Até quando a América Latina suportará esse espetáculo propriamente "africano" num país que já foi, outrora, o de maior renda per capita da região?
Até quando crianças morrerão de fome na Venezuela, na total indiferença dos países vizinhos?
Até quando teremos de assistir realidades brutais como essa, ao lado do Brasil?
Paulo Roberto de Almeida
Nos últimos cinco meses, ‘New York Times’ visita 21
hospitais em 17 Estados e constata a falência do sistema de saúde venezuelano
CARACAS - O problema da fome assola a Venezuela há anos,
mas agora a desnutrição está matando as crianças em ritmo alarmante. Por cinco
meses, o New York Times acompanhou o cotidiano hospitais públicos venezuelanos
e, segundo os médicos, o número de mortes por desnutrição é recorde.
Desde que a economia da Venezuela começou a ruir, em
2014, protestos por falta de comida se tornaram comuns. Também virou rotina ver
soldados montando guarda diante de padarias e multidões enfurecidas saqueando
mercados.
As mortes por desnutrição são o segredo mais bem guardado
do governo de Nicolás Maduro. Nos últimos cinco meses, o New York Times
entrevistou médicos de 21 hospitais em 17 Estados. Os profissionais descrevem
salas de emergência cheias de crianças com desnutrição grave, um quadro que
raramente viam antes da crise.
“As crianças chegam em condições muito graves de
desnutrição”, disse o médico Huníades Urbina Medina, presidente da Sociedade
Venezuelana de Pediatria. De acordo com ele, os médicos venezuelanos têm se
deparado com casos de desnutrição semelhantes aos encontrados em campos de
refugiados.
ara muitas famílias de baixa renda, a crise redesenhou
completamente a paisagem social. Pais preocupados ficam dias sem comer,
emagrecem e chegam a pesar quase o mesmo que seus filhos. Mulheres fazem fila
em clínicas de esterilização para evitar bebês que não possam alimentar.
Jovens que deixam suas casas e se juntam a gangues de rua
para vasculhar o lixo atrás de sobras carregam na pele cicatrizes de brigas de
faca. Multidões de adultos avançam sobre o lixo de restaurantes após os
estabelecimentos fecharem. Bebês morrem porque é difícil encontrar e pagar pela
fórmula artificial que substitui leite materno, até mesmo nas salas de
emergência.
“Às vezes, eles morrem de desidratação nos meus braços”,
afirmou a médica Milagros Hernández, na sala de emergência de um hospital
pediátrico na cidade de Barquisimeto. Ela diz que o aumento de pacientes
desnutridos começou a ser notado no fim de 2016. “Em 2017, o aumento foi
terrível. As crianças chegam com o mesmo peso e tamanho de um recém-nascido.”
Antes de a economia entrar em colapso, segundo os
médicos, quase todos os casos de desnutrição registrados nos hospitais públicos
eram ocasionados por negligência ou abusos por parte dos pais. Quando a crise
se agravou, entre 2015 e 2016, o número de casos no principal centro de saúde infantil
da capital venezuelana triplicou.
Nos últimos dois anos, a situação ficou ainda pior. Em
muitos países, a desnutrição grave é causada por guerras, secas ou algum tipo
de catástrofe, como um terremoto”, disse a médica Ingrid Soto de Sanabria,
chefe do departamento de nutrição, crescimento e desenvolvimento do hospital.
“Mas, na Venezuela, ela está diretamente relacionada à escassez de comida e à
inflação.”
O governo venezuelano tem tentado encobrir a crise no
setor de saúde por meio de um blecaute quase total das estatísticas, além de
criar uma cultura que deixa os profissionais com medo de relatar problemas e
mortes ocasionados por erros do governo.
As estatísticas, porém, são estarrecedoras. O relatório
anual do Ministério da Saúde, de 2015, indica que a taxa de mortalidade de
crianças com menos de 4 semanas aumentou em 100 vezes desde 2012, de 0,02% para
pouco mais 2% - a mortalidade materna aumentou 5 vezes no mesmo período.
Por quase dois anos, o governo venezuelano não publicou
nenhum boletim epidemiológico ou estatísticas relacionadas à mortalidade
infantil. Em abril, porém, um link apareceu subitamente no site do Ministério
da Saúde conduzindo os internautas a boletins secretos. Os documentos indicavam
que 11.446 crianças com menos de 1 ano morreram em 2016 - um aumento de 30% em
um ano.
Os dados ganharam manchetes nacionais e internacionais
antes de o governo declarar que o site tinha sido hackeado. Em seguida, os
relatórios foram retirados do ar. Antonieta Caporale, ministra da Saúde, foi
demitida e a responsabilidade de monitorar os boletins foi passada aos
militares. Nenhuma informação foi divulgada desde então.
Os médicos também são censurados nos hospitais e
frequentemente alertados para não incluir desnutrição infantil nos registros.
“Em alguns hospitais públicos, os diagnósticos clínicos de desnutrição foram
proibidos”, afirmou Urbina.
No entanto, médicos entrevistados em 9 dos 21 hospitais
investigados mantiveram ao menos algum tipo de registro. Eles constataram
aproximadamente 2,8 mil casos de desnutrição somente no último ano - e crianças
famintas regularmente sendo levadas para a emergência. Quase 400 delas
morreram, segundo os pediatras. “Nunca na minha vida vi tantas crianças
famintas”, afirmou a médica Livia Machado, pediatra que oferece consultas
grátis em uma clínica particular.
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