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domingo, 7 de janeiro de 2024

Presidencialismo vs. parlamentarismo: notas impressionistas - Paulo Roberto de Almeida

Presidencialismo vs. parlamentarismo: notas impressionistas 

 

Paulo Roberto de Almeida

 [Considerações contextuais e históricas sobre regimes e sistemas de governo; esclarecimento pessoal em caráter preliminar, sem qualquer base empírica]

 

Introdução

Qualquer debate sobre sistemas de governo necessita começar por uma definição dos termos, tendo em vista a complexidade do debate. Normalmente se considera haver uma oposição entre os sistemas de governo e seus respectivos regimes políticos, embora na realidade diversas combinações sejam possíveis. O presidencialismo, em sua forma moderna, é relativamente recente na história da humanidade, datando, para observar uma regra de quase consenso entre os historiadores políticos, da fundação do regime republicano dos Estados Unidos da América, tendo sido adotado quase unanimemente no resto do hemisfério (com a notável exceção do Brasil, por razões dinásticas). Mas o parlamentarismo tampouco é muito mais antigo, embora o princípio da representação seja mais velho que os regimes parlamentaristas modernos, contemporâneos, grosso modo, dos regimes monárquicos constitucionais. Uma regra simples de definição do presidencialismo é o de colocar a chefia do executivo sob o comando de um político eleito diretamente pelo povo, por regras distintas daquelas sob as quais se elege o parlamento, ao passo que este último detém praticamente o comando dos dois poderes no regime de gabinete parlamentarista, ou seja, de governo congressual. Adotaremos essa distinção básica, sabendo embora que regras eleitorais e modos de escrutínio também desempenham papeis relativamente importantes no que toca a forma de funcionamento de um ou outro regime e sistema de governo.

 

A questão histórica

Regimes de representação sempre existiram no caso de sociedades abertas, ou seja, não despóticas. Regimes com mandatos executivos também, inclusive no caso de formações despóticas, que podem ser equivalentes a monarquias absolutistas, ou ditaduras carismáticas. Ou seja, o presidencialismo não é necessariamente republicano, nem as repúblicas precisam ser todas presidencialistas, bem ao contrário. A democracia ateniense combinava um pouco dos dois regimes e o próprio Aristóteles refletia sobre as diferentes combinações de regimes, tomando inclusive o cuidado de não considerar a democracia de massa, ou seja, aquela derivada exclusivamente da vontade da maioria, como o regime mais adequado. Democracia de massa é uma realidade moderna.

No caso do Brasil, por exemplo, passamos por praticamente todos os regimes políticos e sistemas de governo, a saber: monarquia absoluta, monarquia constitucional com poder moderador (invenção de Benjamin Constant), monarquia parlamentarista com chefe de gabinete, governo republicano provisório de corte jacobino, governo presidencialista oligárquico, presidencialismo provisório seguido de presidencialismo com eleições indiretas e representação classista, ditadura republicana centralizadora, republicanismo federalista com eleições diretas para os executivos e representação proporcional nas assembleias, parlamentarismo improvisado para superar crise política, ditadura republicana com limitações de voto e de representação, retorno a um sistema republicano descentralizado, mas preservando deformações na proporcionalidade da representação e espírito parlamentar das atribuições legislativas, tentação parlamentar a cada crise política ou desarmonia entre os poderes; poder moderador informal exercido pelas forças armadas durante boa parte do regime republicano, substituído por forte preeminência do Judiciário e do Ministério Público na fase contemporânea. Ou seja, o Brasil sempre foi uma espécie de laboratório de arranjos político-eleitorais-partidários os mais diversos, sem que necessariamente eles observem coerência entre si, ou que esta exista entre os regimes políticos e os sistemas de governo sucessivos.

No caso dos Estados Unidos, o primeiro e mais estável sistema presidencialista da história, cabe registrar que a separação e o equilíbrio de poderes é relativamente consolidado, mas com gradações diferentes segundo as épocas. O regime sempre foi bastante descentralizado, com base em poderes locais e um sistema de democracia de base, o chamado grass-roots, mas o governo era basicamente congressual, ou seja, a maioria das atribuições de formulação de políticas tinham de passar pelo Congresso, embora o chefe do executivo as aplicasse depois. Depois da guerra civil, e dos dois grandes engajamentos bélicos externos, e também durante os embates da Guerra Fria, o presidente foi adquirindo (ou usurpando) mais poderes, o que também não deixa de gerar mini-crises entre os poderes (eventualmente resolvidas pelo recurso à punição do impeachment). O respeito ao Estado de direito, à Constituição, é um valor em si.

Na experiência europeia, depois da dissolução do império romano do Ocidente, o caos mais absoluto reinou, com regimes os mais diversos em pequenos e grandes Estados, de caráter republicano oligárquico, de absolutismo monárquico fragmentado, de monarquia absoluta centralizadora, de ampliação das franquias eleitorais no quadro de um parlamentarismo evolutivo, com diferentes sistemas eleitorais, chegando a sistemas parlamentares consolidados no quadro de repúblicas “presidencialistas”, de monarquias constitucionais (inclusive não unitárias, ou seja federalistas) com parlamentarismo estabilizado, o que tampouco impediu a tentação bonapartista ou cesarista, quando não ditaduras despóticas. 

Em resumo, as combinações as mais diversas são encontradas nos regimes presidencialistas ou parlamentaristas oficiais, com sistemas eleitorais e partidários que respondem pela maior ou menor estabilidade desses regimes, o que tampouco impede tentações populistas ocasionais, o que pode representar a preeminência do executivo em determinadas circunstâncias. O que é o Brasil, também em resumo? Um sistema dito presidencialista, por vezes temperado por um parlamento atuante, mas na maior parte do tempo um regime quase imperial na preeminência que o executivo exerce sobre o poder legislativo, este fragmentado por um sistema partidário permissivo e uma legislação eleitoral que redundou num desequilíbrio profundo da proporcionalidade. 

 

Parlamentarismo vs. presidencialismo: o que seria melhor para o Brasil?

Não existe uma resposta simples a esta questão, pois regimes políticos e sistemas de governo não existem no vácuo e não são determinados idealmente, e sim são o resultado de forças sociais e movimentos políticos que evoluem historicamente e podem inclusive acabar sendo estáveis na sua disfuncionalidade. O Brasil, por exemplo, convive com uma tensão constante e com conflitos potenciais entre o poder do chefe de Estado (e de governo), que resulta de uma maioria presidencial eleita diretamente, e o poder do parlamento, que padece de sério desequilíbrio de proporcionalidade, mas cuja fragmentação dificulta a formação de uma maioria legislativa estável. Essas diferenças de maiorias – direta ou representativa – constituem a fonte de tensões políticas e de crises de estabilidade (ou de instabilidade) que são recorrentes em nossa história. 

A trajetória do nosso presidencialismo, relativamente errática, também depende da personalidade do chefe de governo e de Estado eleito diretamente pelo povo. Não surpreende, assim, que depois de uma relativa estabilidade sob o regime parlamentar monárquico (mas com frequentes intervenções do poder moderador para mudar as chefias de gabinete), passamos por não menos de sete constituições republicanas, com intervenções militares no quadro de crises políticas graves a cada vez, e com uma crise política atual na qual avulta um papel “moderador” do judiciário, mas também com um inédito ativismo de um “quarto poder”, o ministério público, um novo ator político. 

Como o presidencialismo é fonte de tensões constantes entre os atores políticos e de conflitos com o poder legislativo, um critério de racionalidade recomendaria a adoção de um regime de tipo parlamentar, com pequena fragmentação partidária e um sistema eleitoral que reduzisse ao mínimo as assimetrias de proporcionalidade entre eleitorado e representação parlamentar. Esse tipo de regime permite acomodar pequenas ou grandes mudanças nos humores do eleitorado – e na eficácia maior ou menor das políticas públicas colocadas em vigor pelo executivo – com um mínimo de desgaste sistêmico, pois que contornadas crises e tensões com um simples voto de desconfiança ou a dissolução do parlamento pelo “poder moderador” de um presidente dotado de poucos poderes executivos, simplesmente pela mudança da chefia (e da maioria) do gabinete de base parlamentar. 

É factível a adoção desse “tipo ideal” de governo no caso do Brasil? Estimo ser muito difícil a passagem a um regime desse tipo, pois teriam de ocorrer mudanças simultâneas nas legislações eleitoral e partidária sem que se constate a existência de qualquer tipo de consenso entre forças políticas dispersas num grande território e numa população também considerável caracterizados por grandes diferenças regionais e muitas desigualdades sociais (ou seja, assimetrias de situação econômica e de renda). Vícios herdados de velhas tradições históricas (o patrimonialismo, por exemplo) e de deformações políticas mais recentes (a hipertrofia do estatismo, o distanciamento do corpo político da base do eleitorado, a extensão e a profundidade do corporatismo, etc.), ademais da promiscuidade quase genética entre poder econômico e poder político tornam muito difícil o estabelecimento de um sistema político representativo mais racional, sujeito a regras de responsabilização (accountability), ou mais simplesmente a observância de regras impessoais, o que é vulgarmente conhecido como rule of Law.

O presidente tomou o lugar do antigo imperador, e reina quase absoluto ao dispor, na verdade, de mais poder do que o velho sistema oligárquico-monárquico, este temperado justamente pelo funcionamento do regime de gabinetes parlamentares que seriam, teoricamente, formado a partir de maiorias eleitorais (mas com escrutínios que podiam ser perfeitamente fraudados pelo velho sistema do coronelismo). Atualmente, o coronelismo tornou-se eletrônico, e pode ser manipulado diretamente a partir do poder executivo, que dispõe de responsabilidade e de recursos de tal monta que lhe permite submeter (ou comprar, literalmente) o parlamento. Este também exerce certo poder de chantagem sobre o executivo, o que se agrega à tensão natural entre as fontes diferenciadas de maioria política dos dois poderes. 

A adoção de um regime parlamentarista mais ou menos funcional passaria pela adoção de um sistema eleitoral distrital, a diminuição da fragmentação partidária – que não precisa necessariamente passar pela adoção de cláusulas de barreira, podendo ser mais rapidamente obtido pela extinção completa de qualquer recurso coletivo para o funcionamento dos partidos e para a realização de campanhas eleitorais – e a contenção do patrimonialismo, que tampouco precisaria passar por maiores poderes de fiscalização ao Estado, podendo ser obtido pela diminuição drástica de responsabilidade por serviços coletivos atribuídos ao Estado, ou seja, diminuindo drasticamente a intermediação estatal no provimento da maior parte de serviços ditos coletivos (que podem ser obtidos vias diferentes esquemas de mercado). 

Esta mudança significativa do regime de governo e do sistema político no Brasil depende, é claro, da pressão da sociedade sobre o corpo legislativo, desde que exista certo consenso na sociedade em favor dessas medidas saneadoras de nosso sistema político. Dadas a atomização congressual atualmente existente – em função justamente do acúmulo de distorções ao longo do tempo – e as desigualdades regionais persistentes é difícil que tal consenso possa emergir rapidamente, pois mudanças de mentalidades são lentas e graduais. O corpo político – que se tornou relativamente independente da sociedade, vivendo em si e para si, numa redoma autista que controla a maior parte das instituições – não parece propenso a adotar mecanismos menos patrimonialistas, menos prebendalistas, nepotistas e fisiológicos de exercício do poder, preferindo continuar com as distorções atuais, o que lhe permite preservar comportamentos rentistas e extratores que garante o acumular de riqueza e de prestígio social de maneira quase indefinida. 

Existe solução para um impasse que prolonga a anomia do sistema político e que preserva a maior parte da disfuncionalidade sistêmica já examinada neste texto? Não a curto prazo, pois a adoção de um sistema de governança mais racional depende de uma maior educação política por parte do eleitorado, ou simplesmente de uma melhor qualidade da educação tout court da população. A fração da cidadania consciente deve, portanto, continuar com um trabalho didático de educação e de convencimento da população de que muita coisa precisa mudar para que o Brasil seja um país “normal” do ponto de vista político, menos estatizante e mais livre economicamente. Oxalá...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3136: 7 de julho de 2017; Divulgado na plataforma Academia.edu (7/01/2024; link: https://www.academia.edu/113074838/3136_Presidencialismo_vs_parlamentarismo_notas_impressionistas_2017_).

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Semipresidencialismo: o Caso Português - livro de Vasco Franco

 Semipresidencialismo: Perspetiva Comparada e o Caso Português



Novo livro «Semipresidencialismo: Perspetiva Comparada e o Caso Português», da autoria do nosso investigador Vasco Franco. O livro, incluído na Coleção Parlamento, analisa a interação entre os poderes presidenciais e o Governo e a Assembleia da República entre 1982 e 2016.

Resumo da obra

Quando os deputados constituintes escolheram o sistema de governo que a Constituição de 1976 consagrou, eram poucas as experiências semelhantes nos países democráticos e era escassa a teorização sobre a natureza e o funcionamento desse modelo de organização do poder político.

Atualmente multiplicam-se os estudos sobre o semipresidencialismo, em paralelo com o aumento do número de Estados que optaram por um sistema que tem como principal caraterística a coexistência de um chefe do Estado eleito por voto direto e universal com um primeiro-ministro cuja legitimidade emana do parlamento, perante o qual responde. 

Muitos desses estudos centram-se na comparação das normas constitucionais subvalorizando a prática política. A presente obra, partindo da análise das caraterísticas essenciais dos três principais sistemas de governo, dá conta dos resultados de uma investigação exaustiva sobre o exercício dos poderes presidenciais em Portugal desde a entrada em vigor da revisão constitucional de 1982 até 2016. 

A investigação empírica em que o trabalho se baseou confirma a perceção que alguns autores já tinham assinalado quanto à importância dos poderes informais, mostrando que tal vertente deve merecer tanta atenção como a dos poderes formais, quer do ponto de vista quantitativo, quer na avaliação qualitativa. 

Ao comparar o sistema português com outros, verifica-se que, no contexto dos dezoito Estados europeus que escolheram o semipresidencialismo, Portugal se situa entre aqueles cuja lei fundamental consagra os poderes presidenciais mais relevantes. Tendo presente essa constatação, aprofundou-se o conhecimento sobre o exercício efetivo de tais poderes, formais e informais, na interação dos presidentes com os governos e com a Assembleia da República, tendo por base as decisões que tomaram, as declarações que proferiram e as iniciativas que promoveram. 

Essa análise é feita classificando os diferentes atos em quatro categorias de poderes, em alternativa à divisão mais usada, entre «poderes legislativos» e «não legislativos», que se afigurou insuficiente para um estudo de caso com a amplitude pretendida. «Poderes de refrescamento sistémico», «poderes de intervenção no processo legislativo», «outros poderes com relevância sistémica» e «poderes informais», são as novas categorias que enquadram melhor aquelas decisões, declarações e iniciativas relevantes, atendendo à respetiva natureza. 

Importante para a investigação foi o modelo analítico desenvolvido, que permite avaliar o «sentido» e a «intensidade» da interação. Para compreender o funcionamento do sistema é vital distinguir as ações do presidente que vão ao encontro dos interesses do governo (cooperantes) daquelas que são contrárias a esses interesses (conflituais) e ponderar, de forma diferenciada, o impacto relativo que cada uma delas pode ter. 

O estudo conclui que o sentido da interação não depende da relação do presidente com o partido do primeiro-ministro nem da tipologia do governo, mas sugere que a intensidade de sentido conflitual pode ser mais elevada nos períodos de “coabitação” e quando os executivos dispõem de apoio parlamentar maioritário. Por outro lado, não foi encontrada relação entre a intensidade da intervenção do presidente e: i) os melhores ou piores ciclos económicos; ii) a maior ou menor diferença entre a sua popularidade e a do primeiro-ministro. Constata-se, porém, a tendência para que os titulares do cargo tenham uma interação com os governos globalmente mais intensa nos segundos mandatos do que nos primeiros.

Índice: 

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Politica brasileira: entre o presidencialismo e o parlamentarismo - Ives Gandra Martins, Jorge Geisel

Por instinto político, ou por simples constatação quanto ao fracasso absoluto do presidencialismo no Brasil -- dando abertura para ditaduras e populismos demagógicos, como sempre são -- sou adepto do parlamentarismo, mas ATENÇÃO, não tenho NENHUMA ILUSÃO de que será a solução dos nossos problemas, pois tenho certeza de que NÃO SERÁ, pelo menos numa primeira fase.
Ele representará, na verdade, a exacerbação de todos os nossos "ismos" negativos, durante certo tempo, que não sei precisar, mas que pode se estender por dois ou três mandatos presidenciais, senão mais, ou melhor, duas ou três legislaturas completas.
Dito isto, transcrevo dois textos sobre o sistema, primeiro um artigo de mestre Ives Gandra Martins, como "true believer" no parlamentarismo, e depois os comentários de Jorge Geisel, sobre os cuidados que se deve ter, em face da deseducação política do eleitorado. Finalizo com o comentário totalmente pragmático de Ricardo Bergamini, de cuja correspondência retirei os textos abaixo.
Paulo Roberto de Almeida

 Parlamentarismo, um sistema bem-sucedido
Ives Gandra da Silva Martins
O Estado de S. Paulo, 16/09/2016 

Com exceção dos Estados Unidos, o presidencialismo nas Américas tem sido um permanente fracasso. Todos os países que o adotaram tiveram golpes de Estado, revoluções e períodos de uma frágil democracia.
Se analisarmos, depois da 2.a Guerra Mundial os principais países sul-americanos foram agitados por rupturas institucionais e regimes de exceção. Assim, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Venezuela, Cuba, etc., passaram por rupturas democráticas e pela implantação de regimes de força.
O Brasil, que viveu 42 anos no sistema parlamentar monárquico, desde 1889 jamais teve um período tão longo de estabilidade. De 1889 a 1930, foram 41 anos interrompidos pela ditadura Vargas (de 1930 a 1945). O período de 1946 a 1964 (18 anos) terminou com a revolução de 31 de março. A redemocratização de 1985 deu início a um período de 31 anos, com dois impeachments presidenciais e alta instabilidade. Os governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff levaram o País à crise econômica sem precedentes em sua História, com queda assustadora do PIB, 11,5 milhões de desempregados, retorno da inflação e fantástico nível de corrupção.
Decididamente, o presidencialismo não é um bom sistema, pois confunde o chefe de Estado com o chefe de governo e este, quando eleito, se sente dono do poder, transformando-o, o mais das vezes, numa ditadura a prazo certo.
Presidi entre 1962 e 1964, na cidade de São Paulo, o extinto Partido Libertador, o único partido autenticamente parlamentarista entre os 13 existentes até o Ato Institucional n.° 2. Declarava Raul Pilla, seu presidente nacional, ser o parlamentarismo o sistema de governo da “responsabilidade a prazo incerto”, pois, eleito um chefe de governo irresponsável, por voto de desconfiança é alijado do poder, sem traumas. O presidencialismo, ao contrário, considerava Pilla, é o sistema “da irresponsabilidade a prazo certo”, pois, eleito um presidente incompetente ou corrupto, só pelo traumático processo do impeachment é possível afastá-lo.
Vejamos, por exemplo, o Brasil atual. Desde 2014 os sinais de fracasso do modelo econômico adotado eram evidentes, mas só houve consenso em iniciar o processo de impeachment em meados de 2016.
Arend Lijphart, professor da Universidade Yale, publicou um livro, em 1984, intitulado Democracies: Patterns of Majoritarian & Consensus Government in Twenty-one Countries. Examinou o sistema dos 21 principais países do mundo onde não houvera ruptura institucional depois de 2.a Guerra Mundial e encontrou 20 hospedando o parlamentarismo e só os Estados Unidos presidencialista.
Historicamente, os dois sistemas têm origem na Inglaterra, o parlamentar (1688/89), e nos Estados Unidos, o presidencial (1776/87). A própria influência inglesa nas 13 colônias levou os norte-americanos a adotar um sistema presidencial quase parlamentar, pois lá o Congresso tem participação decisiva nas políticas governamentais.
O grande diferencial entre parlamentarismo e presidencialismo reside na responsabilidade. No parlamentarismo, o mau desempenho é motivo de afastamento do primeiro-ministro, eleito sem prazo certo para governar. A própria separação entre chefe de Estado e chefe de governo cria um poder ultrapartidário capaz de intervir nas crises, seja para avalizar novos governos escolhidos pelo Parlamento, seja para dissolver o Parlamento quando este se mostre também irresponsável, a fim de consultar o povo se aquele Parlamento continua a merecer a confiança do eleitor.
O simples fato de o chefe de governo ter de prestar contas ao Parlamento e os parlamentares poderem voltar mais cedo para casa impõe a seus governos a responsabilidade, característica dominante no sistema parlamentarista.
Por outro lado, a separação da chefia de governo da chefia de Estado – algo que, no presidencialismo, se confunde na mesma pessoa – facilita a adoção de outros atributos próprios do sistema parlamentar, como o da burocracia profissionalizada. Este jornal publicou em 3/1/2015 que, enquanto o governo parlamentar alemão tinha 600 funcionários não concursados para tais funções, a presidente Dilma Rousseff tinha 113 mil.
Eleito um governo, este escolherá entre os servidores públicos que estão no topo da carreira os que mais se afinam com a maneira de ser do novo governo. Gozam os presidentes dos Bancos Centrais de autonomia maior, quando não de independência. Por essa razão, nas quedas de Gabinete os servidores administram o País até a escolha de um novo governo, sem a economia ser afetada.
Acrescente-se que a maioria dos países parlamentares adota o voto distrital puro ou misto, o que facilita o controle do eleitor sobre o político eleito.
Os modelos parlamentaristas são diversos, com maior ou menor atuação do chefe de Estado. Alguns até exercem funções de governo, como nos modelos francês e português, por exemplo, mas a regra é não exercê-las.
Também os partidos políticos se fortalecem no parlamentarismo, enquanto no presidencialismo se esfacelam, à luz da maior força do presidente. Quando se diz que o Brasil não pode ter o parlamentarismo porque não tem partidos políticos, respondo que o Brasil não tem partidos políticos porque não tem o parlamentarismo. Cláusula de barreira é fundamental para evitar legendas de aluguel, algo que, no Brasil, é um dos maiores males do presidencialismo.
Creio que chegou o momento de repensar o modelo político brasileiro e adotar o sistema parlamentar, que sempre deu certo no mundo, substituindo o adotado pelo Brasil, cujo fracasso é fantasticamente constante na sua História. (O Estado de S. Paulo – 14/09/2016)
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS É PROFESSOR EMÉRITO DAS UNIVERSIDADES MACKENZIE, UNIP, UNIFIEO E UNIFMU, DO CIEE/”O ESTADO DE S. PAULO”, DA ECEME, DA ESG E DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL-13 REGIÃO

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Comentários: 

De: Jorge Geisel
Enviada em: segunda-feira, 25 de dezembro de 2017 01:32
Para: undisclosed-recipients:
Assunto: Parlamentarismo, um sistema bem-sucedido - Ives Gandra

Quase ninguém aponta a medonha realidade das maiorias votantes dos Brasis. Como transformar vereadores, deputados estaduais e congressistas da pior qualidade, em fontes eleitorais indiretas para a escolha, dentro de seus âmbitos, de governantes sem mandato por prazo certo? Ainda mais,tudo dentro de  uma federação capenga, com autonomias aleijadas de subsidiariedades, eis um questionamento crucial. 
Povo decente e dono do seu nariz e livre para ditar as normas de seus governos locais e regionais, é o que faltará em qualquer tentativa de reformas políticas em Pindorama. Me atrevo dizer, que sem corrigir a gravíssima situação da Política atual, no regime presidencialista vigente, muito mais difícil seria uma mudança para o parlamentarismo. E digo isso sendo adepto dele.
Infelizmente, a elite republicana que proclamou-se sucessora das elites imperiais, optou pelo presidencialismo norte-americano, sem saber muito bem o que fazer dele, na União e nos Estados Federados. Alguns tentaram, mas foram abortados pelas forças centrípetas das tendência herdadas do passado centralizador do Império. Tudo desembocou no Estado Novo, com ditadura de Getúlio por quinze anos...E diga-se, não foi uma ditamole de generais seguidos, eleitos indiretamente pelo Congresso Nacional ou de um Imperador magnânimo   - fora uma ditadura na acepção da palavra.
Num  pais de povo analfabeto em política, por ignorância endêmica e ou comodista por hábito, domesticado na servidão voluntária, os autoritarismos, ditaduras disfarçadas, reaparecem periodicamente, mas sem educar o povo para o self-government , sempre adiando sine die  a participação responsável do Indivíduo, desde a esfera de poder republicano municipal, que lhe deveria dizer mais próximo. Mas, ao contrário, o poder centralizador, onipresente e onisciente de Brasília,  é que lhe chama atenção diária e de onde acredita possa vir o incremento de seus direitos e a redução de suas obrigações...
Os intelectuais de Pindorama, oferecem seus equacionamentos, baseados no que deu certo em outros países, mas esquecem-se de que brasileiros  querem lições mais fáceis para suas vidas... A preguiça mental abunda por aqui.

Jorge Geisel

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Comentário de Ricardo Bergamini: 

Querido amigo Cyro 

Todas as opiniões dos membros de nosso grupo partem de uma premissa errada, qual seja: comparando as mazelas existentes no presidencialismo. Porém, em sendo aprovado o Parlamentarismo as regras eleitorais e partidárias serão diferentes das existentes no presidencialismo. Com isso é óbvio e ululante que os perfis dos políticos eleitos serão diferentes dos atuais, apenas por um único motivo, conforme abaixo: 

- No Presidencialismo o legislativo aprova o orçamento repleto de gastos com bondades para atender as suas bases e o executivo que se exploda em cumprir.

- No Parlamentarismo o legislativo aprova o orçamento e fica responsável pela sua execução.

Somente pelo motivo acima o Parlamentarismo é muito menos ruim do que o Presidencialismo.

Sugiro pesquisar os artigos e livros do mestre Ives Gandra Martins sobre o tema e dificilmente alguém poderia ser contra o Parlamentarismo.

Não vou afirmar que o Parlamentarismo, por si só, resolverá todos os nossos problemas, mas posso afirmar que todos os conflitos políticos necessários para resolvermos os nossos graves problemas serão conduzidos de forma menos traumática do que no Presidencialismo. Disso não tenho dúvida.

Feliz Natal para todos

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Presidencialismo vs. Parlamentarismo: notas impressionistas - Paulo Roberto de Almeida


Presidencialismo vs. Parlamentarismo: notas impressionistas
  
Paulo Roberto de Almeida
 [Considerações contextuais e históricas sobre regimes e sistemas de governo; esclarecimento pessoal em caráter preliminar, sem qualquer base empírica] 

Introdução
Qualquer debate sobre sistemas de governo necessita começar por uma definição dos termos, tendo em vista a complexidade do debate. Normalmente se considera haver uma oposição entre os sistemas de governo e seus respectivos regimes políticos, embora na realidade diversas combinações sejam possíveis. O presidencialismo, em sua forma moderna, é relativamente recente na história da humanidade, datando, para observar uma regra de quase consenso entre os historiadores políticos, da fundação do regime republicano dos Estados Unidos da América, tendo sido adotado quase unanimemente no resto do hemisfério (com a notável exceção do Brasil, por razões dinásticas). Mas o parlamentarismo tampouco é muito mais antigo, embora o princípio da representação seja mais velho que os regimes parlamentaristas modernos, contemporâneos, grosso modo, dos regimes monárquicos constitucionais. Uma regra simples de definição do presidencialismo é o de colocar a chefia do executivo sob o comando de um político eleito diretamente pelo povo, por regras distintas daquelas sob as quais se elege o parlamento, ao passo que este último detém praticamente o comando dos dois poderes no regime de gabinete parlamentarista, ou seja, de governo congressual. Adotaremos essa distinção básica, sabendo embora que regras eleitorais e modos de escrutínio também desempenham papeis relativamente importantes no que toca a forma de funcionamento de um ou outro regime e sistema de governo.

A questão histórica
Regimes de representação sempre existiram no caso de sociedades abertas, ou seja, não despóticas. Regimes com mandatos executivos também, inclusive no caso de formações despóticas, que podem ser equivalentes a monarquias absolutistas, ou ditaduras carismáticas. Ou seja, o presidencialismo não é necessariamente republicano, nem as repúblicas precisam ser todas presidencialistas, bem ao contrário. A democracia ateniense combinava um pouco dos dois regimes e o próprio Aristóteles refletia sobre as diferentes combinações de regimes, tomando inclusive o cuidado de não considerar a democracia de massa, ou seja, aquela derivada exclusivamente da vontade da maioria, como o regime mais adequado. Democracia de massa é uma realidade moderna.
No caso do Brasil, por exemplo, passamos por praticamente todos os regimes políticos e sistemas de governo, a saber: monarquia absoluta, monarquia constitucional com poder moderador (invenção de Benjamin Constant), monarquia parlamentarista com chefe de gabinete, governo republicano provisório de corte jacobino, governo presidencialista oligárquico, presidencialismo provisório seguido de presidencialismo com eleições indiretas e representação classista, ditadura republicana centralizadora, republicanismo federalista com eleições diretas para os executivos e representação proporcional nas assembleias, parlamentarismo improvisado para superar crise política, ditadura republicana com limitações de voto e de representação, retorno a um sistema republicano descentralizado, mas preservando deformações na proporcionalidade da representação e espírito parlamentar das atribuições legislativas, tentação parlamentar a cada crise política ou desarmonia entre os poderes; poder moderador informal exercido pelas forças armadas durante boa parte do regime republicano, substituído por forte preeminência do Judiciário e do Ministério Público na fase contemporânea. Ou seja, o Brasil sempre foi uma espécie de laboratório de arranjos político-eleitorais-partidários os mais diversos, sem que necessariamente eles observem coerência entre si, ou que esta exista entre os regimes políticos e os sistemas de governo sucessivos.
No caso dos Estados Unidos, o primeiro e mais estável sistema presidencialista da história, cabe registrar que a separação e o equilíbrio de poderes é relativamente consolidado, mas com gradações diferentes segundo as épocas. O regime sempre foi bastante descentralizado, com base em poderes locais e um sistema de democracia de base, o chamado grass-roots, mas o governo era basicamente congressual, ou seja, a maioria das atribuições de formulação de políticas tinham de passar pelo Congresso, embora o chefe do executivo as aplicasse depois. Depois da guerra civil, e dos dois grandes engajamentos bélicos externos, e também durante os embates da Guerra Fria, o presidente foi adquirindo (ou usurpando) mais poderes, o que também não deixa de gerar mini-crises entre os poderes (eventualmente resolvidas pelo recurso à punição do impeachment). O respeito ao Estado de direito, à Constituição, é um valor em si.
Na experiência europeia, depois da dissolução do império romano do Ocidente, o caos mais absoluto reinou, com regimes os mais diversos em pequenos e grandes Estados, de caráter republicano oligárquico, de absolutismo monárquico fragmentado, de monarquia absoluta centralizadora, de ampliação das franquias eleitorais no quadro de um parlamentarismo evolutivo, com diferentes sistemas eleitorais, chegando a sistemas parlamentares consolidados no quadro de repúblicas “presidencialistas”, de monarquias constitucionais (inclusive não unitárias, ou seja federalistas) com parlamentarismo estabilizado, o que tampouco impediu a tentação bonapartista ou cesarista, quando não ditaduras despóticas.
Em resumo, as combinações as mais diversas são encontradas nos regimes presidencialistas ou parlamentaristas oficiais, com sistemas eleitorais e partidários que respondem pela maior ou menor estabilidade desses regimes, o que tampouco impede tentações populistas ocasionais, o que pode representar a preeminência do executivo em determinadas circunstâncias. O que é o Brasil, também em resumo? Um sistema dito presidencialista, por vezes temperado por um parlamento atuante, mas na maior parte do tempo um regime quase imperial na preeminência que o executivo exerce sobre o poder legislativo, este fragmentado por um sistema partidário permissivo e uma legislação eleitoral que redundou num desequilíbrio profundo da proporcionalidade.

Parlamentarismo vs presidencialismo: o que seria melhor para o Brasil?
Não existe uma resposta simples a esta questão, pois regimes políticos e sistemas de governo não existem no vácuo, ou são determinados idealmente, e sim são o resultado de forças sociais e movimentos políticos que evoluem historicamente e podem acabar sendo inclusive estáveis na sua disfuncionalidade. O Brasil, por exemplo, convive com uma tensão constante e com conflitos potenciais entre o poder do chefe de Estado e de governo que resulta de uma maioria presidencial eleita diretamente e o poder do parlamento, que padece de sério desequilíbrio de proporcionalidade, mas cuja fragmentação dificulta a formação de uma maioria legislativa estável. Essas diferenças de maiorias – direta ou representativa – constituem a fonte de tensões políticas e de crises de estabilidade (ou de instabilidade) que são recorrentes em nossa história.
A trajetória do nosso presidencialismo, relativamente errática, também depende da personalidade do chefe de governo e de Estado eleito diretamente pelo povo. Não surpreende, assim, que depois de uma relativa estabilidade sob o regime parlamentar monárquico (mas com frequentes intervenções do poder moderador para mudar as chefias de gabinete), passamos por não menos de sete constituições republicanas, com intervenções militares no quadro de crises políticas graves a cada vez, e com uma crise política atual na qual avulta um papel “moderador” do judiciário, mas também com um inédito ativismo de um “quarto poder”, o ministério público, um novo ator político.
Como o presidencialismo é fonte de tensões constantes entre os atores políticos e de conflitos com o poder legislativo, um critério de racionalidade recomendaria a adoção de um regime de tipo parlamentar, com pequena fragmentação partidária e um sistema eleitoral que reduzisse ao mínimo as assimetrias de proporcionalidade entre eleitorado e representação parlamentar. Esse tipo de regime permite acomodar pequenas ou grandes mudanças nos humores do eleitorado – e na eficácia maior ou menor das políticas públicas colocadas em vigor pelo executivo – com um mínimo de desgaste sistêmico, pois que contornadas crises e tensões com um simples voto de desconfiança ou a dissolução do parlamento pelo “poder moderador” de um presidente dotado de poucos poderes executivos, simplesmente pela mudança da chefia (e da maioria) do gabinete de base parlamentar.
É factível a adoção desse “tipo ideal” de governo no caso do Brasil? Estimo ser muito difícil a passagem a um regime desse tipo, pois teriam de ocorrer mudanças simultâneas nas legislações eleitoral e partidária sem que se constate a existência de qualquer tipo de consenso entre forças políticas dispersas num grande território e numa população também considerável caracterizados por grandes diferenças regionais e muitas desigualdades sociais (ou seja, assimetrias de situação econômica e de renda). Vícios herdados de velhas tradições históricas (o patrimonialismo, por exemplo) e de deformações políticas mais recentes (a hipertrofia do estatismo, o distanciamento do corpo político da base do eleitorado, a extensão e a profundidade do corporatismo, etc.), ademais da promiscuidade quase genética entre poder econômico e poder político tornam muito difícil o estabelecimento de um sistema político representativo mais racional, sujeito a regras de responsabilização (accountability), ou mais simplesmente a observância de regras impessoais, o que é vulgarmente conhecido como rule of Law.
O presidente tomou o lugar do antigo imperador, e reina quase absoluto ao dispor, na verdade, de mais poder do que o velho sistema oligárquico-monárquico, este temperado justamente pelo funcionamento do regime de gabinetes parlamentares que seriam, teoricamente, formados a partir de maiorias eleitorais (mas com escrutínios que podiam ser perfeitamente fraudados pelo velho sistema do coronelismo). Atualmente, o coronelismo tornou-se eletrônico, e pode ser manipulado diretamente a partir do poder executivo, que dispõe de responsabilidade e de recursos de tal monta que lhe permite submeter (ou comprar, literalmente) o parlamento. Este também exerce certo poder de chantagem sobre o executivo, o que se agrega à tensão natural entre as fontes diferenciadas de maioria política dos dois poderes.
A adoção de um regime parlamentarista mais ou menos funcional passaria pela adoção de um sistema eleitoral distrital, a diminuição da fragmentação partidária – que não precisa necessariamente passar pela adoção de cláusulas de barreira, podendo ser mais rapidamente obtido pela extinção completa de qualquer recurso coletivo para o funcionamento dos partidos e para a realização de campanhas eleitorais – e a contenção do patrimonialismo, que tampouco precisaria passar por maiores poderes de fiscalização ao Estado, podendo ser obtido pela diminuição drástica de responsabilidade por serviços coletivos atribuídos ao Estado, ou seja, diminuindo drasticamente a intermediação estatal no provimento da maior parte de serviços ditos coletivos (que podem ser obtidos via diferentes esquemas de mercado).
Esta mudança significativa do regime de governo e do sistema político no Brasil depende, é claro, da pressão da sociedade sobre o corpo legislativo, desde que exista certo consenso na sociedade em favor dessas medidas saneadoras de nosso sistema político. Dadas a atomização congressual atualmente existente – em função justamente do acúmulo de distorções ao longo do tempo – e as desigualdades regionais persistentes é difícil que tal consenso possa emergir rapidamente, pois mudanças de mentalidades são lentas e graduais. O corpo político – que se tornou relativamente independente da sociedade, vivendo em si e para si, numa redoma autista que controla a maior parte das instituições – não parece propenso a adotar mecanismos menos patrimonialistas, menos prebendalistas, nepotistas e fisiológicos de exercício do poder, preferindo continuar com as distorções atuais, o que lhe permite preservar comportamentos rentistas e extratores que garante o acumular de riqueza e de prestígio social de maneira quase indefinida.
Existe solução para um impasse que prolonga a anomia do sistema político e que preserva a maior parte da disfuncionalidade sistêmica já examinada neste texto? Não a curto prazo, pois a adoção de um sistema de governança mais racional depende de uma maior educação política por parte do eleitorado, ou simplesmente de uma melhor qualidade da educação tout court da população. A fração da cidadania consciente deve, portanto, continuar com um trabalho didático de educação e de convencimento da população de que muita coisa precisa mudar para que o Brasil seja um país “normal” do ponto de vista político, menos estatizante e mais livre economicamente. Oxalá...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de julho de 2017