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terça-feira, 15 de agosto de 2017

A dimensão diplomatica no pensamento economico de Roberto Campos - Paulo Roberto de Almeida

Este foi o primeiro trabalho que fiz, ao correr da pena, ou direto no teclado, sobre o Roberto Campos, preparatório a todos os demais trabalhos feitos em 2017, e que resultaram nas colaborações a dois livros, um que eu próprio organizei, este aqui: 

Paulo Roberto de Almeida (org.), O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Editora Appris, 2017, 373 p.; ISBN: 978-85-473-0485-0)


com dois capítulos, ademais de outros acréscimos editoriais: 
“Roberto Campos: o homem que pensou o Brasil” [Introdução], pp. 19-33 
 e “Roberto Campos: uma trajetória intelectual no século XX”, pp. 203-355

e este outro, com o qual colaborei nada menos do que três vezes, ou seja três capítulos distintos:
Ives Gandra da Silva Martins e Paulo Rabello de Castro (orgs.), Lanterna na Proa: Roberto Campos ano 100 (São Luís, MA: Resistência Cultural Editora, 2017, 344 p; ISBN: 978-85-66418-13-2) 


“Bretton Woods: o aprendizado da economia na prática”,  pp. 52-56
“Fundando um banco de desenvolvimento: o BNDE”,  pp. 71-74
 “Roberto Campos: receita para desenvolver um país”,  p. 245-248

O trabalho foi feito sem consulta a fontes, apenas destacando o que eu mesmo conhecia das atividades de Roberto Campos, pela leitura anterior de suas Memórias, ou de outros textos. Eu ainda não tinha buscado todos os seus livros, os quais li, ou reli, nos dois primeiros meses de 2017.
Este aqui foi escrito improvisadamente em meados de novembro de 2016.
Paulo Roberto de Almeida 


A importância da dimensão diplomática no pensamento econômico e na atividade pública de Roberto Campos

[Notas preliminares]

Todos os homens públicos chamados a exercer funções executivas pela via do  mandato popular, e mesmo tecnocratas guindados a posições de igual responsabilidade sem dispor necessariamente de um mandato político, moldam suas ações e decisões por meio de uma combinação variável entre formação teórica – geralmente de tipo acadêmico, mas também resultante de uma educação qualquer – e experiência prática, ou seja, aquela que se adquire ao longo da vida, no contato com a máquina pública ou com atividades no setor privado. Os polos inevitáveis de qualquer ação governamental são justamente constituídos pelo relacionamento complexo entre esses três fatores: uma formação teórica do indivíduo chamado a desempenhar funções públicas, o peso das atividades produtivas, que são majoritariamente dominadas, nas economias de mercado, por empresários privados, e a própria atividade governamental, que é representada pelo ambiente regulatório criado pelo Estado para enquadrar essas atividades privadas.
Roberto Campos não foi, provavelmente, o primeiro, ou o único, membro do Serviço Exterior brasileiro dotado de formação econômica que tivesse desempenhado funções importantes na burocracia pública, ao longo da República de 1946 e, depois, durante o regime militar, e mesmo mais além. Mas ele foi certamente um dos poucos, senão o único, economista de formação que tenha se beneficiado de suas atividades enquanto agente diplomático para moldar suas ações e decisões de cunho econômico enquanto exercendo funções públicas de relevo, ao longo desses diferentes regimes políticos, que se estendem de meados dos anoso 1940 até praticamente o final do século 20. Essa rara combinação de sólida formação teórica, no campo da economia, com a experiência prática adquirida na diplomacia, e seu envolvimento em conferências diplomáticas em momentos decisivos da formulação e implementação da ordem econômica mundial que, de certa forma, ainda é a nossa – qual seja, o universo conceitual e organizacional de Bretton Woods e do sistema multilateral de comércio – permitiu que Roberto Campos combinasse essa expertise nascida do estudo da economia com a vivência real em instâncias definidoras da estrutura contemporânea da economia mundial para exercer seus talentos na burocracia pública o com brilho invulgar que sempre o caracterizou, e que o marcaram como um dos homens públicos que mais influência exerceram tanto sobre o ambiente regulatório brasileiro dessas décadas, quanto sobre o próprio debate público na área econômica (e até política), ou seja, sobre o pensamento econômico brasileiro da segunda metade do século 20 (e de certa forma ainda hoje). Ele se coloca naquela categoria de pensadores levados ocasionalmente a se desempenhar em funções públicas, capazes, assim, de exercer tremendo impacto sobre as ações e as concepções de muitos outros homens públicos, e mesmo sobre a sociedade em geral.
Numa comparação talvez exagerada, Roberto Campos poderia ser equiparado a homens da estatura de George Kennan, nos Estados Unidos, ou da de Raymond Aron, na França, ou seja, cidadãos dotados dessa rara combinação de conhecimento derivado do estudo e de uma grande experiência de vida obtida na convivência direta com momentos decisivos da história mundial – as duas grandes guerras da primeira metade do século, a depressão econômica, a emergência do socialismo como força mundial, a reconstrução econômica das democracias de mercado, a Guerra Fria e a descolonização, a inserção dos países em desenvolvimento na ordem mundial – e que puderam, a partir daí, influenciar políticas públicas e o próprio debate de alta qualidade na sociedade de forma geral, vindo a converterem-se em referências obrigatórias tanto na definição prática dessas políticas, quanto no conteúdo e no estilo do pensamento político e econômico, e diplomático também, que marcaram suas sociedades respectivas.
Roberto Campos teve a rara chance de, começando sua carreira diplomática pela embaixada em Washington, integrar a delegação brasileira à conferência de Bretton Woods, em julho de 1944 nos Estados Unidos (não propriamente como delegado, mas como assessor diplomático da delegação), e de ter assim assistido ao momento definidor da ordem econômica mundial do pós-guerra. Posteriormente, ele também integrou, sempre como assessor e não delegado, a representação brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre comércio e emprego, realizada em Havana, de novembro de 1947 a março de 1948, e que, na sequência das primeiras negociações do Gatt, em Genebra, definiu algumas das grandes linhas do sistema multilateral de comércio que, com as mudanças institucionais posteriores, ainda é o nosso. Mesmo que a Organização Internacional do Comércio, aprovada pela Carta de Havana, não tenha se materializado na prática, permanecendo o Gatt provisoriamente em vigor durante aproximadamente meio século (até a constituição da OMC, em 1994), foi ali que foram longamente discutidos todos os temas que integram o debate econômico mundial das últimas seis décadas, e praticamente até hoje. Como diria o ex-Secretário de Estado americano Dean Acheson – bem mais a propósito da ONU do que das demais organizações do multilateralismo contemporâneo – em suas memórias, Roberto Campos esteve “presente na criação” das mais importantes organizações do multilateralismo econômico, quando também se tratava de integrar as economias socialistas e as em desenvolvimento numa ordem que, até a primeira metade do século 20, era dominada exclusivamente por um pequeno número de potências econômicas e militares do Atlântico norte, exercendo sua influência, ou controle direto (pelo colonialismo europeu) sobre mais de dois terços da população mundial.
Pouco depois dessas duas experiências decisivas em sua vida pessoal e enquanto agente diplomático, o jovem Roberto Campos engajou-se num mestrado em economia na Universidade George Washington, na capital americana. Sua dissertação defendida em 1948 se situa, justamente, na confluência do pensamento econômico neoclássico – como aliás era o de Keynes, em sua formação inicial – e das novas ideias que estavam emergindo nessa mesma época a partir do mestre de Cambridge (e ex-funcionário do Tesouro britânico na conferência de Paris ao final da Grande Guerra), com sua críticas ao Tratado de Versalhes de 1919 (As Consequências Econômicas da Paz) e às limitações da economia convencional para tratar dos profundos desequilíbrios surgidos a partir daquela guerra global, definida por George Kennan como o mais importante conflito seminal (isto é, geradora de novos conflitos) do século 20. Entre a Economics de Marshall (mestre de Keynes) e a Macroeconomics do próprio Keynes, a ciência econômica conheceu progressos teóricos relevantes, e aplicações práticas imediatas, influências absorvidas pelo jovem diplomata economista na sua trajetória posterior como homem público chamado a posições de relevo sem necessariamente dispor de mandato popular durante a parte mais ativa de suas atividades governamentais.
Essa combinação de sólida formação teórica e contato íntimo com os intensos debates práticos que se travaram nas grandes conferências econômicas do pós-guerra, e imediatamente depois do mestrado em Washington, uma nova experiência prática no âmbito da Comissão Econômica Mista Brasil-Estados Unidos, entre o final do governo Dutra e o início do mandato constitucional de Getúlio Vargas, no quadro da República de 1946, permitiram a Roberto Campos usar tanto a Economics neoclássica, quanto a nova Macroeconomics, de inspiração keynesiana, para moldar o seu pensamento e ação no curso das décadas seguintes de atividades governamentais e diplomáticas. Elas foram basicamente duas: primeiro a de diretor do BNDE, criado em 1953 sob recomendação direta do relatório da Comissão Mista Brasil-EUA, e que teve papel importante na montagem do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek em meados dessa década; e a de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, nos governos Jânio Quadros e João Goulart, numa das mais conjunturas mais dramáticas da história política, e econômica, do Brasil moderno, quando processos inflacionários e estrangulamentos cambiais impactaram tremendamente o debate político em curso no governo e na sociedade, culminando, como se sabe, no golpe militar de 1964.
Roberto Campos já se tinha afastado de suas funções diplomáticas à frente da embaixada em Washington quando o golpe ocorreu, e não o fez porque participasse de qualquer conspiração contra o governo em vigor, mas porque estava em desacordo com várias das medidas adotadas de modo intempestivo por Goulart, sob a recomendação de conselheiros basicamente ignorantes em matéria econômica, mas que comprometiam profundamente a credibilidade do Brasil junto aos países credores, essencialmente os próprios Estados Unidos. Era natural, assim, que, dotado de capacidade intelectual e de experiência prática no terreno das relações econômicas internacionais, ele fosse chamado a colaborar com o novo regime, o que ele fez na posição de ministro do Planejamento, convertido em órgão permanente da administração pública. Tratou-se, sem qualquer exagero, do mais profundo e do mais impactante processo de reformas econômicas e administrativas de que se tem notícia em qualquer fase da vida política da nação, caracterizado por mudanças que exerceram influência sobre as décadas seguintes, de certa até a atualidade.
Interessante considerar que, contrariamente às suas inclinações perfeitamente liberais da última fase da sua vida, a atividade pública de Roberto Campos nos anos 1950 e 60 estiveram inseridas num molde conceitual e operacional que privilegiava a ação do Estado na definição das grandes linhas da construção de uma moderna economia de mercado no Brasil, país marcado pela insuficiência de poupança privada, de competências técnicas na própria sociedade e de um empresariado ainda tateante em face das novas características da economia mundial, o que fazia com que o governo fosse chamado a atuar na ausência de mercado de capitais próprios e de capital humano para impulsionar a atividade produtiva a partir unicamente da iniciativa privada. Roberto Campos participou, e comandou, ativamente, desse processo de Nation building e de economic construction, que em grande medida foi feito “pelo alto”, como nas experiências precedentes da Alemanha, ou do Japão, que supriram pela ação do Estado as deficiências do setor privado que tinham sido determinantes no caso da primeira revolução industrial, a da trajetória britânica de desenvolvimento original.
Esse “estatismo” de Roberto Campos, do qual ele viria parcialmente a se arrepender em fases posteriores de sua vida – quando condenava o “dinossauro” da Petrobras e o gigantismo de todo o aparato estatal na vida econômica da nação –, não o impediu de reconhecer a validade da ação pública na definição das grandes linhas de políticas públicas na área econômica e da formulação de projetos de desenvolvimento nos mais variados setores da atividade produtiva. Ele apenas pretendia limitar a ação do Estado ao mínimo indispensável para garantir a solidez da iniciativa privada, nacional ou estrangeira – uma vez que ele era totalmente aberto aos investimentos diretos estrangeiros em várias, senão todas, áreas da economia nacional – com aquele sentido de planejamento que ele tinha conhecido nos primórdios de sua vida ativa entre o final dos anos 1940 e meados dos 50: Plano Salte, do governo Dutra, criação de várias estatais no segundo governo Vargas, inclusive o BNDE ao qual esteve ligado desde o início, Plano de Metas na campanha de JK à presidência e diversas outras iniciativas de que participou na passagem para a década seguinte, como as negociações em torno da dívida pública externa brasileira, junto a credores bilaterais e internacionais.
Em todas essas etapas de sua vida pessoal e nas atividades públicas que foi chamado a exercer, as experiências obtidas e consolidadas por Roberto Campos no decorrer de sua vida diplomática inicial foram essenciais, senão decisivas e mesmo indispensáveis para a formação e a formulação de um pensamento econômico eclético, aberto às mais diferentes influências de escolas econômicas e, sobretudo, marcadas pela observação e participação direta em momentos decisivos do ordenamento econômico mundial em curso no imediato pós-Segunda Guerra, quando ele ainda era um simples assessor das delegações brasileiras. Seu senso prático, sua flexibilidade de ação, e o seu vasto conhecimento (e até erudição) com respeito ao debate econômico em curso no mundo praticamente não conhecem equivalente em quaisquer outros representantes da vida pública nacional nessas cinco décadas a partir da República de 1946 e durante todo o regime militar e mais além.
Praticamente, Roberto Campos ainda é influente no debate público de qualidade, tendo sido pioneiro, e até premonitório, na formulação de políticas públicas que seriam adotadas apenas posteriormente, como as privatizações, um necessário rigor no trato do orçamento público e na definição das mais importantes políticas setoriais (a comercial e a industrial, por exemplo, mas também na tributação e nos mercados de capitais). Como Raymond Aron, ele teve razão antes do seu tempo, e por isso foi, em grande medida, denegrido por contemporâneos – chamado, por exemplo, de Bob Fields pela esquerda e até por colegas diplomatas, por se posicionar claramente em favor da participação do capital estrangeiro na economia nacional – e condenado por supostos nacionalistas antigos e estatizantes de sempre, por sua postura essencialmente liberal e esclarecida no trato das políticas econômicas. Ele foi certamente único entre os diplomatas, mas também original entre os economistas, e a combinação entre essas duas qualidades é que fizeram dele o grande estadista que foi na história contemporânea do Brasil.

[19/11/2016]

A Grande Guerra e seus efeitos sobre o Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Ao início de 2014, fui contatado pelo grande jornalista Alberto Dines para participar de uma série de emissões que ele pretendia fazer sobre a Grande Guerra e seu impacto no Brasil, ao que respondi positivamente.
Tive certo trabalho para gravar minhas emissões (que obviamente ficaram muito grandes e pesadas) e para encaminha-las a seu destino (das quais apenas uma pequena parte foi utilizada, obviamente).
Mas, como sempre faço, também escrevi um texto a respeito, bem mais baseado em conhecimento acumulado do que em novas pesquisas ou leituras a respeito, ao sabor da pena, como se diz.
Meu registro sobre esse trabalho segue abaixo, com a transcrição, em seguida, de meu texto preparado para minha intervenção audiovisual.


2622. “A guerra de 1914-1918 e o Brasil: impactos imediatos, efeitos permanentes”, Hartford, 26 junho 2014, 5 p. Roteiro para gravação de um depoimento em vídeo para emissão especial do Observatório da Imprensa, sobre o impacto da Primeira Guerra Mundial sobre o Brasil em termos políticos, econômicos, culturais e militares; depoimento por meio de webcam; feitas duas gravações de dois minutos cada e enviadas via Dropbox. Texto publicado em Mundorama (28/07/2014; ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/?p=14424 ); postado no Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/o-brasil-e-primeira-guerra-mundial-no.html). Emissão “Os 100 anos da guerra que não acabou”, com Alberto Dines, Programa n. 736 do Observatório da Imprensa (em 5/08/2014; link não mais disponível; participação PRA: entre 35:44 e 37:14, ou seja, 1,5mns). Relação de Publicados n. 1138.

 Transcrição como referido acima, copiado de meu próprio blog:

quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Brasil e a Primeira Guerra Mundial no Observatorio da Imprensa - texto de Paulo Roberto de Almeida

O Alberto Dines, coordenador do Observatório da Imprensa, pediu-me para colaborar com um programa que está montando para ser transmitido pela TV Educativa em agosto, quando se comemoram (ugh!) os cem anos da Primeira Guerra Mundial. Eu deveria, em princípio, falar de seus impactos sobre o Brasil, nos aspectos econômicos, políticos, culturais, etc.
Para guiar minha participação, como sempre faço quando vou falar em público, na rádio ou na TV, mesmo que não leia absolutamente nada, eu costumo preparar um texto, que me permite organizar as ideias, separar os temas relevantes e sistematizar os argumentos.
Agora me dizem que eu tenho direito a 1 minuto e meio, já que o programa tem menos de uma hora, e são várias entrevistas, documentários, documentos, narrador, enfim, o normal costumeiro num programa desse tipo.
1,5 minuto não dá para falar grande coisa, por isso vou ter de selecionar.
Para não perder o texto já escrito, vou postar aqui, apenas para receber comentários dos interessados no assunto, e depois preparar algum artigo mais estruturado para publicação.
Portanto, é o que segue, escrito às pressas, sem intenção de ser artigo ou ensaio, apenas um texto-guia para servir no momento da gravação.
Paulo Roberto de Almeida
A guerra de 1914-18 e o Brasil
Impactos imediatos, efeitos permanentes

Paulo Roberto de Almeida
Texto-suporte para gravação-vídeo de programa especial do
Observatório da Imprensa, sobre o impacto da Grande Guerra sobre o Brasil.

Sumário:
1. O que era o Brasil em 1914, e o que representou a guerra europeia?
2. Impactos imediatos do conflito iniciado em 1914
3. Impactos de mais longo prazo, efeitos permanentes

1. O que era o Brasil em 1914, e o que representou a guerra europeia?
Para abordar o impacto da guerra de 1914-1918 sobre o Brasil seria preciso ter bem presente o que era o Brasil em 1914, o que era a Europa, o que ela representava para o Brasil nessa época, e o que a guerra alterou no padrão de relacionamento, direta e indiretamente. Vamos resumir um complexo quadro político, econômico e diplomático.
O Brasil de cem anos atrás era o café, e o café era o Brasil. Toda a política econômica, aliás toda a base fiscal da República e dos seus estados mais importantes, assim como a própria diplomacia, giravam em volta das receitas de exportação, que compreendiam tanto ao próprio produto, e que faziam a riqueza dos barões do café, quanto os impostos de exportação, que afluíam ao orçamento de São Paulo e dos demais estados produtores. Dez anos antes, angustiados por um problema que eles próprios haviam criado, a superprodução de café, esses estados realizaram um esquema de valorização do produto, via retenção de estoques, no famoso Convênio de Taubaté, para cujo financiamento tivemos, pela primeira vez, a participação de bancos americanos. Os próprios banqueiros oficiais do Brasil, os Rothchilds de Londres, haviam se recusado a fazer parte do esquema, pois se tratava de uma típica manobra de oligopolistas contra os interesses dos consumidores. O Brasil dominava então quase quatro quintos da oferta mundial de café, e essa posição lhe assegurava a capacidade de fazer grandes manobras.
Mais tarde, em 1914, justamente, outros concorrentes tinham entrado nesse lucrativo mercado, a Colômbia, por exemplo, que sem poder competir em quantidade, começou a dedicar-se a melhorar a qualidade dos seus cafés. Na mesma época, o Brasil estava sendo processado em tribunais de Nova York, por praticas anti-concorrenciais na oferta de café, justamente. Foi também quando os mercados financeiros se fecharam repentinamente para o Brasil, com o estalar da guerra em agosto desse ano. O Brasil sempre dependeu do aporte de capitais estrangeiros, seja para financiar projetos de investimento em infraestrutura – que eram feitos sob regime de concessão, num esquema muito similar ao que viria a ser conhecido depois como PPP, ou seja, parcerias público-privadas, com garantia de juros de 6% ao ano –, seja para o financiamento do próprio Estado, que vivia permanentemente em déficit orçamentário.
O Brasil já tinha efetuado uma operação de funding-loan en 1898, isto é, um empréstimo de consolidação trocando os títulos das dívidas anteriores por novos títulos, e tinha conseguido fazer um novo pouco antes da guerra, e já não mais teve acesso ao mercado de capitais durante toda a duração do conflito europeu. Este representou um tremendo choque para a economia brasileira, pois os mercados europeus ainda eram importantes consumidores dos produtos primários de exportação, e os principais ofertantes de bens manufaturados, equipamentos e, sobretudo, capitais, ainda que os Estados Unidos já fossem o principal comprador do café brasileiro desde o final do século 19, e que suas empresas já tivessem começado a fazer investimentos diretos no Brasil.

2. Impactos imediatos do conflito iniciado em 1914
O espocar dos canhões de agosto representou, em primeiro lugar, uma interrupção nas linhas de comunicação marítimas, já que a Alemanha tinha construído para si uma marinha de guerra quase tão importante quanto a da Grã-Bretanha. Mais adiante a British Navy consegue desmantelar boa parte da frota germânica, mas de imediato, os transportes marítimos com os portos da Europa do norte foram bastante afetados pelas batalhas navais e pela ação dos surpreendentes submarinos alemães. Mas mesmo os estoques de café nos portos de Trieste, no Mediterrâneo, ficaram retidos, sob controle dos impérios centrais, neste caso da monarquia multinacional representada pela Áustria-Hungria, que seria desfeita com a derrota em 1918.
O produto mais importante de exportação do Brasil foi, assim bastante afetado pela perda de importantes mercados consumidores, o que aumentou tremendamente a dependência da demanda americana. Mas, os principais financiadores externos da jovem República ainda eram banqueiros europeus, agora comprometidos com a compra de títulos da dívida nacional de seus próprios países. A Alemanha também se tinha convertido num importante parceiro comercial do Brasil, além de ter iniciado um itinerário promissor com alguns investimentos diretos de suas empresas e casas comerciais. Outros mercados do velho continente também se viram engolfados no conflito, causando novos e continuados prejuízos ao Brasil.
O debate interno, sobre quem o Brasil deveria apoiar na guerra europeia, também foi importante, colocando importantes intelectuais em oposição, assim como tribunos e magistrados dos dois lados da cerca. O grande historiador João Capistrano de Abreu foi considerado um germanófilo, ao passo que Rui Barbosa insistiu na culpa moral da Alemanha, que tinha invadido e esquartejado a Bélgica, um país neutro. Uma das vítimas desse debate passional foi o próprio sucessor de Rio Branco, o chanceler Lauro Muller, considerado talvez menos isento por causa de sua ascendência alemã: ele renunciou ao cargo quando o Brasil fez a sua escolha. A maior parte da classe culta no Brasil, os membros da elite que adoravam gastar seus mil-réis nos cabarés de Paris, era evidentemente francófila, mas os alemães ajudaram a empurrar o Brasil para o lado da aliança franco-britânica ao atacarem navios comerciais brasileiros no Atlântico, quando o Brasil ainda era oficialmente neutro no conflito. Acabamos entrando modestamente na guerra, quase ao seu final, enviando um batalhão médico para a França.
No conjunto, a guerra representou imensas perdas comerciais e financeiras para o Brasil, que tentou se ressarcir, na conferência de paz de Paris, sem obter de verdade satisfação plena por suas reivindicações de obter compensação pela apropriação de navios alemães: os próprios países europeus se encarregaram de extorquir a Alemanha o máximo que puderam, e o caso do Brasil não era julgado realmente importante em face do conjunto de demandas dos países mais afetados pela guerra.

3. Impactos de mais longo prazo, efeitos permanentes
Os efeitos mais importantes da primeira guerra mundial, porém, não se limitaram aos terrenos militar e comercial, mas foram verdadeiramente impactantes no domínio econômico no seu sentido mais lato, provocando mudanças extremamente importante nas políticas econômica de todos os países, com consequências negativas para todo o mundo, e moderadamente positivas para o Brasil. Uma das primeiras consequências econômicas da guerra foi a cessação de pagamentos entre os inimigos, o que era lógico, com a cessação de toda relação comercial, confisco de bens e sequestro de ativos financeiros. Os países suspenderam o famoso padrão-ouro, ou seja, a garantia em metal das emissões de moeda papel; ainda que teoricamente em vigor, para alguns países, e a despeito de tentativas de seu restabelecimento ao final do conflito, ficou evidente que o lastro metálico tinha deixado de fato de ser um fator relevante nas políticas monetárias dos países. Todos os governos, depois de esgotadas as possibilidades de financiamento voluntário interno do esforço de guerra – via emissão de bônus da dívida pública, e até mediante empréstimos compulsórios – passaram a imprimir dinheiro sem maiores restrições, provocando a primeira grande onda inflacionária nas economias contemporâneas.
Mais impactante ainda foi a intervenção direta na atividade produtiva, não apenas desviando para a produção de guerra quase todas as plantas industriais que tivessem alguma relação com o aprovisionamento bélico, inclusive alimentar, de transportes e comunicações, mas também via controles de preços, restrições quantitativas, mobilizações laborais e vários outros expedientes intrusivos na vida do setor privado. Nacionalizações e estatizações foram conduzidas por simples medidas administrativas e a planificação nacional tornou-se praticamente compulsória. O mundo nunca mais seria o mesmo, e nesse tipo de economia de guerra estaria uma das bases dos regimes coletivistas que depois surgiriam na Europa, o fascismo e o comunismo.
O Brasil não foi tão afetado, naquele momento, pela estatização, mas ele também sofreu esses impactos de duas maneiras. De um lado, as dificuldades de aprovisionamento e de acesso a mercados levaram ao estímulo a novas atividades industriais no país, ainda que com todas as restrições existentes para a compra de bens de produção nos principais parceiros envolvidos no conflito. O mercado interno se torna mais relevante para a economia nacional. De outro lado, o nacionalismo econômico conhece um novo reforço nesse período. O Brasil já tinha uma lei do similar nacional desde o início da República, mas a guerra ajuda a consolidar a tendência introvertida, a vocação de autonomia nacional que já estavam presentes no pensamento de tribunos e de empresários. O Brasil encontrou naquela situação uma espécie de legitimidade acrescida para continuar praticando aquilo que sempre fez em sua história: a preferência nacional e o protecionismo comercial como políticas de Estado.
Este talvez seja o efeito mais importante, ainda que indireto, da guerra europeia sobre o pensamento econômico brasileiro, especialmente em sua vertente industrial. As gerações seguintes, sobretudo aquelas que ainda viveram a crise de 1929, e uma nova guerra mundial, dez anos depois, consolidaram uma orientação doutrinal em economia que também tendia para o nacionalismo econômico, uma política comercial defensiva, uma vocação industrial basicamente voltada para o mercado interno e uma tendência a ver no Estado um grande organizador das atividades produtivas, quase próxima do espírito coletivista que vigorou na Europa durante o entre-guerras e mais além.
Essencialmente, a geração de militares que passou a intervir de forma recorrente na vida política do país, ao final da Segunda Guerra, e que depois assumiria o poder no regime autoritário de 1964, era em grande medida formada por jovens cadetes que tinham feito estudos e depois academias militares no entre-guerras e na sua sequência imediata, e que tinham se acostumado exatamente com esse pensamento: um intenso nacionalismo econômico, a não dependência de fontes estrangeiras de aprovisionamento (sobretudo em combustíveis e em materiais sensíveis), a introversão produtiva, a ênfase no mercado interno, enfim, tudo aquilo que nos marcou tremendamente durante décadas e que ainda forma parte substancial do pensamento econômico brasileiro.
Tudo isso, finalmente, foi o resultado político e econômico da Primeira Guerra Mundial, que durante muito tempo ficou conhecida como a Grande Guerra. Os custos e as destruições da Segunda foram mais importantes, mas as alterações mais significativas nas políticas econômicas nacionais, no papel dos Estados na vida econômica, já tinham sido dados no decorrer da Primeira. O mundo mudou, a Europa começou sua longa trajetória para o declínio hegemônico, e o Brasil deu início ao seu igualmente longo itinerário de nacionalismo econômico e de intervencionismo estatal. Parece que ainda não nos libertamos desses dois traços relevantes do caráter nacional.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 26 de junho de 2014.

2622. “A guerra de 1914-1918 e o Brasil: impactos imediatos, efeitos permanentes”, Hartford, 26 junho 2014, 5 p. Roteiro para gravação de um depoimento em vídeo para emissão especial do Observatório da Imprensa, sobre o impacto da Primeira Guerra Mundial sobre o Brasil e a região; depoimento por meio de webcam: padrão quicktime (.mov), full HD, 1920x1080 pixels, 16:9, NTSC, 29,97 fps; em torno de 2 minutos; envio por via web-transfer ou FTP.

World War I and the Triumph of Illiberal Ideology - Matthew McCaffrey (Mises)

World War I and the Triumph of Illiberal Ideology

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Mises Daily, 08/14/2017

Just over a century ago, in August 1914, the major European nations plunged their peoples into one of the most disastrous conflicts in history. The First World War claimed at least seventeen million lives, destroyed the social and economic fabric of Western Europe, and played a vital role in the expansion of state power around the world. It is therefore difficult to exaggerate its importance.
The causes of the war are too many and too complex to discuss in a short article (however, for those interested, the late Ralph Raico provides a fascinating overview here). I will discuss only one general problem that helped fuel the catastrophe: the ideological shift that occurred in Europe in the late 19th and early 20th centuries away from the liberal philosophy of laissez-faire and laissez-passer and toward autarky, protectionism, nationalism, and imperialism. Mises, himself a veteran of the First World War, identified these latter ideologies as joint causes of numerous conflicts. Furthermore, he repeatedly warned that war is a necessary outcome of abandoning economic freedom, which is inextricably tied to the spirit of liberalism and its philosophy of peace:
Aggressive nationalism is the necessary derivative of the policies of interventionism and national planning. While laissez faire eliminates the causes of international conflict, government interference with business and socialism create conflicts for which no peaceful solution can be found. While under free trade and freedom of migration no individual is concerned about the territorial size of his country, under the protective measures of economic nationalism nearly every citizen has a substantial interest in these territorial issues. (Mises, 1998 [1949], pp. 819-820)
Economic nationalism, the necessary complement of domestic interventionism, hurts the interests of foreign peoples and thus creates international conflict. It suggests the idea of amending this unsatisfactory state of affairs by war. Why should a powerful nation tolerate the challenge of a less powerful nation? Is it not insolence on the part of small Lapputania to injure the citizens of big Ruritania by customs, migration barriers, foreign exchange control, quantitative trade restrictions, and expropriation of Ruritanian investments in Lapputania? Would it not be easy for the army of Ruritania to crush Lapputania’s contemptible forces? (Mises, 1998 [1949], p. 827)
By and large, these are the kinds of international conflicts that developed in the decades prior to 1914. As relative free trade declined and imperialism flourished, a culture of militarism swept Western Europe, triggering a race to accumulate military assets and materiel on a previously unknown scale.  By the outbreak of the conflict, every major belligerent except Britain had also adopted conscription so as to ensure an abundant supply of human as well as physical resources. Such policies could only end in disaster.
It is important, however, that even though many soldiers were compelled to fight, extraordinary numbers also volunteered for service, especially in the early days of the war. This fact is not so astonishing once we acknowledge the role of ideology. Throughout the 19th century, the nation-state had come to play an increasingly important role in forming the identities of many young European men. This development added a personal ideological dimension to warfare that was largely new, and which also created divisions along political lines among peoples who could otherwise have been at peace. It also helps explain the patriotism and nationalism that lead so many volunteers so unwittingly to the slaughter. Crucially, these sentiments were nurtured and reinforced by many important institutions of European society, especially its intellectual classes, who bear a large portion of the blame for rationalizing and glorifying war.
To take only one example, in his book A History of Warfare, John Keegan recounts a call to arms issued jointly by the rectors of the Bavarian universities on August 3rd, 1914:
Students! The muses are silent. The issue is battle, the battle forced upon us for German culture, which is threatened by the barbarians from the East, and for German values, which the enemy in the West envies us. And so the furor teutonicus bursts into flame once again. The enthusiasm of the wars of liberation flares, and the holy war begins. (quoted in Keegan, 2004 [1993], p. 358; emphasis in original)
This passage hints at the ideological climate in much of Europe after its retreat from an all-too-brief trend toward liberalism. Yet even including the melodramatic rhetoric, the ideas invoked above are indistinguishable from ones made today by both military and culture warriors. The use of religious language to frame a political conflict, the idea that war has been forced upon the blameless, and the claim that barbarians from foreign nations represent an existential threat to civilization that can only be overcome by abandoning reason and resorting to violence based on appeals to tribalism and a (different) barbarian heritage, are still familiar in an age when the European empires have been replaced by an American one. They also run strongly counter to the principles of liberalism.
Historically, the immediate result of the rectors’ appeal was the mass enlistment of German students; so many volunteered that they formed two new army corps. These men were flung almost untrained into battle against British regulars at Ypres in October, 1914, where 36,000 were massacred in only three weeks (Keegan, 2004 [1993], pp. 358-359).[1] This senseless death did not, however, serve as a rebuke to the military class, much less provide an impetus away from international and domestic conflicts; instead, it was simply mythologized and used for propaganda by the Nazis in the Second World War.
The lesson then is that the human costs of war do not in and of themselves teach anything to those who are not willing to listen. War will not cease until the ideas that support it are removed, and until they are, their costs will simply be used as justifications for further conflict. In Mises’s words, “To defeat the aggressors is not enough to make peace durable. The main thing is to discard the ideology that generates war” (Mises, 1998 [1949], p. 828).

[1] I have been unable to verify this estimate, and other sources suggest the number killed was significantly lower. In any case though, casualties were horrific.

Criptomoedas (bitcoins) nao sao reservas de valor efetivo - Mark Spitznagel (Mises)

Toda vez que alguém vem me falar dos Bitcoins, pergunta se eu já comprei os meus, no limite da minha ignorância econômica e monetária, eu respondo:
Boa iniciativa para escapar de controles governamentais sobre os seus fluxos de renda, mas você comprou Bitcoin a partir do nada?
Ou seja, eles representam uma pequena brecha no emissionismo monopolista dos Estados, que podem criar moedas sem valor, mas garantidas pela violência física do Estado. Mas em algum momento esse papel pintado precisa se encontrar com algum bem físico: seu consumo pessoal, seu investimento próprio, seus negócios no mundo real. O bitcoin pode até ajudar em algum momento, mas não pode fazer tudo.
Resumindo: as criptomoedas podem até diminuir parcialmente o monopólio estatal sobre as moedas, mas você troca a senhoriagem das autoridades emissoras pelas comissões pagas aos intermediários (os donos dos softwares de negociação) dessas novas moedas, mas você não resolve a questão crucial da expressão monetária de algum valor, qualquer que seja ele. Até aqui as criptomoedas representaram um gigantesco esquema especulativo, mantido por muitos libertários, mas em algum momento mesmo libertários precisam comer arroz e feijão, certo?
Paulo Roberto de Almeida

Why Cryptocurrencies Will Never Be Safe Havens

Mises Daily, August 15, 2017

Every further new high in the price of Bitcoin brings ever more claims that it is destined to become the preeminent safe haven investment of the modern age — the new gold.
But there’s no getting around the fact that Bitcoin is essentially a speculative investment in a new technology, specifically the blockchain. Think of the blockchain, very basically, as layers of independent electronic security that encapsulate a cryptocurrency and keep it frozen in time and space — like layers of amber around a fly. This is what makes a cryptocurrency “crypto.”
That’s not to say that the price of Bitcoin cannot make further (and further…) new highs. After all, that is what speculative bubbles do (until they don’t). 
Bitcoin and each new initial coin offering (ICO) should be thought of as software infrastructure innovation tools, not competing currencies. It’s the amber that determines their value, not the flies. Cryptocurrencies are a very significant value-added technological innovation that calls directly into question the government monopoly over money. This insurrection against government-manipulated fiat money will only grow more pronounced as cryptocurrencies catch on as transactional fiduciary media; at that point, who will need government money? The blockchain, though still in its infancy, is a really big deal.
While governments can’t control cryptocurrencies directly, why shouldn’t we expect cryptocurrencies to face the same fate as what started happening to numbered Swiss bank accounts (whose secrecy remain legally enforced by Swiss law)? All local governments had to do was make it illegal to hide, and thus force law-abiding citizens to become criminals if they fail to disclose such accounts. We should expect similar anti-money laundering hygiene and taxation among the cryptocurrencies. The more electronic security layers inherent in a cryptocurrency’s perceived value, the more vulnerable its price is to such an eventual decree.
Bitcoins should be regarded as assets, or really equities, not as currencies. They are each little business plans — each perceived to create future value. They are not stores-of-value, but rather volatile expectations on the future success of these business plans. But most ICOs probably don’t have viable business plans; they are truly castles in the sky, relying only on momentum effects among the growing herd of crypto-investors. (The Securities and Exchange Commission is correct in looking at them as equities.) Thus, we should expect their current value to be derived by the same razor-thin equity risk premiums and bubbly growth expectations that we see throughout markets today. And we should expect that value to suffer the same fate as occurs at the end of every speculative bubble. 
If you wanted to create your own private country with your own currency, no matter how safe you were from outside invaders, you’d be wise to start with some pre-existing store-of-value, such as a foreign currency, gold, or land. Otherwise, why would anyone trade for your new currency? Arbitrarily assigning a store-of-value component to a cryptocurrency, no matter how secure it is, is trying to do the same thing (except much easier than starting a new country). And somehow it’s been working.
Moreover, as competing cryptocurrencies are created, whether for specific applications (such as automating contracts, for instance), these ICOs seem to have the effect of driving up all cryptocurrencies. Clearly, there is the potential for additional cryptocurrencies to bolster the transactional value of each other—perhaps even adding to the fungibility of all cryptocurrencies. But as various cryptocurrencies start competing with each other, they will not be additive in value. The technology, like new innovations, can, in fact, create some value from thin air. But not so any underlying store-of-value component in the cryptocurrencies. As a new cryptocurrency is assigned units of a store-of-value, those units must, by necessity, leave other stores-of-value, whether gold or another cryptocurrency. New depositories of value must siphon off the existing depositories of value. On a global scale, it is very much a zero sum game.
Or, as we might say, we can improve the layers of amber, but we can’t create more flies.
This competition, both in the technology and the underlying store-of-value, must, by definition, constrain each specific cryptocurrency’s price appreciation. Put simply, cryptocurrencies have an enormous scarcity problem. The constraints on any one cryptocurrency’s supply are an enormous improvement over the lack of any constraint whatsoever on governments when it comes to printing currencies. However, unlike physical assets such as gold and silver that have unique physical attributes endowing them with monetary importance for millennia, the problem is that there is no barrier to entry for cryptocurrencies; as each new competing cryptocurrency finds success, it dilutes or inflates the universe of the others.
The store-of-value component of cryptocurrencies — which is, at a bare-minimum, a fundamental requirement for safe haven status — is a minuscule part of its value and appreciation. After all, stores of value are just that: stable and reliable holding places of value. They do not create new value, but are finite in supply and are merely intended to hold value that has already been created through savings and productive investment. To miss this point is to perpetuate the very same fallacy that global central banks blindly follow today. You simply cannot create money, or capital, from thin air (whether it be credit or a new cool cryptocurrency). Rather, it represents resources that have been created and saved for future consumption. There is simply no way around this fundamental truth.
Viewing cryptocurrencies as having safe haven status opens investors to layering more risk on their portfolios. Holding Bitcoins and other cryptocurrencies likely constitutes a bigger bet on the same central bank-driven bubble that some hope to protect themselves against. The great irony is that both the libertarian supporters of cryptocurrencies and the interventionist supporters of central bank-manipulated fiat money both fall for this very same fallacy.
Cryptocurrencies are a very important development, and an enormous step in the direction toward the decentralization of monetary power. This has enormously positive potential, and I am a big cheerleader for their success. But caveat emptor—thinking that we are magically creating new stores-of-value and thus a new safe haven is a profound mistake.
Mark Spitznagel is Founder and Chief Investment Officer of Universa Investments. Spitznagel is the author of The Dao of Capital, and was the Senior Economic Advisor to U.S. Senator Rand Paul.

Presidencialismo vs. Parlamentarismo: notas impressionistas - Paulo Roberto de Almeida


Presidencialismo vs. Parlamentarismo: notas impressionistas
  
Paulo Roberto de Almeida
 [Considerações contextuais e históricas sobre regimes e sistemas de governo; esclarecimento pessoal em caráter preliminar, sem qualquer base empírica] 

Introdução
Qualquer debate sobre sistemas de governo necessita começar por uma definição dos termos, tendo em vista a complexidade do debate. Normalmente se considera haver uma oposição entre os sistemas de governo e seus respectivos regimes políticos, embora na realidade diversas combinações sejam possíveis. O presidencialismo, em sua forma moderna, é relativamente recente na história da humanidade, datando, para observar uma regra de quase consenso entre os historiadores políticos, da fundação do regime republicano dos Estados Unidos da América, tendo sido adotado quase unanimemente no resto do hemisfério (com a notável exceção do Brasil, por razões dinásticas). Mas o parlamentarismo tampouco é muito mais antigo, embora o princípio da representação seja mais velho que os regimes parlamentaristas modernos, contemporâneos, grosso modo, dos regimes monárquicos constitucionais. Uma regra simples de definição do presidencialismo é o de colocar a chefia do executivo sob o comando de um político eleito diretamente pelo povo, por regras distintas daquelas sob as quais se elege o parlamento, ao passo que este último detém praticamente o comando dos dois poderes no regime de gabinete parlamentarista, ou seja, de governo congressual. Adotaremos essa distinção básica, sabendo embora que regras eleitorais e modos de escrutínio também desempenham papeis relativamente importantes no que toca a forma de funcionamento de um ou outro regime e sistema de governo.

A questão histórica
Regimes de representação sempre existiram no caso de sociedades abertas, ou seja, não despóticas. Regimes com mandatos executivos também, inclusive no caso de formações despóticas, que podem ser equivalentes a monarquias absolutistas, ou ditaduras carismáticas. Ou seja, o presidencialismo não é necessariamente republicano, nem as repúblicas precisam ser todas presidencialistas, bem ao contrário. A democracia ateniense combinava um pouco dos dois regimes e o próprio Aristóteles refletia sobre as diferentes combinações de regimes, tomando inclusive o cuidado de não considerar a democracia de massa, ou seja, aquela derivada exclusivamente da vontade da maioria, como o regime mais adequado. Democracia de massa é uma realidade moderna.
No caso do Brasil, por exemplo, passamos por praticamente todos os regimes políticos e sistemas de governo, a saber: monarquia absoluta, monarquia constitucional com poder moderador (invenção de Benjamin Constant), monarquia parlamentarista com chefe de gabinete, governo republicano provisório de corte jacobino, governo presidencialista oligárquico, presidencialismo provisório seguido de presidencialismo com eleições indiretas e representação classista, ditadura republicana centralizadora, republicanismo federalista com eleições diretas para os executivos e representação proporcional nas assembleias, parlamentarismo improvisado para superar crise política, ditadura republicana com limitações de voto e de representação, retorno a um sistema republicano descentralizado, mas preservando deformações na proporcionalidade da representação e espírito parlamentar das atribuições legislativas, tentação parlamentar a cada crise política ou desarmonia entre os poderes; poder moderador informal exercido pelas forças armadas durante boa parte do regime republicano, substituído por forte preeminência do Judiciário e do Ministério Público na fase contemporânea. Ou seja, o Brasil sempre foi uma espécie de laboratório de arranjos político-eleitorais-partidários os mais diversos, sem que necessariamente eles observem coerência entre si, ou que esta exista entre os regimes políticos e os sistemas de governo sucessivos.
No caso dos Estados Unidos, o primeiro e mais estável sistema presidencialista da história, cabe registrar que a separação e o equilíbrio de poderes é relativamente consolidado, mas com gradações diferentes segundo as épocas. O regime sempre foi bastante descentralizado, com base em poderes locais e um sistema de democracia de base, o chamado grass-roots, mas o governo era basicamente congressual, ou seja, a maioria das atribuições de formulação de políticas tinham de passar pelo Congresso, embora o chefe do executivo as aplicasse depois. Depois da guerra civil, e dos dois grandes engajamentos bélicos externos, e também durante os embates da Guerra Fria, o presidente foi adquirindo (ou usurpando) mais poderes, o que também não deixa de gerar mini-crises entre os poderes (eventualmente resolvidas pelo recurso à punição do impeachment). O respeito ao Estado de direito, à Constituição, é um valor em si.
Na experiência europeia, depois da dissolução do império romano do Ocidente, o caos mais absoluto reinou, com regimes os mais diversos em pequenos e grandes Estados, de caráter republicano oligárquico, de absolutismo monárquico fragmentado, de monarquia absoluta centralizadora, de ampliação das franquias eleitorais no quadro de um parlamentarismo evolutivo, com diferentes sistemas eleitorais, chegando a sistemas parlamentares consolidados no quadro de repúblicas “presidencialistas”, de monarquias constitucionais (inclusive não unitárias, ou seja federalistas) com parlamentarismo estabilizado, o que tampouco impediu a tentação bonapartista ou cesarista, quando não ditaduras despóticas.
Em resumo, as combinações as mais diversas são encontradas nos regimes presidencialistas ou parlamentaristas oficiais, com sistemas eleitorais e partidários que respondem pela maior ou menor estabilidade desses regimes, o que tampouco impede tentações populistas ocasionais, o que pode representar a preeminência do executivo em determinadas circunstâncias. O que é o Brasil, também em resumo? Um sistema dito presidencialista, por vezes temperado por um parlamento atuante, mas na maior parte do tempo um regime quase imperial na preeminência que o executivo exerce sobre o poder legislativo, este fragmentado por um sistema partidário permissivo e uma legislação eleitoral que redundou num desequilíbrio profundo da proporcionalidade.

Parlamentarismo vs presidencialismo: o que seria melhor para o Brasil?
Não existe uma resposta simples a esta questão, pois regimes políticos e sistemas de governo não existem no vácuo, ou são determinados idealmente, e sim são o resultado de forças sociais e movimentos políticos que evoluem historicamente e podem acabar sendo inclusive estáveis na sua disfuncionalidade. O Brasil, por exemplo, convive com uma tensão constante e com conflitos potenciais entre o poder do chefe de Estado e de governo que resulta de uma maioria presidencial eleita diretamente e o poder do parlamento, que padece de sério desequilíbrio de proporcionalidade, mas cuja fragmentação dificulta a formação de uma maioria legislativa estável. Essas diferenças de maiorias – direta ou representativa – constituem a fonte de tensões políticas e de crises de estabilidade (ou de instabilidade) que são recorrentes em nossa história.
A trajetória do nosso presidencialismo, relativamente errática, também depende da personalidade do chefe de governo e de Estado eleito diretamente pelo povo. Não surpreende, assim, que depois de uma relativa estabilidade sob o regime parlamentar monárquico (mas com frequentes intervenções do poder moderador para mudar as chefias de gabinete), passamos por não menos de sete constituições republicanas, com intervenções militares no quadro de crises políticas graves a cada vez, e com uma crise política atual na qual avulta um papel “moderador” do judiciário, mas também com um inédito ativismo de um “quarto poder”, o ministério público, um novo ator político.
Como o presidencialismo é fonte de tensões constantes entre os atores políticos e de conflitos com o poder legislativo, um critério de racionalidade recomendaria a adoção de um regime de tipo parlamentar, com pequena fragmentação partidária e um sistema eleitoral que reduzisse ao mínimo as assimetrias de proporcionalidade entre eleitorado e representação parlamentar. Esse tipo de regime permite acomodar pequenas ou grandes mudanças nos humores do eleitorado – e na eficácia maior ou menor das políticas públicas colocadas em vigor pelo executivo – com um mínimo de desgaste sistêmico, pois que contornadas crises e tensões com um simples voto de desconfiança ou a dissolução do parlamento pelo “poder moderador” de um presidente dotado de poucos poderes executivos, simplesmente pela mudança da chefia (e da maioria) do gabinete de base parlamentar.
É factível a adoção desse “tipo ideal” de governo no caso do Brasil? Estimo ser muito difícil a passagem a um regime desse tipo, pois teriam de ocorrer mudanças simultâneas nas legislações eleitoral e partidária sem que se constate a existência de qualquer tipo de consenso entre forças políticas dispersas num grande território e numa população também considerável caracterizados por grandes diferenças regionais e muitas desigualdades sociais (ou seja, assimetrias de situação econômica e de renda). Vícios herdados de velhas tradições históricas (o patrimonialismo, por exemplo) e de deformações políticas mais recentes (a hipertrofia do estatismo, o distanciamento do corpo político da base do eleitorado, a extensão e a profundidade do corporatismo, etc.), ademais da promiscuidade quase genética entre poder econômico e poder político tornam muito difícil o estabelecimento de um sistema político representativo mais racional, sujeito a regras de responsabilização (accountability), ou mais simplesmente a observância de regras impessoais, o que é vulgarmente conhecido como rule of Law.
O presidente tomou o lugar do antigo imperador, e reina quase absoluto ao dispor, na verdade, de mais poder do que o velho sistema oligárquico-monárquico, este temperado justamente pelo funcionamento do regime de gabinetes parlamentares que seriam, teoricamente, formados a partir de maiorias eleitorais (mas com escrutínios que podiam ser perfeitamente fraudados pelo velho sistema do coronelismo). Atualmente, o coronelismo tornou-se eletrônico, e pode ser manipulado diretamente a partir do poder executivo, que dispõe de responsabilidade e de recursos de tal monta que lhe permite submeter (ou comprar, literalmente) o parlamento. Este também exerce certo poder de chantagem sobre o executivo, o que se agrega à tensão natural entre as fontes diferenciadas de maioria política dos dois poderes.
A adoção de um regime parlamentarista mais ou menos funcional passaria pela adoção de um sistema eleitoral distrital, a diminuição da fragmentação partidária – que não precisa necessariamente passar pela adoção de cláusulas de barreira, podendo ser mais rapidamente obtido pela extinção completa de qualquer recurso coletivo para o funcionamento dos partidos e para a realização de campanhas eleitorais – e a contenção do patrimonialismo, que tampouco precisaria passar por maiores poderes de fiscalização ao Estado, podendo ser obtido pela diminuição drástica de responsabilidade por serviços coletivos atribuídos ao Estado, ou seja, diminuindo drasticamente a intermediação estatal no provimento da maior parte de serviços ditos coletivos (que podem ser obtidos via diferentes esquemas de mercado).
Esta mudança significativa do regime de governo e do sistema político no Brasil depende, é claro, da pressão da sociedade sobre o corpo legislativo, desde que exista certo consenso na sociedade em favor dessas medidas saneadoras de nosso sistema político. Dadas a atomização congressual atualmente existente – em função justamente do acúmulo de distorções ao longo do tempo – e as desigualdades regionais persistentes é difícil que tal consenso possa emergir rapidamente, pois mudanças de mentalidades são lentas e graduais. O corpo político – que se tornou relativamente independente da sociedade, vivendo em si e para si, numa redoma autista que controla a maior parte das instituições – não parece propenso a adotar mecanismos menos patrimonialistas, menos prebendalistas, nepotistas e fisiológicos de exercício do poder, preferindo continuar com as distorções atuais, o que lhe permite preservar comportamentos rentistas e extratores que garante o acumular de riqueza e de prestígio social de maneira quase indefinida.
Existe solução para um impasse que prolonga a anomia do sistema político e que preserva a maior parte da disfuncionalidade sistêmica já examinada neste texto? Não a curto prazo, pois a adoção de um sistema de governança mais racional depende de uma maior educação política por parte do eleitorado, ou simplesmente de uma melhor qualidade da educação tout court da população. A fração da cidadania consciente deve, portanto, continuar com um trabalho didático de educação e de convencimento da população de que muita coisa precisa mudar para que o Brasil seja um país “normal” do ponto de vista político, menos estatizante e mais livre economicamente. Oxalá...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de julho de 2017

The Non Proliferation Review tem número inteiro dedicado às políticas nucleares do Brasil 

Journal

The Nonproliferation Review 

Volume 23, 2016 - Issue 5-6: Special Section: Brazilian Nuclear Policy

Brazilian Nuclear Policy

The evolution of Brazil's nuclear intentions

Matias Spektor

Pages 635-652 | Published online: 09 Aug 2017

http://dx.doi.org/10.1080/10736700.2017.1345518   

ABSTRACT

Existing literature usually portrays Brazil as a country that set out to build nuclear weapons but ended up “rolling back” its original plans while keeping a nuclear “hedge” for an uncertain future, evidenced by Brazil's investment in uranium enrichment and its commitment to building a nuclear-powered submarine. This article draws on the historical record to offer a more nuanced view of Brazil's nuclear intentions as they evolved. It also focuses on the role of external pressure—mostly from Argentina and the United States—in shaping those motivations.

KEYWORDS: Brazil, uranium enrichment, nuclear-powered submarine, Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, Argentina, South America


Article

The ABACC experience: continuity and credibility in the nuclear programs of Brazil and Argentina

Mariana Oliveira do Nascimento Plum et al.

The Nonproliferation Review

Published online: 9 Aug 2017

Article

Brazilian nuclear policy during the Workers' Party years

Mônica Herz et al.

The Nonproliferation Review

Published online: 9 Aug 2017

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External perceptions of Brazil's nuclear policy: views from Argentina and the United States

Togzhan Kassenova

The Nonproliferation Review

Published online: 9 Aug 2017

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Brazil and the nonproliferation regime: a historical perspective

Sergio de Queiroz Duarte

The Nonproliferation Review

Published online: 9 Aug 2017

Article

The Brazilian Navy's nuclear-powered submarine program

Antônio Ruy de Almeida Silva et al.

The Nonproliferation Review

Published online: 9 Aug 2017