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terça-feira, 10 de março de 2020

Meu próximo livro: Um contrarianista na academia - Paulo Roberto de Almeida

Um contrarianista na academia
ensaios céticos em torno da cultura universitária

Paulo Roberto de Almeida

Índice

Prefácio

Primeira Parte
Brasil: história, economia, política e diplomacia
1. O que Portugal nos legou? Um balanço de duzentos anos
2. Prometeu acorrentado: o Brasil amarrado por sua própria vontade
3. Pequeno manual prático da decadência
4. A grave crise da governança no Brasil
5. Os doze trabalhos da boa governança
6. Dez regras modernas de diplomacia

Segunda Parte
Economia brasileira e internacional: sucessos e fracassos
7. Dois casos de sucesso econômico: o anão irlandês e o dragão chinês
8. Colapso! Prevendo a decadência econômica brasileira
9. Uma verdade inconveniente: o medíocre crescimento do Brasil
10. O mito do colonialismo como causador de subdesenvolvimento
11. O mito do complô dos países ricos contra o desenvolvimento dos países pobres

Terceira Parte
Globalização: verso e reverso
12. A globalização e seus benefícios: um contraponto ao pessimismo
13. A globalização e seus descontentes: um roteiro sintético dos equívocos
14. A globalização “perversa” e as políticas econômicas nacionais

Quarta Parte
Questões estratégicas no cenário global
15. A OTAN e o fim da Guerra Fria: o novo cenário estratégico
16. O poder e a glória: assimetrias de poder no sistema internacional
17. As roupas novas do Império: 21 teses sobre o mundo americano
18. Um outro mundo possível: a Alemanha, antes e depois do muro de Berlim

Quinta Parte
Ideias, cultura, academia
19. Rumo a um novo Apartheid? Sobre a ideologia afrobrasileira
20. A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos
21. Sobre a intolerância de fundo religioso
22. A economia política do intelectual
23. Estaria a imbecilidade humana aumentando?
24. A resistível decadência do marxismo teórico e do socialismo prático
25. Elogio da burguesia (com uma deixa para a aristocracia também)
26. A ignorância letrada: ensaio sobre a mediocridade acadêmica
27. Formação de uma estratégia diplomática: relendo Sun Tzu
28. Miséria da academia: uma crítica à academia da miséria


Apêndices
Livros publicados pelo autor                                                                                            
Nota sobre o autor                                                                                                             

Dez Regras Modernas de Diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Dez Regras Modernas de Diplomacia

 Paulo Roberto de Almeida

Apreciador de velhos manuscritos e de tudo o mais que se refira à história diplomática, passei bons momentos lendo um velho livro português sobre “regras de diplomacia”. Trata-se de um opúsculo hoje démodé (mas provavelmente um utilíssimo manual para meus antecessores do Oitocentos), cujo autor, um diplomata monárquico português da segunda metade do século XIX, Frederico Francisco de la Figanière, o intitulou modestamente Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881).
O prazer me foi dado não tanto pelo enunciado, aliás pouco extensivo, das ditas quatro regras de diplomacia – manifestamente desadaptadas à diplomacia do século XXI – mas mais exatamente pelos seus saborosos anexos históricos, uma “colecção de modelos das principaes especies de escriptos diplomaticos”, entre elas cartas da época do tratado de Utrecht (1713), um protesto contra a violação de imunidades no período da Revolução francesa (o pobre enviado português à corte de Luís XVI jogado à prisão, como um reles conspirador aristocrata), além de outros “escriptos” do Congresso de Viena ou relativos ao Brasil imperial. Segundo Figanière, “Dos diversos ramos do serviço público, o diplomático é sem dúvida aquele em que ao agente é concedida maior liberdade no modus operandi” (p. 9), o que, se era correto em sua época de comunicações lentas e precárias, há muito deixou de corresponder à realidade de uma diplomacia cada vez mais enquadrada de perto, não apenas pela Secretaria de Estado – com a qual estamos em contato praticamente 24 horas do dia –, mas seguida com atenção pela imprensa, pelos grupos de interesse e, agora também, pelas hordas de antiglobalizadores conectados às redes internauticas de uma aldeia decididamente global.
Enfim, quais eram essas regras que apareciam como um imperativo moral, quase que de ordem kantiana, ao colega lusitano de mais de um século atrás? Elas eram o objeto de quatro curtos capítulos de observações e de recomendações a eventuais candidatos à carreira diplomática:
I.           Agradar;
II.         Ser leal;
III.       Antepor a palavra à pena;
IV.       Ter concisão e ordem no redigir.

Como se vê, nada de muito esclarecedor ou propriamente entusiasmante, para a prática atual, a não ser talvez a última das regras, que vinha com uma advertência ainda válida para os tempos que correm: “O estilo prolixo e difuso é um defeito que cumpre evitar nas composições diplomáticas” (p. 70). Dois pontos para nosso antecessor português, pois que ele também achava que, de todos os deveres, o primeiro era o de bem servir a pátria, algo que não custa relembrar atualmente (e de modo permanente).
Deixo de lado as regras relativas a agradar e ser leal (ao seu real senhor, ora pois), mais adequadas talvez à “época das cabeleiras empoadas, dos peitilhos de renda, dos passeios em cadeirinhas, (ou) da pena de pato, aparada entre boas pitadas de rapé”, nas palavras de outro antecessor meu da belle époque, José Manuel Cardoso de Oliveira (in A moderna concepção da diplomacia e do comércio, 1925). A terceira regra, a rigor, também apresenta sua utilidade, uma vez que ainda costumamos tratar oralmente de algum assunto importante, antes de oficializá-lo mediante uma nota diplomática ou um aide-mémoire. Em todo caso, inspirado no exemplo do ilustre representante da diplomacia lusa de tão saudosa memória – ela foi, com toda a sua habilidade no navegar entre os interesses  sempre divergentes dos principais poderes europeus, a base de nossa diplomacia imperial, reconhecidamente excelente para os padrões da época, mesmo em escala comparativa com outros países mais avançados economicamente –, resolvi arriscar, igualmente, formular minhas próprias regras modernas de diplomacia, esperando que elas possam ser bem recebidas por meus colegas de profissão mais jovens. Aqui vão elas, em formato reduzido, geralmente mais pensadas em função do ambiente multilateral, que é o comum na vida atual da diplomacia, do que para situações de relações bilaterais.

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.

O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada – mesmo se em política externa isto seja mais raro – por considerações “partidárias” de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.

2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.

Esta é uma regra absoluta, que deve ser autoassumida obviamente: numa Secretaria de Estado ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que você terá o controle dos temas que lhe forem atribuídos, mas que redigirá igualmente as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente maior do que o do próprio ministro de estado ou o chefe do posto. Mergulhe, pois, nos dossiês, veja antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao seu desempenho funcional), percorra as estantes da biblioteca para livros históricos e gerais sobre a questão, formule perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, mantenha correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na secretaria de estado), enfim, prepare-se como se fosse ser sabatinado no mesmo dia.

3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às ideias recebidas e às “verdades reveladas”.

Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo “amadurecido” há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto.

4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.

Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar os argumentos da parte adversa também contribui para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética — isto é, sem negativismos inconsequentes — ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.

5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.

Os puristas do direito e os partidários da “razão jurídica” hão de me perdoar a deformação “economicista”, mas os tratados internacionais devem muito pouco aos sacrossantos princípios do direito internacional, e muito mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo “humanitário”, mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente — às vezes de forma ambígua — aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos. Portanto, não lamente o estilo “catedral gótica” de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.

6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.

A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas “afinidades eletivas” que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, “mais engajado”, em lugar de outro, supostamente mais “neutro”. Poucos acreditam no “caráter de classe” da diplomacia, mas eventualmente militantes “classistas” gostariam de ajudar na “inflexão” política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante.

7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.

O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado – embora atualmente outras forças sociais, como as ONGs e os homens de negócio, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos – mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo “vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros”, o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você “convence” as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda.

8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.

Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorandum, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais. Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.

9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporativista, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.

Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando um certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais “sábios” e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma “autoridade superior” ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporativista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de “espaço burocrático” mais definidas em função de um sistema de “castas” do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções designadas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.

10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.

A performance profissional é importante, mas ela não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente, seja no esporte, seja no terreno da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser apenas um “burocrata alienado”, voltado exclusivamente para as lides diplomáticas. Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se “sentem” sinceramente diplomatas, outros apenas “estão” diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.

domingo, 8 de março de 2020

Alta do dólar: uma explicação racional - André Rocha (Valor Investe)

Avaliar como fracasso econômico a alta do dólar 
Valor Investe — RIO
Blog do André Rocha, 06/03/2020 08h09 
Chovem análises, manchetes e comentários sobre a recente valorização do dólar em relação ao real. O discurso da oposição é o de que recursos estrangeiros fogem do país em decorrência da falta de confiança no governo brasileiro. Será?
O câmbio é afetado por diversas variáveis especialmente a política fiscal, a relação de troca com os parceiros comerciais e o diferencial de juros domésticos em relação aos praticados no exterior. Todas elas têm contribuído para apreciar o dólar frente ao real.
Estamos acostumados a considerar que o avanço do dólar é sinônimo de crise econômica. Esse é o nosso modelo mental. Historicamente, o Brasil contava com poucas reservas. Assim, em momentos nos quais o preço dos nossos produtos de exportação sofria, tínhamos déficits na balança comercial o que empurrava para cima o preço do dólar a fim de ajustá-la. Isso ocorreu por diversas vezes na história seja por causa do preço da saca de café no passado ou do preço do minério de ferro ou da soja mais recentemente. Ficou famosa a frase: Nova Iorque espirra e o Brasil pega pneumonia.
As nossas eternas crises fiscais eram outra causa para a subida do preço do dólar. A elevação do endividamento levava ao aumento do risco país o que empurrava o câmbio para cima.
A razão para a escalada do dólar agora é outra. E tem algumas razões benéficas. Prova disso é que o risco país não tem subido ao contrário de outras épocas.

Efeitos sobre o câmbio derivado de uma política fiscal consistente

A perspectiva de um orçamento público mais equilibrado com a aprovação da Reforma da Previdência e o teto dos gastos tem como efeito a redução da taxa de juros interna. Com isso, reduz a diferença entre os juros domésticos e o externo, tornando desinteressante a estratégia do “carry trade”. O que é isso? Investidores pegavam emprestado recursos no exterior para aplicar nas altas taxas proporcionadas pelos títulos públicos brasileiros, ganhando a diferença. Essa enxurrada de dólares que entrava no país valorizava nossa moeda. Com os juros baixos, os recursos especulativos rarearam, impulsionando o dólar.
Outro ponto menos comentado de uma política fiscal mais agressiva é o de que o consumo maior do governo reduz a poupança privada (S1). Com isso, a demanda por produtos importados diminui o que pressiona menos o câmbio. É necessário menos dólares na economia para adquirir esses produtos. Com isso, o real fica mais apreciado (câmbio em Q1) em relação ao ponto inicial Q. A situação agora se inverteu. A perspectiva da redução dos gastos públicos deve levar a expansão da demanda por produtos importados (aumento da poupança para S2). Como se precisam de mais dólares para essas compras, a moeda americana fica pressionada (câmbio vai para Q2). CC representa a reta de transações correntes.
Sabia-se que o “carry trade” e a política fiscal frouxa valorizavam o real, mas os economistas não tinham noção da magnitude. Em recente entrevista ao Valor, Mário Mesquita, economista do Itaú, comentou a dificuldade de prever o câmbio nesse novo cenário mais benigno: “Nosso modelo, baseado em fundamentos, aponta um nível mais próximo de R$ 4 do que de R$ 4,40, mas ele não tem funcionado tão bem para prever o câmbio. Os modelos funcionam muito melhor em economias que não tem transformação estrutural, que é o que temos agora”.

Efeitos sobre o câmbio derivado da queda do preço dos commodities

Além disso, a moeda brasileira possui relação negativa com o preço das commodities. Como assim? Quanto mais alto o preço das commodities, menor o dólar em relação ao real e vice versa. Isso ocorre porque nossa pauta exportadora é muito focada em commodities. Como Marcelo D’Agosto mostrou em sua coluna, a situação recente tem sido de queda do preço das commodities o que explica o avanço do dólar para "compensar" essa perda no preço dos produtos.

Efeitos sobre o câmbio derivado da desaceleração econômica mundial

Por fim, o dólar acaba se beneficiando quando surgem receios em relação à desaceleração econômica mundial, pois os investidores migram para ativos seguros. E não faltaram riscos esse ano: guerra comercial entre EUA e China e o coronavírus. Essa é a principal causa da elevação recente do dólar para níveis acima de R$ 4,50.
Esse dólar mais apreciado em decorrência, em grande parte, de aspectos positivos – fim do “carry trade” e uma política fiscal mais equilibrada – pode ajudar nossa indústria, pois facilita as exportações e torna o produto do competidor estrangeiro menos atrativo. Isso em termos microeconômicos. Em termos macroeconômicos, as reservas podem ser vendidas a um preço maior, gerando recursos para reduzir o endividamento o que tende a reduzir ainda mais o nível de juros. Até os “desenvolvimentistas” acreditam que o nível de reservas é elevado, pois o programa de Fernando Haddad, candidato do PT, propunha usá-las. Se agora criticar essa operação, mudou de opinião.
O risco é o de a depreciação cambial elevar a inflação. Mas isso não é uma preocupação imediata devido à capacidade ociosa.
Os políticos de esquerda suportados por economistas heterodoxos sempre defenderam um câmbio depreciado. Como podem criticar agora o câmbio que chegou no patamar que eles sempre desejaram, mas nunca conseguiram obtê-lo devido a fragilidade fiscal que temiam em atacar? E o melhor: chegou pelas razões corretas, sem intervencionismos governamentais ou invencionices. O real agora pode estar momentaneamente em um pico de desvalorização devido ao coronavírus. Mas a realidade é termos um dólar mais alto. A gente estranha porque a farra fiscal durou décadas. E nosso atalho mental associa dólar alto à crise. É preciso ajustar como pensamos.
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sábado, 7 de março de 2020

Venezuela: retirada do pessoal não ajuda nada - Felippe Ramos


Fechar embaixada em Caracas seria erro

Brasil ficaria isolado de contatos diretos com as lideranças opositoras
O governo Bolsonaro avalia reduzir a rede diplomática e consular na Venezuela, o que incluiria, segundo a imprensa, o fechamento da embaixada do Brasil em Caracas. A decisão estaria alinhada com a orientação de isolar o regime de Nicolás Maduro. No entanto, as consequências seriam diversas às pretendidas. 
Primeiro, sem a presença de um corpo diplomático protegido por convenções internacionais, o próprio governo brasileiro seria isolado de contatos diretos com as lideranças opositoras. Isso reduziria a qualidade e a velocidade de nosso acesso a informações estratégicas e a nossa capacidade de intervir através de negociações com múltiplos atores dos vários lados da disputa. 
Em segundo lugar, a embaixada é um espaço que pode servir de abrigo para lideranças opositoras ameaçadas. Leopoldo López, por exemplo, refugiou-se na residência do embaixador espanhol para fugir da prisão domiciliar que reputava injusta. Em abril de 2019, a embaixada do Brasil em Caracas concedeu asilo a 25 militares venezuelanos que desertaram das fileiras das Forças Armadas controladas por Maduro. Sem embaixada, esse tipo de proteção não existiria, o que reduziria nossa capacidade de intervenção e deixaria os opositores mais desprotegidos. 
Finalmente, uma embaixada oferece uma ampla gama de possibilidades de ações estratégicas. Através do envio de adidos das Forças Armadas e das agências estatais, um país pode realizar atividades de inteligência e manter contatos inclusive com o regime inimigo, o que é fundamental para evitar erros de cálculo na dosagem das ações. 

A lógica das relações internacionais e da geopolítica é complexa e, por vezes, contraintuitiva. Na verdade, para obter resultados alinhados à sua orientação, o governo deveria fortalecer sua posição diplomática em Caracas. Atuar contra o regime Maduro exige mais, e não menos, engajamento e investimento. Quanto maior a crise com um país vizinho estrategicamente importante, mais o contato protegido por imunidades diplomáticas se torna necessário. 
Alcançar resultados concretos depende da avaliação pragmática do cenário e da capacidade de mudar o rumo das ações em busca da maior eficiência. Juan Guaidó, o presidente da Assembleia venezuelana a quem o Brasil reconhece como presidente do país, não conseguiu substituir Maduro e não há sinais de que conseguirá no curto prazo. A estratégia do Brasil não pode limitar-se a apoios e atos simbólicos.
Em termos concretos, a presença de diplomatas e oficiais de inteligência permitiria entender as divisões internas do regime e manter contato com possíveis insiders insatisfeitos com Maduro. Permitiria, também, buscar fortalecer a oposição interna e antever novos líderes. Simultaneamente, a presença brasileira no país nos deixaria mais bem posicionado como stakeholder para dialogar com potências que sustentam o regime e às quais temos acesso privilegiado através do Brics. Hoje, a Rússia fornece apoio militar e político e a China e a Índia dão apoio financeiro e comercial para a Venezuela. Seria possível, ainda, ser o braço que os Estados Unidos não podem ter dentro do país, aproveitando positivamente o alinhamento com o presidente Donald Trump para potencializar nossa projeção. 
Por último, às vezes é preciso cooperar até mesmo com o inimigo quando há ameaças comuns a ambos. O país vizinho ainda não teve casos publicamente registrados de infectados pelo novo coronavírus. Mas a propagação mundial da doença nos permite prever que a possível chegada dessa ameaça à Venezuela teria consequências catastróficas, devido às condições precárias de saúde da população e da incapacidade do governo de lidar com a crise humanitária já instalada. Ajudar a população venezuelana em seu próprio país reduziria os efeitos da migração descontrolada de infectados em busca de apoio médico no Brasil.
Trabalhei três anos em Caracas em cooperação com a Embaixada do Brasil e os contatos se tornaram mais importantes justamente quando começou a haver crise na relação bilateral. A experiência e os livros ensinam que fechar a embaixada seria uma decisão equivocada. Ainda há tempo para tomar a decisão correta. 
Felippe Silva Ramos é professor de Relações Internacionais da Universidade Salvador e foi pesquisador da missão do Ipea em Caracas entre 2012 e 2014

Venezuela: retirada do pessoal diplomático é "sem precedentes"- Rubens Barbosa

Excelente entrevista do embaixador Rubens Barbosa sobre a retirada TOTAL do pessoal diplomático e administrativo de TODOS os postos – embaixada, consulado geral, vice-consulados – do Brasil na Venezuela.
Como disse o embaixador Rubens Barbosa, a medida é "SEM PRECEDENTES". 
Eu acrescentaria: "sem precedentes e SEM EXPLICAÇÕES", pois equivale a uma "ruptura de relações de governo a governo", sem ser uma ruptura de relações diplomáticas, tal como regulada pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.
Ou seja, não houve comunicação por nota ao governo Maduro – com o qual o governo Bolsonaro não mantém relações, mas é o que controla de fato toda a jurisdição da Venezuela, e isto é critério para saber qual governo manda no país, independentemente de seu status, se democracia eleita, se ditadura não declarada, e sempre foi o critério seguido nas relações internacionais – e sequer houve comunicação interna, no Brasil, sobre uma medida excepcional, que equivale, para todos os efeitos, a uma ruptura de relações diplomáticas, sem o ser formalmente.
Não existe sequer uma nota, entrevista, explicação da chancelaria brasileira a gesto tão inusitado nas relações exteriores do Brasil, sem precedentes em nossos anais diplomáticos, e sem qualquer explicação ou elaboração a respeito, por parte do governo ou da chancelaria.
Tenho minhas especulações sobre a medida, mas vou aguardar alguns dias – ou talvez a visita de Bolsonaro a Trump – para formular meus argumentos sobre o caso.
Infelizmente, não consegui acesso à versão digital da matéria no Estado de S. Paulo desta sexta-feira 6/03/2020 (por incrível que pareça, o Clipping nacional do Itamaraty parou na TERÇA-FEIRA 3/03/2020, sem qualquer explicação sobre as lacunas de informação). 
Paulo Roberto de Almeida

Atos publicados no Diário Oficial da União de 05/03/2020
PORTARIAS DE 4 DE MARÇO DE 2020
MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, de acordo com o disposto no art. 18, parágrafo 3°, do Decreto n° 93.325, de 1° de outubro de 1986, resolve:
Remover ex officio ELZA MOREIRA MARCELINO DE CASTRO, ministra de primeira classe do Quadro Especial da carreira de Diplomata do Ministério das Relações Exteriores, do consulado-geral do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, de acordo com o disposto no art. 18, inciso II, do Decreto n° 93.325, de 1° de outubro de 1986, e nos termos da Lei n° 11.440, de 29 de dezembro de 2006, resolve:
Remover ex officio FRANCISCO CHAVES DO NASCIMENTO FILHO, conselheiro do Quadro Especial da carreira de Diplomata do Ministério das Relações Exteriores, do consulado do Brasil em Ciudad Guayana para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio CARLOS LEOPOLDO GONÇALVES DE OLIVEIRA, conselheiro da carreira de Diplomata do Ministério das Relações Exteriores, da embaixada do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio RODOLFO BRAGA, conselheiro da carreira de Diplomata do Ministério das Relações Exteriores, da embaixada do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
ERNESTO ARAÚJO
PORTARIAS DE 4 DE MARÇO DE 2020
SECRETÁRIA DE GESTÃO ADMINISTRATIVA, conforme o disposto na Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006; de acordo com o art. 24, § 3º, da Lei nº 8.829, de 22 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.565, de 21 de julho de 1995, e de conformidade com a Portaria de delegação de competência publicada no Diário Oficial da União de 26 de junho de 1996, resolve:
Remover ex officio ANA MARIA FRAZÃO GOMES, assistente de chancelaria, classe C, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, da embaixada do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio LEILA FARIAS SANTOS, assistente de chancelaria, classe E, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, da embaixada do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio VANDERLI PEREIRA DA SILVA, assistente de chancelaria, classe C, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, do consulado-geral do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio JUCIELMO ABREU PEREIRA, assistente de chancelaria, classe E, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, do consulado-geral do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio LEOPOLDO SOARES CAMPOS, assistente de chancelaria, classe E, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, do consulado do Brasil em Ciudad Guayana para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio HÉLIO DE ARAÚJO LOBO, oficial de chancelaria, classe E, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, do vice-consulado do Brasil em Puerto Ayacucho para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio EWERTON LUIZ SILVA DE OLIVEIRA, oficial de chancelaria, classe C, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, do vice-consulado do Brasil em Santa Elena do Uairen para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio MANOEL MOREIRA DA SILVA, assistente de chancelaria, classe E, padrão V, do Ministério das Relações Exteriores, do vice-consulado do Brasil em Santa Elena do Uairen para a Secretaria de Estado.
SECRETÁRIA DE GESTÃO ADMINISTRATIVA, conforme o disposto no art. 58 da Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006; e de acordo com a Portaria de delegação de competência publicada no Diário Oficial da União de 26 de junho de 1996, resolve:
Remover ex officio EDEILDE PEREIRA GUIMARÃES, agente administrativa, classe E, padrão III, do Quadro Permanente de Pessoal do Ministério das Relações Exteriores, da embaixada do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio MARIA LÍDIA MACHADO DE FREITAS, administradora, classe E, padrão III, do Quadro Permanente de Pessoal do Ministério das Relações Exteriores, da consulado-geral do Brasil em Caracas para a Secretaria de Estado.
Remover ex officio ANTONIO ALVES BEZERRA, agente administrativo, classe E, padrão III, do Quadro Permanente de Pessoal do Ministério das Relações Exteriores, do consulado do Brasil em Ciudad Guayana para a Secretaria de Estado.
CLÁUDIA FONSECA BUZZI