Parlamentarismo, um sistema bem-sucedido
Ives Gandra da Silva Martins
O Estado de S. Paulo, 16/09/2016
Com exceção dos Estados Unidos, o presidencialismo nas Américas tem sido um permanente fracasso. Todos os países que o adotaram tiveram golpes de Estado, revoluções e períodos de uma frágil democracia.
Se analisarmos, depois da 2.a Guerra Mundial os principais países sul-americanos foram agitados por rupturas institucionais e regimes de exceção. Assim, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Venezuela, Cuba, etc., passaram por rupturas democráticas e pela implantação de regimes de força.
O Brasil, que viveu 42 anos no sistema parlamentar monárquico, desde 1889 jamais teve um período tão longo de estabilidade. De 1889 a 1930, foram 41 anos interrompidos pela ditadura Vargas (de 1930 a 1945). O período de 1946 a 1964 (18 anos) terminou com a revolução de 31 de março. A redemocratização de 1985 deu início a um período de 31 anos, com dois impeachments presidenciais e alta instabilidade. Os governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff levaram o País à crise econômica sem precedentes em sua História, com queda assustadora do PIB, 11,5 milhões de desempregados, retorno da inflação e fantástico nível de corrupção.
Decididamente, o presidencialismo não é um bom sistema, pois confunde o chefe de Estado com o chefe de governo e este, quando eleito, se sente dono do poder, transformando-o, o mais das vezes, numa ditadura a prazo certo.
Presidi entre 1962 e 1964, na cidade de São Paulo, o extinto Partido Libertador, o único partido autenticamente parlamentarista entre os 13 existentes até o Ato Institucional n.° 2. Declarava Raul Pilla, seu presidente nacional, ser o parlamentarismo o sistema de governo da “responsabilidade a prazo incerto”, pois, eleito um chefe de governo irresponsável, por voto de desconfiança é alijado do poder, sem traumas. O presidencialismo, ao contrário, considerava Pilla, é o sistema “da irresponsabilidade a prazo certo”, pois, eleito um presidente incompetente ou corrupto, só pelo traumático processo do impeachment é possível afastá-lo.
Vejamos, por exemplo, o Brasil atual. Desde 2014 os sinais de fracasso do modelo econômico adotado eram evidentes, mas só houve consenso em iniciar o processo de impeachment em meados de 2016.
Arend Lijphart, professor da Universidade Yale, publicou um livro, em 1984, intitulado Democracies: Patterns of Majoritarian & Consensus Government in Twenty-one Countries. Examinou o sistema dos 21 principais países do mundo onde não houvera ruptura institucional depois de 2.a Guerra Mundial e encontrou 20 hospedando o parlamentarismo e só os Estados Unidos presidencialista.
Historicamente, os dois sistemas têm origem na Inglaterra, o parlamentar (1688/89), e nos Estados Unidos, o presidencial (1776/87). A própria influência inglesa nas 13 colônias levou os norte-americanos a adotar um sistema presidencial quase parlamentar, pois lá o Congresso tem participação decisiva nas políticas governamentais.
O grande diferencial entre parlamentarismo e presidencialismo reside na responsabilidade. No parlamentarismo, o mau desempenho é motivo de afastamento do primeiro-ministro, eleito sem prazo certo para governar. A própria separação entre chefe de Estado e chefe de governo cria um poder ultrapartidário capaz de intervir nas crises, seja para avalizar novos governos escolhidos pelo Parlamento, seja para dissolver o Parlamento quando este se mostre também irresponsável, a fim de consultar o povo se aquele Parlamento continua a merecer a confiança do eleitor.
O simples fato de o chefe de governo ter de prestar contas ao Parlamento e os parlamentares poderem voltar mais cedo para casa impõe a seus governos a responsabilidade, característica dominante no sistema parlamentarista.
Por outro lado, a separação da chefia de governo da chefia de Estado – algo que, no presidencialismo, se confunde na mesma pessoa – facilita a adoção de outros atributos próprios do sistema parlamentar, como o da burocracia profissionalizada. Este jornal publicou em 3/1/2015 que, enquanto o governo parlamentar alemão tinha 600 funcionários não concursados para tais funções, a presidente Dilma Rousseff tinha 113 mil.
Eleito um governo, este escolherá entre os servidores públicos que estão no topo da carreira os que mais se afinam com a maneira de ser do novo governo. Gozam os presidentes dos Bancos Centrais de autonomia maior, quando não de independência. Por essa razão, nas quedas de Gabinete os servidores administram o País até a escolha de um novo governo, sem a economia ser afetada.
Acrescente-se que a maioria dos países parlamentares adota o voto distrital puro ou misto, o que facilita o controle do eleitor sobre o político eleito.
Os modelos parlamentaristas são diversos, com maior ou menor atuação do chefe de Estado. Alguns até exercem funções de governo, como nos modelos francês e português, por exemplo, mas a regra é não exercê-las.
Também os partidos políticos se fortalecem no parlamentarismo, enquanto no presidencialismo se esfacelam, à luz da maior força do presidente. Quando se diz que o Brasil não pode ter o parlamentarismo porque não tem partidos políticos, respondo que o Brasil não tem partidos políticos porque não tem o parlamentarismo. Cláusula de barreira é fundamental para evitar legendas de aluguel, algo que, no Brasil, é um dos maiores males do presidencialismo.
Creio que chegou o momento de repensar o modelo político brasileiro e adotar o sistema parlamentar, que sempre deu certo no mundo, substituindo o adotado pelo Brasil, cujo fracasso é fantasticamente constante na sua História. (O Estado de S. Paulo – 14/09/2016)
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS É PROFESSOR EMÉRITO DAS UNIVERSIDADES MACKENZIE, UNIP, UNIFIEO E UNIFMU, DO CIEE/”O ESTADO DE S. PAULO”, DA ECEME, DA ESG E DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL-13 REGIÃO
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Comentários:
De: Jorge Geisel
Enviada em: segunda-feira, 25 de dezembro de 2017 01:32
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Assunto: Parlamentarismo, um sistema bem-sucedido - Ives Gandra
Quase
ninguém aponta a medonha realidade das maiorias votantes dos Brasis.
Como transformar vereadores, deputados estaduais e congressistas da pior
qualidade, em fontes eleitorais indiretas para a escolha, dentro de
seus âmbitos, de governantes sem mandato por prazo certo? Ainda
mais,tudo dentro de uma federação capenga, com autonomias aleijadas de
subsidiariedades, eis um questionamento crucial.
Povo
decente e dono do seu nariz e livre para ditar as normas de seus
governos locais e regionais, é o que faltará em qualquer tentativa de
reformas políticas em Pindorama. Me atrevo dizer, que sem corrigir a
gravíssima situação da Política atual, no regime presidencialista
vigente, muito mais difícil seria uma mudança para o parlamentarismo. E
digo isso sendo adepto dele.
Infelizmente,
a elite republicana que proclamou-se sucessora das elites imperiais,
optou pelo presidencialismo norte-americano, sem saber muito bem o que
fazer dele, na União e nos Estados Federados. Alguns tentaram, mas foram
abortados pelas forças centrípetas das tendência herdadas do passado
centralizador do Império. Tudo desembocou no Estado Novo, com ditadura
de Getúlio por quinze anos...E diga-se, não foi uma ditamole de
generais seguidos, eleitos indiretamente pelo Congresso Nacional ou de
um Imperador magnânimo - fora uma ditadura na acepção da palavra.
Num
pais de povo analfabeto em política, por ignorância endêmica e ou
comodista por hábito, domesticado na servidão voluntária, os
autoritarismos, ditaduras disfarçadas, reaparecem periodicamente, mas
sem educar o povo para o self-government , sempre adiando sine die a
participação responsável do Indivíduo, desde a esfera de poder
republicano municipal, que lhe deveria dizer mais próximo. Mas, ao
contrário, o poder centralizador, onipresente e onisciente de Brasília,
é que lhe chama atenção diária e de onde acredita possa vir o
incremento de seus direitos e a redução de suas obrigações...
Os
intelectuais de Pindorama, oferecem seus equacionamentos, baseados no
que deu certo em outros países, mas esquecem-se de que brasileiros
querem lições mais fáceis para suas vidas... A preguiça mental abunda
por aqui.
Jorge Geisel
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Comentário de Ricardo Bergamini:
Querido amigo Cyro
Todas as opiniões dos membros de nosso grupo partem de uma premissa errada, qual seja: comparando as mazelas existentes no presidencialismo. Porém, em sendo aprovado o Parlamentarismo as regras eleitorais e partidárias serão diferentes das existentes no presidencialismo. Com isso é óbvio e ululante que os perfis dos políticos eleitos serão diferentes dos atuais, apenas por um único motivo, conforme abaixo:
- No Presidencialismo o legislativo aprova o orçamento repleto de gastos com bondades para atender as suas bases e o executivo que se exploda em cumprir.
- No Parlamentarismo o legislativo aprova o orçamento e fica responsável pela sua execução.
Somente pelo motivo acima o Parlamentarismo é muito menos ruim do que o Presidencialismo.
Sugiro pesquisar os artigos e livros do mestre Ives Gandra Martins sobre o tema e dificilmente alguém poderia ser contra o Parlamentarismo.
Não vou afirmar que o Parlamentarismo, por si só, resolverá todos os nossos problemas, mas posso afirmar que todos os conflitos políticos necessários para resolvermos os nossos graves problemas serão conduzidos de forma menos traumática do que no Presidencialismo. Disso não tenho dúvida.
Feliz Natal para todos
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