Penúltimo trabalho entregue para publicação:
4683. “Antonio Augusto Cançado Trindade e o Itamaraty”, Brasília, 11 junho 2024, 28 p. Ensaio preparado como contribuição a volume coletivo organizado em homenagem ao jurista renomado (aos cuidados de Paulo Borba Casella e Sergio Eduardo Moreira Lima); provavelmente só em 2025.
Antecipo aqui o resumo e os primeiros parágrafos:
ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE E O ITAMARATY
ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE AND ITAMARATY
Paulo Roberto de Almeida *
Resumo: A abordagem da obra do jurista Antonio Augusto Cançado Trindade está cingida, neste ensaio, às suas interações com o Itamaraty, triplamente: (a) professor de Direito Internacional Público no Instituto Rio Branco (paralelamente ao mesmo encargo na Universidade de Brasília); (b) Consultor Jurídico no período imediatamente posterior ao regime militar, isto é, na abertura política da redemocratização e na revisão importante dos tratados lacunares do Brasil na área de direitos humanos e de causas humanitárias geral; para essa parte, considerou-se importante historiar o papel relevante desse cargo para a fixação de uma doutrina jurídica para a diplomacia brasileira; (c) autor de uma relevante e única obra no estabelecimento de uma base jurídica de referência documental para a atuação do Ministério das Relações Exteriores, qual seja, o Repertório da prática brasileira do direito internacional público, que, infelizmente, ainda não teve continuidade pelo próprio Itamaraty no período após 1981. Por fim, se examina brevemente o papel do grande jurista em diversas outras dimensões do trabalho diplomático, como a sua participação em delegações brasileiras por ocasião de importantes conferências na área do Direito Internacional. Ao final, são apresentados, a título de referências bibliográficas, alguns títulos pertinentes de sua imensa produção intelectual no campo do Direito Internacional.
Palavras chaves: Direito Internacional; Itamaraty; Consultoria Jurídica; Instituto Rio Branco; pareceres submetidos na agenda diplomática.
Abstract: This essay undertakes a selective approach to the work accomplished by the jurist Antonio Augusto Cançado Trindade, limited to his interactions with the Brazilian ministry of External Relations, in three ways: (a) professor of International Public Law at the Brazilian diplomatic academy, the Instituto Rio Branco (simultaneously to the same professorship at the University of Brasília); (b) Legal Advisor at the very moment of the Brazilian democratization process, just after the conclusion of the military regime, which implied a throughout revision of Brazil’s adherence to relevant treaties in the realm of Human Rights and humanitarian law in general; this section starts by a brief historical examination of the Legal Consultancy in foreign policy matters, helping in the consolidation of a legal doctrine for the Brazilian diplomacy; (c) author of a unique work serving as a documental reference and a juridical foundation for the practice of the Ministry of External Relations, the Repertório da prática brasileira do direito internacional público, albeit with no continuity in the subsequent years after 1981. At a last section, the essay offers a summary of his role in other dimensions of the diplomatic work, as a member of Brazilian delegations in important conferences in connection with International Law matters. At the end, some bibliographic references are presented, among his multiple works pertaining to a vast intellectual production in the field of International Law.
Kew words: International Law; Itamaraty; Legal Consultancy; Instituto Rio Branco; subsidies for the diplomatic agenda.
1. A melhor doutrina jurídica a serviço da melhor diplomacia
Antonio Augusto Cançado Trindade manteve, ao longo de uma vida ativa de mais de 40 anos, desde o final dos anos 1970 até praticamente sua morte, em 2022, uma relação constante com o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), na dupla condição de professor e jurista, inclusive recrutado como Consultor Jurídico por meia década, uma das mais relevantes para a afirmação democrática do Brasil na arena jurídica internacional, a que sucedeu 21 anos de regime militar autoritário. Ele continuou esse relacionamento nas áreas de sua especialização jurídica, o Direito Internacional, nas muitas ocasiões em que integrou delegações brasileiras em conferências diplomáticas internacionais e regionais dessa área, mas também como constante palestrante e participante de seminários no mesmo campo. Este ensaio se limitará a essa esfera do seu trabalho como consultor e acadêmico especializado no domínio do Direito Internacional Público, a serviço da diplomacia brasileira.
A interação de Cançado Trindade com o Itamaraty e com a diplomacia brasileira foi, de fato, intensa e constante, desde um exitoso retorno do doutoramento em Cambridge (em 1977, prêmio Yorke, de melhor tese, sobre a exaustão dos recursos internos no direito internacional) e a imediata assunção da cadeira de Direito Internacional Público na UnB e no Instituto Rio Branco, entre 1978 e 2009. Desde que assumiu na UnB, em 1979, ofereceu um curso completo de introdução ao estudo das relações internacionais, discorrendo, numa apostila recheada de notas e referências bibliográficas, sobre o “domínio reservado dos Estados na prática das Nações Unidas e organizações regionais”,[1] fechando a apostila com dez questões que os alunos deveriam responder.
Mas, antes mesmo de partir para o seu doutoramento na Inglaterra, Cançado Trindade, na condição de “diretor de uma Fundação Brasileira de Direito Econômico” e doutorando, sob a direção do eminente professor de Direito Econômico, Washington Peluso Albino de Souza, da UFMG, tinha oferecido, em 1972, um amplo estudo intitulado Considerações Acerca do Relacionamento entre o Direito Internacional e o Direito Econômico, no qual discutia temas que estavam inscritos em prioridade na agenda do Itamaraty, como as rodadas do Gatt, as conferências da Unctad e as reivindicações dos países em desenvolvimento no tocante às regras e princípios regendo as relações entre países soberanos no domínio econômico.[2]
Mesmo depois de assumir o cargo de juiz na Corte Internacional de Justiça da Haia, para a qual foi eleito em novembro de 2008 com o apoio de expressiva maioria de países, em inédita e histórica votação (163 votos na Assembleia Geral da ONU e 14, dos 15 possíveis, no Conselho de Segurança), continuou a colaborar com o Itamaraty e com a própria UnB, na qual foi distinguido com o título de Professor Emérito de Direito Internacional Público em 2010. Tendo já atuado como professor em vários cursos anuais da Académie de Droit International de La Haye, desde os anos 1980,[3] não lhe foi difícil galgar a ambicionada posição de juiz da Corte Internacional de Justiça, e nela se distinguir ainda mais, com votos sempre embasados no mais profundo domínio da doutrina e dos fatos, alguns deles em posição dissonante à dos demais juízes. Uma coleção de 17 de suas opiniões individuais abundantemente apoiadas no Direito Internacional e na prática dos Estados, tanto sobre questões de procedimento, quanto sobre questões jurídicas substanciais, foi reunida numa obra, igualmente volumosa, publicada em francês.[4]
Antes dessa projeção internacional, ele já havia, obviamente adquirido estatura regional de peso, desde quando assumiu a presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 16 de setembro de 1999, num momento em que o presidente Alberto Fujimori deslanchava uma furiosa campanha de descrédito contra a Corte e contra os próprios magistrados do Tribunal Constitucional peruano, conjugando esforços com a OEA e com presidentes democratas da região para se opor aos desmandos do governo arbitrário.
Sua atuação a serviço do Ministério das Relações Exteriores, ademais das aulas no IRBr e das inúmeras conferências diplomáticas de que participou, nos campos do Direito Internacional e dos Direitos Humanos, se deu com maior intensidade nos anos de 1985 a 1990, quando se tornou o primeiro Consultor Jurídico na redemocratização do país, tendo sido fundamental para a adesão do Brasil a diversos instrumentos internacionais e regionais de defesa dos direitos humanos e de promoção de direitos sociais coletivos, de maneira geral. Este ensaio tratará especialmente desta sua colaboração na Consultoria Jurídica do Itamaraty, assim como de sua inestimável obra de pesquisa histórica e de sistematização das posições diplomáticas do Brasil, sobretudo por meio dos diversos volumes do Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público, de 1889 a 1981, em duas edições pela Fundação Alexandre de Gusmão, 1986 e 2012.[5]
No prefácio à segunda edição do Repertório, Cançado Trindade confirma que a elaboração dessa obra “conformou a alvorada de minha trilha, e também a da própria Funag”, pois foram os cinco volumes, cobrindo o período de 1889 a 1981 (seguidos pelo Índice Geral Analítico), que constituíram as primeiras publicações da Fundação Alexandre de Gusmão, que se transformaria, anos depois, na mais importante editora brasileira de obras de relações internacionais. Cabe não descurar o imenso labor efetuado para essa primeira grande obra de sua carreira – ao lado, claro, de seus muitos livros de direito internacional –, “manuseando e selecionando dados que encontrava (em época anterior à do uso generalizado dos computadores) nos arquivos diplomáticos do Ministério das Relações Exteriores em Brasília e do Palácio Itamaraty no Rio de Janeiro”.[6]
A essa obra extremamente rica, pelos muitos recursos que ela oferece aos estudiosos e praticantes da diplomacia, deve-se somar o volume correspondente a cinquenta, dentre seus “mais de duzentos circunstanciados pareceres” – segundo a apresentação feita pelo editor Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros –, oferecidos como seu “legado à Casa de Rio Branco”, enquanto ele se desempenhou no cargo de Consultor Jurídico do Itamaraty, de 1985 a 1990, objeto do volume VIII da coleção Pareceres dos Consultores Jurídicos.[7] Pelo caráter instrumental, aliás único nos anais da diplomacia brasileira, da primeira coleção de publicações, o Repertório, assim como pelo caráter também excepcional dos seus Pareceres, cabe dar-lhes a devida atenção neste ensaio.
2. Nas origens do cargo de Consultor Jurídico do Itamaraty
(...)
3. A República, sob o Barão, retoma a tradição iniciada pelo Visconde, seu pai
(...)
4. O grande consultor jurídico na redemocratização: Cançado Trindade
(...)
5. O Repertório da prática brasileira do direito internacional público: obra única
(...)
6. Antonio Augusto Cançado Trindade: um patrimônio jurídico nacional
(...)
Referências
Textos relevantes de Antonio Augusto Cançado Trindade para este ensaio:
- Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público; vol. I: período 1889-1898; vol. II: período 1899-1918; vol. III: período 1919-1940; vol. IV: período 1941-1960; vol. V: período 1961-1981; Índice Geral Analítico. 2a. ed.: Brasília: Funag, 2012, 6 vols.; 1ª ed., 1984-1988 (Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/todos/0?busca=Repert%C3%B3rio&filtro=1&ord=1).
- “A sistematização da prática dos Estados e a reconstrução do Jus Gentium”, Introdução ao período 1889-1898, na edição de 1988, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-39; seguida de “Nota explicativa”, p. 41-42.
- “Necessidade, sentido e método do estudo da prática dos Estados em matéria de Direito Internacional”, Introdução ao período 1899-1918, na edição de 1986, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-36; seguida de “Nota explicativa”, p. 37-39.
- “A emergência da prática do Direito Internacional”, Introdução ao período 1919-1940, na edição de 1984, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-37; seguida de “Nota explicativa”, p. 39-40.
- “A expansão da prática do Direito Internacional”, Introdução ao período 1941-1960, na edição de 1984, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-27; seguida de “Nota explicativa”, p. 29-30.
- “Os Repertórios nacionais do Direito Internacional e a sistematização da prática dos Estados”, Introdução ao período 1961-1981, na edição de 1983, in: Repertório, edição de 2012, p. 23-58; seguida de “Nota explicativa”, p. 59-60.
- “Nota introdutória e explicativa”, Introdução ao Índice Geral Analítico, na edição de 1986, in: Repertório, edição de 2012, p. 13-16.
- CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antonio Paulo (org.), Pareceres dos Consultores Jurídicos, vol. VIII, Antônio Augusto Cançado Trindade, 1985-1990. Brasília: Senado Federal, Coleção Brasil 500 Anos, 2004 (também disponível na Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-371-pareceres_dos_consultores_juridicos_do_itamaraty_volume_viii_1985_199).
- Pareceres dos Consultores Jurídicos, edições fac-similares na Coleção Brasil 500 Anos do Senado Federal (todos os volumes disponíveis na Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/todos/0?busca=Pareceres%20dos%20consultores&filtro=1&ord=1).
* Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata aposentado; diretor de Relações Internacionais do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (pralmeida@me.com).
[1] Cf. Antonio Augusto CANÇADO TRINDADE, O Estado e as Relações Internacionais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1979.
[2] Ver CANÇADO TRINDADE, Considerações Acerca do Relacionamento entre o Direito Internacional e o Direito Econômico. Belo Horizonte: Fundação Brasileira de Direito Econômico, Cadernos de Direito Econômico n. 1, 1972. Muitos dos seus trabalhos dessa primeira fase, no quarto de século final do século XX, estão reunidos no grosso volume (1.163 páginas, com prefácio de seu grande amigo Celso de Albuquerque MELLO), O Direito Internacional em um Mundo em Transformação (Ensaios, 1976-2001). Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
[3] Os cursos dados na Académie de la Haye foram publicados em diversos números dos Recueil des Cours, entre eles um volume inteiro do Recueil, o n. 202: CANÇADO TRINDADE, A. A.: Co-existence and Co-ordination of Mechanisms of International Protection of Human Rights (at Global and Regional Levels), 1987, p. 9-435.
[4] Ver o volume Vers um nouveau jus gentium humanisé. Recueil des opinions individuelles du juge A. A. CANÇADO TRINDADE. Paris: L’Harmattan, 2018; prefácio de Hélène TIGROUDJA.
[5] Ver CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto, Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público; vol. I: período 1889-1898; vol. II: período 1899-1918; vol. III: período 1919-1940; vol. IV: período 1941-1960; vol. V: período 1961-1981; Índice Geral Analítico. 2a. ed.: Brasília: Funag, 2012, 6 vols.; 1ª ed., 1984-1988 (disponível na Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/todos/0?busca=Repert%C3%B3rio&filtro=1&ord=1; acesso em 10 jun. 2024).
[6] Cf. Repertório, op. cit., vol. I, período 1889-1898, 2012, p. 15.
[7] Cf. Antonio Paulo CACHAPUZ DE MEDEIROS (organização e prefácio), Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty, volume VIII (1985-1990), Antonio Augusto Cançado Trindade. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004, Coleção Brasil 500 Anos, p. 11.
Nenhum comentário:
Postar um comentário