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domingo, 10 de agosto de 2014

A economia política das eleições: uma análise quase marxista - Paulo Roberto de Almeida


A economia política das eleições: uma análise quase marxista

Paulo Roberto de Almeida
  
1. O que elege um candidato?
Na verdade, a pergunta exata a fazer seria esta: por que alguns candidatos ganham, e outros perdem, uma eleição majoritária? A resposta parece óbvia, no domínio estrito da política democrática: candidatos (ou políticos que buscam reeleição) ganham (ou perdem) as eleições na razão direta de conseguir convencer (ou não) a clientela, ou seja, os eleitores, de que eles são capazes de “entregar” aquilo que se espera deles, que é, em geral e resumidamente, o maior bem-estar para o maior número (emprego, renda, escolas, hospitais, casas, segurança, etc.). Imagino que o eleitor médio pensa mais no bem-estar imediato, deixando de lado grandes considerações filosóficas sobre o voto.
Se a mensagem for suficientemente credível, e possuir alguma substância (no caso de políticos já dotados de mandato), então a vitória, ou a continuidade, pode estar assegurada. Dificilmente candidatos de um governo instalado perdem eleições, se este souber “comprar” um volume suficiente de eleitores para a sua causa. Já o candidato de oposição pode ganhar o almejado cargo se ocorrerem duas hipóteses: se o governo e seus candidatos se mostrarem incompetentes em defender suas políticas, ou em provar que não conseguiram, por tais e tais razões, entregar tudo o que prometiam lá atrás, e se o candidato de oposição conseguir convencer a mesma clientela de que ele poderia (ou poderá) fazer melhor.
Dito assim, o jogo político parece de uma simplicidade arrasadora, quando na verdade as variáveis que entram em jogo são múltiplas e imprevisíveis. Fatores extra-eleitorais podem desequilibrar a partida, assim como determinados traços de caráter dos candidatos e acidentes de campanha também alteram o resultado final, pegando de surpresa os institutos de pesquisa e os próprios candidatos. Evidências quanto a isso abundam, desde o triunfo surpreendente de Truman, em 1948, até recentes viradas eleitorais na sequência das graves crises econômicas que atingiram vários países da zona do euro. Crises econômicas, externas ou internamente induzidas, podem ser um fator desestabilizador. Mas o mais comum são os elementos puramente domésticos do jogo político, particularmente aqueles vinculados à empatia que os candidatos despertam nos eleitores, ou seja, a existência, ou não, de uma identificação mais direta entre “vendedor” e “clientela”. Em alguns casos, a rejeição pode ser fatal.

2. A campanha eleitoral como estratégia de marketing
A disputa política poderia (o uso de itálico é importante), em princípio, ser vista como um mercado como outro qualquer, de compra e venda de bens e serviços públicos. Os ativos são as políticas já em curso – que também podem representar passivos a serem cobertos – e as que os candidatos se propõem realizar no período à frente; os agentes são os mesmos que intervêm em qualquer mercado: de um lado os candidatos-vendedores (muitas vezes de ilusões), de outro os compradores-eleitores. O “contrato” é concluído na urna; mas será descontado aos poucos, no curso do mandato. Como nos mercados de bens e serviços correntes, os “produtos” dos candidatos são geralmente apresentados com apoio em grandes doses de publicidade, de preferência a mais abrangente possível e divulgada da forma mais compreensível para o público pagante, ou seja, os consumidores-eleitores.
Comunicação é, portanto, um ativo extremamente importante, assim como a percepção de que o consumidor não será enganado. Daí a importância crescente dos chamados estrategistas eleitorais, que se encarregam de dourar a pílula, ou seja, de apresentar um candidato como sendo muito melhor do que ele realmente é (algumas vezes de um modo até revolucionário, capaz de alterar completamente a imagem de um determinado candidato, realizando a proeza fantástica de vender gato por lebre, o que ocorre até com certa frequência). Entretanto, qualquer que seja a imaginação criativa de um desses especialistas em travestir candidatos, dificilmente sua capacidade de persuasão será capaz de superar a máquina de distribuir bondades governamentais, quando esta é colocada inteiramente a serviço do candidato do poder.
Aqui, justamente, está o elemento diferenciador que faz com que o mercado político não seja o exato equivalente do mercado de bens e serviços correntes, que é, em princípio, caracterizado pela atomização dos ofertantes e pela livre disposição de seus recursos da parte dos demandantes. Por isso, o verbo, em seu modo correto, como figura ao início desta seção, deve ser colocado na condicional, uma vez que o mercado político possui características que o distinguem dos demais mercados.
O mercado político não é igual ao mercado de bens e serviços correntes por um motivo simples: embora o Estado possa interferir tanto num quanto noutro – por meio de regras quanto ao seu funcionamento, ou por meio de impostos sobre as transações, por exemplo –, nos mercados puramente econômicos, os compradores dispõem (pelo menos nos sistemas capitalistas e razoavelmente democráticos) de liberdade completa para determinar quantidades, tipos e formatos das prestações dos bens e serviços aos quais pretendem alocar seus ativos financeiros. O consumidor é, em princípio, soberano nas suas escolhas e atua com base nas informações disponibilizadas pelos produtores, que teoricamente concorrem entre si pelas preferências do primeiro. Economistas liberais tendem a considerar a economia dos livres mercados como sendo uma espécie de “ditadura do consumidor” (Ludwig von Mises), o que se aproxima apenas parcialmente da realidade (já que cartéis, monopólios, coalizões e colusões de produtores deformam as condições de concorrência, em detrimento dos consumidores, obviamente). Na prática, todos os mercados são imperfeitos, como sabem, aliás, os economistas, liberais ou não.
Nos mercados políticos, ao contrário dos de natureza econômica (ou com bem maior ênfase do que nestes), o Estado é, não apenas um interlocutor incontornável e um regulador necessário, como atua, também, como agente de seus próprios interesses, não exatamente enquanto Estado, mas enquanto governo (ainda mais exatamente, enquanto políticos e partidos que controlam o governo, ainda que temporariamente). O Estado é, em grande medida, uma figura abstrata, virtual ou, em certo sentido, quase ficcional; ele existe, obviamente pelas suas instituições e pelo conjunto de leis e normas que regulam a ação de seus agentes permanentes, mas ele se expressa de modo muito mais afirmado enquanto ator de primeiro plano em suas roupagens de governo e em nome da coalizão de forças a serviço dos partidos e dos grupos de interesse representados e ocupando as instituições de Estado dotadas de capacidade política.
Nessa condição, o Estado deixa de ser um ente abstrato para passar a representar interesses políticos, econômicos e projetos tangíveis e intangíveis vinculados aos líderes políticos que ocupam temporariamente suas alavancas de comando. Isto é básico e elementar, conhecido de qualquer estudante de graduação que tenha lido seus manuais de ciência política ou se debruçado sobre a obra de Max Weber. Aliás, até mesmo Marx, nas páginas muito rudimentares do Manifesto Comunista, ou naquelas melhor elaboradas do 18 Brumário, já tinha detectado essa captura do Estado por forças políticas ou por personagens excepcionais – nem todos representando as “elites” tradicionais – que se movimentam no grande palco das lutas pelo poder.

3. O que Marx teria a dizer a propósito dos embates eleitorais?
Justamente, se Marx fosse chamado a reescrever suas obras políticas mais conhecidas – como os já citados Manifesto e 18 Brumário, acrescidos do Luta de Classes na França – adaptando-as ao cenário do Brasil atual, ele talvez tivesse ensinamentos interessantes a dar aos marxistas de carteirinha, que são abundantes no Brasil, aliás amplamente representados por um largo espectro do leque partidário. Desculpe o leitor não especialmente simpático ao cenário em questão por esta derivação marxista em torno da economia política das eleições, mas é que tenho observado como diversos comentaristas do cenário político brasileiro ainda formulam seus argumentos sobre o cenário eleitoral com base em velhos conceitos que pertencem a esse universo conceitual: classes sociais, direita, esquerda, capitalismo, redistribuição de renda, justiça social, direitos dos trabalhadores, especuladores financeiros, e por aí vai. Vamos então reformular o debate em termos que poderiam ser encontrados naquelas obras de Marx.

Se considerarmos o estado atual da luta de classes no Brasil, depois de anos e anos de afirmação de uma liderança cesarista e carismática, o que se pode dizer é que as ditas classes subalternas se renderam ao Bonaparte do momento. Não ocorreu, para todos os efeitos, qualquer golpe na trajetória política recente do país, algo inesperado como um raio caído de um céu azul. Não; tudo foi o resultado racional-legal da lenta ascensão de classes supostamente trabalhadoras ao pináculo do poder, o produto final da lenta acumulação de forças pelo partido que aparentemente os representa. O final lógico desse teatro de lutas contra os burgueses liberais nos últimos anos já era o esperado: o manto imperial caiu, finalmente, nos ombros do pequeno Bonaparte, sem sequer algum gesto dramático, menos ainda com qualquer sinal de tragédia. Foi, assim, um triunfo de comédia.
Todas as classes, com exceção de uma fração extremamente reduzida de ideólogos da pequena burguesia libertária, se renderam ao líder aclamado; a minoria que o ataca não tem qualquer força social atrás de si para contestar o seu domínio completo sobre a sociedade. A máquina burocrático-sindical já estava ganha desde o início, pois foi dela mesmo que o novo Cesar emergiu para uma ascensão lenta, mas irresistível. Os movimentos desorganizados do lumpesinato e do proletariado não sindicalizado foram os que convergiram em segundo lugar, pois eles encontraram no Tesouro da República a justa compensação pela escolha judiciosa que fizeram.
Não foi preciso repetir a história, sequer como farsa, no caso da grande burguesia industrial e dos representantes da alta finança: eles já tinham sido convencidos, desde antes da ascensão do imperador, de que seus interesses de classe seriam regiamente compensados, como de fato o foram, pela fidelidade demonstrada ao novo esquema de poder. Todos eles foram colocados na mesma categoria de apoiadores, meras figuras decorativas na urna de votos do novo Cesar, como se fossem simples unidades indistintas de um grande saco de batatas.
O fato é que até mesmo o antigo partido da mudança foi parar nesse saco de batatas, e virou o partido da conservação, submisso ao poder do chefe supremo. As bases de seu poder são relativamente transparentes, pois basta seguir o itinerário do dinheiro que escorre dos cofres públicos para os aliados privilegiados. No entanto, como sabem os economistas burgueses, esses recursos, na verdade, escorrem dos bolsos da burguesia e da pequena burguesia, dos grandes proprietários fundiários, dos caixas das empresas da burguesia industrial, e até mesmo dos parcos tostões do proletariado e seus aliados menores. Temos, em primeiro lugar, a plutocracia financeira, aquela que sempre se opôs ao partido da mudança, quando este era desestabilizador, mas que logo se acomodou, ao constatar que o grande líder propunha, na verdade, uma coalizão diferente para manter o mesmo esquema de poder real; ela foi contemplada, como sempre, com os juros da dívida pública, sem precisar fazer qualquer esforço no mercado de capitais ou na busca de clientes para seus empréstimos extorsivos. A grande burguesia das fábricas e dos negócios comerciais também soube encontrar o seu nicho no novo esquema de poder: um mercantilismo renascido com um Estado ainda mais forte, capaz de dispensar empréstimos facilitados, isenções fiscais, tarifas protetoras e toda sorte de prebendas e subsídios que tinham uma existência mais modesta na antiga República neoliberal.
Vem em seguida a nova aristocracia sindical, que já não era operária havia anos, provavelmente a décadas; sua fração burocrática converteu-se em parte integrante da nomenklatura estatal, a nova classe privilegiada, que alguém já chamou de “burguesia do capital alheio”. A maior parte, porém, continuou nas corporações sindicais, agora locupletando-se de fundos públicos, que lhe são repassados sem qualquer controle. Junto com os militantes do antigo partido da reforma, eles constituem os elos mais relevantes do novo peronismo em construção, uma nova força política que é puro movimento, sem qualquer doutrina ou construção teórica mais elaborada.
Os aliados da academia, que poderiam fornecer uma base intelectual para o antigo partido da mudança, os universitários gramscianos, estes parecem singularmente estéreis na produção de novas ideias, pois ficam repetindo velhos slogans do socialismo do século 19, sem qualquer originalidade ou refinamento. São tão atrasados, e alienados, esses acadêmicos repetitivos, que terminaram por ver num coronel golpista, de notórias tendências fascistas, um líder progressista do novo socialismo; o êmulo de Mussolini pretendia que o seu socialismo fosse do século 21, quando este nada mais constituiu senão uma confusão mental e uma construção estatal digna do que havia de pior no sovietismo esclerosado. Os resultados estão à vista de todos.
Outros componentes do mesmo saco de batatas são os funcionários públicos, alguns verdadeiros mandarins, a maioria simples beneficiários da prodigalidade estatal, que, na média, recebem o dobro do que ganhariam na iniciativa privada, para níveis de produtividade que são, na média, menos da metade daquelas do setor privado. Figuram ainda no saco, finalmente, os recipientes do maior programa social do mundo, que vem a ser, também, um grande curral eleitoral: o lumpesinato, de forma geral, e os vários lumpens urbanos, em particular, com alguns pequeno-burgueses espertalhões aqui e ali. Não se deve esquecer, tampouco, tubérculos igualmente vistosos, como os beneficiários de bolsas para diversas categoriais sociais ou as cotas para os representantes do Apartheid em formação, os promotores do novo racismo oficial.
Ficam de fora do saco de batatas apenas e tão somente 3 ou 4% do eleitorado, representado politicamente por figuras teimosas, que recusam inexplicavelmente o mito do demiurgo e que pretendem continuar o combate de retaguarda, sem qualquer esperança de reverter o curso do processo político no futuro previsível. Esses novos mencheviques intelectuais também fazem sua própria história, mesmo se eles ainda não têm consciência disso: eles não podem, contudo, esperar fazer sua revolução a partir de um passado já enterrado; apenas em direção ao futuro, embora o caminho seja longo e os resultados muito incertos.
Mas atenção, alto lá: o cenário econômico e político parece estar mudando, uma vez que as fórmulas milagrosas e a conjuntura favorável que prevaleciam anteriormente já não estão produzindo o mesmo efeito favorável ao partido da mudança convertido em partido da conservação. Uma conjuntura de transformação parece estar se abrindo no horizonte político do país: tudo o que parecia sólido se desmancha no ar, e o lento desabrochar de novas forças produtivas parece estar forçando uma mudança radical nas relações sociais. Os oprimidos do momento já não tem mais nada a perder, senão os seus grilhões. Um espectro assusta o partido da conservação: o da sua derrota eleitoral, como resultado da ascensão de novas forças no teatro da república.
O que parece certo é que a mistura de pequeno Napoleão com um Perón improvisado também terá um dia sua estátua derrubada do alto da coluna Vendôme, não tanto como resultado de uma nova luta de foices e martelos, mas como o produto de uma lenta evolução educacional. Esta é a revolução mais difícil de ser provocada, mas constitui, legitimamente, o único processo revolucionário de que o Brasil necessita.


Paulo Roberto de Almeida
[Hartford, 10/08/2014; com base em texto anterior, escrito em Zhengzhou, em 24.08.2010, revisto em: Shanghai, 26.08.2010]

sábado, 9 de agosto de 2014

Petrobras: governo frauda sua propria CPI (Veja)

Quando começou uma e depois a outra CPI da Petrobras, eu tinha certeza de que não iria dar em nada, mas isso devido basicamente à maioria aplastante dos governistas. Eu não contava com que o governo mafioso fosse, além disso, recorrer à fraude, às tramoias e ao crime,  mas isso está perfeitamente conforme à sua natureza mafiosa.
Ou seja, o governo dos companheiros é capaz de montar uma corrupção em cima de outra corrupção, ou várias em cima de muitas outras, e tem especialistas no assunto, como parece, pois continua montando fraudes e tramoias em ritmo industrial, uma linha de montagem inteira de "malfeitos" operados por seus servos obedientes, a partir do próprio centro do poder.
Nunca antes...
Paulo Roberto de Almeida

Revista VEJA, 09/08/2014 - 16:35

A farsa da CPI, quadro a quadro

A chegada da caneta com a câmera à sala de reuniões, a combinação para entregar as perguntas dos parlamentares aos investigados, os cuidados para não ser pegos em flagrante e atender à ordem “lá de cima”. Em quase vinte minutos, o vídeo conta a história de uma tenebrosa transação para enganar o Congresso, desmoralizar a CPI e ludibriar a opinião pública

Daniel Pereira, Adriano Ceolin e Hugo Marques
A presidente da Petrobras, Graça Foster, durante audiência conjunta no Senado em Brasília, na manhã desta terça-feira (15), para prestar esclarecimentos sobre denúncias envolvendo a estatal
A presidente da Petrobras, Graça Foster, durante audiência conjunta no Senado em Brasília, na manhã desta terça-feira (15), para prestar esclarecimentos sobre denúncias envolvendo a estatal (Givaldo Barbosa /Agência O Globo/VEJA)

Na edição passada, VEJA revelou uma fraude perpetrada por funcionários graduados da Presidência da República e da Petrobras, em parceria com a liderança do PT no Senado, para desmoralizar a CPI que investiga a empresa e engambelar a opinião pública. Documentada em um vídeo com cerca de vinte minutos de duração (que pode ser visto na íntegra abaixo), a trapaça funcionava da seguinte forma: os investigados recebiam as perguntas dos senadores com antecedência e eram treinados para responder a elas, a fim de evitar que entrassem em contradição ou dessem pistas capazes de impulsionar a apuração de denúncias de corrupção na companhia. Pegos de surpresa e sem poderem negar o conteúdo do vídeo, os governistas trataram de interpretá-lo a seu favor. O relator da CPI da Petrobras no Senado, José Pimentel (PT-CE), negou a existência de armação entre investigadores e investigados. Funcionários do Planalto admitiram a parceria com a Petrobras e os parlamentares, mas sustentaram que ela foi feita em benefício do bom funcionamento dos trabalhos da CPI, e não para fraudá-la. Paulo Bernardo, ministro das Comunicações, saiu-se com a tese de que a combinação de depoimentos em CPIs “vem desde Pedro Álvares Cabral”. Seria, portanto, um trabalho corriqueiro, normal. Normal não é. É crime. Pode até ser prática antiga, ninguém sabe, mas esta é a primeira vez que a malandragem vem a público em som e imagens.
Integrante da base governista, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) afirmou que, durante a CPI dos Correios, os investigados jamais receberam as perguntas previamente nem foram ajudados pela equipe técnica da comissão nas respostas. Por um simples motivo: para avançar, uma apuração precisa surpreender seus alvos e forçá-los a revelar aquilo que querem esconder, justamente o contrário da meta perseguida pela fraude governista. “Uma investigação de verdade pressupõe pegar o investigado de surpresa”, disse Serraglio. “Como falar em investigação se já se sabe tudo o que será perguntado e respondido. Imagine um promotor ou um delegado alertando o investigado sobre quais questionamentos serão feitos a ele. Isso é ridículo.” A indignação do deputado é plenamente justificada. Ele conhece o poder depurador que uma CPI bem conduzida pode ter na vida política brasileira. Serraglio, que é advogado, foi relator da CPI dos Correios, que investigou o mensalão e cujo relatório final serviu de prova para a cassação de deputados e a prisão de petistas, como o ex-ministro José Dirceu. Se durante a CPI dos Correios houvesse distribuição de gabarito e acordo clandestino entre investigadores e investigados, o marqueteiro Duda Mendonça dificilmente teria admitido que recebera no exterior, via caixa dois, o pagamento pelos serviços prestados à campanha presidencial de Lula em 2002. Outras confissões também seriam contidas nos bastidores. “A CPI dos Correios fez com que o pessoal se blindasse. Desde então, houve um desvirtuamento das CPIs. Não adianta nada a Constituição garantir à minoria o direito de investigar se a maioria se acha no direito de fechar as portas para a investigação”, declarou Serraglio. Escaldado pelos resultados da CPI dos Correios, o ex-presidente Lula sempre ordenou ao PT que tratorasse as comissões parlamentares seguintes. Foi assim com a CPI do Cachoeira e com a CPI da Petrobras de 2009. Em abril deste ano, Lula mandou o PT “ir para cima” da nova CPI da Petrobras. Missão dada, missão cumprida.
Graça Foster, presidente da Petrobras, e Sergio Gabrielli, seu antecessor no cargo, receberam o gabarito antes de prestar depoimento. Um dos envolvidos contou a VEJA que o chefe do escritório da companhia em Brasília, José Eduardo Barrocas, que dizia falar em nome de Graça, fez saber a Marcos Rogério de Souza, secretário parlamentar do bloco governista no Senado, que não seriam toleradas perguntas sobre os contratos firmados entre a Petrobras e uma empresa do marido dela, Colin Vaughan Foster. Graça foi inquirida durante três horas e, efetivamente, nenhuma pergunta a respeito do marido foi formulada. Isso é disciplina partidária. Isso é intolerável em uma democracia.
O vídeo revela quem eram os autores dos questionamentos, os beneficiários da trama e até a preocupação com a forma de consumar a fraude. Durante a reunião, houve um debate sobre qual seria o melhor meio para encaminhar o gabarito aos investigados e como evitar que a imprensa descobrisse a presença de Nestor Cerveró nas dependências da Petrobras horas antes de seu depoimento. Ex-diretor da área internacional da companhia, Cerveró era o principal motivo de preocupação do governo porque tinha sido acusado por Dilma de elaborar o parecer que embasou a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, operação que resultou em prejuízo bilionário. Demitido e sacrificado em público, Cerveró insinuou constranger a presidente no depoimento aos senadores. “Qual o acesso mais discreto aqui pra ele (Cerveró)? Não tem muita alternativa, não, né?”, indaga Leonan Calderaro Filho, do departamento jurídico da Petrobras. “O antes é que eu acho perigoso”, responde José Eduardo Barrocas, chefe do escritório da empresa em Brasília. Se tivesse sido uma operação normal, não haveria preocupação em encontrar “alternativas” para conseguir um “acesso mais discreto” a Cerveró. Se tivesse sido um jogo limpo, não haveria por que o “antes” ser “perigoso”. Em processos republicanos, o antes, o durante e o depois não oferecem perigo a seus autores. O processo que o vídeo obtido por VEJA revela é uma tenebrosa transação feita longe dos olhos do povo, da polícia e da Justiça com o objetivo de fraudar o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado e, de resto, desmoralizar essa instância investigativa que já colocou um presidente para fora do Palácio do Planalto (Fernando Collor), saneou o processo orçamentário no Legislativo (CPI dos Anões do Orçamento) e mandou para a penitenciária da Papuda a cúpula do partido no poder (CPI dos Correios). Desmoralizar as CPIs só interessa a corruptos contumazes.
A seguir, assista ao vídeo na íntegra.

Como a caneta espiã chegou à sala

  • 00:00 a 00:30
    Uma funcionária da sede da Petrobras em Brasília pega um calhamaço de documentos e avisa a um colega, a quem chama de Dudu, que está indo entregar o material a Bruno Ferreira, advogado da estatal. Bruno estava em reunião em outra sala. Foi o próprio advogado quem pediu à funcionária que levasse o material até ele. A caneta-gravador está junto com os papéis. E já em funcionamento.
  • 00:31 a 02:26
    A funcionária caminha pelos corredores do prédio da Petrobras em Brasília. A caneta está ligada. A mulher se dirige para a sala onde Bruno Ferreira estava reunido com o chefe do escritório brasiliense da Petrobras, José Eduardo Barrocas, e o coordenador do departamento jurídico, Leonan Calderaro Filho. Bruno Ferreira estava aguardando a funcionária à porta.
  • 02:27 a 02:39
    A funcionária chega à sala onde Bruno está. Ele recebe das mãos dela os papéis — e a caneta-gravador, ligada. “Dá uma conferida se era esse arquivo... Eu tô vendo aqui falando da história do Gabrielli, aí... Só que é no fnal que vêm as perguntas, né?”, diz a moça. “Obrigado, querida”, responde Bruno.

A fraude se desenrola

  • 02:40 a 03:55
    Bruno volta para a reunião. A caneta é manuseada o tempo todo por ele. Por isso, na maior parte do tempo as imagens são trêmulas. O áudio, porém, é captado com clareza. Barrocas está ao telefone tratando da visita de um grupo de parlamentares a uma refinaria que está sendo construída no Maranhão. Enquanto isso, Bruno e Calderaro folheiam os papéis. Eles conversam sobre as perguntas.
  • 05:00 a 07:10
    Barrocas sai do telefone e passa a conversar com Bruno e Calderaro sobre o assunto da ligação. É interrompido pelo telefone celular. E diz para a pessoa do outro lado da linha que não podia falar porque estava atarefado com assuntos relativos à CPI: “Ô Cristina, me dá um tempo aí. Eu tô com a CPI aqui nas minhas costas que tá danado”. Em seguida, retoma a conversa com Bruno e Calderaro.
  • 07:11 a 07:47
    O grupo passa a falar da CPI. Eles estavam comparando as perguntas que seriam feitas a Cerveró com as que haviam sido feitas ao ex-presidente da estatal José Sergio Gabrielli, ouvido na véspera pela comissão. “E aí, o que você está achando aí?”, pergunta Barrocas. “Na verdade, estão repetindo bastante as perguntas em relação ao Gabrielli”, afirma Bruno. “Bastante, bastante pergunta repetida, assim como para a Graça vão repetir também”, dizBarrocas.
  • 07:48 a 08:30
    Barrocas revela a origem das perguntas preparadas para o depoimento de Cerveró e expõe a fraude: “Eu perguntei da onde, quem é o autor dessas perguntas. Oitenta por cento é o Marcos Rogério (assessor da liderança do governo no Senado). Ele é o responsável por isso aí. Ele disse hoje que o Carlos Hetzel (assessor da liderança do PT) fez alguma coisa, o Paulo Argenta (assessor da Presidência da República) fez outras”, relata Barrocas.

A ajuda a Cerveró

  • 08:31 a 10:47
    Barrocas quer saber quais advogados o departamento jurídico da Petrobras mobilizaria para acompanhar o depoimento de Cerveró à CPI, no dia seguinte. O grupo continua falando das estratégias para o depoimento.
  • 10:48 a 12:50
    A exemplo das perguntas, outros detalhes do depoimento haviam sido previamente acertados. “Me pediram para falar para o Cerveró não fazer apresentação. O Marcos Rogério falou: ‘Vocês têm como falar para o Cerveró para ele não fazer a apresentação? Para entrar direto no assunto...’”, diz Barrocas.
  • 12:51 a 13:37
    Aqui a prova da combinação. O advogado Bruno Ferreira consulta o chefe Barrocas sobre as orientações que deveriam ser dadas a Cerveró. Uma reunião com o ex-diretor estava marcada para aquele dia, também na sede da Petrobras em Brasília. “Barrocas, qual a estratégia em termos de orientação ao Cerveró?”, perguntou. “A gente vai prestar o apoio possível”, diz Calderaro.
  • 13:38 a 14:10
    O nome do senador petista Delcídio Amaral (MS) aparece na trama. Amigo de Cerveró, Delcídio fora escolhido como um dos canais de comunicação com o ex-diretor. “Como nós soubemos que a gente não podia fazer contato com ele (Cerveró), o pessoal do Senado pediu pro Delcídio fazer. Aí ao Delcídio eu falei: é o seguinte, compacta aí. Chamaram ele, deram curso pra ele, media training...” Calderaro reforça: “Ontem a tarde toda. E o Jurídico da Petrobras do lado”. “O pessoal não queria fcar de conversa com ele. Nós pedimos ao Delcídio pra conversar com ele”, afrma Barrocas.

O medo de serem descobertos

  • 14:11 a 14:46
    O grupo passa a discutir a forma mais segura de enviar à sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, as perguntas a Cerveró. “Vou passar pro Salles (Jorge Salles Neto, assessor direto de Graça Foster), pra ele...”, diz Barrocas. (...) As do Gabrielli eu digitalizei e passei pra Graça. Por quê? Porque eu não sabia que aquilo era o ‘gabarito’, vamos chamar assim. Eu achei que o Dutra (o petista José Eduardo Dutra, também ex-presidente e atual diretor da Petrobras) tinha trazido aquilo pra ele (e dito), como em escola: ‘Estuda aí’. Depois que eu vi que era o gabarito”, relata Barrocas.
  • 14:58 a 17:48
    Os funcionários da Petrobras estão preocupados com o sigilo. “Qual o acesso mais discreto aqui pra ele (Cerveró)? Não tem muita alternativa, não, né?”, indaga Calderaro. É o próprio Barrocas quem defne a gravidade da situação: “O antes é que eu acho perigoso”. “A questão do preparo, né?”, engata Calderaro. “Não tem como, só tem uma entrada aqui”, lembra Calderaro.

A ordem de cima

  • 17:49 a 19:25
    Na última parte da reunião, o grupo narra que houve uma ação para afastar o advogado de Cerveró. “O pessoal deu uns toques nele que o advogado dele estava atrapalhando”, diz Barrocas. O advogado de Cerveró havia ameaçado envolver mais gente no escândalo de Pasadena. Era, portanto, uma voz dissonante do enredo que estava sendo montado. O vídeo termina com os advogados falando de como operacionalizar a orientação “lá de cima”.
Para ler outras reportagens compre a edição desta semana de VEJA no IBA, no tablet, no iPhone ou nas bancas.

Cartografia historica: mapas antigo digitalizados

Para quem, como eu, adora mapas, história, geografia, viagens, livros, cultura, etc.
Paulo Roberto de Almeida 




Viagem no tempo on-line e de graça
Mapas não são apenas registros geográficos. Com o passar dos anos, tornam-se importantes artefatos históricos, memórias feitas de papel e tinta de certas configurações locais, regionais e mundiais que nunca mais serão as mesmas. Por isso, todo projeto que disponibiliza acervos de mapas na rede para acesso público contribui para resgatar parte da história de nosso mundo. 
Um exemplo recente foi dado pela Biblioteca Pública de Nova York, que disponibilizou na internet para download e sob uma licença Creative Commons sua coleção de mais de 20 mil mapas, todos em alta resolução. As cartas podem ser acessadas na plataforma Map Warper. A coleção conta com registros elaborados do século 16 às primeiras décadas do século 20 que retratam a Europa, a América do Sul e os Estados Unidos, além, é claro, de uma grande coleção de mapas da própria ‘grande maçã’.
A plataforma digital também conta com recursos muito interessantes: permite combinar parte de seu acervo com coordenadas geográficas reais, recriando os registros antigos como espaços virtuais, que podem ser percorridos e complementados com informações adicionais, como fotos históricas – tudo isso de forma colaborativa. Vale conferir! 
Abaixo selecionamos alguns exemplos de mapas disponibilizados on-line pela iniciativa: 
Viagem no tempo on-line e de graça
Mapas não são apenas registros geográficos. Com o passar dos anos, tornam-se importantes artefatos históricos, memórias feitas de papel e tinta de certas configurações locais, regionais e mundiais que nunca mais serão as mesmas. Por isso, todo projeto que disponibiliza acervos de mapas na rede para acesso público contribui para resgatar parte da história de nosso mundo. 
Um exemplo recente foi dado pela Biblioteca Pública de Nova York, que disponibilizou na internet para download e sob uma licença Creative Commons sua coleção de mais de 20 mil mapas, todos em alta resolução. As cartas podem ser acessadas na plataforma Map Warper. A coleção conta com registros elaborados do século 16 às primeiras décadas do século 20 que retratam a Europa, a América do Sul e os Estados Unidos, além, é claro, de uma grande coleção de mapas da própria ‘grande maçã’.
A plataforma digital também conta com recursos muito interessantes: permite combinar parte de seu acervo com coordenadas geográficas reais, recriando os registros antigos como espaços virtuais, que podem ser percorridos e complementados com informações adicionais, como fotos históricas  tudo isso de forma colaborativa. Vale conferir! 
Abaixo selecionamos alguns exemplos de mapas disponibilizados on-line pela iniciativa: 

Declaração de voto: um manifesto pessoal - Paulo Roberto de Almeida


Declaração de voto: um manifesto pessoal

Paulo Roberto de Almeida

Dez pequenas regras eleitorais
Não! Contrariamente ao que diz o título, não vou declarar o meu voto nas próximas eleições, para qualquer candidato que seja dentre a dezena de pretendentes ao cargo supremo na nação. Não é esse o objetivo a que aspira este texto, cuja única intenção é a de fixar alguns parâmetros pelos quais eu vou decidir o meu voto, independente de qual seja ele. Não vou definir quais são meus candidatos preferenciais, nem pretendo influenciar os leitores ou lhes sugerir um nome ou outro dentre os candidatos em liça. Trata-se apenas e tão somente de uma declaração de cunho moral.
Os que me leem habitualmente, neste espaço ou em outro qualquer, e os que por acaso passarem por aqui ou vierem a tomar conhecimento deste ensaio, podem ficar seguros de que não faço, nunca fiz, jamais farei propaganda para alguém, para qualquer candidato, de qualquer partido, tanto porque nunca pertenci a qualquer um deles, jamais pretendo ingressar em algum, nem milito por alguma causa política institucional. Meus poucos objetivos na vida cívica são: os de querer a política da verdade e o simples respeito à lógica; de manter um compromisso intransigente com a honestidade – acima de tudo intelectual, mas também política –, metas que podem ser complementadas pelo engajamento na causa das liberdades democráticas e pela luta sem qualificativos pelos direitos humanos, sem qualquer concessão a ditaduras, ou a ditadores, caudilhos, líderes populistas, aos embromadores políticos habituais e outros patifes eleitorais. Pode parecer antiquado, mas é o que me basta.
Sendo assim – certo de que o que vai acima ficou muito claro – devo talvez começar por dizer, não exatamente quais são os meus parâmetros de escolha eleitoral (pois existem muitas variáveis envolvidas), mas quais são os padrões concretos e quais são as situações políticas que rejeito absolutamente, pois esses elementos já fornecem uma base de julgamento sobre o quê, exatamente, vai determinar o meu voto e as minhas escolhas eleitorais no próximo escrutínio. A rejeição de certos “pecados” políticos já representa um começo razoável para o estabelecimento ulterior de uma plataforma de acolhimento do que eu chamaria de “boas virtudes” na vida cívica.
Pretendo, portanto, oferecer uma lista negativa do que entendo serem os critérios que me guiam na recusa de vários candidatos e na escolha de um, preferencialmente a todos os demais, numa espécie de coleção de reflexões de ordem geral sobre o que me parece importante no jogo eleitoral. Sabendo exatamente o que eu não desejo que continue na política brasileira posso assim descartar o que me parece inconveniente desse ponto de vista. Que fique claro que estou sendo o mais realista possível. Partilho, como muitos de meus leitores, ou com todas as pessoas de minha condição – ou seja, classe média bem informada, incluída digitalmente – o sentimento de rejeição a tudo o que vemos de errado na política brasileira. Mas não sou ingênuo, ou desinformado, a ponto de acreditar que o meu voto de protesto contra isso que vemos se expressaria melhor por uma das três formas de “negatividade” que muitas pessoas tendem a escolher: a abstenção, ou ausência do processo eleitoral, ou o voto nulo ou branco.
Esse tipo de atitude só consegue fortalecer o péssimo sistema já existente, ao ser um protesto absolutamente inconsistente. A abstenção ou os votos nulos ou brancos podem favorecer quem já está na frente – que é usualmente quem detém o poder e pode assim distribuir favores – e o “protestatário” acaba elegendo quem ele menos pretendia que continuasse, pela diminuição do quociente eleitoral. A minha negatividade, expressa nas regras que agora exponho, se destina a uma boa escolha eleitoral, não a uma omissão do processo político.

1. Sou contra os simplismos eleitorais
Muitos políticos pensam que os eleitores são, de modo geral, idiotas, ou então ingênuos. Embora muitos possam sê-lo, em virtude do baixo nível educacional da maioria de nossa população, em particular de uma débil educação política, que nada mais é do que o reflexo da primeira, os brasileiros costumam ser espertos, capazes de captar de modo relativamente rápido se alguém é sincero ou não. Acontece que a grande massa dos cidadãos eleitores carece de informações fiáveis e suficientes, de modo a poder formar uma opinião fundamentada sobre as origens dos problemas sociais – e todo mundo sabe que eles abundam – e sobre os meios para resolvê-los.
A prática habitual dos candidatos, em época de eleição, é prometer desenvolver ações contra isso e mais aquilo, e a favor de todos os brasileiros, dizendo que vão criar programas para isso e mais aquilo, eventualmente através de um novo órgão estatal ou ministério. Nunca vi um político dizendo claramente: “para resolver o problema ‘x’ são necessários ‘y’ de recursos; examinando-se o orçamento brasileiro constata-se que não há mais espaço para aumentos da tributação; cumpriria portanto diminuir os gastos com a rubrica ‘z’ para liberar recursos para esse programa”. Ou então, dizer simplesmente: “não creio que cabe ao governo resolver esse problema, que pode ficar a cargo da própria sociedade, por meio da iniciativa privada; para isso, vamos eliminar essa tributação absurda que pesa sobre os empresários, e abrir espaço para o investimento privado, o único capaz de criar renda e riqueza para a sociedade”.
Invariavelmente, todos prometem aumentar a oferta de empregos, embora poucos o fazem de verdade. Nunca vi nenhum deles reclamar da alta carga que pesa sobre os salários no Brasil – sobre os lucros também – ou dizer que a legislação laboral (e sindical) é anacrônica, e que com elas vamos continuar exibindo baixas taxas de emprego formal e altas taxas de desemprego aberto e disfarçado; jamais algum deles vai dizer que a rigidez do salário mínimo simplesmente impede o emprego de milhões de trabalhadores de baixa qualificação técnico-profissional.
De modo geral, a simplificação do debate político no Brasil é extrema e os candidatos continuam se esforçando para torná-lo ainda mais simplista e enganador. Talvez seja por recomendação dos responsáveis da campanha, que tendem a nivelar por baixo; mas o fato é que os discursos e as propostas estão sendo veiculadas como se destinassem a crianças da quarta série, ou a pessoas incapazes de compreender o modo de funcionamento de uma economia moderna. As campanhas eleitorais deveriam justamente servir para educar o eleitorado, não para idiotizá-lo ainda mais.

2. Sou contrário aos reducionismos políticos
O que leva um político a responsabilizar a falta de ação do Estado, a ausência de “vontade política” ou o descaso dos antecessores pela existência de um problema qualquer em determinada área? Provavelmente essa mesma atitude que estava presente no comportamento indicado no item anterior: a tendência ao simplismo, que caminha de mão dada com o reducionismo, ou seja, a atribuição de um problema qualquer a uma causa única, geralmente equivocada, mas que passa a servir de motivo presumido para a falência em questão.
O desemprego, por exemplo, já mencionado acima, costuma ser atribuído à ausência de investimentos. O que faz então o político candidato? Ele promete a criação de um programa qualquer, no âmbito do ministério setorial, para “estimular” a criação de empregos, com algum anúncio de apelo popular. Tal foi o caso, por exemplo, do programa “Primeiro Emprego”, lançado pelo governo Lula desde o primeiro ano de seu governo: definhou até que ninguém mais mencionasse sequer a sua existência. Por que falham esses programas voluntaristas? Porque justamente tendem a atribuir a uma causa simples a inexistência de empregos, deixando de focar no conjunto de condições do mercado de trabalho que simplesmente desestimulam os empresários a empregar mais jovens: ausência de educação profissional e capacitação técnica, excesso de tributação e de regulamentação sobre o mercado de trabalho, rigidez das normas trabalhistas e tendência da “justiça trabalhista” – uma excrescência brasileira que nem deveria existir – a sempre dar ganho de causa ao trabalhador, penalizando a cada vez o empregador.
Não me lembro de ter ouvido qualquer candidato, em qualquer época, discutir esse conjunto de problemas que afeta milhões de brasileiros e impede o crescimento do emprego e, portanto, da renda. O mesmo tipo de reducionismo figura em várias outras questões da mesma espécie: candidatos preferem encontrar uma causa simples, geralmente equivocada, em lugar de se munir de análises técnicas isentas, e baseadas em dados fiáveis, para expor o problema em toda a sua complexidade.

3. Sou contra populismos e demagogias
“Soluções” de grande apelo popular são comuns em épocas eleitorais, geralmente com a transferência dos custos para o conjunto da sociedade, mais diretamente contra os empresários. Um exemplo típico, aliás, já em curso de utilização no Brasil, é essa tendência de prometer algum benefício social para categorias específicas, jovens ou velhos, por exemplo. A multiplicação dos benefícios para idosos – como passagem reduzida nos ônibus interurbanos ou gratuita em ônibus urbanos – ou para estudantes – com a disseminação de meias entradas, inclusive para professores, nos ingressos de espetáculos – apenas transfere para o conjunto da sociedade os custos de uma medida demagógica que os políticos querem empurrar para os empresários e os trabalhadores, de modo geral.
No mesmo sentido vai a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, o aumento da licença-maternidade para trabalhadoras grávidas, ou a promessa de transporte gratuito para mulheres no transporte coletivo: o único resultado só pode ser a diminuição da empregabilidade para o conjunto de trabalhadores, em especial para as mulheres em idade reprodutiva. Ocorre, também, o aumento preventivo – e a corrupção, como é previsível – no sistema de transporte coletivo em zonas urbanas, o qual, aliás, já funciona em condições inaceitáveis de cartelização e de deformação dos regimes de concorrência e de concessão (o mesmo parece acontecer no caso da coleta de lixo).
Os maiores abusos dos candidatos se prendem geralmente a promessas de aumento do salário mínimo, de construção de escolas e hospitais, de ampliação dos serviços públicos e compromissos do mesmo gênero. Não existe, obviamente, qualquer correspondência dessas promessas com a existência de estudos técnicos vinculados aos anúncios efetuados, em típicas atitudes de palanque.

4. Sou contra os exercícios de mistificação política
A mistificação política, muito associada à mentira, ocorre quando o candidato deforma as políticas dos adversários, se atribui feitos que não lhe são de direito (ou seja, se torna um usurpador), se arvora em criador de todas as coisas e patrono de todas as bondades a serem promovidas pelo Estado (ou seja, com o dinheiro de todos nós). Mistificação política ocorre quando o candidato divide a sociedade em “membros da elite”, de um lado – à qual ele diz, obviamente, que não pertence, mesmo sendo manifestamente parte da tropa, qualquer que seja o seu nível de renda – e, de outro, essa categoria mítica que se chama “povo”, que são todos os que votam, de preferência em favor do candidato. Mistificação existe sempre e quando o candidato pretende encarnar todas as virtudes e seus opositores possuiriam todos os defeitos. Mais ainda: apenas ele e suas políticas têm o poder de satisfazer os desejos e as necessidades do “povo”, sendo que os adversários – ou “inimigos” políticos, como esse tipo de personagem vê seus concorrentes eleitorais – trabalhariam em favor das “elites”. O bom mistificador vem de uma longa carreira de enganação, inclusive no sentido de se iludir a si mesmo e seus companheiros de luta política, tendo construído uma carreira quase toda na base da embromação e da enganação. Ele começa por apropriar-se de tudo o que lhe parece conveniente, mesmo de propostas e realizações de seus adversários, aos quais e às quais antes criticava e se opunha, mas que se apressa em adotar na nova conjuntura, por puro oportunismo político.

5. Sou contra os imitadores e falsificadores de todo tipo
Imitar é um recurso de quem se inicia numa nova atividade, sendo muito comum nos processos de industrialização e de modernização tecnológica. Ou seja, está muito afeto ao mundo empresarial, à concorrência entre ofertantes de produtos no mercado. Pode ser que o jogo político também seja regido pelas leis da oferta e da procura, onde tem sucesso quem consegue entregar aos “clientes”, ou eleitores, aquilo que eles demandam como “bens ou serviços”: obras, segurança, empregos, maior renda, perspectivas de um futuro melhor, etc. De fato, o jogo eleitoral se dá geralmente numa arena aberta, com poucas barreiras à entrada, embora algumas sejam necessárias, como a lei da “ficha limpa”, por exemplo, que equivaleria a cassar o registro da empresa que frauda sobre a sanidade dos produtos ofertados ou pratica mentira deliberada sobre suas qualidades intrínsecas.
No jogo político, como na vida empresarial, é inevitável alguma imitação do que faz sucesso, embora eu seja contrário a esse tipo de apropriação indébita. Ruim mesmo é a falsificação de qualidades que pertencem manifestamente a outrem em benefício próprio, o que se aproximaria de roubo consciente. Pior ainda quando o candidato se utiliza do legítimo sucesso conquistado em outra esfera da vida pública – um radialista muito escutado, por exemplo, um artista muito admirado de novelas ou do cinema, um cantor campeão de vendas – para tentar vender a imagem de que também seria estupendo no parlamento ou em algum cargo executivo. É muito frequente a imprensa consultar um prêmio Nobel qualquer – geralmente das ciências ou da literatura – para saber sua opinião sobre um aspecto qualquer da vida política ou social: o resultado costuma ser um completo desastre, com raras exceções. Se até prêmios Nobel em economia costumam abusar de sua condição para oferecer “soluções” arrevesadas aos problemas econômicos de um país distante ou para dar a sua “receita” para “acabar com a crise”, por que personalidades públicas de outras esferas que não a política não poderiam tentar sua sorte nessa arriscadíssima profissão? O resultado costuma ser medíocre, o que justifica minha oposição a esses imitadores e falsificadores de uma nova espécie. Mas atenção: eles também existem, e em abundancia, no próprio meio que lhes é costumeiro, dai meu alerta para se ficar vigilante.

6. Sou contra a lei dos benefícios imediatos, sem pesar os custos no futuro
Um dos efeitos mais tenebrosos da atividade política está justamente no conceito central desta frase: as consequências que essa atividade provoca como resultado de ações pensadas no plano imediato, tendentes a produzir resultados eleitorais em dois ou três anos apenas. Candidatos sempre prometem mais do que podem cumprir, mas algo da plataforma eleitoral eles têm de atender, sob risco de descrédito nas próximas eleições: geralmente são obras vistosas, aumento de salário mínimo ou de pensões e aposentadorias, construção disso e mais aquilo, enfim, tudo o que for mais visível e propriamente físico, como são costumeiramente as obras de infraestrutura.
O problema desse tipo de imediatismo eleitoral e político é duplo: por um lado ele compromete o equilíbrio das contas públicas, caso a soma das promessas seja superior às disponibilidades orçamentárias (e ela sempre é, por definição); por outro, ele atua sobre o visível e imediato, justamente, em detrimento do que é menos vistoso ou de longo prazo. Exemplificando o segundo aspecto: não existe dúvida de que políticos oportunistas adoram inaugurar obras – em alguns casos exagerados, se “inaugura” até pedra fundamental ou anúncio de um novo programa – deixando de lado obras menos visíveis como saneamento básico ou a melhoria da qualidade da educação, que é uma tarefa de longo prazo e notoriamente difícil de ser realizada (por envolver categorias corporativas como podem ser os sindicatos de professores, sempre atentos ao nível de seus salários nominais, mas bem menos em relação à qualificação de seus associados, ou à sua produtividade).
No primeiro aspecto, também é notório o crescimento da dívida pública e da carga tributária, sem falar dos juros nominais, elementos vinculados entre si, quando não provocadores de uma quarta consequência que é a erosão do poder de compra da moeda, caso o governo decida incorrer no pecado emissionista. Exemplificando com o caso brasileiro, a carga tributária vem aumentando continuamente, desde a promulgação da Constituição de 1988 – pela esquizofrenia garantista de direitos que perpassam quase todos os seus artigos -- e de forma consistente desde 2003, em termos reais, ou seja, acima da inflação e acima do crescimento do PIB, e isso independentemente dos níveis de déficit fiscal (primário ou nominal, isto é, final) e do tamanho da dívida interna. Não se pode dizer, por outro lado, que os juros brasileiros, sendo em média o dobro ou o triplo dos níveis mundiais, tenham sido reduzidos significativamente, devendo ocorrer justamente o contrário, a partir da elevação da dívida bruta total. Estas são as “heranças malditas” a serem deixadas ao próximo governo, qualquer que seja ele.

7. Sou contra a embromação, a mentira, a propaganda enganosa
Toda propaganda é, por definição, enganosa, destacando as qualidades de um produto qualquer, escondendo aspectos eventualmente menos interessantes. Governos não deveriam fazer propaganda, apenas prover informações; e mesmo assim não por meios próprios e, sim, utilizando-se dos canais habituais do mercado. Em épocas eleitorais, a propaganda fica ainda mais enganosa, chegando ao nível da desfaçatez. Governos desprovidos de valores democráticos consistentes abusam da sua capacidade financeira em encomendar e fazer suas própria propaganda, tanto quanto candidatos sustentados por fortes interesses econômicos. Exageros são esperados em campanhas eleitorais, até as mentiras habituais. Mas existem, obviamente, diferenças de grau.
A combinação de candidaturas oficiais com governos sem princípios oferece a oportunidade para a exacerbação da propaganda maciça, feita de recursos públicos, com a utilização descarada da máquina pública para a consecução do objetivo principal. Uma legislação eleitoral mais consistente e a circunstância de juízes eleitorais atentos poderiam representar algum constrangimento; mas, como sempre, a justiça eleitoral é tarda e falha: ela não age por motivação própria, apenas quando provocada. Na ausência, portanto, de fortes contrapesos institucionais ou de freios morais – o que, contudo, pode ser raro em personalidades megalomaníacas  –, todas as características indicadas no título desta seção podem ser levadas ao seu ponto máximo de abuso continuado. A rigor, elas poderiam ser hipóteses meramente plausíveis da presente conjuntura política; inexistindo, porém, os contrapesos institucionais, elas se tornam não apenas possíveis, como inevitáveis.

8. Sou contra paternalismos e pretensas familiaridades
Sistemas políticos pouco evoluídos podem apresentar essa característica de suposta familiaridade entre os candidatos e seus eleitores, com mensagens de cunho pessoal sendo veiculadas pelos candidatos e líderes políticos. Nessa visão, os eleitores são tratados, não como cidadãos dotados de direitos e deveres correspondentes aos dispositivos constitucionais, mas como seres dependentes de favores públicos, num esquema primitivo de vínculos afetivos que mascara o sentido republicano do relacionamento político. Numa versão exagerada dessas falsas intimidades, o candidato diz pretender ser um “pai”, ou uma “mãe” para todos os “filhos” do país, e tratá-los com todo o “carinho” que um pai ou uma mãe dispensaria aos seus próprios filhos. Trata-se, obviamente, da mais pura hipocrisia política, ou então reflexo, mais uma vez, de personalidades megalomaníacas, que pretendem ser donos dos desejos e vontades dos cidadãos e eleitores do país. O que se espera de um candidato não são gestos hipócritas de quem pretende afagar a cabeça de eleitores ingênuos, com palavras mentirosas denotando essa falsa aproximação e intimidade, mas a exposição clara de quais são suas propostas de governo e como pretende implementá-las. Adotar a atitude paternalística significa infantilizar todo um povo.

9. Sou contra políticos de duas faces e que praticam ambiguidades
Atitudes muito comuns, também, em candidatos camaleões: como o eleitorado de uma sociedade complexa, multicultural e religiosamente diversa, é feito de diferentes estratos sociais, com comportamentos opostos e até conflitantes, candidatos “espertos” pretendem ficar bem com todas essas correntes de opinião, adotando a atitude que mais lhes convém para ser aceito por um grupo específico de opinião. Não é raro um candidato ateu, ou simplesmente descrente, fazer profissão de fé e até cortejar adeptos de uma dada religião que, por acaso, possui certa expressão política no parlamento; as bancadas “confessionais”, aliás, apresentam tendência à expansão no cenário político, como a própria “indústria religiosa” que lhes serve de motor e de alavanca eleitoral. A mesma hipocrisia se revela, com os tons da ambiguidade, em relação a assuntos controversos como podem ser o aborto ou o casamento gay.
Mesmo em assuntos estritamente políticos, candidatos camaleões pretendem conservar apoios regionais ou setoriais, mantendo um discurso para cada público, ou fingindo “raízes” ou “influências” sabe se lá de que vertente cultural popular ou regional, ou desta ou daquela categoria profissional. Muitas vezes, essas tentativas são apenas patéticas, mas também podem se aproximar do ridículo, quando não da desonestidade política, pura e simples. Em outras ocasiões, a dupla face tem uma dimensão diacrônica, que é representada por alianças correntes que eram consideradas impróprias ou imorais, em épocas anteriores; ou então pela defesa atual de posições que o candidato atacou ou abominou no passado, ou vice-versa, não importa: não existe a mínima preocupação em se explicar ou se escusar, basta seguir em frente.

10. Sou contra a utilização de símbolos populares para fins de exploração política, inclusive a religião, supostos artistas populares, figuras do passado, etc.
Pode ser apenas oportunismo político, esperteza conveniente, ou ainda cálculo utilitário, mas é muito frequente essa “promiscuidade” com figuras, símbolos, imagens dotados de certo apelo popular, não importando muito a trajetória anterior do candidato. Procissões, dias consagrados, templos e memoriais, falsas amizades, tudo serve para tentar contabilizar mais alguns votos a favor. Ar compungido, sorriso amarelo, falso interesse naquele “milagreiro” criado pelas crendices locais, todos os trejeitos são esperados do candidato convertido oportunamente ao primitivismo das tradições populares para fins imediatistas. Muitas vezes é preciso deixar o cérebro descansando enquanto se frequenta o novo (e desconhecido) ambiente, já que dificilmente o candidato possui a familiaridade com o tal “ícone popular” que sua propaganda mentirosa diz que ele tem.

Voilà, já alinhei as minhas rejeições ou objeções de natureza política (na verdade, bem mais de ordem moral) quanto aos perfis ou condutas que possam ser adotados pelos candidatos, e que me fazem rejeitá-los por princípio. Não preciso, portanto, declarar minhas preferências eleitorais. Qualquer cidadão medianamente educado politicamente pode fazer suas escolhas em total autonomia de pensamento.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 9/08/2014