Primeiro recomendo que leiam este denso e informativo artigo do embaixador Paulo Antonio Pereira Pinto, por meio deste link, a seguir, mas que transcrevo mais abaixo em sua íntegra.
Segundo, vejam os comentários que fiz a ele numa mensagem direta, depois de ler o artigo, que me suscitou diferentes questões, que abordei rapidamente aqui (de forma incompleta):
PRA: Paulo Antonio meu caro, gostei muito do seu artigo, verdadeiramente denso, esclarecedor sobre as posições das “duas” partes, mas eu gostaria de lhe colocar algumas questões que você talvez queira desenvolver em outro artigo, com base na história e no Direito Internacional.
Primeiro: o território do Essequibo, parece-me, nunca pertenceu, de fato, à jurisdição da República da Venezuela, independente desde 1812 ou alguma outra data posterior, quando a Grã-Bretanha já tinha, de fato, se apossado do território (ou se o fez depois, tudo era uma selva inabitável para ingleses e venezuelanos e o conceito de suserania não era muito aplicável, pois nem na Capitania General de Venezuela da época colonial havia um efetivo controle do território, assim como não houve um controle efetivo sobre a ilha de Formosa por parte da RC).
Pois bem, Taiwan NUNCA pertenceu, de fato, à suserania da RPC (1949), a rigor, nem da RC (1912), pois desde 1870 se tornou uma colônia do Japão (até 1945), sendo que antes era apenas uma ilha mal administrada, talvez até desprezada. pelo Império do Meio, até o século XIX. Só aconteceu de se tornar importante para a RC quando o seu governo nela teve de se refugiar, ao ser derrotado no continente pelo EPL. E assim ficou, até ficticiamente, como sendo o governo de TODA a China até 1972, embora outros países, desde os anos 1950, passassem a estabelecer relações diplomáticas com a RPC (não sei se já com a condicionalidade de UM Estado, ou se essa veio depois).
Agora, temos na história exemplos de guerras civis, com divisão do país em duas “soberanias”, sendo que terceiros Estados reconhecem um ou outro, em capitais distintas. Foi assim, por exemplo, na Guerra Civil Espanhola, quando mesmo o governo do nosso Estado Novo continuou reconhecendo a República, em Madri, em Valência, em Barcelona, até a derrocada, mesmo tendo simpatias por Franco. Nosso embaixador seguiu esse governo republicano em três capitais. Quando Hitler invadiu a Polônia, o ministro em Varsóvia recebeu instruções de seguir o governo no exílio. Depois não sei o que ocorreu. Mas no caso da invasão dos três Bálticos, nunca reconhecemos a incorporação forçada na URSS em 1940, e continuamos mantendo relações com seus governos no exílio, até Jânio Quadros reatar com a URSS.
Pense em tudo isso para refletir sobre a “teoria” dos “dois Estados”, seus efeitos práticos e suas implicações para o Direito Internacional e para a fundamentação jurídica de nossa posição, pois tínhamos relações diplomáticas com o Império, continuamos tendo com a RC (mas não sei se algum representante diplomático seguiu para Chonking durante a invasão japonesa), e seguimos tendo até 1974, quando passamos a aceitar a imposição do “Um Estado”.
Será que tudo isso se mantém, como doutrina e como postura em DI? Na prática, Taiwan é um porco espinho: vc já viu algum felino superior conseguir dominar e comer um porco espinho?
O abraço do PRA e mais uma vez parabéns pelo artigo.
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PAPP:
China-Taiwan: “Quando as pessoas sentem que a primavera está chegando, esquecem os rigores do inverno”. A condicionante cultural chinesa.
Mundorama
Paulo Antônio Pereira Pinto
Rio de Janeiro, 3 de junho de 2024
I
“Quando as pessoas sentem que a primavera está chegando, esquecem os rigores do inverno”, declarou poeticamente, no “estilo chinês”, o representante taiwanês Wang Daohan, ao chegar à China, para encontros em Pequim e Xangai, em outubro de 1998. Sua visita representava um “ice breaking”, mesmo sem ser uma ruptura completa com cinquenta anos de hostilidades gélidas entre os dirigentes do Partido Comunista Chinês e as autoridades do Kuomintang, que fugiram para Taipé, em 1949, após a fundação da República Popular da China (RPC).
Tratava-se do segundo encontro entre o Sr. Wang, representante da “Strait Exchange Foundation” (SEF), organização não oficial taiwanesa e o Sr. Koo Chen-fu, da “Association for Relations Across de Taiwan Strait” (ARAF), não oficial chinesa, cinco anos após sua primeira reunião, em Singapura.
Verifica-se, a propósito, que já houve diálogo bem mais construtivo, sempre com condicionantes culturais chinesas, entre as duas margens do estreito de Taiwan. Atualmente, se assiste a esperada “coreografia bélica” da RPC, após a posse de Willian Lai, líder do partido “independentista” como a maior autoridade em Taipé, conforme antecipado por texto publicado em 14 de março passado.
Desnecessário lembrar que, no momento, a hostilidade da RPC contra a liderança taiwanesa é explicada pela reiterada declaração do Ministro das Relações Exteriores da RPC, no sentido de que “ a independência de Taiwan é uma rua sem saída”. Sua manifestação se deveu ao discurso de posse de Willian Lai.
Em seu pronunciamento, Lai “exortou a China a parar com a intimidação verbal e militar” e a “dividir responsabilidades na manutenção da paz e da estabilidade no estreito” que separa a ilha do continente. Ele ainda prometeu “não ceder nem provocar”, manter o status quo e ser “o timoneiro da paz”. Lai afirmou esperar que Pequim “possa tomar passos concretos na direção da reconciliação com Taiwan, inclusive retomando trocas bilaterais, como intercâmbio turístico e de estudantes, trabalhando no caminho para uma coexistência pacífica”.
Como reação, a RPC classificou o novo dirigente taiwanês como “perigoso separatista”, que busca a “independência da ilha”. Seguiram-se exercícios militares, destinados a “testar a habilidade da RPC de tomar o poder em Taiwan pela força”.
Tal coreografia bélica foi a de maior intensidade realizada pelas forças armadas da RPC, com vistas a eventual reintegração de Taiwan, por “meios não pacíficos” — conforme Pequim define eventual disputa militar com a ilha, sem usar o termo “guerra”, que, segundo a concepção da RPC, seria reservado a “estados independentes”. Reitera-se que, para Pequim, a mesma identidade cultural uniria os dois lados do Estreito de Taiwan, na condição de “uma China”.
Nessa perspectiva, pretende-se, a seguir resgatar, de forma sumária e simplificada, o passado recente que colocaria em questão a existência de identidade cultural distinta da chinesa, na margem formosina do Estreito de Taiwan¹.
II
A título de exercício de reflexão, cabe lembrar que, em meados da década de 1950, a República Popular da China — fundada em 1949 por Mao Zedong — começou a endereçar iniciativas de conversações ao Kuomintang (KMT, denominado Partido Nacionalista) que, derrotado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), havia se refugiado em Taipé.
Em abril de 1955, portanto, o Premier Shou Enlai propôs, via delegação dos EUA, em Genebra, negociações com as “autoridades locais responsáveis” em Taiwan. No ano seguinte, o Primeiro-Ministro reiterou a oferta, ao expressar publicamente o desejo de discutir passos concretos, no sentido da resolução pacífica do problema formosino com o KMT. Em abril de 1957, coube ao próprio Mao manifestar a vontade do PCC de cooperar com o Partido Nacionalista para o início de negociações com vistas à resolução pacífica do problema através do estreito.
Taiwan dispensou, publicamente, todas estas iniciativas. Historiadores taiwaneses registram, no entanto, que, nas décadas de 1950 e 60, Chiang Kai-shek teria mantido contatos secretos com Pequim, tendo, inclusive, enviado emissários para discutir, em sigilo, a reunificação com os dirigentes chineses.
Entre os pontos então discutidos, especula-se que teria sido considerado, por exemplo, o retorno de Chiang Kai-shek, com seus seguidores, à China, podendo se estabelecer, na condição de Presidente do Partido Kuomintang, em qualquer província do continente, exceto na de Zheijiang (mais próxima da ilha de Formosa). Chiang Chin-kuo (filho de Chiang Kai-shek) seria o Governador da Província de Taiwan. A ilha conservaria as prerrogativas desfrutadas nos vinte anos anteriores, á exceção da autonomia em política externa e assuntos militares.
A Marinha e a Força Aérea taiwanesas seriam reorganizadas sob o controle chinês. O Exército também seria reestruturado, reduzindo-se a quatro divisões, uma a ser baseada nas regiões de Jinmen e Xiamen e outras três em Taiwan. Xiamen e Jinmem seriam transformadas em cidades livres, situadas como entrepostos entre Pequim e Taipé. O comandante da divisão regional teria a patente de Tenente-General e seria, também, o Prefeito da cidade. Sua nomeação deveria ser aprovada por Pequim. Cargos e salários de todos os funcionários civis e militares seriam preservados e as condições de vida da população da ilha ficariam mantidas no nível alcançado naquele momento.
Com base nessas condições, consta que Chiang Kai-shek teria concordado em conduzir negociações secretas. Após o início da Revolução Cultural, na China durante a década de 1960, contudo, contatos sigilosos ou ostensivos cessaram com autoridades taiwanesas.
Durante a Era Deng Xiaoping, no final da década de 1970, Pequim abandonou sua política de anexação de Taiwan pela força e formulou nova orientação de “reunificação pacífica”. Desencadeou, em seguida, uma série de iniciativas de aproximação dos taiwaneses. Em janeiro de 1979, o Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo, enviou “uma mensagem aos compatriotas em Taiwan”.
III
De sua parte, em 30 de abril de 1991, Taiwan anunciou o término do “Período de Mobilização para a Supressão da Rebelião Comunista”. De forma resumida, tratava-se, para o Kuomintang, de deixar de considerar o Partido Comunista Chinês como uma “organização rebelde”. Na prática, significou a renúncia ao delírio de que, um dia o KMT viria a reconquistar a China, pela força militar, e retornar ao poder em Pequim.
No mesmo ano, com o propósito de estabelecer diálogo com a RPC, os formosinos criaram a “organização não-governamental” “Strait Exchange Foundation” (SEF). Em contrapartida, os chineses fundaram a “Association for Relations across the Strait” (ARATS). Da parte taiwanesa, esperava-se que as duas instituições poderiam estabelecer um “regulamento para as relações entre a população da área de Taiwan e a do continente”
A SEF e a ARATS realizaram uma série de conversações em 1992. Em outubro daquele ano, Jian Zemin, na capacidade de Secretário-Geral do PCC, afirmou que, “sob a égide do Princípio de “uma China”, seria possível às duas partes discutir qualquer tema”. No ano seguinte, em abril, aconteceu, em Singapura, o primeiro e mais importante encontro, entre os Presidentes da fundação taiwanesa, Koo Chen-fu, e o da chinesa, Wang Daohan.
Em outubro de 1998, o representante taiwanês Wang Daohan — conforme mencionado no início deste texto — manteve encontros de alto nível, em Xangai e Pequim, inclusive com Jiang Zemin, na capacidade de Secretário-Geral do PCC. Durante sua permanência de seis dias, no entanto, foram mantidas as posições conhecidas das duas margens do estreito. Os chineses continuaram a insistir em que as conversações, com vistas à reunificação, deveriam ser conduzidas sob a égide de “uma China”. Questões políticas deveriam ser, portanto, tratadas antes de temas econômicas e técnicos.
De sua parte, o enviado taiwanês reiterou a posição de que, para melhorar as relações entre a ilha e o continente, caberia, inicialmente, fortalecer os vínculos entre as duas associações semioficiais. Este passo seria fundamental, divulgava-se em Taipé, para a consolidação da confiança necessária a discussões posteriores sobre temas políticos.
De forma a ressaltar este ponto — sempre apelando para a cultura chinesa comum aos dois lados do Estreito — Koo escolhera, para seu programa noturno em Xangai, assistir à opera “Fortaleza Vazia”, que narra disputa — durante o período histórico chinês dos “Três Reinos” (220–280) — entre dois adversários que compartilhavam desconfianças mútuas.
Tais suspeitas foram confirmadas — junto aos chineses — em 9 de julho de 1999, quando Lee Teng-hui, então “maior autoridade local” fez pronunciamento em que definiu as relações através do estreito como “entre dois países” (vide texto publicado em primeiro de maio passado). Afirmou também que não havia necessidade de Taiwan declarar independência, visto que a “República da China” já era um país independente desde 1912.
Segundo era possível antecipar, os chineses reagiram de forma categórica. Wang Saohan, Presidente da ARATS, afirmou que a teoria de “dois estados” tornaria inútil qualquer possibilidade de continuação de diálogo com a SEF.
Ao exigir o retorno de Taiwan à política de “uma China”, Pequim declarava então que Lee tinha dado um “passo extremamente perigoso” em direção à divisão da China e o avisou de que “estava brincando com o fogo”.
Os chineses reiteraram, também, que não haviam renunciado ao emprego da força militar, caso a ilha seguisse o caminho independentista. Houve amplas especulações sobre a possibilidade de uma pronta reação armada. Exercícios militares chineses – aparentemente já programados – foram noticiados como preparativos para uma invasão. Editoriais de jornais na RPC criticavam a teoria dos “dois Estados”. Afirmava-se que a China não hesitaria em atacar, mesmo diante da resistência dos EUA.
Digna de registro, também, foi a reação norte-americana que através do porta-voz do Departamento de Estado, apenas reiterou a conhecida posição de Washington, com respeito aos “três nãos”: à independência de Taiwan; a “duas Chinas”; e à participação formosina de organizações internacionais reservadas a Estados. Nessa perspectiva, os EUA e a RPC pareciam, naquele momento, ter posições idênticas quanto à provocação de Lee.
Da mesma forma, o Japão comprometeu-se a manter a política de adesão ao princípio de “uma China”. Outros países asiáticos manifestaram-se contrários à iniciativa de Lee, de proclamar a existência de “duas Chinas”.
IV
A RPC, como se sabe, continua a considerar que Taiwan faz parte da China. Evoca com frequência, nesse sentido, o “século de humilhações” a que foi submetida, com a ocupação de territórios seus por potências exteriores. Esta — segundo seu ponto de vista — seria o caso da ilha formosina. É questionável, contudo, que a segunda potência econômica do mundo atual e um dos três países mais poderosos militarmente possa, ainda, recorrer a tal argumentação. Custa acreditar que mantenha o argumento de vitimização histórica, pelo ocorrido nos dois séculos passados, diante do sucesso presente.
É questionável, no entanto, se a população de Taiwan desejaria, hoje, viver sob uma administração da RPC. As últimas eleições na ilha, também é sabido, contou com a participação de apenas 70% dos eleitores, dos quais 40% votaram a favor do “independentista” William Lai. Não se trata, assim, de mandato absoluto.
Tendo servido, entre 1998 e 2006, como Diretor do Escritório Comercial do Brasil em Taipé, permito-me refletir, no que diz respeito ao “suposto repúdio taiwanês à identidade chinesa” sobre os pontos seguintes:
- A conservação em Taiwan do Museu Imperial Nacional que, conforme trecho de catálogo abaixo², preserva tesouro cultural chinês trazido por Chiang Kai-sheck, em 1949, quando fugiu de Pequim. Porque não devolver à capital da RPC relíquias que seriam apenas de sua história?
- A calorosa celebração do Ano Novo Chinês, com a exibição do “animal homenageado”, em diferentes formas e manifestações variadas, em todos os centros urbanos da ilha;
- O fato sabido de que (não disponho de comprovação de registro oficial), para que seus filhos estudem melhor a civilização chinesa, muitas famílias ricas na RPC enviam seus filhos a escolas taiwanesas;
- Da mesma forma, novos atores para a “Ópera de Pequim” são, cada vez mais, recrutados em Taiwan; e
- Principalmente, a constituição em vigor na ilha declara a “existência de uma China”, com sede em Taipé.
Em conclusão, na expectativa para a solução da questão através do Estreito de Taiwan, tendo em conta as condicionantes de uma identidade cultural compartilhada, mesmo “quando as pessoas sentirem que a primavera está chegando”, haverá ainda demora para “esquecerem os rigores do inverno”.
Notas
¹ A respeito da “questão de Taiwan”, vide artigos publicados em meu livro “O Tecer de Relações Internacionais Contemporâneas”, Editora AGE, 2024.
² National Palace Museum, Taipei
The exhibition shows that porcelains with painted enamels of the three reigns of the Qing dynasty, Kangxi, Yongzheng and Qianlong (1662–1795), are the most iconic porcelain wares in the 18th century. Also, it elaborates these three stages of styles were established with the invention and development of the pigments as well as the different requests for the official wares from the Emperors.
This exhibition is divided into three sections in chronological order. “Novelty from the Emperor’s Experimental Workshop” compares the testing pieces and final works to present that the Kangxi Emperor (r. 1662–1722) invited Western missionaries and local masters to produce the Kangxi-reign-style painted enamels. “Imperial Exclusive Style” shows that the Yongzheng Emperor (r. 1723–1735) promoted painted enamels as court-limited works based on his request of an imperial exclusive style. “Imperial Design & Craftsman’s Skill” presents that the Qianlong Emperor (1736–1795) reinitiated the dialogue between the Imperial workshops of the Forbidden City (or the Old Summer Palace) in Beijing and Imperial kilns in Jingdezhen to embody the concept of one “official ware” so that they could share the same decorative style, and therefore create yangcai and falangcai, two styles of painted enamels.
Sobre o Autor
Paulo Antônio Pereira Pinto: Embaixador aposentado.
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