundo que, talvez, para essas gerações acostumadas com falsas noções de segurança e previsibilidade, assuste. Não estamos, afinal, tratando de pessoas que passaram por guerras mundiais, mas das gerações que sucederam esses dois grandes choques globais. Para elas, talvez seja difícil, senão impossível, compreender um mundo que não mais lhes oferece a ordem com a qual haviam se acostumado. Nesse mundo, pandemias paralizam e matam, desastres climáticos são cada vez mais frequentes, barreiras se rompem abrindo espaço para uma pluralidade que as desloca de suas zonas de conforto sem a “deferência devida aos mais velhos”. O mundo, suas incertezas, e a velocidade com que tudo se move arranca dessa demografia fantasias sobre seu lugar nele. Talvez por isso se rendam tão facilmente às ideias e discursos extremistas. Eles reposicionam a ordem, devolvem o protagonismo a essas pessoas, e permitem a restauração de suas fantasias. Visto desse modo, fica mais fácil entender porque o extremismo de direita é tão marcadamente uma questão de anos vividos. Deixo aqui essas reflexões e aguardo as reações de vocês. |