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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 16 de junho de 2007

735) Um diálogo sobre a globalização

O texto que segue abaixo comenta um artigo do economista Gilberto Dupas, “Ainda há tempo para ousar” (OESP, 16 Jun 07), que pode ser lido neste link.
O autor, Gilberto Dupas, respondeu-me em 17 de junho, e seu texto foi por mim transcrito no post 737, acima.

Globalização Perversa e Políticas Econômicas Nacionais: um contraponto
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

Um diálogo à distância com Gilberto Dupas, a propósito de seu artigo “” (O Estado de São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007, pág. A-2).

1) “O Brasil perdeu uma oportunidade de inserção benévola na perversa lógica da economia global a partir de sua abertura econômica.”
PRA: Processos de inserção não deveriam receber qualificativos ou adjetivos, uma vez que os processos de integração à economia mundial não são pré-determinados, para que deles possamos decidir, ex-ante, que deles aceitaremos apenas aspectos favoráveis, rejeitando os menos risonhos, mormente quando se trata da globalização, que não é comandada por nenhuma força identificável em particular. Países decidem estabelecer medidas de política econômica que são mais ou menos abertas a influxos externos por decisões conscientes de suas autoridades e estima-se que, a menos que sejam particularmente estúpidas ou perversas, tenham elas feito um cálculo de custo-benefício da abertura econômica e concluído que o exercício era importante para o país.
Da mesma forma, não há nenhuma lógica “perversa” – ou “benéfica”, que seja – na economia global, pela simples razão que essa economia global, supondo-se que funcione da mesma forma que sistemas complexos, não obedece a critérios de utilidade racional, unitários ou comandados a partir de um centro. Ninguém está no comando da globalização, ponto. Isso precisaria ficar muito claro aos favoráveis e aos opositores da globalização, que pedem seja uma globalização não-assimétrica, seja um outro mundo possível. Tudo isso é absolutamente inócuo.
Por outro lado, agora no plano puramente pessoal, o Gilberto Dupas tem uma tendência conhecida a ver aspectos desfavoráveis na globalização. Acredito que um chinês, retirado de sua aldeia miserável do interior para um salário razoável em Xangai, poderia ter uma opinião claramente distinta da economia mundial e de suas oportunidades “positivas”.
Concluindo: não creio que o Brasil tenha perdido nenhuma oportunidade ao se abrir, uma vez que ele apenas seguiu uma tendência geral à qual ele antes era contrário. Não deveria haver nenhuma dúvida a respeito dos efeitos globalmente positivos da globalização: os países que nela se inseriram, sem adjetivos, mas com mais intensidade, retiraram benefícios, como provam os casos da China e da índia, justamente. Qualquer que seja o julgamento que se possa fazer sobre a qualidade de suas políticas econômicas nacionais, o fato é que nenhum benefício delas adviria se eles não tivessem conduzido processos de abertura a capitais e comércio estrangeiros.


2) “Ainda que necessária, ela foi açodada e sem a retaguarda de um projeto estratégico que minimizasse riscos e capturasse vantagens da fragmentação das cadeias produtivas globais. China, Índia, Coréia do Sul e Chile são as provas de que isso era possível.”
PRA: “Açodada” não é bem o termo para um país que faz um reforma tarifária modesta, que depois de concluída viu tarifas serem reescalonadas para o alto, em todas as demais oportunidades, e que ainda mantém uma média e picos tarifários superiores aos da maior parte dos países emergentes (com algumas exceções pontuais que mereceriam qualificação).
“Projeto estratégico” é geralmente uma ilusão conceitual, pois ele raramente existe em circunstâncias normais, sendo mais um conceito ex-post para “explicar” o que deu certo. Se não deu certo, vai para a lata do lixo da história e ninguém mais fala do conjunto de políticas exercidas naquela momento ex-ante. Todos os países possuem políticas e práticas, algumas mais exitosas do que outras, em função de variáveis que devem ser explicadas caso a caso, e não como o resultado de algum desenvolvimento teleológico que já estava pré-determinado em sua origem.
A única coisa que podemos afirmar dos “projetos estratégicos” dos países citados é que eles estavam dispostos a aproveitar as oportunidades oferecidas pela economia global, justamente, mobilizando seus fatores produtivos e seus potenciais competitivos em função dos mesmos mecanismos ricardianos e das vantagens dinâmicas percebidas que poderiam ser exploradas de forma positiva no contexto altamente competitivo da economia global. Fora essa qualificação absolutamente genérica, e portanto inútil para todos os efeitos, não há rigorosamente nada que se pareça em cada experiência nacional, em termos de “projeto estratégico”.


3) “Países muito diferentes entre si, a partir de um diagnóstico sensato de suas potencialidades e dos espaços de inserção - e utilizando políticas econômicas menos ortodoxas -, conseguiram crescer, de 1990 a 2005, a médias anuais elevadas: China, a 10%; Índia, Coréia do Sul e Chile, próximo de 6%; enquanto o Brasil amargou pouco mais de 2%.
PRA: Esse crescimento não foi “dado” pela globalização e sim obtido por cada um deles a partir da demanda externa de seus produtos e da demanda interna criada por uma nova dinâmica econômica que atuou em sinergia com os novos fatores produtivos, potencializados em grande medida pela inserção na economia mundial (que necessariamente representa mercados, capitais, know-how, melhorias tecnológicas, etc). Países temerosos ou cautelosos em se lançar nessa ciranda geralmente acabam ficando para trás.
Mas os principais fatores de crescimento são sempre internos, uma vez que a interface externa nem sempre representa a maior parte do PIB. Por isso devem ser levados em conta no processo de crescimento os demais fatores de ordem econômica interna, que podem explicar a taxa de crescimento: variáveis fiscais, monetárias, mercado de capitais, a existência ou não de crowding-out pelo Estado, a infra-estrutura (material e institucional) e a logística favoráveis, a estrutura tributária, o ambiente de negócios, e muitos outros fatores mais.
Comparando-se os registros históricos de inflação, equilíbrio fiscal, investimentos produtivos e ambiente de negócios de todos esses países, acredito que teríamos muito mais razões para diferenciá-los em termos de taxas de crescimento do que qualquer “projeto estratégico” que dificilmente poderia ser comparado sem enorme subjetivismo de nossa parte. Indicadores e séries estatísticas são fatores objetivos à disposição de qualquer um, e posso apostar, preventivamente, que nossos indicadores macro e microeconômicos eram e são globalmente negativos para fins de crescimento econômico: poupança, investimentos, tributos, créditos, infra-estrutura, governo, etc. Não creio que seja necessário montar tabelas comparativas para evidenciar essas realidades, conhecidas da maior parte das pessoas que trabalham com dados estatísticos.
E o que dizer de “políticas econômicas menos ortodoxas”? Trata-se de uma afirmação inacreditável para quem conhece as antigas políticas seguidas pela China socialista, pela Índia nacionalista e “planejadora” e pelo Chile de Allende, “cepaliana”. Toda a evolução das políticas econômicas desses países foi sempre no sentido de adesão aos princípios gerais que coincidem com os chamados good fundamentals, qualquer que seja o resíduo “nacionalista” e “heterodoxo” de suas políticas setoriais. Esses países só deslancharam porque, justamente, eles se afastaram daquelas políticas seguidas anteriormente. Ainda que se possa recusar, para efeitos puramente de “nacionalismo” econômico, a classificação de “consenso de Washington” para suas políticas econômicas, um exame mesmo perfunctório de seu sentido geral revela, não um afastamento, mas sim uma concordância básica com aquele conjunto de regras.


4) “A China utilizou múltiplas estratégias, a maioria ao arrepio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), atraiu enorme fluxo de investimentos diretos internacionais e se tornou grande geradora de tecnologia.”
PRA: Afirmação arriscada, uma vez que a China, antes de ingressar no FMI e na OMC, podia sim ostentar políticas contrárias a essas instituições e suas regras estatutárias. Se algo houve, depois, foi justamente no sentido da convergência dessas políticas com as regras multilaterais, e portanto a afirmação peca por inconsistência lógica. De resto, não há nada que indique o que sejam essas “múltiplas estratégias”, a não a ser atração contínua de capitais estrangeiros e a busca incessante de mercados externos. O que a China fez, isso sim, foi multiplicar estratégias e políticas ao arrepio completo de suas antiquadas regras restritivas e de suas leis nacionais completamente defasadas para uma inserção na globalização. Posso afirmar isso por experiência própria, pois integrei o primeiro GT do GATT para examinar o ingresso da China, em 1987, e a tarefa era, justamente, a de colocar a legislação chinesa de comércio exterior em compasso com a das demais partes contratantes ao GATT (não se falava então de OMC). Pode-se dizer que, ainda que maneira “gauche”, a China vem cumprindo razoavelmente bem o que se espera dela nas instituições multilaterais.


5) “A Índia cuidou das grandes empresas locais, zelou por seu mercado interno e virou o maior produtor de software do mundo.”
PRA: Qualquer pessoa que conheça a Índia sabe dizer que o que não foi privilegiado foi exatamente o seu mercado interno nesse processo de “inserção benévola” com a economia global. O que explica o sucesso da Índia nessa área é justamente a existência de muitos indianos nos EUA e na Europa que souberam aproveitar as oportunidades existentes nesses mercados para oferecer serviços baratos que atendem justamente o mercado externo, a partir de suas bases indianas, necessariamente mais baratas do que os mesmos serviços oferecidos nos mercados consumidores. Assim como Lênin dizia que o comunismo soviético era o socialismo mais eletricidade, o êxito indiano na globalização poderia ser explicado como sendo know-how ocidental mais engenheiros indianos (e matemáticos, físicos, tecnólogos de todo tipo).
Por fim, acredito que não foi exatamente a “Índia” – aqui algo equivalente ao Estado – que obteve esse sucesso, mas as empresas indianas, que puderam expandir-se graças, justamente, à liberação das antigas amarras do Estado indiano. Se isso são políticas “heterodoxas” é duvidoso e incerto, pois o sentido geral é o do alinhamento com as políticas econômicas favoráveis à inserção globalizada.


6) “A Coréia do Sul lidou com a pesada crise asiática do final do século, reformulou seus grandes grupos nacionais, lidera setores de tecnologia de ponta e agora investe pesadamente na China.”
PRA: A Coréia já era desenvolvida antes de seu desastre financeiro de 1997-98, e seus grupos já estavam preparando-se para enfrentar a concorrência global muito antes disso. Os desastres incorridos foram uma das muitas bolhas financeiras que sempre ocorrem em processos de crescimento rápido e de expansão indevida da oferta de dinheiro e das bolsas de futuros, por excesso de otimismo dos jogadores. Desvios financeiros dos chaebols coreanos não têm muita conexão com a capacitação tecnológica exibida por seus engenheiros, que já estavam produzindo patentes em “excesso” muito antes disso.


7) “E até o Chile, apontado como o solitário exemplo de neoliberalismo bem-sucedido na América Latina, teve a prudência de não privatizar o cobre, sua grande fonte de exportações, manteve uma meta de inflação razoavelmente flexível e permanentes controles do capital especulativo.”
PRA: O sucesso do Chile não tem absolutamente nada a ver com a nacionalização do cobre: ele teria ocorrido – e talvez até pudesse ter sido maior – mesmo na liberalização e na privatização desse importante setor provedor de divisas para a economia chilena, divisas que continuariam entrando num regime privado. A nacionalização apenas serviu para dar dinheiro extra aos militares que se equiparam de forma talvez excessiva para os padrões necessários (ou talvez requeridos no caso do Chile, em face da Bolívia e do Peru ainda reinvindicantes). A Vale do Rio Doce é absolutamente privada há mais de uma década e aumentou enormemente as exportações BRASILEIRAS e trouxe divisas ao Brasil como nunca antes. Aliás, num regime privado, ela se tornou internacional e pode adquirir empresas em outros países, o que a Codelco chilena ainda não fez e não se sabe se o fará: a internacionalização é algo absolutamente necessário par qualquer empresa hoje, e empresas estatais em geral são pouco propensas a se internacionalizarem , o que realmente é uma pena.
Conclui-se disso que a nacionalização do cobre chileno é prejudicial, não “estratégico”, para fins de globalização “benévola”. Aliás, se o Chile está extraindo grandes “lucros” com a exportação de cobre, isso se deve basicamente aos altos preços vigentes nos mercados externos, o que não tem absolutamente nada a ver com políticas econômicas ortodoxas ou heterodoxas, nacionalistas ou globalizantes, e sim a lei da oferta e da procura. Poderia ser exatamente o contrário, isto é, commodities com baixa cotação, o que daria menos “lucros” ao governo e ao exército chileno. Isso não diminuiria em nada o sucesso do Chile – ou melhor, das empresas chilenas – em outras vertentes do comércio exterior e do crescimento econômico como um todo.
Quanto ao alegado controle sobre capitais especulativos, há uma incompreensão muito grande em torno disso. O Brasil dos anos 70 mantinha, como o Chile até 1997, mecanismo de esterilização de capitais especulativos, pois atraia muitos capitais em vista das suas altas taxas de crescimento (como o Chile nos anos 90). Aplicava retenções de 25% sobre o capital aplicado em prazos menores do que 12 meses, o que é exatamente a famosa quarentena chilena. Ou seja, não há absolutamente nada de extraordinário no que o Chile fez.
Deve-se também alertar para o fato de que, na crise de 1997, o Chile suspendeu, justamente, o mecanismo de retenção, o que os alegados defensores do modelo chileno (e brasileiro) não conhecem ou se escusam de lembrar. O Brasil tem um mecanismo (IOF) que poderia ser estendido ao ingresso de capitais, caso fosse necessário utilizá-lo.
Por fim, o que distingue o sucesso chileno na globalização é o seu crescimento contínuo durante duas décadas, estimulado por exportações crescentes, com base na lei das “vantagens comparativas”. As “importações” de capital ajudaram a modernizar o seu setor de serviços, sua logística exportadora e assim colaboraram na tarefa. Controles sobre capitais estrangeiros são feitos por razões de política monetária, não para se proteger da “globalização perversa”.


8) “Todos eles praticaram taxas de juros estritamente compatíveis com o mercado internacional.”
PRA: As taxas de juros internas são sempre um equilíbrio entre a remuneração interna (descontado o risco país) e a remuneração externa dos capitais, de maneira a manter neutra a balança de capitais. Se o Brasil manteve altas taxas não foi por um decisão perversa de suas autoridades monetárias, e sim para evitar fuga de capitais que sempre ocorre quando se tenta infringir aquele equilíbrio. De fato, aqueles países possuem taxas de juros mais reduzidas do que o Brasil, mas pergunta-se quantos planos econômicos mirabolantes, quantos confiscos e calotes esses países aplicaram ao longo das últimas décadas? Comparem-se as estruturas tributárias e o já referido crowding-out...


9) “Já o Brasil teve nesses 15 anos crescimento medíocre, perdeu sua condição de grande captador externo de investimentos produtivos (FDI) após as privatizações e, mantendo sempre uma taxa de juros elevadíssima, incentivou as operações especulativas do exterior e o rentismo, em detrimento da aplicação na produção.”
PRA: Quanto ao crescimento medíocre, não há discordância. Os capitais estrangeiros afluem quando eles têm condições de obter um retorno razoável, o que é justamente obstado pelo crescimento medíocre. Eles também visam as condições de negócios e as do Brasil são horríveis. Nenhum país pratica rentismo por que quer, ou então suas elites são absolutamente irresponsáveis. O que se chama de rentismo são os juros elevados, que se explicam justamente pela péssima qualidade da política fiscal.


10) “Nossas reservas internacionais são inéditas, o que é ótimo para investidores e especuladores internacionais que vêem nisso garantia contra calotes. É o que constrói o tal “risco país” e o tão desejado investment grade.”
PRA: Concordo em que as reservas não precisariam ser tão (inutilmente) grandes. Elas poderiam ser mais sabiamente substituídas por fluxos bem mais elevados de Xs e Ms, que trariam assim os dólares de que necessitamos para cobrir as obrigações externas. Estamos com reservas equivalentes a mais de um ano de importações, quando três ou quatro meses bastariam...


11) “Estamos amortecidos por uma inflação muito baixa, gerada por importações baratas e demanda contida por juros altos. (...) A melhor política é favorecer a elevação do dólar com mecanismos que ainda estão à mão: controlar o fluxo de capital especulativo (como estão fazendo Chile e Colômbia) e baixar com muito mais coragem a taxa de juros.
PRA: Pela primeira vez em um século, talvez, nossa inflação se aproxima da média mundial. Isso não deve ser nenhum mérito, mas algo “normal”. O sucesso exportador explica a valorização cambial e qualquer medida que vise aumentar esse sucesso – desvalorizando a moeda, por exemplo – vai também pressionar a moeda para cima novamente. Não é difícil controlar “fluxos especulativos”, basta imposto e algumas simples regras. Na verdade, eles só são especulativos porque as oportunidades de lucro internamente são maiores do que nos mercados maduros, o que pode ser bom. Por outro lado, se o crowding-out não fosse tão intenso, os capitais “especulativos” seriam predominantemente nacionais.
Por fim, o que mantém a taxa de juros alta é o desequilíbrio das contas públicas, não o desejo do Copom ou a perversidade do Banco Central. O Chile “produz” superávits nominais há muito anos: algum comentário sobre isto?

Minha conclusão: O Brasil ainda tem muito a fazer para aproximar sua política econômica do qu se chama “good fundamentals”. Quando o fizer, podemos ter certeza de que vai deslanchar em termos de crescimento econômico. O que tem retido o Brasil são justamente políticas feitas para garantir o máximo de receitas para o Estado ao mesmo tempo em que diminuem as possibilidades de investimento privado.
Acredito também que podemos ousar: vamos ousar reduzir o tamanho do Estado. Apenas a título de comparação: a carga fiscal no Chile é de 18% do PIB, na China de 17%. No Brasil, como todos sabem, ela supera 35%. Algum comentário a respeito disto?


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de junho de 2007

quinta-feira, 14 de junho de 2007

734) Ainda sobre a política externa do Brasil, voz oficial

Entrevista da 2ª- Samuel Pinheiro Guimarães

Secretário-geral do Itamaraty diz não haver ideologia no trabalho do ministério e nega antiamericanismo no governo Lula, mas manda recados sutis aos EUA Para embaixador, política externa é só "pragmática"

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
FSP, 26 de fevereiro de 2007

DEPOIS DE atravessar os quatro anos do primeiro governo Lula falando muito para dentro do Itamaraty e pouco para fora, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães deu uma rara entrevista em que nega antiamericanismo no governo e classifica a política externa de "pragmática e não ideológica". Não deixou, porém, de mandar recados sutis aos EUA. "Um mundo melhor", segundo ele, "será aquele em que as promessas de desarmamento se realizem, os preceitos do Direito Internacional sejam obedecidos pelas grandes potências, as diferenças econômicas entre os Estados se reduzam e o meio ambiente seja preservado". Por exigência dele, as perguntas foram feitas por escrito e respondidas por e-mail. Segue a íntegra da entrevista.

FOLHA - O ex-embaixador em Washington Roberto Abdenur declarou que há "um substrato ideológico vagamente anticapitalista, antiglobalização, antiamericano, totalmente superado" na política externa brasileira. O sr. concorda?
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES - A política externa do presidente Lula, conduzida pelo ministro Celso Amorim, é pragmática e não ideológica; é a favor do trabalho sem ser contra o capital; compreende que a globalização apresenta oportunidades mas também riscos para os países subdesenvolvidos; é a favor do Brasil e não contra qualquer país. Como o próprio presidente e o ministro não se cansam de repetir, a política externa desperta o interesse e desfruta do respeito de todos os países, ricos e pobres; do Ocidente e do Oriente; da América do Sul e do Norte, o que se reflete no grande número de presidentes, primeiros- ministros, chanceleres, autoridades e empresários que vêm ao Brasil e desejam nossa cooperação política, econômica e social.

FOLHA - Os críticos da política externa afirmam que o Brasil tem uma participação há anos estacionada em 1,4% da economia norte-americana, perdendo milhões de dólares em negócios por conta de um suposto antiamericanismo. Como é possível menosprezar o principal mercado do mundo?
PINHEIRO GUIMARÃES - O aumento da presença da China no mercado americano fez com que, no período de 1999 a 2006, nas importações americanas, a participação do Canadá caísse de 19% para 16,9%; a do Japão, de 12,8% para 7,9%; a da Alemanha, de 5,3% para 4,9%; a da França, de 2,5% para 2,0%. Ao contrário, a participação do Brasil cresceu de 1,1% para 1,4%, refletindo o aumento de nossas exportações de US$ 10 bilhões para US$ 24 bilhões. São as empresas brasileiras que
exportam: elas não menosprezaram o mercado americano, nosso principal comprador, e tiveram todo o apoio do governo brasileiro em seu esforço.

FOLHA - O sr. é uma espécie de símbolo do suposto antiamericanismo, inclusive por ser ferrenho adversário da Alca. Convém ao governo brasileiro mantê-lo no segundo cargo na hierarquia do Itamaraty? O objetivo é justamente marcar posição?
PINHEIRO GUIMARÃES - O cargo de secretário-geral das Relações Exteriores é de livre nomeação do presidente Lula, por indicação do ministro Celso Amorim. Cabe ao presidente e ao ministro, naturalmente, decidir sobre o que convém.

FOLHA - A Alca acabou, e o chanceler Amorim dizia que o importante era a OMC. Mas as negociações na OMC também empacaram. Onde o Brasil está errando?
PINHEIRO GUIMARÃES - As negociações na OMC estão em pleno andamento e há grandes expectativas. O Brasil tem tido papel central nessas negociações na liderança do G20 [grupo de 20 países em desenvolvimento liderado por Brasil e Índia] e em entendimentos com os interlocutores dos Estados Unidos e da União Européia. As perspectivas de uma conclusão positiva para o Brasil são maiores do que em qualquer outro momento.

FOLHA - A adesão da Venezuela ao Mercosul tem sido duramente criticada, pois seria uma forma de transformar o bloco em uma ponta-de- lança contra Washington, ou pelo menos num palanque para o presidente Hugo Chávez atacar Bush. O bônus da adesão compensa o ônus?
PINHEIRO GUIMARÃES - O comércio entre o Brasil e a Venezuela passou de US$ 880 milhões em 2003 para US$ 4,1 bilhões em 2006. Empresas brasileiras fazem grandes investimentos e constroem hidrelétricas, linhas de metrô, pontes, represas e sistemas de irrigação na Venezuela. Todos os membros do Mercosul estão de acordo quanto à adesão da Venezuela. O Mercosul é uma união aduaneira e não um bloco político de oposição a qualquer outro país e muito menos aos EUA, que, aliás, percebem isto perfeitamente.

FOLHA - Pelo menos na retórica, Chávez está ganhando aliados na região, como os presidentes Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Corrêa, do Equador. É um novo pólo de poder?
PINHEIRO GUIMARÃES - Cada país da América do Sul tem o direito de cooperar com os demais países sem que isto signifique a formação de pólos de poder. Qualquer pretensão hegemônica de qualquer país encontra grande resistência dos demais, e a forma natural de influência é o exemplo, o que supõe relações de parceria, como as que o Brasil tem desenvolvido com cada país da América do Sul, com excelentes resultados.

FOLHA - De outro lado, o governo Bush praticamente escolheu o Irã como novo alvo, digamos, das preocupações norte-americanas. Esse será um tema do encontro Lula-Bush em 9 de março? O que o Brasil tem a ver com isso?
PINHEIRO GUIMARÃES - A agenda do encontro dos presidentes ainda não está definida. O Brasil, que tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, domina a tecnologia de enriquecimento de urânio e tem uma demanda interna importante por energia, defende o direito de todos os países de desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos, desde que respeitados fielmente os compromissos internacionais. Nossa posição na AIEA se pauta por este princípio e pela preferência pelo diálogo como forma de solucionar impasses.

FOLHA - Há duas versões no governo e no Itamaraty: uma de que o sr. é decisivo para a formulação da política externa; outra de que, na verdade, é o grande executivo que está "botando a casa em ordem". Qual a verdadeira?
PINHEIRO GUIMARÃES - O presidente formula e dirige a política externa com o auxílio do ministro. Ao secretário-geral cabem as tarefas definidas pelo decreto 5979/2006, que são assessorar o ministro na execução da política e na orientação da secretaria de Estado e das missões no exterior.

FOLHA - Por que o sr. participou dos primeiros palanques do presidente Lula na campanha do segundo mandato, mas de repente sumiu?
PINHEIRO GUIMARÃES - Todo cidadão brasileiro tem o direito, e até o dever, de participar da vida política de seu país.

FOLHA - E por que o sr. decidiu impor livros de sua própria preferência para os diplomatas que estejam sendo promovidos ou assumindo missões no exterior? Qual o viés desses livros? E porque o ministro determinou o fim da prática?
PINHEIRO GUIMARÃES - Gilberto Freire disse: "O livro do sr. Álvaro Lins sobre o Barão do Rio Branco é um destes livros que desde as primeiras páginas nos dão o gosto raro de contato com uma obra monumental". Celso Furtado, sobre Bielschowsky, disse: "Considero "Pensamento Econômico Brasileiro" o mais importante trabalho já realizado para caracterizar e apreciar o considerável esforço produzido entre nós a fim de resgatar o Brasil das armadilhas do pensamento ortodoxo". Roberto Campos, ex-embaixador em Washington, sobre Bielschowsky, disse: "Erudito, objetivo e correto. "Pensamento Econômico Brasileiro" é referência indispensável, por sua análise balanceada e percuciente das controvérsias ideológicas da época".
Rubens Ricupero, ex-embaixador em Washington, sobre o livro de Moniz Bandeira disse: "É uma obra original, uma autêntica história conjunta das relações diplomáticas do Brasil e da Argentina durante 133 anos.
Tem razão, assim, o historiador americano Frank Mc Cann, ao apresentá- la como "leitura indispensável". Não conheço, nem creio que exista, outro trabalho desse fôlego, cerca de 680 páginas, que cubra de modo tão completo e analítico o período contemporâneo". Sobre "Chutando a Escada", de Ha-Joon Chang, professor de Cambridge, na Inglaterra, Charles Kindleberger, um dos maiores economistas americanos, disse:
"uma crítica estimulante dos sermões dos economistas da corrente dominante dirigidos aos países em desenvolvimento." O aperfeiçoamento dos diplomatas é uma necessidade constante. A leitura de três ou quatro livros não poderia jamais modificar o modo de pensar de qualquer diplomata, mas pode trazer informações importantes. O ministro Celso Amorim considerou que a celeuma provocada não justificava a energia despendida.

FOLHA - O que se deve esperar de um bom diplomata? E de um diplomata brasileiro no mundo atual?
PINHEIRO GUIMARÃES - De um bom diplomata se espera que defenda e promova os interesses de seu país. De um diplomata brasileiro se espera que defenda e promova os interesses do Brasil, de acordo com os objetivos da política externa definidos no Art. 4º da Constituição Federal, em especial a independência nacional, a não-intervenção e a autodeterminação, e com a orientação do Presidente da República.

FOLHA - Como o Brasil pode interferir para que o mundo seja melhor?
Aliás, o que seria, a seu ver, um "mundo melhor"?
PINHEIRO GUIMARÃES - O Brasil pode contribuir para a preservação da paz, para o desenvolvimento econômico e social, para a construção da democracia na esfera internacional, de tal forma que cada sociedade, observados os preceitos fundamentais de autodeterminação e não- intervenção inscritos na Carta da ONU, possa prosseguir em sua evolução histórica.
Um mundo melhor será aquele em que as promessas de desarmamento se realizem; em que os preceitos do Direito Internacional sejam obedecidos pelas grandes potências; em que as diferenças econômicas entre os Estados se reduzam; em que o meio ambiente seja preservado; em que os direitos humanos, políticos, econômicos e sociais sejam respeitados; em que a pobreza e a miséria sejam abolidas; em que cada indivíduo possa desenvolver todo o seu potencial. Com esses objetivos, o presidente Lula e o ministro Celso Amorim têm defendido a democratização das instâncias internacionais de decisão, como o Conselho de Segurança da ONU e o G-8.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2602200716.htm

733) Sobre a política externa do Brasil

Um artigo antigo, mas postando apenas para registro:

Ideologia de menos, compadrio de mais
Rosângela Bittar
Valor Economico, 21 Fevereiro 2007

Dúvidas não há mais quanto ao caráter ideológico das grandes linhas da política externa brasileira, claramente uma opção do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teorizada e executada por um conjunto de ministros e assessores. Desde o início do primeiro mandato ficou claro, principalmente para o PT, a quem se deu satisfação explícita sobre isto, que Lula deixaria o governo pender à esquerda na política externa, até para compensar as escolhas em áreas fundamentais para os resultados que pretendia, como a da política econômica, por exemplo.
Mas não estava dito, nem subentendido, que seria uma opção camuflada, a ser justificada com argumentação estapafúrdia, um faz de conta que, a cada vez identificado, teria como conseqüência a reação virulenta dos que se sentissem "acusados". O governo daria agora um passo firme nesta mal parada questão, que assim vem desde o primeiro dia, se explicasse as ações e iniciativas que confundem a população, por mais bem informada e esclarecida que seja. A conseqüência de jamais fazer isto, talvez por soberba das personalidades envolvidas, é a confusão permanente entre ideologia e compaixão, entre ideologia e lesão ao patrimônio nacional, entre ideologia e medo.
O presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, e os ministros Silas Rondeau e sobretudo Celso Amorim, poderiam, sem o mais leve arranhão à sua autoridade, dar explicações claras, que o governo está há muito devendo ao país, sobre os critérios e objetivos da política externa e comercial do Brasil com seus vizinhos, principalmente neste momento com a Bolívia, caso em que estas confusões se aplicam à perfeição.
Não seria nada demais que esquecessem por um momento a luta interna com a oposição, os sofismas, as tergiversações, os artifícios, as respostas às cobranças com acusações e outras cobranças, para informar, esclarecer os fatos, de forma que todos possam entender as razões e afastar a impressão de que todos os gestos do presidente Lula em direção à Bolívia parecem lesivos ao Brasil.
Quem sabe se estas autoridades, sem buscar abrigo na ironia e na desqualificação dos críticos, possam dar elementos para compreensão dos comportamentos dos presidentes da Bolívia e da Venezuela. Eles desdenham o Brasil, o Mercosul, exigem condições de privilégio para integrar o bloco, num ato de vontade unilateral, para fazê-lo à sua imagem e empurrarem-se goela abaixo dos demais. Agem com rigor e rispidez no seu diálogo com o presidente brasileiro e recebem de volta mesuras e adulação.
Até hoje, não se tem notícia de algo em que tenham levado desvantagem. Não dão bola aos negociadores oficiais, quando querem vão arrancar suas vantagens pessoalmente, agem com desprezo, enquanto o presidente dos desprezados clama por generosidade e compaixão para com eles. As autoridades, é o que parece, usam o guarda-chuva da "ideologia" para fugir de explicações e nada enfrentar. Se pelo menos a ideologia justificasse algumas atitudes...

A soberba confunde os gestos da diplomacia
No caso mais recente do embate com a Bolívia (são tantos que alguns, mais humilhantes, já estão quase esquecidos), em que o presidente Evo Morales disputou pessoalmente (agenda definida na marra contra a vontade do governo brasileiro) e venceu todas as batalhas em torno dos preços do gás, levando o que quis e como quis, é de se perguntar qual a ideologia presente.
A de proteger um presidente vizinho e amigo dos ataques da oposição que sofre internamente? A de dividir o domínio sobre ele com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que o tem mais perto em camaradagem e cumplicidade? A ideologia que manda ajudar os pobres de outro país? "O Brasil é extremamente dependente do gás da Bolívia", alega-se. Então o nome do que se está fazendo com Morales é concessão à chantagem e não negociação de preço justo.
"O Brasil precisa ser generoso", como disse Lula, ao concordar com a elevação do preço do gás fornecido ao Brasil pela Bolívia. Generosidade (não consta da cartilha do Barão do Rio Branco) maior ainda porque a Petrobras concedeu ainda a retomada do projeto de construção de um pólo gás-químico na fronteira entre os dois países, a construção de uma usina hidrelétrica binacional no Rio Madeira e a instalação de uma usina de biodesel na Bolívia, além de doações de vacinas e outras miudezas.
"Tínhamos de achar uma fórmula. A Bolívia é o país que tem a maior fronteira com o Brasil e não seria interessante que houvesse problema interno no país", disse o ministro Silas Rondeau, numa declaração surpreendente, pois revela, como se fosse algo trivial, a entrada forte do Brasil na política interna boliviana.
"A Petrobras não tem uso para isso, mas pode vir a ter", disse o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, a respeito da parte mais rica do gás que foi decomposto para justificar o reajuste de preços. Uma declaração absurda, não uma explicação.
Longe de compor uma ideologia, o conjunto de manifestações revela mesmo é compadrio do governo brasileiro com alguns governos amigos da vizinhança sul-americana.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

quarta-feira, 13 de junho de 2007

732) Uma digressão sobre a autoridade

O homem e a autoridade

“ – Nunca respeitei a autoridade, e adoro vê-la desafiada. (...) Para ser sincero, devo dizer que adoro estar em paz com a autoridade, assim como qualquer homem. Contudo, isso não é razão para não questioná-la. (...) Tudo deve ser questionado e discutido, visto de todos os ângulos, examinados e levados à luz. Os homens esquecem-se disso. Tendem a ver tudo como é e nunca perguntam como deveria ser.”

Palavras do comerciante judeu português Miguel Lienzo, personagem principal do romance histórico ambientado na Amsterdã de meados do século XVII, O Mercador de Café (The Coffee Trader; tradução de Alexandre Raposo; Rio de Janeiro: Record, 2004, 384 p.; transcrito da página 248), de David Liss, romancista americano (www.davidliss.com).

Confesso que, ao ler a passagem acima transcrita do romance histórico de David Liss, eu me identifiquei profundamente com as idéias, a atitude e o pensamento do “judeu livre” Miguel Lienzo, que ousa enfrentar a autoridade e o poder do Ma’amad, o conselho supervisor dos judeus portugueses na Holanda, na sua busca para recuperar a riqueza perdida com uma especulação mal sucedida em torno do comércio de açúcar. Ao lançar-se, em 1659, numa nova aventura na bolsa de Amsterdã, desta vez com um produto ainda relativamente desconhecido para os mercados da época, o café, Miguel Lienzo enfrenta perigos desconhecidos, mas conduz seu novo negócio com tenacidade, ainda que de modo discreto e mesmo secreto, em aliança com uma holandesa viúva, financiadora eventual de sua nova aposta.
Ele ousa afirmar o poder da sua autoridade, ou melhor, da sua vontade, contra o poder por vezes arbitrário da autoridade política e religiosa – pois que o Ma’amad encarnava, para a pequena comunidade refugiada de judeus portugueses fugidos da Inquisição, ambos poderes – e depara-se com riscos dos quais ele nem suspeitava, emergidos a partir da ambição pessoal, do despeito e provavelmente dos ciumes e da inveja de outros homens. O romance O Mercador de Café é fascinante, em seus próprios termos e circunstâncias, tal como ambientado no primeiro país verdadeiramente moderno da história do capitalismo, a Holanda do século XVII, mas é um fato de que toda história, qualquer que seja a sua época, deve ser sempre lida como história contemporânea. Todos aqueles que escrevem, mesmo sobre épocas passadas, sempre pensam em sua própria época e circunstâncias particulares. Nesse sentido, todo romance pode ser tido como universal, assim como toda e qualquer história fala de nós mesmos e de nossa própria época. Isso é inevitável, e faz parte da nossa “trama” da história.
Creio poder dizer que também tenho um certo prazer em desafiar a autoridade, não como uma atitude inconsequente ou puramente contestadora, como algum tipo de confrontacionismo infantil, mas como uma atitude de questionamento constante, que se prende mais ao objeto do que à própria fonte da autoridade. Sou um questionador por excelência, um contestador daquilo que se poderia chamar “verdades reveladas” – as idées reçues, da tradição literária francesa – e um interrogador dos fundamentos de qualquer realidade oferecida como verdadeira ou única e exclusiva. Acredito mesmo que esta é a atitude a ser observada por todos aqueles que pretendem contribuir para os avanços do pensamento e o progresso das idéias. Em uma expressão, confesso minha adesão intelectual ao ceticismo sadio que todo homem verdadeiramente livre deve exibir em face das realidades que nos cercam, sobretudo aquelas que emergem das relações sociais e das situações de poder.
Vale...


Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com)
Brasília, 1757: 13 junho 2007, 2 p.

terça-feira, 12 de junho de 2007

731) Sonhando com um país melhor...

Ao repassar, nos últimos dias, as matérias principais da imprensa brasileira das últimas duas semanas, com o que deparamos, exatamente?
Notícias de fraudes, falcatruas, desvios de recursos públicos, utilização dos serviços e dos recursos do Estado para fins particulares, roubalheira aberta e deslavada, enfim, um cortejo de atos criminosos que imaginávamos, em outras épocas, frequentar mais as páginas policiais do que o expediente da política nacional.
Não sei, sinceramente, o que expressar em face de tanta desfaçatez organizada, tantos atos espúrios travestidos de "politics as usual", tanta vergonha escondida nos gabinetes dos "representantes do povo", do Executivo e do Legislativo (e, muitos do Judiciário tampouco estão longe disso).
Creio que a sociedade brasileira contempla tantos atos criminosos com um ar de desalento, como se fosse impossível extirpar esse cranco da política nacional, como se fosse dificílimo contar com representantes que fossem, se não muito efetivos, pelo menos honestos.
Impossível evitar um certo sentimento depressivo, em face desse cenário de crimes em série, de cinismo repetido, de hipocrisia continuada.
Talvez a única reação que nos resta seja protestar contra essa situação e escolher um retiro temporário, longe de todas as patifarias que contemplamos nos jornais impressos e na TV.
Até quando?

sexta-feira, 8 de junho de 2007

730) I Congresso da ABRI, Brasilia, 25-27 de julho

Aviso aos navegantes:
O programa completo, em versão preliminar, do I Congresso da Associação Brasileira de Relações Internacionais, figura na pagina da ABRI, neste link.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

729) Violencia coloca o Brasil em baixo ranking

Violência deixa Brasil em 83º no Índice de Paz Global
Agência Estado, Qua, 30 Mai

O Brasil ocupa uma constrangedora 83ª posição no Índice de Paz Global (Global Peace Index - GPI). Trata-se do primeiro estudo que classifica 121 países de acordo com seu grau de paz". Um dos fatores que mais pesou negativamente sobre o Brasil foi seu elevado grau de violência urbana.
Elaborado pela consultoria britânica Economic Intelligence Unit (EIU), o levantamento foi monitorado por um conselho de personalidades internacionais, como o Dalai Lama, o arcebispo Desmond Tutu, o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter e o economista Joseph Stiglitz. O índice foi lançado hoje com o objetivo de servir como uma referência para o debate da reunião de cúpula do G-8, que ocorrerá no fim da próxima semana na Alemanha.
O ranking é liderado pela Noruega. O grupo dos dez países mais "pacíficos" é completado pela Nova Zelândia, Dinamarca, Irlanda, Japão, Finlândia, Suécia, Canadá, Portugal e Áustria. Na América Latina, o Chile é o melhor posicionado, com o 16º lugar. O país com o pior nível de paz é o Iraque, e o vice-lanterninha é o Sudão.
América Latina
Com uma performance de 2.173 pontos, o Brasil é considerado um país menos pacífico do que muitos vizinhos da América Latina, como o México, Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina, mas está melhor colocado do que a Venezuela (102) ou os Estados Unidos (96). O grau de paz no Brasil também é considerado inferior ao da China, Jamaica e Síria.
O GPI é composto por 24 indicadores, que incluem o nível de gastos militares, relações com países vizinhos, ação do crime organizado, número de homicídios e o grau de respeito dos direitos humanos. Segundo a EIU, foram levados também em consideração uma variedade de fatores determinantes da paz, como o nível de democracia, transparência, educação e distribuição de renda.
Principais determinantes
"Países pequenos, estáveis, que integram blocos regionais como a União Européia, tendem a ocupar as melhores posições no ranking", informou a EIU. "Os principais determinantes de paz interna são a renda, o grau de escolaridade e o nível de integração regional."
O prêmio Nobel Dalai Lama disse que a elaboração desse índice "vai sem dúvida tornar os fatores e qualidades que contribuem para a paz melhores conhecidos, e vai estimular as pessoas a implementá-los em seus próprios países". O diretor editorial da EIU disse que o GPI serve como um alerta para os líderes mundiais.


Região
overall rank overall score regional rank


Western Europe
Norway
1 1.36 1
Denmark
3 1.38 2
Ireland
4 1.40 3
Finland
6 1.45 4
Sweden
7 1.48 5
Portugal
9 1.48 6
Austria
10 1.48 7
Germany
11 1.52 8
Switzerland
13 1.53 9
Netherlands
19 1.62 10
Spain
20 1.63 11
Italy
32 1.72 12
France
33 1.73 13
Greece
43 1.79 14
United Kingdom
48 1.90 15
Cyprus
50 1.92 16
Average 19 1.59


Central & Eastern Europe
overall rank overall score regional rank
Czech Republic
12 1.52 1
Slovenia
14 1.54 2
Slovakia
16 1.57 3
Hungary
17 1.58 4
Romania
25 1.68 5
Poland
26 1.68 6
Estonia
27 1.68 7
Lithuania
42 1.79 8
Latvia
46 1.85 9
Bulgaria
53 1.94 10
Kazakhstan
60 1.99 11
Croatia
66 2.03 12
Moldova
71 2.06 13
Bosnia and Hercegovina
74 2.09 14
Ukraine
79 2.15 15
Macedonia
81 2.17 16
Serbia
83 2.18 17
Turkey
91 2.27 18
Azerbaijan
100 2.45 19
Uzbekistan
109 2.54 20
Russia
117 2.90 21
Average 55 1.94

Middle East & North Africa
overall rank overall score regional rank
Oman
21 1.64 1
Qatar
29 1.70 2
United Arab Emirates
37 1.75 3
Tunisia
38 1.76 4
Kuwait
45 1.82 5
Morocco
47 1.89 6
Libya
57 1.97 7
Bahrain
61 2.00 8
Jordan
62 2.00 9
Egypt
72 2.07 10
Syria
76 2.11 11
Saudi Arabia
89 2.25 12
Yemen
94 2.31 13
Iran
96 2.32 14
Algeria
106 2.50 15
Lebanon
113 2.66 16
Israel
118 2.03 17
Iraq
120 2.44 18
Average 71 2.18

Africa
overall rank overall score regional rank
Ghana
39 1.77 1
Madagascar
40 1.77 2
Botswana
41 1.79 3
Mozambique
49 1.91 4
Zambia
52 1.93 5
Gabon
55 1.95 6
Tanzania
56 1.97 7
Namibia
63 2.00 8
Senegal
64 2.02 9
Malawi
67 2.04 10
Equatorial Guinea
70 2.06 11
Cameroon
75 2.09 12
Kenya
90 2.26 13
South Africa
98 2.40 14
Ethiopia
102 2.48 15
Uganda
103 2.49 16
Zimbabwe
105 2.49 17
Angola
111 2.59 18
Cote d'Ivoire
112 2.64 19
Nigeria
116 2.90 20
Sudan
119 3.18 21
Average 77 2.22

Asia & Australia
overall rank overall score regional rank
New Zealand
2 1.36 1
Japan
5 1.41 2
Bhutan
18 1.61 3
Hong Kong
22 1.66 4
Australia
24 1.66 5
Singapore
28 1.69 6
South Korea
31 1.72 7
Vietnam
34 1.73 8
Taiwan
35 1.73 9
Malaysia
36 1.74 10
China
59 1.98 11
Indonesia
77 2.11 12
Cambodia
84 2.20 13
Bangladesh
85 2.22 14
Papua New Guinea
87 2.22 15
Philippines
99 2.43 16
Thailand
104 2.49 17
Myanmar
107 2.52 18
India
108 2.53 19
Sri Lanka
110 2.57 20
Pakistan
114 2.70 21
Average 60 2.01

Latin America
overall rank overall score regional rank
Chile
15 1.57 1
Uruguay
23 1.66 2
Costa Rica
30 1.70 3
Panama
44 1.80 4
Argentina
51 1.92 5
Paraguay
54 1.95 6
Cuba
58 1.97 7
Nicaragua
65 2.02 8
Bolivia
68 2.05 9
Peru
69 2.06 10
Dominican Republic
73 2.07 11
Mexico
78 2.12 12
Jamaica
80 2.16 13
Brazil
82 2.17 14
Ecuador
86 2.22 15
El Salvador
88 2.24 16
Guatemala
92 2.28 17
Trinidad and Tobago
93 2.29 18
Honduras
97 2.39 19
Venezuela
101 2.45 20
Colombia
115 2.77 21
Average 70 2.09

North America
overall rank overall score regional rank
Canada
8 1.48 1
United States of America
95 2.32 2
Average 52 1.90

domingo, 27 de maio de 2007

728) Comentarios ao meu estilo de escrever...

Uma leitora de meus trabalhos escreveu algo a respeito de meu estilo de escrita, que julguei dever partilhar com outros eventuais leitores deste blog.
Registro que editei sua mensagem, cortando algumas partes que me pareceram ter valor puramente episódico, retendo apenas aquelas que possuiam, em minha opinião, um valor "sistêmico", ou "estrutural".
Não tenho outros comentários a fazer, a não ser agradecer pela distinção que me é feita, uma vez que todos os "escrevinhadores", como eu, esperam um mínimo de leitores eventuais, que é justamente a reflexão crítica sobre suas próprias contribuições ao pensamento político e ao diálogo social.
Com vocês, o texto abaixo:

Comentários sobre a sua escrita
Maria do Espírito Santo Gontijo Canedo
(Minas Gerais)

As maiores qualidades que um texto pode ter são três: ritmo, fôlego e tempero. Tema, introdução, desenvolvimento e conclusão são virtudes indispensáveis para torná-lo coerente, mas a indispensável coerência, por si mesma, não garante que o texto não seja monótono, insosso, desvitalizado. Por outro lado, excesso de paixão transforma o ato da leitura numa viagem pelo Saara e, a não ser que o leitor seja um tuaregue, em dois tempos o pobre coitado começará a ter miragens com a personificação da falta. Com relação à produção de textos não concordo com a máxima de Agostinho que reza estar a virtude no meio. Para mim, a verdadeira virtude do bom escritor está numa espécie de equilíbrio dissonante.
Os seus textos são pedrinhas atiradas na superfície calma de um lago. Uma pedrinha-idéia é lançada, as ondas se formam suaves, equilibradas, circulares, e aí surge outra pedrinha-idéia, outras ondas melodiosas se formam e se expandem, sem agressão ou atrito excessivo, se juntam às formadas anteriormente, e o texto segue o seu ritmo, às vezes mais lento, outras vezes mais rápido. E por que não jogar um miolinho de pão de vez em quando para que alguns peixes subam à tona enfeitando, sem o escândalo dos anzóis, a beleza da cena?
Você já leu A Mandrágora, do Maquiavel? Seu estilo me lembra o dele. Claro que, por estar atento aos leitores atuais (certamente um pouquinho, só um pouquinho, menos cultos do que o público a quem Maquiavel se dirigia) você não excede nas sutilezas do humor e da ironia principescas do florentino divino e comedidamente comedioso. (Eu sei que quem escreveu a Divina Comédia foi o Dante. Foi só um jogo compatriota de palavras que eu fiz, ou, em outras palavras, não me confunda com uma certa casta de leitores dos seus textos...) O cara que queria ver a unificação da Itália e você é Pro Patria Semper. Ele, como você, eliminou o “deveria ser” do vocabulário. Ele foi o primeiro teórico do Estado moderno e você o primeiro teórico do Estado brasileiro que não tem medo de dizer o que pensa nua e cruamente, sem querer parecer simpático, bonzinho ou condescendente. Ele, como você, teve origem relativamente modesta. E a sua cultura, como a dele, é estupenda. (Quando eu li os Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio eu pensei que não era possível alguém ser tão agudamente crítico sobre uma época tão distante da dele.)
(...)
As diferenças entre o próximo e o idêntico são tão abissais... na expressão “homem e mundo”, o conectivo “e” une e separa sujeito e objeto. “E” é o recheio do sanduíche da contradição dialética, que se devora, aproveitando-se os nutrientes e descartando o que não tem utilidade. “A imbecilidade humana tem, sim, aumentado, pela força dos números, mas ela comanda cada vez menos os destinos da raça humana, graças aos progressos da ciência. Ou estarei errado?” [Nota: trecho final do texto de PRA: “Estaria a imbecilidade humana aumentando? (uma pergunta que espero não constrangedora...)”] Toda síntese tem, em germe, uma nova tese em seu bojo. Não sei se os progressos da ciência vacinam suficientemente o mundo contra esta inflacionária e atualíssima infecção aberrante de imbecilidade. Os pitagóricos diziam que os entes são números.
Os entes imbecis são números naturais, manada, de fácil manipulação e multiplicação. Já o progresso científico pertence ao conjunto dos números complexos, ou talvez, dos números imaginários... se o ser humano é o ser que está situado entre as bestas e os deuses, você parece ter uma fé invejável no caminho da humanidade em direção aos deuses... eu creio que o caminho em direção aos protozoários é mais fácil e rápido... talvez eu tivesse fé na possibilidade dos progressos da arte... mas arte é algo que não progride nem regride: arte deveria ser a presença do absoluto em nós, mas, pelo menos para Hegel, a arte morreu... perdeu a aura, sem dúvida perdeu... mas morrer?
Pra mim a arte continua viva, salvífica, messiânica... se não fosse por ela, já teria seguido o sábio conselho do Figueiredo e dado um tiro na cuca... mas arte – essa sim! – é para poucos... é pra quem tem razão, sensibilidade e corpo. Você pertence ao grupo restrito dos artistas, tenho certeza. O seu problema é crer na possibilidade de abrir as maçônicas portas deste grupo ao maior número de pessoas possível. Uma última palavrinha: desista.

27 de maio de 2007

Addendum em 29 de maio, pela mesma autora, a propósito de um texto meu, em preparação, em torno do Príncipe, de Maquiavel:
"O candidato a príncipe deve sempre visar mais alto do que as práticas normais do ofício político, como os arqueiros hábeis que, considerando muito distante o ponto que desejam atingir e sabendo até onde vai a capacidade de seu arco, fazem mira bem mais alto que o local visado, não para alcançar com sua flecha tanta altura, mas para poder com o auxílio de tão elevada mira atingir o seu alvo."

domingo, 20 de maio de 2007

727) Nova ortografia em 2008

Serviço de utilidade pública:

MUDANÇAS NA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA A PARTIR DE JANEIRO 2008

A partir de janeiro de 2008, Brasil, Portugal e os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste - terão a ortografia unificada.
O português é a terceira língua ocidental mais falada, após o inglês e o espanhol. A ocorrência de ter duas ortografias atrapalha a divulgação do idioma e a sua prática em eventos internacionais. Sua unificação, no entanto, facilitará a definição de critérios para exames e certificados para estrangeiros. Com as modificações propostas no acordo, calcula-se que 1,6% do vocabulário de Portugal seja modificado. No Brasil, a mudança será bem menor: 0,45% das palavras terão a escrita alterada.
Mas apesar das mudanças ortográficas, serão conservadas as pronúncias típicas de cada país.

Resumo da ópera - o que muda na ortografia em 2008:

- As paroxítonas terminadas em "o" duplo, por exemplo, não terão mais acento circunflexo. Ao invés de "abençôo", "enjôo" ou "vôo", os brasileiros terão que escrever "abençoo", "enjoo" e "voo".
- mudam-se as normas para o uso do hífen - Não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler", "ver" e seus decorrentes, ficando correta a grafia "creem", "deem", "leem" e "veem".
- Criação de alguns casos de dupla grafia para fazer diferenciação, como o uso do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos da primeira conjugação, tais como "louvámos" em oposição a "louvamos" e "amámos" em oposição a "amamos".
- O trema desaparece completamente. Estará correto escrever "linguiça", "sequência", "frequência" e "quinquênio" ao invés de lingüiça, seqüência, freqüência e qüinqüênio.
- O alfabeto deixa de ter 23 letras para ter 26, com a incorporação de "k", "w" e "y".
- O acento deixará de ser usado para diferenciar "pára" (verbo) de "para" (preposição).
- Haverá eliminação do acento agudo nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia". O certo será assembleia, ideia, heroica e jiboia.
- Em Portugal, desaparecem da língua escrita o "c" e o "p" nas palavras onde ele não é pronunciado, como em "acção", "acto", "adopção" e "baptismo". O certo será ação, ato, adoção e batismo.
- Também em Portugal elimina-se o "h" inicial de algumas palavras, como em "húmido", que passará a ser grafado como no Brasil: "úmido".
- Portugal mantém o acento agudo no e e no o tônicos que antecedem m ou n, enquanto o Brasil continua a usar circunflexo nessas palavras: académico/acadêmico, génio/gênio, fenómeno/fenômeno, bónus/bônus.

Fontes: Revista Isto É, Folha de São Paulo e Agência Lusa

segunda-feira, 7 de maio de 2007

726) America Latina: para trás, a toda velocidade...

Pode piorar muito
por Odemiro Fonseca
Instituto Millenium, Quarta-feira, 2 de Maio de 2007
neste link

A América Latina é uma aberração. É a única parte do mundo ocidental com consistente história de pobreza. Mas a Argentina e a Venezuela são casos especiais. Tinham se desgarrado e estavam entre os países ricos do mundo algumas gerações atrás.

Já em 1880 a Argentina equiparava-se aos ricos europeus. Entre 1915-45, somente EUA e Inglaterra, tinham o PIB e PIB per capita (combinados) maiores do que a Argentina. Juan Alberdi e seu grupo gravaram a tradição liberal clássica na Constituição de 1853 e o resultado foi espetacular. A Argentina se tornou o rico centro econômico e cultural da América Latina, com povo educado, sociedade aberta e democracia.

No período 1945-75 o PIB per capita da Venezuela sempre foi muito maior do que os da Itália, Noruega, Irlanda e Espanha. De 55 a 75, a inflação foi a mais baixa do mundo e o salário real cresceu todos os anos. A Venezuela era democracia estável. Mas a partir de 74 foram estatizados o petróleo, a mineração, a energia elétrica e as telecomunicações. O BC independente foi extinto. Proibiu-se às empresas estrangeiras vender alimentos e estabeleceu-se completo controle das importações. Seguiram-se controles de preços, crises hiper-inflacionárias e políticas. Hoje o PIB per capita (ppp) da Venezuela é sete vezes menor do que o da Noruega, seis do que o da Irlanda e cinco do que os da Itália e Espanha. (A. Maddison, B. Mundial, L. Ball)

Já vimos grande parte deste filme. Mas a Argentina e a Venezuela são quase um mistério. Depois de ricos, optaram pelo declínio econômico, ditaduras e corrupção endêmica. Porque nossa perene opção pela pobreza na América Latina?

Usando a imagem de M. Aguinis, nosso êthos abriga “um confronto entre o conquistador e o indígena”, que seria a causa da baixa auto-estima e precária identidade latino-americana, que criou o sentimento de atraso e de marginalidade histórica com relação ao Ocidente. Seria a causa também da nossa constante expectativa com relação ao futuro e da necessidade de saltar etapas. A tal “ocidental incompleto” (D. Magnoli), fundiu-se o mercantilista (a riqueza é natural), o patrimonialista ibérico (primeiro os meus) e o nacionalista autárquico (não precisamos de ninguém). Agregou-se o positivista tecnocrático e militar e o marxista vulgar dos movimentos sindicais e intelectuais com seus dogmas de exploração e luta de classes. Estava pronto o teórico do comércio injusto e das nossas dependências periféricas ao ancestral ocidental, rico, central e de olhar complacente. Novas economias e filosofias de libertação (pós-colonial) invadiram nossas academias e foram usadas como ferramentas ideológicas por antiga figura da América espanhola – o caudilho – agora travestido de novo libertador, nacionalista, populista – pois precisa de movimentos de massas - e ungido pelas novas teorias. A Argentina introduziu os ditadores populistas, o capitalismo monopolista de estado e o Estado assistencialista “macunaímico”. Fez um retorno seguro para o nosso “Terceiro Mundo Ocidental”(ib.). A Venezuela voltou para nós pelo mesmo caminho, mais tarde e de maneira mais abrupta.

Na análise de Douglass North “ a eficiência (econômica) adaptativa exige estrutura institucional que, na onipresença da incerteza, permita o processo decisório ser por tentativa e erro. E tal estrutura exige crenças que permitam experimentação e o abandono do erro. A União Soviética representa a antítese de tal abordagem”. A América Latina também representa tal antítese.

É assustador como nossas crenças podem piorar o nosso atraso. E o populismo tem recrudescido no Brasil. O primeiro governo de Lula teve uma positiva agenda microeconômica de reformas institucionais. Nada disso se vê agora. Com relação às reformas maiores – previdência, trabalhista, tributária – a conversa é tatibitate. O que se vê é maior esforço em propaganda estatal, entrincheiramento de interesses especiais e a formação de uma república sindical em concubinato com um estado gastador. As vítimas serão as de sempre - a democracia e a prosperidade. Por aqui ainda não caiu a ficha das tragédias da Argentina e Venezuela.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

725) ONGs que tambem sao GOV...

What Is a Gongo?
Moisés Naím
Foreign Policy, May/June 2007

How government-sponsored groups masquerade as civil society.

The Myanmar Women's Affairs Federation is a gongo. So is Nashi, a Russian youth group, and the Sudanese Human Rights Organization. Saudi Arabia's International Islamic Relief Organization is also a gongo, as is Chongryon, the General Association of Korean Residents in Japan. Gongos are everywhere, in China, Cuba, France, Tunisia, and even the United States.

Gongos are government-sponsored nongovernmental organizations. Behind this contradictory and almost laughable tongue twister lies an important and growing global trend that deserves more scrutiny: governments funding and controlling nongovernmental organizations (NGOs), often stealthily. Some gongos are benign, others irrelevant. But many, including those mentioned above, are dangerous. Some act as the thuggish arm of repressive governments. Others use the practices of democracy to subtly undermine democracy at home. Abroad, the gongos of repressive regimes lobby the United Nations and other international institutions, often posing as representatives of citizen groups with lofty aims when, in fact, they are nothing but agents of the governments that fund them. Some governments embed their gongos deep in the societies of other countries and use them to advance their interests abroad.

That is the case, for example, of Chongryon, a vast group of pro-North Korean, "civil society" organizations active in Japan. It is the de facto representative of the North Korean regime. Japanese authorities have accused several of its member organizations of smuggling weapons technology, trafficking pharmaceutical products, and funneling hundreds of millions of dollars, as well as orchestrating a massive propaganda operation on Pyongyang's behalf. For decades, "civil society" groups based in a variety of countries have stridently defended Cuba's human rights record at U.N. conferences and regularly succeed in watering down resolutions concerning Cuba's well-documented violations. Bolivarian Circles, citizen groups that support Venezuelan President Hugo Chávez, are sprouting throughout Latin America, the United States, and Canada. Their funding? Take a guess. Iran, Saudi Arabia, and other wealthy governments in the Middle East are also known to be generous-and often sole-benefactors of NGOs that advance their religious agenda worldwide.

But the most dangerous gongos grow at home, not abroad. They have become the tool of choice for undemocratic governments to manage their domestic politics while looking democratic. In many countries of the former Soviet Union, government-backed NGOs are crowding out and muddling the voices of the country's legitimate civil society. In Kirgizstan, for example, the Association of Non-commercial and Nongovernmental Organizations was an enthusiastic fan of former President Askar Akayev. It ran a national petition drive in 2004 asking the president, who had been in power since 1991, to run for reelection. Likewise, the Myanmar Women's Affairs Federation is a harsh critic of Aung San Suu Kyi, the Nobel Peace Prizewinner and opposition leader who has spent much of the past 18 years under house arrest. The federation is run by the wives of the military junta's top generals.

Democratic governments have their own gongos, too. The National Endowment for Democracy (NED) is a private, nonprofit organization created in 1983 to strengthen democratic institutions around the world through nongovernmental efforts. It is a gongo funded by the U.S. government. In several countries, receiving money from the NED is considered a crime. President Vladimir Putin's government has denounced foreign-funded support for political reform by groups such as NED as subversive and anti-Russian. A Chinese newspaper called U.S.-backed democracy promotion "self-serving, coercive, and immoral."

For the sake of full disclosure, it's important to note that I serve on NED's board of directors. I, therefore, disagree that its activities are criminal, immoral, or a tool of the White House. Its programs, decisions, and sources of revenues and expenditures are perfectly transparent, and its directors, who serve without pay, are completely independent. But why should you believe me?

Ideally, there should be an independent and credible source that helps you decide if the NED or other gongos backed by, say, the Canadian or Dutch governments belong in the same category as Chongryon or Nashi. The world needs an NGO rating system that does for global civil society what independent credit rating agencies do for the global financial system. The credit rating agencies play an indispensable role in facilitating the massive borrowing and lending that takes place every day by providing investors with reliable information about the financial conditions of corporations, government agencies, and individuals. These independent and professional assessments of the creditworthiness of borrowers allow major transactions to take place faster and cheaper. Ultimately, lenders make the decision. But they do so within a more transparent market where a company that has a history of always meeting its obligations is less likely to be confused with one that only pays its debtors after a court orders it to do so.

A similar set of institutions can provide accurate information about the backers, independence, goals, and track records of different NGOs. The globalization and effectiveness of nongovernmental organizations will suffer if we don't find reliable ways of distinguishing organizations that truly represent democratic civil society from those that are tools of uncivil, undemocratic governments. Such bodies will help donors and citizens decide whom and what to believe. It will also make life harder for gongos with the worst intentions.

Moisés Naím is editor in chief of Foreign Policy.

724) Como fazer um bom parecer

Como fazer um bom parecer - ou como parar de se preocupar e amar a arbitragem científica
Publicado por Rogério Farias 25 de Abril de 2007 em Visão de Mundo.
Relnet

Uma das atividades que uma pessoa envolvida no mundo acadêmico tem que se debruçar de tempos em tempos é a de dar pareceres para artigos submetidos para publicação em periódicos. Mas como realizar essa atividade de forma mais eficiente? Na área de Relações Internacionais no Brasil isso é muito relevante, principalmente se considerarmos o estágio atual do campo. O que torna o exercício mais importante ainda é que, na maioria das vezes, não há orientação para esse tipo de atividade nem mesmo em programas de mestrado e doutorado - ou seja, a probabilidade de cometer deslizes é grande.

Mas fiquem tranquilos. O The Academic Observer, periódico da Association for Psychological Science, traz um artigo de Henry L. Roediger com 12 dicas para pareceristas, elas são:

1. Saiba sua missão: o trabalho de um parecerista não é necessariamente criticar um trabalho.
2. Seja ligeiro: bons pareceres entregues antes do prazo são muito apreciados;
3. Leia cuidadosamente: velocidade deve ser acompanhada de exame profundo das seguintes questões:
(a) O problema endereçado no artigo é importante no contexto da disciplina?
(b) O trabalho avança o conhecimento na área de forma substantiva de forma que mereça ser publicado?
4. Diga coisas positivas no parecer: até o pior trabalho tem aspectos interessantes. No entanto, não seja excessivamente esbanjador nos elogios;
5. Não exiba traços de hostilidade: se precisar ser crítico não seja rude;
6. Seja breve: o editor é uma pessoa ocupada. Não é adequado redigir um parecer de tamanho equivalente ao artigo;
7. Foque aspectos gerais: não fique procurando no trabalho erros de ortografia e gramática. Se atenha ao big picture;
8. Desenvolva um bom estilo de parecer: não há estilo universal de parecer, desenvolva um que seja confortável;
9. Seja cuidadoso em recomendar modificações: é muito perigoso recomendar mais pesquisa antes que o trabalho seja publicado. Muitas vezes, mais pesquisa não conseguirá escoimar o trabalho de seus problemas;
10. Tome cuidado com o egocentrismo: você pode saber que o seu trabalho é melhor do que o de qualquer um, mas tente resistir à tentação de recomendar ao autor a citação ao seu trabalho;
11. Faça a recomendação sobre o trabalho, a não ser que o editor o instrua a não fazer: ele merece ser publicado, afinal?;
12. Assine seu parecer: o autor deve saber quem você é. O anonimato aumenta probabilidade de ocorrer diversas patologias - como o egocentrismo e a rudez. Muitos periódicos, no entanto, preferem pareceres anônimos.

723) Definicoes de Politica

Do ex-Blog de Cesar Maia, em 25 de abril de 2007?

DEFINIÇÕES DE “POLÍTICA” A PEDIDOS!
Política é reunir pessoas em torno de idéias.
Partido é organizar pessoas em torno de idéias.
Populismo é reunir pessoas em torno de pessoas.
Demagogia é reunir pessoas em torno de quaisquer idéias.

domingo, 15 de abril de 2007

722) Estudos sobre Defesa: chamada de trabalhos

Chamada de trabalhos
Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED)
Universidade Federal de São Carlos
20 e 21 de setembro de 2007

A ABED convida professores e pesquisadores a apresentar propostas de comunicação para seu primeiro encontro anual, a ser realizado no campus da UFSCar, em São Carlos, SP, nos dias 20 e 21 de setembro de 2007. As propostas devem ser encaminhadas até às 18hs do dia 20 de abril p.f. e deverão conter título, resumo com dez a quinze linhas, filiação e tema geral, segundo a lista abaixo:

1. Relações civis-militares
2. Políticas de Defesa e Segurança Internacional
3. Forças Armadas, tecnologia e sociedade
4. História militar

Além das comunicações, o congresso terá espaço para apresentação de posters, para os quais faremos chamada específica.
O Congresso prevê a realização de, no máximo, oito mesas-redondas com apresentação de três trabalhos em cada uma.
Há possibilidade de financiamento, mas a aceitação de uma proposta não implica em qualquer obrigação da ABED nesse sentido.
As propostas deverão ser enviadas para os emails samuel_soares@uol.com.br e djrm@power.ufscar.br.
Para a apresentação de trabalho ou poster será obrigatória a filiação à ABED, que, no entanto poderá ser feita até a data de início do evento. A inscrição no congresso, sem apresentação de trabalhos será gratuita e será regulamentada posteriormente.

Diretoria da ABED

721) Uma definicao de equilibrio...

Perguntaram-me, recentemente, o que seria uma definição de "equilíbrio", para mim.
Respondi da seguinte maneira:

"Equilíbrio é o estado de permanência de uma situação, uma espécie de status quo, no qual as diferentes partes de um sistema podem conviver harmoniosamente na medida em que seus interesses sejam contemplados de maneira relativamente equânime. Como a situação física indica (isto é, o ponto da balança no qual os pesos se anulam), ninguém consegue ter preeminência absoluta sobre as outras partes, resultando assim numa situação satisfatória para todos os participantes do sistema.
Nesse sentido, o equilíbrio pode ser paralisador, pois "congela" posições e impede o avanço de alguns para novas posições ou novas situações de melhor bem estar. Melhor, em consequência, uma situação de equilíbrio dinâmico, na qual todos concorrem para a elevação geral dos padrões.
Em termos sociais, isso siginificaria perseguir uma situação de progresso contínuo, que pode ser representado pelo crescimento econômico sustentável, com transformações produtivas obtidas a partir da maior produtividade do trabalho humano (o que implica em melhor educação dos agentes econômicos), com distribuição dos benefícios do crescimento para todas as partes envolvidas no processo".

Esta é a minha melhor definição de equilíbrio que posso encontrar...

quarta-feira, 11 de abril de 2007

720) O mundo em 2037, segundo os britanicos...

O mundo em 2037
Um relatório da Defesa do Reino Unido prevê armas mais baratas, atentados espetaculares e um choque entre a China e o Islã
Walter Oppenheimer, Londres
UOL, 11/04/2007

Dentro de 30 anos o mundo poderá ver o renascimento do marxismo, a transformação do Irã em uma democracia cheia de vitalidade, o surgimento da China como potência econômica e militar, o aumento das tensões entre a China e o mundo muçulmano, um nível de terrorismo parecido com o atual, mas com atentados cada vez mais espetaculares, o aumento das migrações mundiais, a implantação de chips nos cérebros humanos ou a existência de armas terríveis a partir do desenvolvimento da bomba de nêutrons e o uso de máquinas não pilotadas pelo homem.

Esses são alguns cenários possíveis, embora não uma previsão, elaborados pelo Centro de Desenvolvimento, Conceitos e Doutrina do Ministério da Defesa (DCDC na sigla em inglês) do Reino Unido. É o terceiro relatório de perspectivas para 30 anos vistas pelo órgão desde 2001. Embora seja um informe oficial, não representa a posição do governo britânico, mas um documento de análise para preparar a tomada de decisões, sobretudo em termos de defesa.

O relatório estima que continuarão as mudanças provocadas pela globalização econômica. Os EUA seguirão sendo o poderio econômico e militar predominante e guardião do sistema de regras internacionais, mas haverá uma "transição possivelmente desequilibrada de um mundo unipolar para um mundo progressivamente multipolar".

A China e em menor medida a Índia constituirão parte desse sistema de pólos múltiplos. A economia chinesa vai superar a japonesa até 2020 e pesará mais que a dos EUA até 2040. "A futura direção política da China será crucial não só para sua própria expansão econômica, prosperidade e estabilidade, como para a do mundo inteiro", adverte o texto. No entanto, a China enfrenta desafios ambientais, sociais, políticos, financeiros e demográficos que "podem acabar provocando colapso econômico, instabilidade política, desordem social e tumulto, com repercussões regionais e globais".

Serão tempos de "extremismo político", talvez inclusive com o retorno do marxismo, devido à crescente vulnerabilidade das classes médias no mundo globalizado e à crescente diferença entre os muito ricos e os muito pobres.

Os avanços tecnológicos que fomentam o desenvolvimento das telecomunicações, com a explosão da Internet e a informação em tempo real, "provavelmente vão reduzir a integridade das funções editoriais, com pressões para publicar histórias, narrativas e opiniões em prejuízo dos fatos".

Em 2035 poderão ser implantados chips conectados diretamente ao cérebro, desenvolvendo-se a telepatia sintética, o que terá "óbvias repercussões militares e de segurança", além de implicações éticas e legais.

As novas tecnologias vão revolucionar e baratear o mercado de armas. O desenvolvimento de armas de nêutrons, que podem matar seres humanos sem destruir as infra-estruturas, poderá facilitar as limpezas étnicas. Vão continuar as tensões entre o mundo islâmico e o Ocidente e poderão aumentar as tensões entre o Islã e a China. O Irã, por outro lado, poderá se transformar gradualmente em "uma democracia cheia de vitalidade" na medida em que sua população jovem quiser se incorporar à globalidade e à diversidade.

Todas essas probabilidades poderão ir pelos ares se ocorrerem grandes fenômenos imprevistos, como o vulcão que destruiu a civilização minoana em 1450 a.C., a peste que assolou a Europa no século 14 ou os atentados de 11 de setembro de 2001. Esse terceiro relatório de tendências estratégicas cobre o período 2007-2036 e leva em conta as tendências em cinco aspectos: recursos, mudança social, evolução política, avanço científico e tecnológico e implicações militares. O relatório parte da premissa de que a evolução mundial será condicionada por três elementos: mudança climática, globalização e desigualdades globais. Não expressa vaticínios, mas probabilidades.

terça-feira, 10 de abril de 2007

719) Argentina: diplomacia sui-generis

Kirchner privilegia Chávez e isola a Argentina do mundo
Janes Rocha
Valor Econômico, 10/04/2007

O primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper, está planejando uma viagem pela América Latina para a metade deste ano. Será sua primeira visita oficial à região desde que foi assumiu, em janeiro passado. A agenda inclui passagens pelo Brasil, Chile, Uruguai, Colômbia e México. Ainda não está confirmado oficialmente, mas a chancelaria do Canadá cogita também uma rápida passagem pelo Haiti, segundo informou o jornal canadense "Globe and Mail". Se confirmado esse roteiro, Harper será mais um dos líderes de países industrializados a deixar a Argentina fora de seu roteiro.

Este ano já visitaram a América do Sul o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, o primeiro ministro italiano, Romano Prodi, e o presidente alemão, Horst Köhler. Nenhum deles passou por Buenos Aires. O caso de Prodi surpreende, pois a Argentina, com uma das maiores comunidades italianas no mundo, tem até um senador no Parlamento italiano.

Em 2006, o presidente francês, Jacques Chirac, visitou o Brasil e também evitou a Argentina.

O único chefe de Estado a visitar a Argentina em 2007 foi o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também o único a receber a visita do presidente argentino Nestor Kirchner recentemente. A agenda de Chávez, porém, não se destacou por assuntos bilaterais, mas pelo espetáculo financiado por seu governo no Estádio Ferrocarril, a manifestação contra a visita de Bush ao Uruguai, no mesmo dia e hora.

"Há um crescente isolamento da Argentina do sistema internacional", constata o analista de relações internacionais Jorge Castro, diretor do Instituto de Planejamento Estratégico (IPE). Para ele, esse isolamento tem a ver com a falta de um posicionamento claro frente ao exterior por parte do governo Kirchner, que sempre subordinou as decisões em matéria de política externa às necessidades da política interna.

"É isso que faz com que a Argentina mantenha um conflito de envergadura com o Uruguai [por causa da construção de uma fábrica de papel às margens do rio que separa os dois países] e também com o governo do Chile [devido à suspensão das exportações de gás]. Houve agora um agravamento do conflito com o Reino Unido pelo tema das ilhas Malvinas, algo também vinculado a uma situação de política doméstica, que é o aniversário de 25 anos da guerra", afirmou Castro.

O presidente Kirchner vem demonstrando, em seus quatro anos de mandato, que o mundo fora da Argentina lhe interessa muito pouco. Ele fez 26 viagens ao exterior desde que assumiu seu mandato, comparado ao dobro realizado pelo presidente Lula, por exemplo. E recebeu apenas cinco chefes de Estado nestes quatro anos, enquanto o presidente Lula recebeu 23.

Ficou famosa a sua desfeita ao presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, em 2005. Às vésperas de uma visita oficial de Mbeki à região, Kirchner mandou avisar que não poderia recebê-lo, obrigando-o a prolongar sua estadia no Brasil e no Chile.

O único país com o qual a Argentina mantém uma intensa relação é a Venezuela. É inegável que o presidente Hugo Chavez tem dado à Argentina um importante apoio. Obrigou o Tesouro venezuelano a comprar mais de US$ 3,6 bilhões em títulos argentinos, rejeitados no mercado internacional devido à renegociação da dívida externa de 2005.

Além disso, ajudou Kirchner com sua política de apoio a empresas argentinas, oferecendo US$ 135 milhões em empréstimos à cooperativa leiteira SanCor para que pudesse recusar uma oferta de compra do investidor George Soros. Isso sem contar acordos estratégicos na área de petróleo, gás, soja e maquinário agrícola.

Um relatório produzido pela pesquisadora Milagros López Belsué, do Centro de Estudos Nueva Mayoría, mostra que, de 2003 até agora, do total de tratados assinados pelo governo argentino com outros países, a maior quantidade (13%), proporcionalmente, foi com a Venezuela (veja quadro).

O ex-secretário geral do Ministério das Relações Exteriores da Argentina, Andrés Cisneros, esclarece que o isolamento argentino não é um fenômeno novo e tem fortes raízes culturais, que perpassam todas as tendências políticas. Desde que a relação do país como provedor da Inglaterra, entre o fim do Século XIX e a década de 1930 - que a tornou a mais rica nação da América do Sul -, a Argentina nunca mais encontrou um equilíbrio em suas relações externas, "com exceção dos anos 90" quando, segundo ele, o presidente Carlos Menem tentou reverter esse processo. "Em geral a Argentina vê uma conspiração de fora", diz Cisneros. E argumenta: "O Brasil tem com os EUA diferenças iguais ou maiores que as nossas, mas sabe quais são seus interesses. E nós temos políticas exteriores demasiado ideológicas e pouco realistas".

Este posicionamento não tem ajudado o país a resolver questões relevantes como, por exemplo, a renegociação da dívida com o Clube de Paris (que reúne 19 países do mundo industrializado). A dívida, no valor aproximado de US$ 6 bilhões, está em default desde a crise e impede que a Argentina tenha acesso a recursos dos organismos multilaterais e à cobertura das agências multilaterais de seguro de crédito à exportação.

"No caso do Clube de Paris, existe uma posição negativa da parte dos principais países integrantes desse organismo [França, Itália e Japão], que exigem que a Argentina chegue a um acordo prévio com o Fundo Monetário Internacional ou, do contrário pague a totalidade da dívida com o Clube, usando suas reservas", diz Jorge Castro.

718) Respeito ao islamismo e direitos humanos...

Brasil é criticado por se abster em votação na ONU
Jamil Chade, correspondente, Genebra
OESP, 08/04/2007

Texto contra difamação ao islamismo é alvo de ONGs na Europa e EUA

No polêmico debate sobre a liberdade da imprensa e o respeito às religiões, o Brasil opta por ficar em cima do muro. O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou resolução pedindo a proibição da difamação pública de religiões e reivindicando que a liberdade de expressão “seja exercida com responsabilidade” e, portanto, esteja “sujeita às limitações da lei”.
A proposta foi feita pelos países islâmicos e, mesmo com a oposição dos europeus, foi aprovada. O Brasil, que sofreu forte lobby dos países árabes para se unir ao projeto, preferiu a abstenção. O voto foi dado no final da semana passada, mas vem ganhando repercussão cada vez maior. Para organizações não-governamentais que combatem a resolução, os países que se abstiveram ajudaram indiretamente a aprovar a medida.
A polêmica começou em 2005, depois que um jornal dinamarquês publicou caricaturas do profeta Maomé, consideradas difamatórias por seus seguidores. A Organização da Conferência Islâmica pediu então uma resolução que tratasse do que consideram uma campanha contra a religião muçulmana. No texto, os países pedem “ações para proibir a disseminação de idéias racistas e xenófobas contra qualquer religião”.
A resolução se limita a citar apenas o islamismo, alertando para a tendência cada vez maior de “tentativas de identificar o Islã com terrorismo”. Canadá, Japão, Coréia e os governos europeus votaram contra, alegando que o texto era focado só no islamismo e incompatível com os direitos de liberdade de expressão e de pensamento.
Países árabes, Cuba, Rússia e China defenderam a aprovação. Nove países, incluindo Brasil, Argentina e Uruguai, optaram pela abstenção. No final, o texto foi aprovado por 24 votos a favor e 14 contra.

CRÍTICAS
A Human Rights Watch, que criticou a decisão, alerta que a resolução é uma ameaça aos direitos fundamentais. Para a British Humanist Association, a resolução é “perigosa”.
“Incitar a violência é sempre deplorável. Mas, em uma sociedade livre, temos de ter permissão para criticar as doutrinas e práticas religiosas, mesmo que isso ofenda as pessoas que consideram que as críticas são difamatórias”, disse Hanne Stinson, diretora da entidade britânica.
A entidade americana Freedom House alegou que “o fato de tantas democracias votarem em abstenção” é motivo de preocupação. “Não é de se surpreender que China, Rússia, Arábia Saudita, Argélia e Azerbaijão tenha votado a favor da resolução. Mas é decepcionante ver democracias como Argentina, Brasil, Gana, Índia, Nigéria e Uruguai adotando um voto de abstenção”, afirmou a diretora Jennifer Windsor.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

717) Etiqueta para listas de discussao

Como sabem, talvez, os que frequentam este blog, eu animo, por pura temeridade e inconsciência, uma lista de discussão sobre temas de relações internacionais: isto sempre permite ter acesso a um volume maior de informações e, por vezes, as discussões são animadas e interessantes e nos dão a oportunidade de aprender algo de novo.
Mas, por vezes, elas também descambam para disputas pessoais, problemas corroqueiros nas relações humanas.
Por isso, a frequentadora Aline MacCord preparou, com base em sua vasta experiencia de listas, entreveros e outros golpes de alto calão, um conjunto de regras que todos fariamos bem em ler, digerir, refletir e depois usar, nesta e em outras listas...
Ela possui 100 por cento do copyright pelo texto e pelas recomendações, que eu endosso a 150 por cento...
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com www.pralmeida.org
http://diplomatizzando.blogspot.com/

NETIQUETA DO GRUPO DIPLOMATIZANDO


Por favor leia com atenção estas simples recomendações. Elas são importantes para tornar o convívio nesta lista mais eficiente e prazeroso para todos nós. Gaste um pouco de seu tempo para economizar o de todos!
DESCRIÇÃO:
· Este fórum é composto por pessoas de diversas áreas que se interessam pela circulação de informações e discussão de temas voltados para as relações internacionais, para a política externa do Brasil e para questões de diplomacia e de política internacional de modo geral.

· O que se busca aqui é a maior informação possível, se possível isenta, sobre temas de relações internacionais, e depois um debate sério sobre os mesmos problemas, não isento, por certo, de preferências pessoais, mas sempre no maior respeito pelo "contendor" ou parceiro no dialogo.

· Expressões que buscam atingir pessoalmente algum outro membro devem ser simplesmente banidas

· Não está em causa (e não constitui objeto desta lista) as posições pessoais que seus membros possam ter a respeito de religião, política, gastronomia, futebol et cetera.

· O responsável pelo grupo é o diplomata e pesquisador Paulo Roberto de Almeida (pralmeida@mac.com). Mais informações em www.pralmeida.org.



FERRAMENTAS:
· Aprenda a usar o seu programa de email, com filtros automáticos para organizar a informação recebida. O espaço dedicado ao "Subject" ou "Assunto", é um instrumento importante para a organização das caixas postais de todos, principalmente se há um grande fluxo de mensagens.

· Preencha o Assunto (Subject) das mensagens com textos objetivos. Assim as pessoas podem decidir se a mensagem é ou não de seu interesse antes de lê-las. Mude o assunto quando a conversa tomar outro rumo.



Conteúdo:
· Mantenha-se no assunto da lista.

· Viemos aqui para debater temas de relações internacionais. Todos nós já temos pouquíssimo tempo livre, não ajude a acabar com o que dispomos. Nunca mande alertas de vírus, correntes de felicidade ou mensagens de caridade para a lista. Aliás, estas mensagens costumam ser falsas.

· Quaisquer informações de interesse geral referentes a divulgação de eventos, palestras, debates, lançamento de livros e afins são bem-vindas.
Nesse caso, recomenda-se a inclusão da palavra [INFO] no início da linha de ASSUNTO.

· Ao divulgar artigos e textos, procure adicionar também o endereço URL, a fim de identificar-se a fonte. Quando possível, cole não apenas o link, como também o texto no corpo da mensagem, pois nem todas as fontes são acessíveis a todos.

· É proibido enviar arquivos e piadas, a menos que sejam MUITO pertinentes ao assunto.
Nesse caso, recomenda-se a inclusão da palavra [FUN] no início da linha de ASSUNTO.

· Bate-papos sobre assuntos que fogem ao interesse dos outros participantes da lista devem ser tratados em particular. Isso inclui quaisquer diferenças pessoais que possam surgir entre os membros do grupo.



ETIQUETA:
· Não escreva mensagens somente com LETRAS MAIÚSCULAS.
Letras maiúsculas são entendidas como se você estivesse GRITANDO e dificultam a leitura.

· Não mande mensagens privadas para a lista.
Mande mensagens do tipo "Eu concordo", "Também quero" ou "Obrigado" apenas para a pessoa a que estiver respondendo. Quanto menos mensagens sem informação na lista, melhor ela será.

· Seja educado.
Lembre-se que existem outras pessoas do outro lado da rede, trate-as como gostaria de ser tratado. Você será (re)conhecido pelo que escreve, esta será sua imagem pública.

· Use emoticons, para realçar o tom do que estiver falando. Particularmente use o sinal :-) quando estiver brincando ou sendo irônico, isto costuma evitar mal-entendidos.

· Não reclame da ausência de determinado tema, escreva você mesmo a respeito.
Às vezes a lista pode passar muito tempo discutindo assuntos que não são de seu interesse. Em vez de reclamar, tome a iniciativa de novas discussões. No final estará contribuindo para que a lista fique mais interessante.

· Mais uma vez, lembro que NÃO SÃO ACEITOS na lista:
Ø SPAMS
Ø Piadinhas off-topic
Ø Conversas de baixo nível
Ø Brigas e discussões particulares


AJUDA:
· Visite este grupo em http://groups.google.com/group/Diplomatizando?hl=pt-BR
· O email do grupo é: Diplomatizando@googlegroups.com
· Se você quiser sair da lista, mande um email para: Diplomatizando-unsubscribe@googlegroups.com
· Tente você mesmo resolver seu problema a partir da página do Diplomatizando
· Se houver problemas, entre em contato com o administrador da lista. Não adianta enviar mensagens para a lista pedindo para solucionar algum problema que você tenha com a lista. Fale com o moderador responsável, Paulo Roberto de Almeida (pralmeida@mac.com).

· Seja elegante. Caso haja alguma queixa a respeito de outro membro do grupo, isso deve ser resolvido particularmente, afinal, somos todos adultos. Em casos mais sérios, qualquer queixa deve ser encaminhada diretamente ao moderador do grupo.

· Não tente ser o moderador informal deste grupo para que as mensagens não se multipliquem.

domingo, 25 de março de 2007

716) Bibliotecas digitais

Pequeno serviço de utilidade pública: livros no domínio público (alguns, nem tanto).

Livros digitais: algumas fontes
Retirado do site do Professor José Moreira Palazzo de Oliveira, neste link (em 25/03/2007).

Há uma série de serviços oferecendo livros digitalizados na Web. A seguir são apresentdadas algumas alternativas para o acesso à bibliografia já digitalizada. Os sites oferecem conteúdos em diferentes línguas, cabe ao usuário selecionar os mais adequados a seus interesses e capacidades linguísticas.

* O Portal de Domínio Público do Governo Brasileiro. Este portal constitui-se em um ambiente virtual que permite a coleta, a integração, a preservação e o compartilhamento de conhecimentos, sendo seu principal objetivo o de promover o amplo acesso às obras literárias, artísticas e científicas (na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já em domínio público ou que tenham a sua divulgação devidamente autorizada, que constituem o patrimônio cultural brasileiro e universal.
* (en) A Biblioteca Européia: este portal oferece acesso unificado aos acervo digitalizadao de 43 bibliotecas nacionais européias. A busca aos acervos é gratuíta, o acesso pode ser cobrado.
* (en) A Biblioteca Gutenberg: esta foi a biblioteca pioneira na área, é alimentada por voluntários que digitalizam as obras, em meados de 2006 disponibilizava 15.000 obras.
* Wikilivros: é uma proposta para a disseminação coletiva de livros didáticos. O princípio é o mesmo da Wikipedia, a editoração e a revisão colaborativa de textos.
* (en) The Open-Access Text Archive: reúne um grande conjunto de bibliotecas internacionais para a oferta de de livros digitalizados em acesso livre.

Blog do Professor Palazzo

domingo, 18 de março de 2007

715) Um pequeno alerta para os mais jovens, a respeito do socialismo do seculo XXI

Socialismo para os incautos

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

Quem diria?!: o socialismo, temporariamente aposentado e relegado a um esquecido e remoto depósito de alternativas credíveis ao velho e duro capitalismo, parece estar voltando novamente à cena, agora travestido em sua nova roupagem “do século XXI”. Ele passou a ser oferecido, sobretudo, na América Latina, terra de todos os milenarismos.
Com efeito, depois de seu brilhante fracasso no final dos anos 1980, o socialismo tinha ido fazer companhia à roca de fiar e ao machado de bronze, no museu das antiguidades, como pretendia Engels em relação ao Estado. Surpreendentemente, ele parece ensaiar um retorno triunfal nos remakes que vem sendo servidos em tom triunfalista – e a grandes doses de subsídios petrolíferos – por alguns personagens diretamente retirados dos livros de história, ainda que de épocas que se imaginavam enterradas e esquecidas.
Seu retorno em grande estilo se deve, ao que parece, aos fracassos igualmente rotundos do “neoliberalismo” na região, no decorrer das duas décadas seguintes ao desmantelamento do socialismo real na Europa do leste (e um pouco em todas as outras partes do mundo). O fato é que o velho capitalismo continuava a ser, de fato, um sistema injusto e desigual, mas ele se impunha quase que naturalmente como forma de organização econômica e social, uma vez que não tinha sobrado quase nada de alternativo e que fosse factível, nas reduzidas prateleiras do supermercado da história. Tivemos passar a consumir capitalismo, em doses maciças, de forma praticamente obrigatória.
Para alguns, a experiência de ter de aceitar compulsoriamente o capitalismo deve ter sido traumática. Os órfãos do velho socialismo – tão mais numerosos quando nunca tiveram de viver a experiência do “socialismo real” – devem estar novamente esperançosos, ao assistir os anúncios triunfalistas que são atualmente feitos em nome do novo socialismo, cujos contornos são ainda em grande parte indefinidos, mas que envolvem as fórmulas habituais de estatização e os cacoetes culturais conhecidos em torno da criação do “homem novo”, como convém aos sistemas deliberadamente messiânicos e salvacionistas. Aos velhos socialistas se juntaram vários grupos de jovens idealistas, comumente referidos como antiglobalizadores ou altermundialistas, que acreditam, em grande medida sinceramente, que o capitalismo representa, de fato, a maior soma de iniquidades possíveis de todas as formas conhecidas de organização econômica e social, entre elas as comunidades primitivas e o feudalismo medieval.
Contemplo essa “nova marcha para a frente” no sentido da “redenção da humanidade” com o olhar cético de quem já assistiu esse filme antes, inclusive por ter me engajado, em outras eras, na luta contras as iniquidades do capitalismo latino-americano e sua submissão aos ditames do imperialismo colonizador e de ter tido, na seqüência, a oportunidade de conhecer os diversos socialismos reais disponíveis nas lojas de departamento da história, a maior parte nos países do leste europeu, do início até quase o final dos anos 1970. Estou portanto habilitado a pronunciar-me por experiência própria quanto às esperanças de se ter um “novo socialismo”, desta vez sem as habituais bulas marxianas ou leninistas, apenas com roupagens e cenários que me lembram, vagamente, as fórmulas mussolinianas.
Se isto pode servir de consolo aos jovens idealistas da antiglobalização – uma vez que eu considero os “velhos órfãos” do socialismo “irreformáveis” e “intransformáveis” –, eu diria o seguinte: aqueles que hoje condenam o capitalismo por todas as suas iniquidades, provavelmente nunca conheceram suas alternativas “reais”, que eram as do socialismo de tipo soviético e suas diversas variantes, algumas delas ainda sobrevivendo ainda numa pequena ilha do Caribe e num canto remoto da Ásia. Apenas a falta de informação e uma irracional recusa em se informar, a despeito da massa de conhecimento acumulada a respeito das experiências do socialismo real podem explicar essa demanda, atualmente crescente, por um “socialismo do século XXI”.
Eu, por ter conhecido pessoalmente, se ouso dizer, todos os socialismos reais e o seu modo de funcionamento interno, posso assegurar, com toda a candura de uma alma reconciliada com as supostas iniquidades do capitalismo, que não há maior miséria moral, maiores atentados à dignidade humana, do que os regimes socialistas que existiram na face da terra até bem pouco. Posso parafrasear o que disse o poeta e revolucionário cubano José Marti dos Estados Unidos, país no qual ele se exilou temporariamente, para escapar dos opressores coloniais de sua pátria: “eu conheci as entranhas do monstro”. De fato, pude conhecer o interior da “baleia socialista” e o que vi não era nada bonito, muito pelo contrário.
O mais chocante, justamente, não eram apenas as pequenas misérias materiais, o aspecto deteriorado dos equipamentos públicos, a falta habitual de produtos de primeira necessidade, as estantes sempre vazias nos comércios, a rudeza de apresentação e o caráter tosco da maior parte dos bens e serviços oferecidos nos “mercados” socialistas, tudo isso era habitual e esperado e não me surpreendeu mais do que a decepção dos primeiros contatos. O que estava por trás de tudo aquilo era muito mais importante, pois tinha a ver, não com a simples miséria material, mas com os comportamentos sociais, com o olhar furtivo das pessoas, com a contenção da linguagem, com a retenção do pensamento, com o permanente estado de vigilância policial, em uma palavra, com a miséria moral que só os verdadeiros regimes socialistas são capazes de exibir.
Não estou me referindo aqui ao Estado policial em estado quimicamente puro, se ouso dizer, uma amostra do qual pode ser conferido na grande “biografia” do Gulag da historiadora Anne Applebaum. Não tem a ver com a repressão direta, estilo Gestapo ou NKVD, apenas com a vida cotidiana num país socialista “normal” do Leste europeu em meados dos anos 1970. Aquilo deve ter me vacinado de maneira eficaz contra minha anterior inclinação revolucionária a querer implantar o socialismo a golpes de martelo, como pretendíamos na nossa juventude de opositores do regime militar brasileiro.
Por isso, quando ouço novamente os novos cantos de sereia sobre o “socialismo do século XXI”, permito-me retrucar modestamente: vamos ficar com as modestas iniquidades materiais do capitalismo – que permitem, ainda assim, o progresso individual baseado no mérito individual e no esforço próprio – e deixar de lado as tentações totalitárias de pretender implantar a igualdade na base do autoritarismo, o que só pode conduzir às grandes iniquidades morais do socialismo.
Não existem grandes virtudes no socialismo, apenas “heróis” do povo, devidamente fabricados por ditadores pouco esclarecidos que implantam regimes muito parecidos com os sistemas fascistas existentes na Europa do entre-guerras. Por experiência própria, eu constatei que a ditadura dos medíocres – que caracteriza quase sempre os regimes socialistas – é uma coisa terrível, e a miseria daí derivada é muito superior à eventual miséria material do capitalismo...

Brasília, 1733, 18 março 2007

714) Declaracao a praca: para o mercado de dissertacoes...

Uma modesta declaração à praça para dizer que minha participação no mercado de bancas de dissertações de mestrado será feita, doravante, em doses muito bem medidas, pelas razões que exponho abaixo.

Obscuridade

“As pessoas que fazem ou falam literatura são totalmente incompreensíveis, parece-me mais um defeito da natureza do que uma virtude, mas talvez a arte tenha sido sempre condicionada por tais deficiências”
Stefan Zweig
carta a Friderike Maria von Winterniz (ex-Zweig),
em 7/12/1940, citado por Alberto Dines,
Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig
(3ª ed. ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 326.


Stefan Zweig referia-se, obviamente, aos escritores como ele, romancistas ou literatos em geral, homens de letras, no sentido amplo, cuja prosa lhe parecia pertencer a um universo de referências escondidas, de significados obscuros, cuja compreensão talvez só estivesse ao alcance de outros membros da République des Lettres, que ele evitava freqüentar, seja por comodismo ou timidez, seja por medo de entrar em polêmica a respeito de suas próprias convicções literárias ou a propósito do seu estilo literário. Ele queria ser compreendido (e amado) do grande público e por isso buscava a concisão literária, a correção na forma, a perfeição na linguagem, ademais da simplicidade no discurso, para que seu argumento atingisse o maior número. Sem deixar de ser profundo, e de fazer apelo à sua vasta cultura humanista, ele pretendia ser um escritor popular, o que requeria, obviamente, um cuidado especial com a linguagem escrita, de maneira a aproximá-la do cidadão comum, do leitor médio, do público cultivado mas não pretencioso, que refugava os maneirismos e preciosismos de linguagem de muitos dos seus colegas de pluma.
De minha parte, entendo que a frase de Zweig aplica-se ainda com maior acuidade e rigor ao trabalho dos filósofos, dos sociólogos, dos cientistas sociais em geral, cujo objeto de análise e de reflexões toca nos campos mais ou menos subjetivos da organização social, das motivações políticas, das políticas econômicas, enfim, dos assuntos humanos. Tenho encontrado, em muitos escritos de meus colegas, grandes doses de prolixidade na escrita, um desejo inconfessado de parecer sofisticado pelo rebuscamento inútil da linguagem, pela profusão nos conceitos e pela adjetivação exagerada das análises. Parece que eles acabaram de fazer um curso completo de redação obscura com um desses filósofos franceses adeptos do desconstrucionismo verbal, êmulos (talvez onconscientes) de Derrida e de Baudrillard.
Isso pelo lado bom. Pelo lado ruim, o que mais tenho encontrado, na verdade, é a simples redação deficiente, uma linguagem caótica e rebarbativa, que por sua vez revela um pensamento desorganizado, uma confusão de idéias que passa longo do que se convencionou chamar de brain storming. Pelo lado catástrófico, então, cada vez mais deparo com a miséria da escrita, com uma linguagem estropiada por incorreções gramaticais, impropriedades estilísticas, quando não barbaridades ortográficas de tal monta que seriam capazes de fazer fundir um desses corretores automáticos de computador que detectam todos os erros de digitação. Mas, mesmo depois que o perpetrador em questão aplicou o seu corretor ortográfico informático e eliminou todos os erros de digitação, ainda sobram frases incompreensíveis, expressões sem sentido, uma linguagem tortuosa e torturada que seria capaz de confundir o mais paciente revisor de estilo pago por tarefa.
A pobreza da linguagem escrita no Brasil – já nem mais falo da linguagem coloquial, irrecorrivelmente contaminada pelo dialeto televisivo das novelas e programas de auditório – tem progredido a olhos vistos, acompanhando a rápida deterioração da educação no país. Acredito que não haja mais espaço, atualmente, para aqueles programas ao vivo voltados para testar o conhecimento de concorrentes em fatos gerais da história ou em destreza na língua escrita, que premiavam verdadeiras enciclopédias ambulantes, dicionários vivos da língua pátria. Tudo isso é passado, eu sei, mas será que não se consegue, ao menos, ter pessoas que consigam escrever ao menos num Português normal, desprovido de erros primários e de barbarismos estilísticos?
Não estou falando de profissionais “normais”, mas de aspirantes a um título universitário de pós-graduação, que constitui a minha “clientela” mais freqüente. Tenho encontrado cada vez mais, nessas dissertações para as quais sou convidado para a banca julgadora, um tal volume de atentados à linguagem que penso seriamente em desistir de aceitar participação, por mais que o título ou o tema possam me atrair. Vou pedir para ver o trabalho antes de decidir se aceito ou não. Não quero ficar chocado com as barbaridades lingüisticas e os atentados à boa escrita.
Não se trata de arrogância intelectual ou elitismo lingüístico, mas uma simples questão de coerência. Uma linguagem confusa, quando não incorreta, revela, antes de tudo, confusão nas idéias, assim que ao menor sinal de impropriedade redacional pode-se estar seguro de que a qualidade intrínseca do trabalho tampouco será superior ao estilo de redação. Como não pretendo deixar nem autor nem orientador constrangidos na hora da avaliação pública do trabalho, vou desistir preventivamente de participar. Acho que é o melhor que eu tenho a fazer nesta fase de deterioração generalizada da educação no Brasil.
Fica dado o aviso. Antes de me convidar, favor revisar o Português (e as idéias também).

Brasília, 18 de março de 2007

sábado, 17 de março de 2007

713) Tendencias demograficas da humanidade...

World Population Prospects: The 2006 Revision

WORLD POPULATION WILL INCREASE BY 2.5 BILLION BY 2050;
PEOPLE OVER 60 TO INCREASE BY MORE THAN 1 BILLION

NEW YORK, 13 March 2007, United Nations Population Division
Website: http://www.un.org/esa/population/publications/wpp2006/wpp2006.htm

The world population continues its path towards population ageing and is on track to surpass 9 billion persons by 2050, as revealed by the newly released 2006 Revision of the official United Nations population estimates and projections.

The results of the 2006 Revision -- which provide the population basis for the assessment of trends at the global, regional and national levels, and serve as input for calculating many key indicators in the United Nations system -- incorporate the findings of the most recent national population censuses and of the numerous specialized population surveys carried out around the world.

According to the 2006 Revision, the world population will likely increase by 2.5 billion over the next 43 years, passing from the current 6.7 billion to 9.2 billion in 2050. This increase is equivalent to the total size of the world population in 1950, and it will be absorbed mostly by the less developed regions, whose population is projected to rise from 5.4 billion in 2007 to 7.9 billion in 2050. In contrast, the population of the more developed regions is expected to remain largely unchanged at 1.2 billion, and would have declined, were it not for the projected net migration from developing to developed countries, which is expected to average 2.3 million persons annually&..

Summary Tables (em Excel)
Highlight: Population Ageing(pdf)
Fact Sheets: World Population Ageing(pdf)
Data online

quarta-feira, 14 de março de 2007

712) Bernard Lewis e o terrorismo jihaidista...

Do boletim da Foundation for the Defense of Democracies
FDD Update, 13 March 2007:

INTELLECTUAL LEADER: Last Wednesday, Bernard Lewis was given the Irving Kristol Award by the American Enterprise Institute. On Thursday morning, the Committee on the Present Danger hosted him at the U.S. Capitol where he spoke to members and staff of the new Senate and House Anti-Terrorism Caucuses.

Professor Lewis is arguably -- no, indisputably -- the world's most distinguished scholar of Islam and the Middle East. (Despite that -- or rather because of it -- he has been excluded and disdained by MESA, the Middle East Studies Association, which dominates on college campuses throughout the United States.)

A few of the key points Professor Lewis made last week:
America and other free societies "confront a dedicated and dangerous adversary" engaged in what it sees as a historic conflict for the global supremacy of Islam.

We need to be concerned about the threats emanating from both Iran and Saudi Arabia; al-Qaeda is "Wahhabi in inspiration."

Iran's rulers cannot be deterred. Mahmoud Ahmadinejad is serious about his religious convictions: Because of that, he sees the possibility of "mutual assured destruction" not as a deterrent "but as an inducement."

Speaking both as a historian and someone old enough to recall the late 1930s, Professors Lewis said too many politicians today display "the spirit of Munich -- a refusal to acknowledge the danger we face and a belief that through accommodation we can avoid conflict." He added: "I look around and I see more Chamberlains than Churchills."

Professor Lewis sees the use of military force against Iran as only a very last resort. Much better if we can manage to replace an "apocalyptical villain with merely a pragmatic villain."

Women in Muslim countries are given less education which really means less indoctrination; therefore they may have more capacity for independent thinking. For that reason, women "may be the last, best hope of the Islamic world."

Oil is a potent source of power for the regimes that rule Saudi Arabia and Iran. How do we deal with it? "By finding other sources of energy."

Professor Lewis observed that our enemies have a number of advantages: zeal, certitude and demography among them. On our side, we have freedom. Which will prove powerful? That, I would say, is the great question to be answered in the 21st century.