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sábado, 8 de junho de 2024

China-Taiwan, a teoria de um Estado, a prática de dois Estados, um não reconhecido, mas que se mantém, e o que deveria fazer o Brasil? Paulo Antonio Pereira Pinto e Paulo Roberto de Almeida

 Primeiro recomendo que leiam este denso e informativo artigo do embaixador Paulo Antonio Pereira Pinto, por meio deste link, a seguir, mas que transcrevo mais abaixo em sua íntegra.

https://medium.com/mundorama/china-taiwan-quando-as-pessoas-sentem-que-a-primavera-est%C3%A1-chegando-esquecem-os-rigores-do-7fb7dbed05a8 

Segundo, vejam os comentários que fiz a ele numa mensagem direta, depois de ler o artigo, que me suscitou diferentes questões, que abordei rapidamente aqui (de forma incompleta): 

PRA: Paulo Antonio meu caro, gostei muito do seu artigo, verdadeiramente denso, esclarecedor sobre as posições das “duas” partes, mas eu gostaria de lhe colocar algumas questões que você talvez queira desenvolver em outro artigo, com base na história e no Direito Internacional. 

Primeiro: o território do Essequibo, parece-me, nunca pertenceu, de fato, à jurisdição da República da Venezuela, independente desde 1812 ou alguma outra data posterior, quando a Grã-Bretanha já tinha, de fato, se apossado do território (ou se o fez depois, tudo era uma selva inabitável para ingleses e venezuelanos e o conceito de suserania não era muito aplicável, pois nem na Capitania General de Venezuela da época colonial havia um efetivo controle do território, assim como não houve um controle efetivo sobre a ilha de Formosa por parte da RC). 

Pois bem, Taiwan NUNCA pertenceu, de fato, à suserania da RPC (1949), a rigor, nem da RC (1912), pois desde 1870 se tornou uma colônia do Japão (até 1945), sendo que antes era apenas uma ilha mal administrada, talvez até desprezada. pelo Império do Meio, até o século XIX. Só aconteceu de se tornar importante para a RC quando o seu governo nela teve de se refugiar, ao ser derrotado no continente pelo EPL. E assim ficou, até ficticiamente, como sendo o governo de TODA a China até 1972, embora outros países, desde os anos 1950, passassem a estabelecer relações diplomáticas com a RPC (não sei se já com a condicionalidade de UM Estado, ou se essa veio depois). 

Agora, temos na história exemplos de guerras civis, com divisão do país em duas “soberanias”, sendo que terceiros Estados reconhecem um ou outro, em capitais distintas. Foi assim, por exemplo, na Guerra Civil Espanhola, quando mesmo o governo do nosso Estado Novo continuou reconhecendo a República, em Madri, em Valência, em Barcelona, até a derrocada, mesmo tendo simpatias por Franco. Nosso embaixador seguiu esse governo republicano em três capitais. Quando Hitler invadiu a Polônia, o ministro em Varsóvia recebeu instruções de seguir o governo no exílio. Depois não sei o que ocorreu. Mas no caso da invasão dos três Bálticos, nunca reconhecemos a incorporação forçada na URSS em 1940, e continuamos mantendo relações com seus governos no exílio, até Jânio Quadros reatar com a URSS. 

Pense em tudo isso para refletir sobre a “teoria” dos “dois Estados”, seus efeitos práticos e suas implicações para o Direito Internacional e para a fundamentação jurídica de nossa posição, pois tínhamos relações diplomáticas com o Império, continuamos tendo com a RC (mas não sei se algum representante diplomático seguiu para Chonking durante a invasão japonesa), e seguimos tendo até 1974, quando passamos a aceitar a imposição do “Um Estado”. 

Será que tudo isso se mantém, como doutrina e como postura em DI? Na prática, Taiwan é um porco espinho: vc já viu algum felino superior conseguir dominar e comer um porco espinho? 

O abraço do PRA e mais uma vez parabéns pelo artigo.

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China-Taiwan: “Quando as pessoas sentem que a primavera está chegando, esquecem os rigores do inverno”. A condicionante cultural chinesa.

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Mundorama


Paulo Antônio Pereira Pinto

Photo by Liam Read on Unsplash

Rio de Janeiro, 3 de junho de 2024

I

“Quando as pessoas sentem que a primavera está chegando, esquecem os rigores do inverno”, declarou poeticamente, no “estilo chinês”, o representante taiwanês Wang Daohan, ao chegar à China, para encontros em Pequim e Xangai, em outubro de 1998. Sua visita representava um “ice breaking”, mesmo sem ser uma ruptura completa com cinquenta anos de hostilidades gélidas entre os dirigentes do Partido Comunista Chinês e as autoridades do Kuomintang, que fugiram para Taipé, em 1949, após a fundação da República Popular da China (RPC).

Tratava-se do segundo encontro entre o Sr. Wang, representante da “Strait Exchange Foundation” (SEF), organização não oficial taiwanesa e o Sr. Koo Chen-fu, da “Association for Relations Across de Taiwan Strait” (ARAF), não oficial chinesa, cinco anos após sua primeira reunião, em Singapura.

Verifica-se, a propósito, que já houve diálogo bem mais construtivo, sempre com condicionantes culturais chinesas, entre as duas margens do estreito de Taiwan. Atualmente, se assiste a esperada “coreografia bélica” da RPC, após a posse de Willian Lai, líder do partido “independentista” como a maior autoridade em Taipé, conforme antecipado por texto publicado em 14 de março passado.

Desnecessário lembrar que, no momento, a hostilidade da RPC contra a liderança taiwanesa é explicada pela reiterada declaração do Ministro das Relações Exteriores da RPC, no sentido de que “ a independência de Taiwan é uma rua sem saída”. Sua manifestação se deveu ao discurso de posse de Willian Lai.

Em seu pronunciamento, Lai “exortou a China a parar com a intimidação verbal e militar” e a “dividir responsabilidades na manutenção da paz e da estabilidade no estreito” que separa a ilha do continente. Ele ainda prometeu “não ceder nem provocar”, manter o status quo e ser “o timoneiro da paz”. Lai afirmou esperar que Pequim “possa tomar passos concretos na direção da reconciliação com Taiwan, inclusive retomando trocas bilaterais, como intercâmbio turístico e de estudantes, trabalhando no caminho para uma coexistência pacífica”.

Como reação, a RPC classificou o novo dirigente taiwanês como “perigoso separatista”, que busca a “independência da ilha”. Seguiram-se exercícios militares, destinados a “testar a habilidade da RPC de tomar o poder em Taiwan pela força”.

Tal coreografia bélica foi a de maior intensidade realizada pelas forças armadas da RPC, com vistas a eventual reintegração de Taiwan, por “meios não pacíficos” — conforme Pequim define eventual disputa militar com a ilha, sem usar o termo “guerra”, que, segundo a concepção da RPC, seria reservado a “estados independentes”. Reitera-se que, para Pequim, a mesma identidade cultural uniria os dois lados do Estreito de Taiwan, na condição de “uma China”.

Nessa perspectiva, pretende-se, a seguir resgatar, de forma sumária e simplificada, o passado recente que colocaria em questão a existência de identidade cultural distinta da chinesa, na margem formosina do Estreito de Taiwan¹.

II

A título de exercício de reflexão, cabe lembrar que, em meados da década de 1950, a República Popular da China — fundada em 1949 por Mao Zedong — começou a endereçar iniciativas de conversações ao Kuomintang (KMT, denominado Partido Nacionalista) que, derrotado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), havia se refugiado em Taipé.

Em abril de 1955, portanto, o Premier Shou Enlai propôs, via delegação dos EUA, em Genebra, negociações com as “autoridades locais responsáveis” em Taiwan. No ano seguinte, o Primeiro-Ministro reiterou a oferta, ao expressar publicamente o desejo de discutir passos concretos, no sentido da resolução pacífica do problema formosino com o KMT. Em abril de 1957, coube ao próprio Mao manifestar a vontade do PCC de cooperar com o Partido Nacionalista para o início de negociações com vistas à resolução pacífica do problema através do estreito.

Taiwan dispensou, publicamente, todas estas iniciativas. Historiadores taiwaneses registram, no entanto, que, nas décadas de 1950 e 60, Chiang Kai-shek teria mantido contatos secretos com Pequim, tendo, inclusive, enviado emissários para discutir, em sigilo, a reunificação com os dirigentes chineses.

Entre os pontos então discutidos, especula-se que teria sido considerado, por exemplo, o retorno de Chiang Kai-shek, com seus seguidores, à China, podendo se estabelecer, na condição de Presidente do Partido Kuomintang, em qualquer província do continente, exceto na de Zheijiang (mais próxima da ilha de Formosa). Chiang Chin-kuo (filho de Chiang Kai-shek) seria o Governador da Província de Taiwan. A ilha conservaria as prerrogativas desfrutadas nos vinte anos anteriores, á exceção da autonomia em política externa e assuntos militares.

A Marinha e a Força Aérea taiwanesas seriam reorganizadas sob o controle chinês. O Exército também seria reestruturado, reduzindo-se a quatro divisões, uma a ser baseada nas regiões de Jinmen e Xiamen e outras três em Taiwan. Xiamen e Jinmem seriam transformadas em cidades livres, situadas como entrepostos entre Pequim e Taipé. O comandante da divisão regional teria a patente de Tenente-General e seria, também, o Prefeito da cidade. Sua nomeação deveria ser aprovada por Pequim. Cargos e salários de todos os funcionários civis e militares seriam preservados e as condições de vida da população da ilha ficariam mantidas no nível alcançado naquele momento.

Com base nessas condições, consta que Chiang Kai-shek teria concordado em conduzir negociações secretas. Após o início da Revolução Cultural, na China durante a década de 1960, contudo, contatos sigilosos ou ostensivos cessaram com autoridades taiwanesas.

Durante a Era Deng Xiaoping, no final da década de 1970, Pequim abandonou sua política de anexação de Taiwan pela força e formulou nova orientação de “reunificação pacífica”. Desencadeou, em seguida, uma série de iniciativas de aproximação dos taiwaneses. Em janeiro de 1979, o Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo, enviou “uma mensagem aos compatriotas em Taiwan”.

III

De sua parte, em 30 de abril de 1991, Taiwan anunciou o término do “Período de Mobilização para a Supressão da Rebelião Comunista”. De forma resumida, tratava-se, para o Kuomintang, de deixar de considerar o Partido Comunista Chinês como uma “organização rebelde”. Na prática, significou a renúncia ao delírio de que, um dia o KMT viria a reconquistar a China, pela força militar, e retornar ao poder em Pequim.

No mesmo ano, com o propósito de estabelecer diálogo com a RPC, os formosinos criaram a “organização não-governamental” “Strait Exchange Foundation” (SEF). Em contrapartida, os chineses fundaram a “Association for Relations across the Strait” (ARATS). Da parte taiwanesa, esperava-se que as duas instituições poderiam estabelecer um “regulamento para as relações entre a população da área de Taiwan e a do continente”

A SEF e a ARATS realizaram uma série de conversações em 1992. Em outubro daquele ano, Jian Zemin, na capacidade de Secretário-Geral do PCC, afirmou que, “sob a égide do Princípio de “uma China”, seria possível às duas partes discutir qualquer tema”. No ano seguinte, em abril, aconteceu, em Singapura, o primeiro e mais importante encontro, entre os Presidentes da fundação taiwanesa, Koo Chen-fu, e o da chinesa, Wang Daohan.

Em outubro de 1998, o representante taiwanês Wang Daohan — conforme mencionado no início deste texto — manteve encontros de alto nível, em Xangai e Pequim, inclusive com Jiang Zemin, na capacidade de Secretário-Geral do PCC. Durante sua permanência de seis dias, no entanto, foram mantidas as posições conhecidas das duas margens do estreito. Os chineses continuaram a insistir em que as conversações, com vistas à reunificação, deveriam ser conduzidas sob a égide de “uma China”. Questões políticas deveriam ser, portanto, tratadas antes de temas econômicas e técnicos.

De sua parte, o enviado taiwanês reiterou a posição de que, para melhorar as relações entre a ilha e o continente, caberia, inicialmente, fortalecer os vínculos entre as duas associações semioficiais. Este passo seria fundamental, divulgava-se em Taipé, para a consolidação da confiança necessária a discussões posteriores sobre temas políticos.

De forma a ressaltar este ponto — sempre apelando para a cultura chinesa comum aos dois lados do Estreito — Koo escolhera, para seu programa noturno em Xangai, assistir à opera “Fortaleza Vazia”, que narra disputa — durante o período histórico chinês dos “Três Reinos” (220–280) — entre dois adversários que compartilhavam desconfianças mútuas.

Tais suspeitas foram confirmadas — junto aos chineses — em 9 de julho de 1999, quando Lee Teng-hui, então “maior autoridade local” fez pronunciamento em que definiu as relações através do estreito como “entre dois países” (vide texto publicado em primeiro de maio passado). Afirmou também que não havia necessidade de Taiwan declarar independência, visto que a “República da China” já era um país independente desde 1912.

Segundo era possível antecipar, os chineses reagiram de forma categórica. Wang Saohan, Presidente da ARATS, afirmou que a teoria de “dois estados” tornaria inútil qualquer possibilidade de continuação de diálogo com a SEF.

Ao exigir o retorno de Taiwan à política de “uma China”, Pequim declarava então que Lee tinha dado um “passo extremamente perigoso” em direção à divisão da China e o avisou de que “estava brincando com o fogo”.

Os chineses reiteraram, também, que não haviam renunciado ao emprego da força militar, caso a ilha seguisse o caminho independentista. Houve amplas especulações sobre a possibilidade de uma pronta reação armada. Exercícios militares chineses – aparentemente já programados – foram noticiados como preparativos para uma invasão. Editoriais de jornais na RPC criticavam a teoria dos “dois Estados”. Afirmava-se que a China não hesitaria em atacar, mesmo diante da resistência dos EUA.

Digna de registro, também, foi a reação norte-americana que através do porta-voz do Departamento de Estado, apenas reiterou a conhecida posição de Washington, com respeito aos “três nãos”: à independência de Taiwan; a “duas Chinas”; e à participação formosina de organizações internacionais reservadas a Estados. Nessa perspectiva, os EUA e a RPC pareciam, naquele momento, ter posições idênticas quanto à provocação de Lee.

Da mesma forma, o Japão comprometeu-se a manter a política de adesão ao princípio de “uma China”. Outros países asiáticos manifestaram-se contrários à iniciativa de Lee, de proclamar a existência de “duas Chinas”.

IV

A RPC, como se sabe, continua a considerar que Taiwan faz parte da China. Evoca com frequência, nesse sentido, o “século de humilhações” a que foi submetida, com a ocupação de territórios seus por potências exteriores. Esta — segundo seu ponto de vista — seria o caso da ilha formosina. É questionável, contudo, que a segunda potência econômica do mundo atual e um dos três países mais poderosos militarmente possa, ainda, recorrer a tal argumentação. Custa acreditar que mantenha o argumento de vitimização histórica, pelo ocorrido nos dois séculos passados, diante do sucesso presente.

É questionável, no entanto, se a população de Taiwan desejaria, hoje, viver sob uma administração da RPC. As últimas eleições na ilha, também é sabido, contou com a participação de apenas 70% dos eleitores, dos quais 40% votaram a favor do “independentista” William Lai. Não se trata, assim, de mandato absoluto.

Tendo servido, entre 1998 e 2006, como Diretor do Escritório Comercial do Brasil em Taipé, permito-me refletir, no que diz respeito ao “suposto repúdio taiwanês à identidade chinesa” sobre os pontos seguintes:

- A conservação em Taiwan do Museu Imperial Nacional que, conforme trecho de catálogo abaixo², preserva tesouro cultural chinês trazido por Chiang Kai-sheck, em 1949, quando fugiu de Pequim. Porque não devolver à capital da RPC relíquias que seriam apenas de sua história?

- A calorosa celebração do Ano Novo Chinês, com a exibição do “animal homenageado”, em diferentes formas e manifestações variadas, em todos os centros urbanos da ilha;

- O fato sabido de que (não disponho de comprovação de registro oficial), para que seus filhos estudem melhor a civilização chinesa, muitas famílias ricas na RPC enviam seus filhos a escolas taiwanesas;

- Da mesma forma, novos atores para a “Ópera de Pequim” são, cada vez mais, recrutados em Taiwan; e

- Principalmente, a constituição em vigor na ilha declara a “existência de uma China”, com sede em Taipé.

Em conclusão, na expectativa para a solução da questão através do Estreito de Taiwan, tendo em conta as condicionantes de uma identidade cultural compartilhada, mesmo “quando as pessoas sentirem que a primavera está chegando”, haverá ainda demora para “esquecerem os rigores do inverno”.

Notas

¹ A respeito da “questão de Taiwan”, vide artigos publicados em meu livro “O Tecer de Relações Internacionais Contemporâneas”, Editora AGE, 2024.

² National Palace Museum, Taipei

The exhibition shows that porcelains with painted enamels of the three reigns of the Qing dynasty, Kangxi, Yongzheng and Qianlong (1662–1795), are the most iconic porcelain wares in the 18th century. Also, it elaborates these three stages of styles were established with the invention and development of the pigments as well as the different requests for the official wares from the Emperors.

This exhibition is divided into three sections in chronological order. “Novelty from the Emperor’s Experimental Workshop” compares the testing pieces and final works to present that the Kangxi Emperor (r. 1662–1722) invited Western missionaries and local masters to produce the Kangxi-reign-style painted enamels. “Imperial Exclusive Style” shows that the Yongzheng Emperor (r. 1723–1735) promoted painted enamels as court-limited works based on his request of an imperial exclusive style. “Imperial Design & Craftsman’s Skill” presents that the Qianlong Emperor (1736–1795) reinitiated the dialogue between the Imperial workshops of the Forbidden City (or the Old Summer Palace) in Beijing and Imperial kilns in Jingdezhen to embody the concept of one “official ware” so that they could share the same decorative style, and therefore create yangcai and falangcai, two styles of painted enamels.

Sobre o Autor

Paulo Antônio Pereira Pinto: Embaixador aposentado.


sexta-feira, 5 de maio de 2023

Questão da Ucrânia — A importância da Comunidade de Estados Independentes e de Minsk para a solução do conflito- Paulo Antônio Pereira Pinto (Mundorama)

 

Questão da Ucrânia — A importância da Comunidade de Estados Independentes e de Minsk para a solução do conflito

Paulo Antônio Pereira Pinto

Photo by Christian Lue on Unsplash

Rio de Janeiro, 2 de maio de 2023

“Nesse caso, a Rússia também não seria reconhecida como país independente”, comentou leitor da Folha de São Paulo, após notícia de que o Embaixador chinês em Paris, S.r. Shaye, ter afirmado que “a Ucrânia e os demais países que pertenceram à União Soviética não têm status efetivo sob o direito internacional, porque não há um acordo internacional que confirme seus status como nações soberanas”.

Não seria esta, obviamente, a premissa para a resolução do conflito em curso entre a Rússia e a Ucrânia: o não reconhecimento de ambas como países independentes.

Nem seria realista a expectativa de que guerras na Europa sejam resolvidas, atualmente, sempre, pelo “quarteto” EUA, Reino Unido, Alemanha e França. No caso da invasão russa a solução contemplada por tais atores habituais implicaria apenas a busca da vitória ucraniana. Tal solução, resta pouca dúvida, não levaria a paz duradoura.

Na perspectiva de que Rússia e Ucrânia existem como nações soberanas e que há que se buscar o diálogo para solução pacífica do conflito, este exercício de reflexão pretende sugerir que a questão ucraniana poderia ser considerada, em “arcabouço” de geometria mais ampla — deixada, a propósito, pela antiga União Soviética.

Penso na moldura da “Comunidade de Estados Independentes” — herdeira de países que formaram a URSS — estabelecida, em Minsk, capital da Belarus, em 8 de dezembro de 1991.

A partir do início daquele ano, a dissolução da União Soviética parecia algo inevitável e, na data citada no parágrafo anterior, líderes da Rússia, Belarus e Ucrânia se reuniram na reserva natural de Belovezhskaya Pushcha, 50 km ao norte da cidade de Brest, Belarus. Assim nasceu a ideia da Comunidade dos Estados Independentes, ao mesmo tempo em que foi anunciado que a nova confederação estaria “aberta a todas as repúblicas da União Soviética”.

O então Presidente da URSS, Michail Gorbachev, descreveu a reunião como algo “ilegal e perigoso” e “um golpe constitucional”. Mas prontamente ficou claro que pouco ou nada havia por fazer. Em 21 de dezembro, os líderes de onze das quinze ex-repúblicas soviéticas se reuniram em Almaty, Cazaquistão, e assinaram o tratado. Desta maneira, a CEI foi ratificada e a União Soviética oficialmente extinta.Em 25 de dezembro, Gorbachev renunciou como presidente de um país que já não existia “de facto”.

Os três estados bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) não assinaram o tratado, assim como a Geórgia — os quatro argumentaram que haviam sido incorporados à União Soviética à força. Os 11 participantes iniciais foram Armênia, Azerbaijão, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Moldovia, Federação Russa,Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Ucrânia. Em dezembro de 1993, a Geórgia finalmente aderiu à CEI e em agosto de 2008 se retirou após a invasão russa de seu território.

Mesmo independentes, os 11 antigos membros da URSS decidiram manter vínculo entre si, com o objetivo de estabelecer sistema econômico e de defesa entre antigas repúblicas da União Soviética.

Apesar da forte influência da Federação Russa, os demais países que compõem a CEI mantêm formalmente uma autonomia, garantida pela descentralização política conseguida com a independência em relação à estrutura administrativa da antiga União Soviética.

Tendo como capital a cidade de Minsk, a CEI é estruturada administrativamente por dois conselhos, sendo um composto por chefes de governo e outro, por chefes de Estado.

Apesar da estrutura de seu funcionamento formal, entre seus membros existem inúmeras disputas entre os países da comunidade, além do não cumprimento de acordos firmados. Vale destacar as constantes tensões e conflitos entre membros da CEI ou mesmo no interior dos países, em decorrência de diferenças étnicas e regionais.

Tive oportunidade de visitar a sede da CEI, em Minsk, a título de cortesia, enquanto fui Embaixador na Belarus, entre 2015 e 2019, e verifiquei que se trata de organização “simbólica”, que funcionaria como uma espécie de “banco de reservas”, onde permanecem disponíveis acordos, mecanismos de negociação e projetos da antiga URSS, que poderiam ser “colocados em campo”, caso alguma proposta de integração ou de resolução de conflito fosse realmente almejada.

Embaixadores dos países membros da referida comunidade, acreditados em Minsk, apresentam credenciais também ao Diretor da CEI. A lista de participantes tem variado, com inclusão e separação de antigos membros da URSS, de acordo com dinâmica regional de aproximação ou distanciamento da Rússia.

De qualquer forma, existem adormecidos na CEI mecanismos de articulação que “eventualmente” poderiam ser acionados no que diz respeito à Questão da Ucrânia. Minsk, nesse contexto, tem sido escolhida, em consenso com países ocidentais, como local para acordos destinados a negociar disputas entre países membros da antiga União Soviética.

Em certa medida, sugestão de esforço no sentido de valorizar tal “organização semiadormecida” poderia servir de aceno ao Presidente Putin, em seus devaneios de ressuscitar um “projeto Eurasiano”, sob influência de Moscou, conforme será lembrado a seguir.

Ademais, cabe registrar que “acordos de Minsk” têm sido a norma para tentar resolver conflitos envolvendo antigos membros da União Soviética, entre estes a Rússia.

Há, no momento, dois “Minsk Groups”, associados a conflitos ocorridos depois da dissolução da União Soviética: o que foi dedicado ao conflito em Nagorno-Karabakh (NK), entre o Azerbaijão e a Armênia; e o facilitador do diálogo na questão da Ucrânia.

Em ambos, o nome desta capital consta como o local onde os encontros são ou deixam de ser realizados. Não há protagonismo bielorrusso na busca de solução dos problemas. O papel de facilitador nas negociações, no entanto, eleva o perfil diplomático da Belarus no cenário mundial. Este país, sabe-se, é objeto de sanções internacionais por seu sistema de governo autoritário, que o leva a ser conhecido como “A Última Ditadura da Europa”.

O primeiro Grupo de Minsk foi criado, em 1992, com vistas à conferência para negociação entre Baku, Azerbaijão, e Yerevan, Armênia. É presidido por representantes dos Estados Unidos, França e Federação Russa. Seus membros permanentes são: Belarus, Alemanha, Itália, Suécia, Finlândia e Turquia.

Na prática, seus “co-chairs” reúnem-se, periodicamente, em Viena, sede da Organização de Segurança e Cooperação da Europa, e visitam as capitais dos países que disputam o território de Nagorno-Karabakh.

Entre os empecilhos para a solução do conflito, por um lado, a Armênia não aceita a aplicação de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que determinam sua retirada do território azeri. Por outro, Baku não permitiria o contato direto entre as partes em combate naquela área, pois — de acordo com seu entendimento — tal comunicação significaria o “reconhecimento de alguma legitimidade ao inimigo invasor”.

O cenário de congelamento permanente deste conflito muito prejudica projetos de integração da área antes ocupada pela URSS, nos moldes da União Econômica Euroasiática, ambicionada por Putin.

Desnecessário lembrar que a questão da Ucrânia é disputa mais próxima de Minsk, envolvendo populações etnicamente “russas”. Convencionou-se, também, atribuir o nome desta capital ao grupo que lhe busca solução.

A propósito, o que acontece no Cáucaso diz respeito a pessoas que, segundo visão “imperial” de Moscou, seriam bárbaros, a serem mantidos na esfera de influência da Federação Russa, como obstáculo de contenção de impérios vizinhos — como o fazia Roma antiga.

A nova visibilidade de Minsk

Quando cheguei a Minsk, em março de 2015, a Belarus ficara mais nítida no mapa da Europa Central, em virtude da crise ucraniana, iniciada um ano antes.

Sua posição estratégica crescera em importância, em área de turbulência política, enquanto permanecia o interesse pela adesão bielorrussa ao projeto “eurasiano”, ambicionado pelo Presidente Putin.

Em síntese, cabe lembrar que, enquanto “Bela” significa “Branco”, o nome do país não pode ser traduzido por “Rússia Branca”. O “Rus” não se refere à Rússia, mas descreve área da Europa Central, coberta por neve e povoada por eslavos, em oposição à Rustênia Negra, controlada por povos lituanos.

Outra possível origem do nome seria o fato de que aquele território não ter sido invadido pelos mongóis que, no século XIII, conquistaram grande parte da Europa. A área em questão, portanto, era considerada parte do “Rus Branco”. “Bel” ou “Biel” também significaria “livre”, num período em que a maior parte da Rússia se encontrava sob o jugo dos tártaros.

Cabe, portanto, notar que a Belarus é um país cujo nome sugere o passado de um povo que habitou “uma região europeia livre”.

Verifica-se, contudo, que, desde sua independência da extinta União Soviética, tem sido chamada de a “última ditadura na Europa”, em virtude de manter sistema de governo com fortes traços do antigo regime soviético.

O nome “Belarus” referia-se, então, a uma região específica do centro da Europa e, não, a uma nação, até o final do século XIX. A estruturação do território bielorrusso, nos moldes de um Estado moderno, ocorreu a partir de 1920, com sua inclusão na União Soviética.

Durante o período da República Socialista Soviética Bielorrussa, o país adquiriu estrutura de estado nacional. Suas instituições nacionais eram e continuam a ser fortemente moldadas pelas criadas na Rússia Soviética.

Daí, não causar surpresa que a moldura institucional hoje existente em Minsk sirva para manter a Belarus em área de influência russa.

Isto é, a forma de governança, com fortes traços autoritários herdados do período soviético, serve à formulação de políticas nacionais que, ainda hoje, com grande facilidade, se alinham com orientações ditadas por Moscou.

O projeto eurasiano de Putin

Verifica-se, a propósito, que, por trás da ofensiva da Rússia sobre a Ucrânia, há mais do que interesses geopolíticos e econômicos. O Presidente Vladimir Putin estaria defendendo, também, projeto de “neo euro-asianismo”, ideologia nacionalista nascida na década de 1920 e reescrita após o desmoronamento da União Soviética.

Fiel à tradição e aos valores cristãos ortodoxos, a doutrina reúne princípios e ideais distintos dos vigentes no chamado “mundo ocidental”.

No artigo “Um novo projeto de integração para a Eurásia; o futuro que nasce hoje”, publicado em 04.10.2011, Putin defende a criação de uma União Euroasiática — a partir da fusão de mecanismos de integração existentes e herdados da União Soviética (entre estes poderiam ser incluídos os disponíveis na CEI, citados acima) — idealizada como um dos polos de poder no mundo contemporâneo e ponte entre a Europa e a Ásia Oriental.

A teoria reafirma o que qualifica de “identidade russa”, nascida da fusão de povos eslavos e de origem turca. A Rússia seria um terceiro continente, situado entre a Europa e a Ásia. Antes de quase desaparecer no século XX, esta linha de pensamento se opunha, tanto ao Ocidente liberal, considerado decadente, quanto aos soviéticos, que baniram o cristianismo ortodoxo da Rússia, assim como seus valores tradicionais.

O presidente russo, então, adotou discurso que ressalta a ideia de “tradição”, cara à Igreja Ortodoxa russa, e recusando o multiculturalismo, o feminismo, a homossexualidade e o que chama de “valores não tradicionais” de origem ocidental.

A Rússia se define, segundo Putin, como “um modelo civilizacional”, contrastando-se com os EUA, que qualifica de poder “revisionista”, empenhado em desestabilizar o mundo promovendo mudanças de regime, especialmente no mundo árabe. O Kremlin também vê os EUA como uma fonte de instabilidade no antigo espaço soviético e culpa o Ocidente pela turbulência ucraniana.

O tratado para a criação da União Euroasiática, com sede em Moscou, foi assinado em novembro de 2011, pelos presidentes de Rússia, Belarus e Cazaquistão. O grupo deveria incluir Armênia, Quirguistão e Tajiquistão a partir de 2015.

Como se sabe, ao convencer o ex-presidente ucraniano Viktor Yanukovich a renunciar à ambição de um acordo de livre comércio com a União Europeia, em novembro de 2013 — evento que detonou o Movimento na Praça da Independência, em Kiev — Putin planejava a inclusão da Ucrânia no novo bloco.

Na prática, a União Euroasiática reconstituiria a maior parte do território da URSS, cujo esfacelamento é considerado por Putin como uma das maiores tragédias do século XX. O objetivo era manter a Ucrânia sob sua influência, fazendo-a participar de seu projeto, não admitindo sua “deriva” em direção ao Ocidente.

Minsk vem-se inserindo de modo muito mais profundo na órbita russa nos últimos anos. A aproximação de Moscou tem sido conveniente para o Presidente Lukashenko, na medida em que o ajuda a contrabalançar as pressões da União Europeia e dos EUA por maior abertura política no país. A Rússia também é crucial para a Belarus, em razão das deficiências energéticas que a obrigam a importar petróleo e gás natural do vizinho, a preços subsidiados.

A importância da CEI na questão da Ucrânia

No âmbito da Comunidade de Estados Independentes, foi assinado, em 15 de maio de 1992, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva por Armênia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e

Uzbequistão, na cidade de Tashkent. O Azerbaijão assinou o tratado em 24 de setembro de 1993, a Geórgia em 9 de dezembro de 1993 e a Belarus em 31 de dezembro de 1993. O tratado entrou em vigor em 20 de abril de 1994.[1]

A OTSC é uma organização observadora na Assembleia Geral das Nações Unidas. Sua fundação reafirmava o desejo dos Estados participantes em se abster do uso ou ameaça da força. Os signatários não poderiam aderir a outras alianças militares — como a OTAN — ou outros grupos de estados, enquanto a agressão contra um signatário seria percebida como uma agressão contra todos.

Para tanto, a OTSC organizou, regularmente, exercícios militares entre as nações membros. O de maior escala da foi o “Rubezh 2008”, que ocorreu na Armênia. Um total de 4 mil soldados dos sete países membros da OTSC realizaram treinamento conjunto.

Apesar de seus propósitos de segurança coletiva, verifica-se, contudo, que a OTSC, no âmbito da CEI pode apresentar, apenas, um “frozen conflict” — entre Armênia e Azerbaijão — e outro que talvez venha a congelar-se — entre a Rússia e a Ucrânia — no espaço pós-soviético. Dessa forma, fazem parte da agenda de preocupações dos chamados “Grupos de Minsk” iniciativas destinadas a “conviver” com estes problemas.

Conforme sugerido acima, no entanto, o “arcabouço” disponível na referida Comunidade, poderia sondar fórmulas para o debate de temas, como, por exemplo:

- Para que, com o compromisso de não adesão ucraniana à OTAN, as convenções “adormecidas” na CEI, pudessem levar a Rússia a retirar suas tropas das regiões da Ucrânia, Donbass e outras, que ocupara em 2022. Permaneceriam estas sob a soberania da Ucrânia, mas um grau mais elevado de autonomia lhes seria garantido?

- Poder-se-ia, também, considerar o congelamento da crise na Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Ou seja, não haveria um reconhecimento internacional de que a região passe a fazer parte da Rússia. Seria possível, contudo, não haver um questionamento sobre o fato de que, na prática, a região está controlada e administrada por Moscou?

- Haveria espaço, em compromissos assumidos no âmbito da CEI, sobre Direitos Humanos, para discutir o tema do emprego do idioma russo, por aqueles que o tenham como parte de sua cultura original? Lembra-se que não apenas a Ucrânia é habitada por tais minorias.

- Seria garantida, ainda com maior ênfase, a segurança dos membros da CEI, contra eventuais ameaças de países ou alianças militares vizinhas?

Nesse sentido, seria necessário reanimar e fortalecer a Comunidade de Estados Independentes, com sede estabelecida em Minsk, a partir de 1991.

Não saberia indicar como tal sugestão poderia ser levada à consideração dos membros da CEI. Cabe, pelo menos, torcer para que mecanismos de negociação já existentes na OTSC, no âmbito da Comunidade de Estados Independentes, sejam acionados.

Passo inicial, sem dúvida, para ativar os mecanismos adormecidos na referida Comunidade, com sede em Minsk, seria “combinar com os bielorrussos”.

Notas

[1] O TSC foi criado para durar por um período de 5 anos a menos que fosse prorrogado. Em 2 de abril de 1999, apenas seis membros da OTSC assinaram um protocolo de renovação do tratado por um novo período de cinco anos, enquanto Azerbaijão, Geórgia e Uzbequistão se recusaram a assinar, e retiraram-se do tratado de uma vez; juntamente com Moldávia e Ucrânia, formaram um grupo não-alinhado, mais pró-Ocidente e pró-EUA conhecida como a Organização “GUAM” (Geórgia, Uzbequistão /Ucrânia, Azerbaijão, Moldávia). A organização foi nomeada OTSC em 7 de Outubro de 2002, em Tashkent. Durante 2005, os parceiros OTSC realizaram alguns exercícios militares comuns. Em 2005, o Uzbequistão se retirou do GUAM, e em 23 de junho de 2006, o Uzbequistão tornou-se um participante pleno do OTSC e seus membros foram formalmente ratificados por seus parlamentos em 28 de março de 2008. (Wikipédia)

Sobre o autor

Paulo Antônio Pereira Pinto: Embaixador aposentado.


terça-feira, 30 de novembro de 2021

A questão de Taiwan e o interesse para o Brasil - Paulo Antônio Pereira Pinto

 Meu amigo e colega, Paulo Antônio Pereira Pinto, envia seu mais recente artigo publicado em Mundorama, da UNB, sobre a Questão de Taiwan e o interesse para o Brasil:


A questão de Taiwan e o interesse para o Brasil

Editoria Mundorama
Nov 30 · 10 min read

Paulo Antônio Pereira Pinto


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