Mais recente capítulo de livro publicado, este ensaio sobre Stefan Zweig e sua obra sobre o Brasil, de 1941, que eu havia escrito um ano e meio atrás:
4294. “Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro”, Brasília, 22 dezembro 2022, 10 p. Colaboração a livro sob a coordenação da Casa Stefan Zweig e do Laboratório de Estudos Judaicos da Universidade Federal de Uberlândia. Publicado in: Kristina Michahelles, Geovane Souza Melo Junior e Kenia Maria de Almeida Pereira (orgs.), Stefan Zweig no caleidoscópio do tempo: Reflexões sobre o autor de Brasil, um país do futuro (Rio de Janeiro: Passaredo Edições, 2024, 294 p.; ISBN: 978-65-983721-0-1; p. 131-146). Relação de Publicados n. 1561
Trecho inicial de minha contribuição:
Stefan Zweig e o país que não chegou ao futuro
Paulo Roberto de Almeidaa
Diplomata, professor.
"Antes que, por livre vontade e na plena possessão de meus sentidos, eu abandone a vida, me sinto obrigado a cumprir um último dever: agradecer, desde o meu mais íntimo, a este maravilhoso país, Brasil, que nos ofereceu a mim e a minha obra um lugar tão magnífico e acolhedor. Cada dia passado aqui contribuiu a querer ainda mais a este país, em nenhum outro lugar teria desejado reconstruir a vida novamente, depois que o mundo de meu próprio idioma se derrubou e que o meu lar espiritual, a Europa, se autodestruiu. Mas, depois de cumprir sessenta anos fazem falta forças para começar totalmente de novo. E as minhas estão esgotadas, depois de tantos anos a errar sem pátria. Por isso considero melhor cerrar em seu devido tempo e com uma alta atitude uma vida que o trabalho intelectual e a liberdade pessoal me deram as maiores alegrias e me parecem o mais elevado bem desta terra. Saúdo a todos os meus amigos. Oxalá cheguem a ver a aurora depois desta larga noite. Eu, excessivamente impaciente, me adianto a todos eles."
“Declaração”, Stefan Zweig (Petrópolis, 22/02/1942)
Como nasceu a ideia de escrever sobre o “país do futuro”?
Nas memórias que começou a conceber desde sua saída apressada da Áustria, após que Hitler alcançou o poder na Alemanha, mas que só foram terminadas por ocasião de sua vinda definitiva para o Brasil, Stefan Zweig descreve seus sentimentos ao atravessar o Atlântico em 1936, a partir da Inglaterra, onde se encontrava exilado desde 1934:
Era apenas com o meu corpo, e não com toda a minha alma, que eu vivia na Inglaterra naqueles anos. E foi justamente a preocupação que me causava a Europa, essa angústia que pesava dolorosamente sobre os nervos, que me fez viajar bastante, e mesmo atravessar duas vezes o oceano, durante os anos que se estendem da tomada do poder por Hitler e o começo da Segunda Guerra Mundial. Eu estava impulsionado talvez pelo pressentimento de que era necessário me abastecer de impressões e de experiências, tantas quanto o coração poderia conter, enquanto o mundo permanecia aberto e que ainda era permitido aos barcos navegar tranquilamente pelos mares, talvez mesmo pela suspeita ainda muito vaga de que o nosso futuro, o meu em especial, estava além dos limites da Europa. Uma sequência de conferências nos Estados Unidos me ofereceu a oportunidade desejada de ver, de leste a oeste, de norte a sul, esse grande país em toda a sua diversidade, combinada, entretanto, a uma profunda unidade. Mas, talvez ainda mais forte foi a impressão que me deu a América do Sul, na qual aceitei de boa vontade participar de um congresso convidado pelo PEN-Club Internacional: nunca antes me pareceu tão importante quanto esse momento de fortificar o sentimento da solidariedade espiritual acima das fronteiras dos países e das línguas. (1993, p. 461)
Sua primeira estada na América do Sul, com uma curta passagem pelo Rio de Janeiro, entre o final de agosto e o início de setembro, foi relatada numa coleção de impressões de viagem que o próprio Stefan Zweig publicou separadamente ao retornar à Inglaterra no outono de 1936. Zweig concebeu escrever um livro sobre o Brasil logo depois dessa primeira passagem pelo país, a caminho de Buenos Aires. Eles foram reunidos em 1937 e publicados numa editora vienense com vários outros textos do autor: Begegnungen mit Menschen, Büchern, Städten (Encontros com homens, livros, cidades). Em 1981, foram novamente reunidos na coletânea Länder, Städte, Landschaften (Países, cidades, paisagens).
Zweig já estava, então, planejando escrever um livro mais alentado sobre o Brasil e por isso recusou, no final de 1937, uma proposta de seu editor brasileiro, Abraão Kogan, para publicar uma edição traduzida, o que não se realizou de imediato. Ainda assim, Kogan juntou os relatos a outros textos do livro Begegnungen e publicou-a em 1938, numa edição uniforme de sua obra, sob um título similar: Encontros com homens, livros e países. Apenas oitenta anos depois de sua primeira viagem ao Brasil, os textos foram novamente publicados sob o título de Kleine reise nach Brasilien, traduzido e publicado como Pequena Viagem ao Brasil (2016). Vários trechos da Pequena Viagem foram de fato incorporados ao País do Futuro, que se beneficiou, assim, daquele projeto inicial necessariamente sintético, dada a brevidade de sua passagem em 1936, numa travessia atlântica durante a qual ele também começou a escrever a biografia de Fernão de Magalhães, na epopeia da primeira volta ao mundo (obra terminada e publicada em 1937).
A primeira estada de Zweig no Brasil se dá, portanto, sob o governo constitucional de Getúlio Vargas – eleito em 1934 pela Assembleia Constituinte –, mas já depois da Intentona Comunista de novembro de 1935, sob a vigência da Lei de Segurança Nacional, e dois anos antes das eleições previstas para 1938, quando deveria ser eleito, por voto direto e secreto (pela primeira vez), o próximo presidente. Zweig certamente tomou conhecimento do golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, por acaso o mesmo nome já adotado pela ditadura portuguesa quase dez anos antes, na esteira de diversos outros regimes autoritários, geralmente de direita, que estavam se multiplicando na Europa e na América Latina. Já estabelecido na Inglaterra desde 1934, quando fugiu apressadamente de Salzburg, Zweig teve o “privilégio” de ver os seus livros queimados pelos nazifascistas duas vezes: em 1933, em Berlim, e novamente na Áustria em 1938, depois do Anchluss, a anexação ao Terceiro Reich.
(...)
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O livro pode ser adquirido junto à Casa Stefan Zweig:
Contato: casastefanzweig@gmail.com
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