O governo Bolsonaro avalia reduzir a rede diplomática e consular na Venezuela, o que incluiria, segundo a imprensa, o fechamento da embaixada do Brasil em Caracas. A decisão estaria alinhada com a orientação de isolar o regime de Nicolás Maduro. No entanto, as consequências seriam diversas às pretendidas.
Primeiro, sem a presença de um corpo diplomático protegido por convenções internacionais, o próprio governo brasileiro seria isolado de contatos diretos com as lideranças opositoras. Isso reduziria a qualidade e a velocidade de nosso acesso a informações estratégicas e a nossa capacidade de intervir através de negociações com múltiplos atores dos vários lados da disputa.
Em segundo lugar, a embaixada é um espaço que pode servir de abrigo para lideranças opositoras ameaçadas. Leopoldo López, por exemplo, refugiou-se na residência do embaixador espanhol para fugir da prisão domiciliar que reputava injusta. Em abril de 2019, a embaixada do Brasil em Caracas concedeu asilo a 25 militares venezuelanos que desertaram das fileiras das Forças Armadas controladas por Maduro. Sem embaixada, esse tipo de proteção não existiria, o que reduziria nossa capacidade de intervenção e deixaria os opositores mais desprotegidos.
Finalmente, uma embaixada oferece uma ampla gama de possibilidades de ações estratégicas. Através do envio de adidos das Forças Armadas e das agências estatais, um país pode realizar atividades de inteligência e manter contatos inclusive com o regime inimigo, o que é fundamental para evitar erros de cálculo na dosagem das ações.
A lógica das relações internacionais e da geopolítica é complexa e, por vezes, contraintuitiva. Na verdade, para obter resultados alinhados à sua orientação, o governo deveria fortalecer sua posição diplomática em Caracas. Atuar contra o regime Maduro exige mais, e não menos, engajamento e investimento. Quanto maior a crise com um país vizinho estrategicamente importante, mais o contato protegido por imunidades diplomáticas se torna necessário.
Alcançar resultados concretos depende da avaliação pragmática do cenário e da capacidade de mudar o rumo das ações em busca da maior eficiência. Juan Guaidó, o presidente da Assembleia venezuelana a quem o Brasil reconhece como presidente do país, não conseguiu substituir Maduro e não há sinais de que conseguirá no curto prazo. A estratégia do Brasil não pode limitar-se a apoios e atos simbólicos.
Em termos concretos, a presença de diplomatas e oficiais de inteligência permitiria entender as divisões internas do regime e manter contato com possíveis insiders insatisfeitos com Maduro. Permitiria, também, buscar fortalecer a oposição interna e antever novos líderes. Simultaneamente, a presença brasileira no país nos deixaria mais bem posicionado como stakeholder para dialogar com potências que sustentam o regime e às quais temos acesso privilegiado através do Brics. Hoje, a Rússia fornece apoio militar e político e a China e a Índia dão apoio financeiro e comercial para a Venezuela. Seria possível, ainda, ser o braço que os Estados Unidos não podem ter dentro do país, aproveitando positivamente o alinhamento com o presidente Donald Trump para potencializar nossa projeção.
Por último, às vezes é preciso cooperar até mesmo com o inimigo quando há ameaças comuns a ambos. O país vizinho ainda não teve casos publicamente registrados de infectados pelo novo coronavírus. Mas a propagação mundial da doença nos permite prever que a possível chegada dessa ameaça à Venezuela teria consequências catastróficas, devido às condições precárias de saúde da população e da incapacidade do governo de lidar com a crise humanitária já instalada. Ajudar a população venezuelana em seu próprio país reduziria os efeitos da migração descontrolada de infectados em busca de apoio médico no Brasil.
Trabalhei três anos em Caracas em cooperação com a Embaixada do Brasil e os contatos se tornaram mais importantes justamente quando começou a haver crise na relação bilateral. A experiência e os livros ensinam que fechar a embaixada seria uma decisão equivocada. Ainda há tempo para tomar a decisão correta.
Felippe Silva Ramos é professor de Relações Internacionais da Universidade Salvador e foi pesquisador da missão do Ipea em Caracas entre 2012 e 2014