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quinta-feira, 13 de junho de 2024

Antonio Augusto Cançado Trindade e o Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida, in: Paulo Borba Casella e Sergio Eduardo Moreira Lima

Penúltimo trabalho entregue para publicação: 

4683. “Antonio Augusto Cançado Trindade e o Itamaraty”, Brasília, 11 junho 2024, 28 p. Ensaio preparado como contribuição a volume coletivo organizado em homenagem ao jurista renomado (aos cuidados de Paulo Borba Casella e Sergio Eduardo Moreira Lima); provavelmente só em 2025.

Antecipo aqui o resumo e os primeiros parágrafos: 

ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE E O ITAMARATY

ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE AND ITAMARATY

 

Paulo Roberto de Almeida *

 

Resumo: A abordagem da obra do jurista Antonio Augusto Cançado Trindade está cingida, neste ensaio, às suas interações com o Itamaraty, triplamente: (a) professor de Direito Internacional Público no Instituto Rio Branco (paralelamente ao mesmo encargo na Universidade de Brasília); (b) Consultor Jurídico no período imediatamente posterior ao regime militar, isto é, na abertura política da redemocratização e na revisão importante dos tratados lacunares do Brasil na área de direitos humanos e de causas humanitárias geral; para essa parte, considerou-se importante historiar o papel relevante desse cargo para a fixação de uma doutrina jurídica para a diplomacia brasileira; (c) autor de uma relevante e única obra no estabelecimento de uma base jurídica de referência documental para a atuação do Ministério das Relações Exteriores, qual seja, o Repertório da prática brasileira do direito internacional público, que, infelizmente, ainda não teve continuidade pelo próprio Itamaraty no período após 1981. Por fim, se examina brevemente o papel do grande jurista em diversas outras dimensões do trabalho diplomático, como a sua participação em delegações brasileiras por ocasião de importantes conferências na área do Direito Internacional. Ao final, são apresentados, a título de referências bibliográficas, alguns títulos pertinentes de sua imensa produção intelectual no campo do Direito Internacional.

 

Palavras chaves: Direito Internacional; Itamaraty; Consultoria Jurídica; Instituto Rio Branco; pareceres submetidos na agenda diplomática.

 

 

Abstract: This essay undertakes a selective approach to the work accomplished by the jurist Antonio Augusto Cançado Trindade, limited to his interactions with the Brazilian ministry of External Relations, in three ways: (a) professor of International Public Law at the Brazilian diplomatic academy, the Instituto Rio Branco (simultaneously to the same professorship at the University of Brasília); (b) Legal Advisor at the very moment of the Brazilian democratization process, just after the conclusion of the military regime, which implied a throughout revision of Brazil’s adherence to relevant treaties in the realm of Human Rights and humanitarian law in general; this section starts by a brief historical examination of the Legal Consultancy in foreign policy matters, helping in the consolidation of a legal doctrine for the Brazilian diplomacy; (c) author of a unique work serving as a documental reference and a juridical foundation for the practice of the Ministry of External Relations, the Repertório da prática brasileira do direito internacional público, albeit with no continuity in the subsequent years after 1981. At a last section, the essay offers a summary of his role in other dimensions of the diplomatic work, as a member of Brazilian delegations in important conferences in connection with International Law matters. At the end, some bibliographic references are presented, among his multiple works pertaining to a vast intellectual production in the field of International Law.

 

Kew words: International Law; Itamaraty; Legal Consultancy; Instituto Rio Branco; subsidies for the diplomatic agenda.

 

 

1. A melhor doutrina jurídica a serviço da melhor diplomacia

Antonio Augusto Cançado Trindade manteve, ao longo de uma vida ativa de mais de 40 anos, desde o final dos anos 1970 até praticamente sua morte, em 2022, uma relação constante com o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), na dupla condição de professor e jurista, inclusive recrutado como Consultor Jurídico por meia década, uma das mais relevantes para a afirmação democrática do Brasil na arena jurídica internacional, a que sucedeu 21 anos de regime militar autoritário. Ele continuou esse relacionamento nas áreas de sua especialização jurídica, o Direito Internacional, nas muitas ocasiões em que integrou delegações brasileiras em conferências diplomáticas internacionais e regionais dessa área, mas também como constante palestrante e participante de seminários no mesmo campo. Este ensaio se limitará a essa esfera do seu trabalho como consultor e acadêmico especializado no domínio do Direito Internacional Público, a serviço da diplomacia brasileira.

A interação de Cançado Trindade com o Itamaraty e com a diplomacia brasileira foi, de fato, intensa e constante, desde um exitoso retorno do doutoramento em Cambridge (em 1977, prêmio Yorke, de melhor tese, sobre a exaustão dos recursos internos no direito internacional) e a imediata assunção da cadeira de Direito Internacional Público na UnB e no Instituto Rio Branco, entre 1978 e 2009. Desde que assumiu na UnB, em 1979, ofereceu um curso completo de introdução ao estudo das relações internacionais, discorrendo, numa apostila recheada de notas e referências bibliográficas, sobre o “domínio reservado dos Estados na prática das Nações Unidas e organizações regionais”,[1] fechando a apostila com dez questões que os alunos deveriam responder. 

Mas, antes mesmo de partir para o seu doutoramento na Inglaterra, Cançado Trindade, na condição de “diretor de uma Fundação Brasileira de Direito Econômico” e doutorando, sob a direção do eminente professor de Direito Econômico, Washington Peluso Albino de Souza, da UFMG, tinha oferecido, em 1972, um amplo estudo intitulado Considerações Acerca do Relacionamento entre o Direito Internacional e o Direito Econômico, no qual discutia temas que estavam inscritos em prioridade na agenda do Itamaraty, como as rodadas do Gatt, as conferências da Unctad e as reivindicações dos países em desenvolvimento no tocante às regras e princípios regendo as relações entre países soberanos no domínio econômico.[2]

Mesmo depois de assumir o cargo de juiz na Corte Internacional de Justiça da Haia, para a qual foi eleito em novembro de 2008 com o apoio de expressiva maioria de países, em inédita e histórica votação (163 votos na Assembleia Geral da ONU e 14, dos 15 possíveis, no Conselho de Segurança), continuou a colaborar com o Itamaraty e com a própria UnB, na qual foi distinguido com o título de Professor Emérito de Direito Internacional Público em 2010. Tendo já atuado como professor em vários cursos anuais da Académie de Droit International de La Haye, desde os anos 1980,[3] não lhe foi difícil galgar a ambicionada posição de juiz da Corte Internacional de Justiça, e nela se distinguir ainda mais, com votos sempre embasados no mais profundo domínio da doutrina e dos fatos, alguns deles em posição dissonante à dos demais juízes. Uma coleção de 17 de suas opiniões individuais abundantemente apoiadas no Direito Internacional e na prática dos Estados, tanto sobre questões de procedimento, quanto sobre questões jurídicas substanciais, foi reunida numa obra, igualmente volumosa, publicada em francês.[4]

Antes dessa projeção internacional, ele já havia, obviamente adquirido estatura regional de peso, desde quando assumiu a presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 16 de setembro de 1999, num momento em que o presidente Alberto Fujimori deslanchava uma furiosa campanha de descrédito contra a Corte e contra os próprios magistrados do Tribunal Constitucional peruano, conjugando esforços com a OEA e com presidentes democratas da região para se opor aos desmandos do governo arbitrário.

Sua atuação a serviço do Ministério das Relações Exteriores, ademais das aulas no IRBr e das inúmeras conferências diplomáticas de que participou, nos campos do Direito Internacional e dos Direitos Humanos, se deu com maior intensidade nos anos de 1985 a 1990, quando se tornou o primeiro Consultor Jurídico na redemocratização do país, tendo sido fundamental para a adesão do Brasil a diversos instrumentos internacionais e regionais de defesa dos direitos humanos e de promoção de direitos sociais coletivos, de maneira geral. Este ensaio tratará especialmente desta sua colaboração na Consultoria Jurídica do Itamaraty, assim como de sua inestimável obra de pesquisa histórica e de sistematização das posições diplomáticas do Brasil, sobretudo por meio dos diversos volumes do Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público, de 1889 a 1981, em duas edições pela Fundação Alexandre de Gusmão, 1986 e 2012.[5]

No prefácio à segunda edição do Repertório, Cançado Trindade confirma que a elaboração dessa obra “conformou a alvorada de minha trilha, e também a da própria Funag”, pois foram os cinco volumes, cobrindo o período de 1889 a 1981 (seguidos pelo Índice Geral Analítico), que constituíram as primeiras publicações da Fundação Alexandre de Gusmão, que se transformaria, anos depois, na mais importante editora brasileira de obras de relações internacionais. Cabe não descurar o imenso labor efetuado para essa primeira grande obra de sua carreira – ao lado, claro, de seus muitos livros de direito internacional –, “manuseando e selecionando dados que encontrava (em época anterior à do uso generalizado dos computadores) nos arquivos diplomáticos do Ministério das Relações Exteriores em Brasília e do Palácio Itamaraty no Rio de Janeiro”.[6]

A essa obra extremamente rica, pelos muitos recursos que ela oferece aos estudiosos e praticantes da diplomacia, deve-se somar o volume correspondente a cinquenta, dentre seus “mais de duzentos circunstanciados pareceres” – segundo a apresentação feita pelo editor Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros –, oferecidos como seu “legado à Casa de Rio Branco”, enquanto ele se desempenhou no cargo de Consultor Jurídico do Itamaraty, de 1985 a 1990, objeto do volume VIII da coleção Pareceres dos Consultores Jurídicos.[7] Pelo caráter instrumental, aliás único nos anais da diplomacia brasileira, da primeira coleção de publicações, o Repertório, assim como pelo caráter também excepcional dos seus Pareceres, cabe dar-lhes a devida atenção neste ensaio.

 

2. Nas origens do cargo de Consultor Jurídico do Itamaraty

(...)


3. A República, sob o Barão, retoma a tradição iniciada pelo Visconde, seu pai

(...)


4. O grande consultor jurídico na redemocratização: Cançado Trindade

(...) 


5. O Repertório da prática brasileira do direito internacional público: obra única

(...) 


6. Antonio Augusto Cançado Trindade: um patrimônio jurídico nacional

(...)


Referências

Textos relevantes de Antonio Augusto Cançado Trindade para este ensaio: 

Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público; vol. I: período 1889-1898; vol. II: período 1899-1918; vol. III: período 1919-1940; vol. IV: período 1941-1960; vol. V: período 1961-1981Índice Geral Analítico. 2a. ed.: Brasília: Funag, 2012, 6 vols.; 1ª ed., 1984-1988 (Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/todos/0?busca=Repert%C3%B3rio&filtro=1&ord=1).  

- “A sistematização da prática dos Estados e a reconstrução do Jus Gentium”, Introdução ao período 1889-1898, na edição de 1988, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-39; seguida de “Nota explicativa”, p. 41-42.

- “Necessidade, sentido e método do estudo da prática dos Estados em matéria de Direito Internacional”, Introdução ao período 1899-1918, na edição de 1986, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-36; seguida de “Nota explicativa”, p. 37-39.

- “A emergência da prática do Direito Internacional”, Introdução ao período 1919-1940, na edição de 1984, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-37; seguida de “Nota explicativa”, p. 39-40.

- “A expansão da prática do Direito Internacional”, Introdução ao período 1941-1960, na edição de 1984, in: Repertório, edição de 2012, p. 21-27; seguida de “Nota explicativa”, p. 29-30.

- “Os Repertórios nacionais do Direito Internacional e a sistematização da prática dos Estados”, Introdução ao período 1961-1981, na edição de 1983, in: Repertório, edição de 2012, p. 23-58; seguida de “Nota explicativa”, p. 59-60.

- “Nota introdutória e explicativa”, Introdução ao Índice Geral Analítico, na edição de 1986, in: Repertório, edição de 2012, p. 13-16.

- CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antonio Paulo (org.), Pareceres dos Consultores Jurídicos, vol. VIII, Antônio Augusto Cançado Trindade, 1985-1990. Brasília: Senado Federal, Coleção Brasil 500 Anos, 2004 (também disponível na Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-371-pareceres_dos_consultores_juridicos_do_itamaraty_volume_viii_1985_199).

Pareceres dos Consultores Jurídicos, edições fac-similares na Coleção Brasil 500 Anos do Senado Federal (todos os volumes disponíveis na Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/todos/0?busca=Pareceres%20dos%20consultores&filtro=1&ord=1).

 



* Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata aposentado; diretor de Relações Internacionais do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (pralmeida@me.com).

[1] Cf. Antonio Augusto CANÇADO TRINDADEO Estado e as Relações Internacionais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1979.

[2] Ver CANÇADO TRINDADE, Considerações Acerca do Relacionamento entre o Direito Internacional e o Direito Econômico. Belo Horizonte: Fundação Brasileira de Direito Econômico, Cadernos de Direito Econômico n. 1, 1972. Muitos dos seus trabalhos dessa primeira fase, no quarto de século final do século XX, estão reunidos no grosso volume (1.163 páginas, com prefácio de seu grande amigo Celso de Albuquerque MELLO), O Direito Internacional em um Mundo em Transformação (Ensaios, 1976-2001). Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

[3] Os cursos dados na Académie de la Haye foram publicados em diversos números dos Recueil des Cours, entre eles um volume inteiro do Recueil, o n. 202: CANÇADO TRINDADE, A. A.: Co-existence and Co-ordination of Mechanisms of International Protection of Human Rights (at Global and Regional Levels), 1987, p. 9-435. 

[4] Ver o volume Vers um nouveau jus gentium humanisé. Recueil des opinions individuelles du juge A. A. CANÇADO TRINDADEParis: L’Harmattan, 2018; prefácio de Hélène TIGROUDJA.

[5] Ver CANÇADO TRINDADEAntonio Augusto, Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público; vol. I: período 1889-1898; vol. II: período 1899-1918; vol. III: período 1919-1940; vol. IV: período 1941-1960; vol. V: período 1961-1981Índice Geral Analítico. 2a. ed.: Brasília: Funag, 2012, 6 vols.; 1ª ed., 1984-1988 (disponível na Biblioteca Digital da Funag: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/todos/0?busca=Repert%C3%B3rio&filtro=1&ord=1; acesso em 10 jun. 2024).

[6] Cf. Repertório, op. cit., vol. I, período 1889-1898, 2012, p. 15.

[7] Cf. Antonio Paulo CACHAPUZ DE MEDEIROS (organização e prefácio), Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty, volume VIII (1985-1990), Antonio Augusto Cançado Trindade. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004, Coleção Brasil 500 Anos, p. 11.


sábado, 3 de fevereiro de 2024

Homenagem a Antonio Augusto Cançado Trindade - Sergio Eduardo Moreira Lima (Revista de Direito da USP)

 https://www.revistas.usp.br/rfdusp/index


Por um direito universal da humanidade

Autores

  • Sérgio Eduardo Moreira LimaEmbaixador
  • Revista da Faculdade de Direito da USP, n. 117, 2023, 327-338

DOI: 

https://doi.org/10.11606/issn.2318-8235.v117p327-338

Palavras-chave: 

Direito Internacional, Jusnaturalismo, Visão Humanista, Positivismo, Valores universais, Consciência humana, Força e direito, O indivíduo como sujeito do Direito Internacional, Contribuição a um novo Jus Gentium, Reconhecimento do legado de Cançado Trindade: por um Direito Universal para a Humanidade.

RESUMO

O artigo é uma homenagem a Antônio Cançado Trindade, jurista, professor e magistrado brasileiro, como parte da reflexão sobre a importância de seu pensamento e de seu legado. Ao situá-lo dentro das tradições e da doutrina latino-americana e no direito internacional contemporâneo, busca-se estabelecer diferenças e explicar o reconhecimento internacional de sua obra, considerada original e inovadora. Inspirado em concepções jusnaturalistas, dedicou sua vida à humanização e à universalização do Direito Internacional, colocando a pessoa humana em lugar antes ocupado apenas pelo Estado. Sua crítica ao positivismo justifica-se ainda mais diante do reiterado abuso da força em conflitos, como o da invasão do Iraque, em 2003, ou a guerra da Rússia na Ucrânia, em 2022, com a anexação de territórios, ao arrepio da lei. As ameaças de Moscou de uso de armas de destruição em massa mostram a atualidade do voto dissidente do jurista na Corte Internacional de Justiça e sua brilhante defesa da Obrigação Universal do Desarmamento Nuclear. Foi o único internacionalista latino-americano a ser consagrado pela prestigiosa coleção Doctrine(s), em 2012, com edição sobre a importância de seu pensamento. Ficou ali reconhecido de forma eloquente o que Cançado Trindade representa: a defesa da ideia de que o direito internacional não é aquele baseado na vontade dos estados soberanos, ao qual se quis tantas vezes e por tanto tempo reduzir, mas o que se está tornando de forma irresistível, no que ele deveria ter sido sempre: um direito universal da humanidade, no qual a pessoa humana deve ser o beneficiário último (JOUANNET, 2012).

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BIOGRAFIA DO AUTOR

Sérgio Eduardo Moreira Lima, Embaixador

Embaixador. Serviu na Missão nas Nações Unidas e nas Embaixadas em Washington, Lisboa, Londres, Tel Aviv, Oslo, Budapeste e Camberra. Foi Diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) e Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). É membro da OAB. Bacharel em Direito pela UERJ. Mestre em Direito Internacional Público (UIO). Curso de Altos Estudos em Diplomacia pelo IRBr.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Mensagem n. 516/2018. [Submete à consideração do Congresso Nacional o texto do Tratado para a Proibição das Armas Nucleares, assinado em Nova York, em 20 de setembro de 2017]. Relator: Deputado Luiz Carlos Hauly. Portal da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2018. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1699697&filename=Parecer-CREDN-2018-12-11

CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIPLOMÁTICA. II Conferência da Paz, Haia 1907: a correspondência telegráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2014. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/157/1/conferencia_da_paz_haia_1907:_a_correspondencia_telegrafica_entre_o_barao_do_rio_branco_e_rui_barbosa_ii

JOUANNET, Emmanuelle. Préface. In: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Le droit international pour la personne humaine. Paris: A. Pedone, 2012. (Collection Doctrine(s), IREDIES). 

MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de (org.). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty. Brasília, DF: Senado Federal, 2004. v. 8: (1985-1990). (Coleção Brasil 500 Anos). Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/1044/000577958_v8.pdf?sequence=35&isAllowed=y

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A guerra como crime. Correio Braziliense, Brasília, DF, 14.550, 20 mar. 2003. Opinião, p. 5. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=028274_05&pagfis=34320

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A obrigação universal de desarmamento nuclear. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2017a. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/347/1/obrigacao_universal_de_desarmamento_nuclear_a

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Le droit international pour la personne humaine. Paris: A. Pedone, 2012a. (Collection Doctrine(s), IREDIES). 

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Memorial por um novo jus gentium, o direito internacional da humanidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 45, p. 17-36, 2004. Disponível em: https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1284/1217

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O direito internacional em um mundo em transformação: ensaios, 1976-2001. Rio de Janeiro, Renovar, 2002. 

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Reflexões sobre a perenidade da doutrina dos “pais fundadores” do direito internacional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 80, p. 15-50, jan./jun. 2022. Disponível em: https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/2261/2015

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da prática brasileira do direito internacional público: período 1889-1898. 2. ed. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012b. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/471/1/repertorio_da_pratica_brasileira_do_direito_internacional_publico_-_periodo_1889-1898

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da prática brasileira do direito internacional público: período 1899-1918. 2. ed. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012c. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/468/1/repertorio_da_pratica_brasileira_do_direito_internacional_publico_-_periodo_1899-1918

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da prática brasileira do direito internacional público: período 1919-1940. 2. ed. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012d. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/470/1/repertorio_da_pratica_brasileira_do_direito_internacional_publico_-_periodo_1919-1940

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da prática brasileira do direito internacional público: período 1941-1960. 2. ed. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012e. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/472/1/repertorio_da_pratica_brasileira_do_direito_internacional_publico_-_periodo_1941-1960

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da prática brasileira do direito internacional público: período 1961-1981. 2. ed. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012f. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/467/1/repertorio_da_pratica_brasileira_do_direito_internacional_publico_-_periodo_1961-1981

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da prática brasileira do direito internacional público: índice geral analítico. 2. ed. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012g. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/469/1/repertorio_da_pratica_brasileira_do_direito_internacional_publico_-_indice_geral_analitico

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. The universal obligation of nuclear disarmament. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2017b. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/348/1/universal_obligation_of_nuclear_disarmament_the

VITORIA, Francisco de. Relectiones: sobre os índios e sobre o poder civil. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 2016. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/relectiones_sobre_os_indios_e_sobre_o_poder_civil.pdf

Ler a íntegra no seguinte link: 

https://doi.org/10.11606/issn.2318-8235.v117p327-338



segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Velhos e novos amigos: as cartas do Dr. Everardo Moreira Lima - resenha de livro por Paulo Roberto de Almeida

 Velhos e novos amigos: as cartas do Dr. Everardo Moreira Lima 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Resenha do livro de Everardo Moreira Lima, Cartas aos Amigos (Rio de Janeiro: N 30 Editorial, 2022, 212 p.; ISBN: 978-85-5484-303-8). 

 

Nunca é tarde para se fazer novos amigos, assim como para continuar cultivando os velhos amigos, inclusive para conquistar novos admiradores entre leitores que estão muito longe no espaço e, talvez, um pouco menos na dimensão temporal. Esta é a impressão que recolho depois de percorrer as cartas, na verdade verdadeiras crônicas (de viagens, de leituras, de trabalho, de aprendizado), escritas ao longo de mais de três décadas, sobre um pouco de tudo, começando pela infância, percorrendo a vida e o tempo, e culminando na pós-verdade, sem esquecer o novo e já velho grande problema da atualidade: o aquecimento global. O livro, prefaciado em janeiro de 2022, e apresentado pelo seu próprio filho, Sérgio Eduardo Moreira Lima –meu chefe, quando nos divertimos juntos, ele na presidência da Fundação Alexandre de Gusmão, eu na direção do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais, entre 2016 e 2018 – é uma coletânea muito bem organizada das melhores “cartas” que o Doutor Everardo dirigiu por iniciativa próprias aos seus muitos amigos, tratando dos temas que mais lhe interessaram ao longo de uma vida intensamente vivida, entre itinerários familiares, viagens de lazer, leituras – autores brasileiros e estrangeiros, de Homero a Garcia Márquez, de Machado a Camus – e uma excelente cartilha (em quatro lições) para o “exercício da cidadania brasileira”.

As orelhas são assinadas por um neto, Leonardo, e a contracapa por ninguém menos do que o nosso antigo Consultor Jurídico do Itamaraty (1985-1990) e juiz, falecido neste mesmo ano, da Corte Internacional de Justiça, Antonio Augusto Cançado Trindade, que destaca o que tinha o prazer de compartilhar com o autor, a lição de Aristóteles, “para quem o bem, para o ser humano, reside no exercício da excelência (que implica perfeição e probidade), podendo a excelência moral ser adquirida pela prática e pelo hábito, e a intelectual com o tempo e a experiência, moldando o comportamento justo com os demais”. As afinidades eletivas entre ambos se explicam por “um gosto comum, o do cultivo do estudo do tempo, não só no universo conceitual do Direito, mas também, e sobretudo, na condição existencial”. Pois foi essa a característica que me chamou a atenção neste livro original, um modelo perfeito para quem sabe, empreender uma obra não semelhante, mas similar?

Destaco, de imediato, como útil para nossa familiaridade com a grande família dos Moreiras Limas, a fotos coletadas por um de seus filhos de alguns integrantes desse grande clã, assim como uma árvore genealógica, do século XIX ao XXI, de todos os antecessores e descendentes deste ilustre membro da advocacia, do Ministério Público, os amigos que lhe fizeram companhia, durante décadas seguidas, em restaurantes do Rio de Janeiro. A afeição por ele demonstrada em direção desses muitos amigos transparece em muitas das cartas, inclusive em viagens, uma das quais à Hungria, quando seu filho Sérgio Eduardo se exercia como embaixador nesse país do finado império soviético. Everardo destaca, num dos textos iniciais, sobre o “significado” destas cartas aos amigos, que 

... desde muito cedo, venho registrando nestes escritos meu ponto de vista contra o desmatamento da Amazônia, pela preservação das florestas e do meio ambiente, como também pela manutenção dos povos indígenas nos territórios onde viveram tradicionalmente, vale dizer, onde sempre estiveram suas tribos, posição esta que tem a finalidade de evitar o aquecimento do planeta e a consequente extinção dos seres vivos, inclusive da espécie humana. (p. 29)

 

Vale destacar, também, de imediato e de modo singularmente atrativo, sua redação límpida, sem adjetivos rebarbativos, num estilo ao mesmo tempo coloquial e erudito, com as muitas referências a autores das mais diversas origens e épocas. A parte IV, dedicada à literatura, explica, provavelmente, a correção da linguagem e a profundidade das reflexões próprias sobre autores os mais diversos, da antiguidade aos atuais, começando pelas três seções de uma “Pequena Estante de Literatura Brasileira” de Manuel Antonio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícia) a Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha) e o inevitável Machado de Assis, que para ele se situa “nos altiplanos da literatura universal” (p. 132). Do criador da Academia Brasileira de Letras, ele cita os romances mais importantes, destacando a originalidade das Memórias póstumas de Brás Cubas (p. 135). Sobre o maior autor brasileiro, ele se refere inclusive a um romance recente, O Homem que Odiava Machado de Assis (por José Almeida Júnior, cujo nome ele não cita), do qual ele não gostou, por ser um “machadista ferrenho” (p. 139), terminando por transcrever o poema que Machado dedicou à sua finada esposa, Carolina, que está no centro das intrigas desse curioso romance de um acusador e inimigo de Machado.

Os muitos textos da primeira seção, trinta mais exatamente, são saborosas crônicas sobre uma saga familiar tipicamente brasileira, com as sucessivas migrações dos estados setentrionais até o estabelecimento na segunda capital da República, mas com ramos que se espalharam em outros estados e até mundialmente. A parte III é inteiramente dedicada a uma viagem com amigos de trabalho a Portugal, objeto de trinta páginas de uma bem planejada incursão na terrinha, em março e abril de 2018. A Parte V, A Vida e o Tempo, é, talvez, a mais reflexiva, e instrutiva, de todo o livro, com considerações de grande densidade intelectual sobre as vários noções do tempo, nas obras e pensamentos de filósofos famosos (de Aristóteles, na antiguidade, ao francês Comte-Sponville), mas também oferecendo lições de história – calendários juliano e gregoriano, por exemplo – e os ensinamentos próprios que o Doutor Everardo adquiriu na fruição dessas obras e na absorção do significado dessa abstração que não tem existência tangível. Como ele mesmo explica: 

O tempo não está na consciência como uma coisa, somos nós mesmos que o intuímos pelos sentidos e convencionamos os padrões de sua medida em relação a coisas para facilitar a comunicação.

Não é o tempo que passa, somos nós que passamos. Tudo na natureza nasce, vive e morre. Somos protagonistas e testemunhas desse ciclo inexorável. (p. 175)

 

Na última parte, VII, dedicada à Pós-Verdade, há toda uma reflexão, distribuída em quatro textos de títulos similares, sobre os “fatos alternativos”, expressão utilizada “pela primeira vez por George Orwell (Eric Arthur Blair) no seu livro “1984”, lançado em 1949, como forma de o Estado totalitário apresentar sua versão dos fatos” (p. 208). Doutor Everardo faz a imediata conexão com as práticas do inacreditável presidente americano dessa época (2017), Trump, o ídolo do presidente brasileiro eleito um ano depois (mas esse repetidor de “fatos alternativos” não comparece em nenhuma das cartas). O epílogo dessas cartas é oferecido com todo o carinho do Doutor Everardo: 

A título de epílogo, gostaria de agradecer aos meus leitores e dizer-lhes do meu prazer, ao longo dos últimos trinta anos, em poder escrever a Carta aos Amigos e da satisfação ainda maior em receber comentários. Seria difícil de imaginar, que aos 98 anos pudesse manter vivo o desejo de comunicar-me com esse pequeno universo de pessoas com quem compartilhei estórias, impressões e sentimentos. (p. 211)

 

Bem mais do que isso, Doutor Everardo, seu livro teve o poder de “fabricar” novos amigos, mesmo distantes e num formato virtual. Aprendi muito com suas dezenas de cartas, não apenas pelo estilo claro, sincero, transcendendo simpatia com amigos e, sobretudo, o seu caráter íntegro, honrado e intelectualmente honesto e modesto. Dele retirei inspiração e um modelo para lançar-me num empreendimento não semelhante, mas certamente similar.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4279: 28 novembro 2022, 3 p.