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domingo, 7 de janeiro de 2024

Presidencialismo vs. parlamentarismo: notas impressionistas - Paulo Roberto de Almeida

Presidencialismo vs. parlamentarismo: notas impressionistas 

 

Paulo Roberto de Almeida

 [Considerações contextuais e históricas sobre regimes e sistemas de governo; esclarecimento pessoal em caráter preliminar, sem qualquer base empírica]

 

Introdução

Qualquer debate sobre sistemas de governo necessita começar por uma definição dos termos, tendo em vista a complexidade do debate. Normalmente se considera haver uma oposição entre os sistemas de governo e seus respectivos regimes políticos, embora na realidade diversas combinações sejam possíveis. O presidencialismo, em sua forma moderna, é relativamente recente na história da humanidade, datando, para observar uma regra de quase consenso entre os historiadores políticos, da fundação do regime republicano dos Estados Unidos da América, tendo sido adotado quase unanimemente no resto do hemisfério (com a notável exceção do Brasil, por razões dinásticas). Mas o parlamentarismo tampouco é muito mais antigo, embora o princípio da representação seja mais velho que os regimes parlamentaristas modernos, contemporâneos, grosso modo, dos regimes monárquicos constitucionais. Uma regra simples de definição do presidencialismo é o de colocar a chefia do executivo sob o comando de um político eleito diretamente pelo povo, por regras distintas daquelas sob as quais se elege o parlamento, ao passo que este último detém praticamente o comando dos dois poderes no regime de gabinete parlamentarista, ou seja, de governo congressual. Adotaremos essa distinção básica, sabendo embora que regras eleitorais e modos de escrutínio também desempenham papeis relativamente importantes no que toca a forma de funcionamento de um ou outro regime e sistema de governo.

 

A questão histórica

Regimes de representação sempre existiram no caso de sociedades abertas, ou seja, não despóticas. Regimes com mandatos executivos também, inclusive no caso de formações despóticas, que podem ser equivalentes a monarquias absolutistas, ou ditaduras carismáticas. Ou seja, o presidencialismo não é necessariamente republicano, nem as repúblicas precisam ser todas presidencialistas, bem ao contrário. A democracia ateniense combinava um pouco dos dois regimes e o próprio Aristóteles refletia sobre as diferentes combinações de regimes, tomando inclusive o cuidado de não considerar a democracia de massa, ou seja, aquela derivada exclusivamente da vontade da maioria, como o regime mais adequado. Democracia de massa é uma realidade moderna.

No caso do Brasil, por exemplo, passamos por praticamente todos os regimes políticos e sistemas de governo, a saber: monarquia absoluta, monarquia constitucional com poder moderador (invenção de Benjamin Constant), monarquia parlamentarista com chefe de gabinete, governo republicano provisório de corte jacobino, governo presidencialista oligárquico, presidencialismo provisório seguido de presidencialismo com eleições indiretas e representação classista, ditadura republicana centralizadora, republicanismo federalista com eleições diretas para os executivos e representação proporcional nas assembleias, parlamentarismo improvisado para superar crise política, ditadura republicana com limitações de voto e de representação, retorno a um sistema republicano descentralizado, mas preservando deformações na proporcionalidade da representação e espírito parlamentar das atribuições legislativas, tentação parlamentar a cada crise política ou desarmonia entre os poderes; poder moderador informal exercido pelas forças armadas durante boa parte do regime republicano, substituído por forte preeminência do Judiciário e do Ministério Público na fase contemporânea. Ou seja, o Brasil sempre foi uma espécie de laboratório de arranjos político-eleitorais-partidários os mais diversos, sem que necessariamente eles observem coerência entre si, ou que esta exista entre os regimes políticos e os sistemas de governo sucessivos.

No caso dos Estados Unidos, o primeiro e mais estável sistema presidencialista da história, cabe registrar que a separação e o equilíbrio de poderes é relativamente consolidado, mas com gradações diferentes segundo as épocas. O regime sempre foi bastante descentralizado, com base em poderes locais e um sistema de democracia de base, o chamado grass-roots, mas o governo era basicamente congressual, ou seja, a maioria das atribuições de formulação de políticas tinham de passar pelo Congresso, embora o chefe do executivo as aplicasse depois. Depois da guerra civil, e dos dois grandes engajamentos bélicos externos, e também durante os embates da Guerra Fria, o presidente foi adquirindo (ou usurpando) mais poderes, o que também não deixa de gerar mini-crises entre os poderes (eventualmente resolvidas pelo recurso à punição do impeachment). O respeito ao Estado de direito, à Constituição, é um valor em si.

Na experiência europeia, depois da dissolução do império romano do Ocidente, o caos mais absoluto reinou, com regimes os mais diversos em pequenos e grandes Estados, de caráter republicano oligárquico, de absolutismo monárquico fragmentado, de monarquia absoluta centralizadora, de ampliação das franquias eleitorais no quadro de um parlamentarismo evolutivo, com diferentes sistemas eleitorais, chegando a sistemas parlamentares consolidados no quadro de repúblicas “presidencialistas”, de monarquias constitucionais (inclusive não unitárias, ou seja federalistas) com parlamentarismo estabilizado, o que tampouco impediu a tentação bonapartista ou cesarista, quando não ditaduras despóticas. 

Em resumo, as combinações as mais diversas são encontradas nos regimes presidencialistas ou parlamentaristas oficiais, com sistemas eleitorais e partidários que respondem pela maior ou menor estabilidade desses regimes, o que tampouco impede tentações populistas ocasionais, o que pode representar a preeminência do executivo em determinadas circunstâncias. O que é o Brasil, também em resumo? Um sistema dito presidencialista, por vezes temperado por um parlamento atuante, mas na maior parte do tempo um regime quase imperial na preeminência que o executivo exerce sobre o poder legislativo, este fragmentado por um sistema partidário permissivo e uma legislação eleitoral que redundou num desequilíbrio profundo da proporcionalidade. 

 

Parlamentarismo vs. presidencialismo: o que seria melhor para o Brasil?

Não existe uma resposta simples a esta questão, pois regimes políticos e sistemas de governo não existem no vácuo e não são determinados idealmente, e sim são o resultado de forças sociais e movimentos políticos que evoluem historicamente e podem inclusive acabar sendo estáveis na sua disfuncionalidade. O Brasil, por exemplo, convive com uma tensão constante e com conflitos potenciais entre o poder do chefe de Estado (e de governo), que resulta de uma maioria presidencial eleita diretamente, e o poder do parlamento, que padece de sério desequilíbrio de proporcionalidade, mas cuja fragmentação dificulta a formação de uma maioria legislativa estável. Essas diferenças de maiorias – direta ou representativa – constituem a fonte de tensões políticas e de crises de estabilidade (ou de instabilidade) que são recorrentes em nossa história. 

A trajetória do nosso presidencialismo, relativamente errática, também depende da personalidade do chefe de governo e de Estado eleito diretamente pelo povo. Não surpreende, assim, que depois de uma relativa estabilidade sob o regime parlamentar monárquico (mas com frequentes intervenções do poder moderador para mudar as chefias de gabinete), passamos por não menos de sete constituições republicanas, com intervenções militares no quadro de crises políticas graves a cada vez, e com uma crise política atual na qual avulta um papel “moderador” do judiciário, mas também com um inédito ativismo de um “quarto poder”, o ministério público, um novo ator político. 

Como o presidencialismo é fonte de tensões constantes entre os atores políticos e de conflitos com o poder legislativo, um critério de racionalidade recomendaria a adoção de um regime de tipo parlamentar, com pequena fragmentação partidária e um sistema eleitoral que reduzisse ao mínimo as assimetrias de proporcionalidade entre eleitorado e representação parlamentar. Esse tipo de regime permite acomodar pequenas ou grandes mudanças nos humores do eleitorado – e na eficácia maior ou menor das políticas públicas colocadas em vigor pelo executivo – com um mínimo de desgaste sistêmico, pois que contornadas crises e tensões com um simples voto de desconfiança ou a dissolução do parlamento pelo “poder moderador” de um presidente dotado de poucos poderes executivos, simplesmente pela mudança da chefia (e da maioria) do gabinete de base parlamentar. 

É factível a adoção desse “tipo ideal” de governo no caso do Brasil? Estimo ser muito difícil a passagem a um regime desse tipo, pois teriam de ocorrer mudanças simultâneas nas legislações eleitoral e partidária sem que se constate a existência de qualquer tipo de consenso entre forças políticas dispersas num grande território e numa população também considerável caracterizados por grandes diferenças regionais e muitas desigualdades sociais (ou seja, assimetrias de situação econômica e de renda). Vícios herdados de velhas tradições históricas (o patrimonialismo, por exemplo) e de deformações políticas mais recentes (a hipertrofia do estatismo, o distanciamento do corpo político da base do eleitorado, a extensão e a profundidade do corporatismo, etc.), ademais da promiscuidade quase genética entre poder econômico e poder político tornam muito difícil o estabelecimento de um sistema político representativo mais racional, sujeito a regras de responsabilização (accountability), ou mais simplesmente a observância de regras impessoais, o que é vulgarmente conhecido como rule of Law.

O presidente tomou o lugar do antigo imperador, e reina quase absoluto ao dispor, na verdade, de mais poder do que o velho sistema oligárquico-monárquico, este temperado justamente pelo funcionamento do regime de gabinetes parlamentares que seriam, teoricamente, formado a partir de maiorias eleitorais (mas com escrutínios que podiam ser perfeitamente fraudados pelo velho sistema do coronelismo). Atualmente, o coronelismo tornou-se eletrônico, e pode ser manipulado diretamente a partir do poder executivo, que dispõe de responsabilidade e de recursos de tal monta que lhe permite submeter (ou comprar, literalmente) o parlamento. Este também exerce certo poder de chantagem sobre o executivo, o que se agrega à tensão natural entre as fontes diferenciadas de maioria política dos dois poderes. 

A adoção de um regime parlamentarista mais ou menos funcional passaria pela adoção de um sistema eleitoral distrital, a diminuição da fragmentação partidária – que não precisa necessariamente passar pela adoção de cláusulas de barreira, podendo ser mais rapidamente obtido pela extinção completa de qualquer recurso coletivo para o funcionamento dos partidos e para a realização de campanhas eleitorais – e a contenção do patrimonialismo, que tampouco precisaria passar por maiores poderes de fiscalização ao Estado, podendo ser obtido pela diminuição drástica de responsabilidade por serviços coletivos atribuídos ao Estado, ou seja, diminuindo drasticamente a intermediação estatal no provimento da maior parte de serviços ditos coletivos (que podem ser obtidos vias diferentes esquemas de mercado). 

Esta mudança significativa do regime de governo e do sistema político no Brasil depende, é claro, da pressão da sociedade sobre o corpo legislativo, desde que exista certo consenso na sociedade em favor dessas medidas saneadoras de nosso sistema político. Dadas a atomização congressual atualmente existente – em função justamente do acúmulo de distorções ao longo do tempo – e as desigualdades regionais persistentes é difícil que tal consenso possa emergir rapidamente, pois mudanças de mentalidades são lentas e graduais. O corpo político – que se tornou relativamente independente da sociedade, vivendo em si e para si, numa redoma autista que controla a maior parte das instituições – não parece propenso a adotar mecanismos menos patrimonialistas, menos prebendalistas, nepotistas e fisiológicos de exercício do poder, preferindo continuar com as distorções atuais, o que lhe permite preservar comportamentos rentistas e extratores que garante o acumular de riqueza e de prestígio social de maneira quase indefinida. 

Existe solução para um impasse que prolonga a anomia do sistema político e que preserva a maior parte da disfuncionalidade sistêmica já examinada neste texto? Não a curto prazo, pois a adoção de um sistema de governança mais racional depende de uma maior educação política por parte do eleitorado, ou simplesmente de uma melhor qualidade da educação tout court da população. A fração da cidadania consciente deve, portanto, continuar com um trabalho didático de educação e de convencimento da população de que muita coisa precisa mudar para que o Brasil seja um país “normal” do ponto de vista político, menos estatizante e mais livre economicamente. Oxalá...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3136: 7 de julho de 2017; Divulgado na plataforma Academia.edu (7/01/2024; link: https://www.academia.edu/113074838/3136_Presidencialismo_vs_parlamentarismo_notas_impressionistas_2017_).

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

O parlamentarismo é a solução? Sim, mas apenas depois de retrocessos temporários - Paulo Roberto de Almeida

O parlamentarismo é a solução? Sim, mas apenas depois de retrocessos temporários

Paulo Roberto de Almeida


O líder do governo no Senado diz que o país está ficando “ingovernável” por causa das emendas parlamentares obrigatórias e incontingenciáveis, o que eu chamo de estupro orçamentário. Um plebiscito deveria determinar se o parlamentarismo seria a solução, diz ele. 

Sabemos que o parlamentarismo não será aceito, pois a população não confia nos políticos (como se o presidente não fosse um). Os parlamentares gastam, mas não têm nenhuma responsabilidade pelo equilíbrio fiscal. 

É o pior dos mundos.

E o Brasil continuará nele por muitos anos mais.

Afirmo que o parlamentarismo seria um avanço para o país (com uma reforma radical dos sistemas partidário e eleitoral), por diminuir o inevitável populismo demagógico dos candidatos a presidente, quase um imperador no Brasil. 

Mas não tenho nenhuma ilusão de que a melhoria ocorreria imediatamente. Numa primeira fase, o parlamentarismo representará a exacerbação de tudo o que existe de negativo no atual sistema, caracterizado pir um estamento político predatório e medíocre: nepotismo, fisiologismo, prebendalismo, corrupção, desperdício, acentuação das desigualdades e da concentração de renda, fragmentação das políticas públicas (macro e setoriais), corporativismo, deformações diversas, enfim.

Apenas numa segunda ou terceira fase, depois de diversos percalços e fracassos, com a educação política da população, ou da educação tout court, é que o sistema parlamentar revelará os seus frutos.

Sorry pela decepção!

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 19/12/2023


terça-feira, 22 de agosto de 2023

Carisma vs instituições: os impasses - Paulo Roberto de Almeida

 Carisma vs instituições: os impasses

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre os impasses criados por lideranças personalistas para diferentes países.


De vez em quando, países inteiros são sequestrados por fortes personalidades, que desviam o curso de políticas domésticas e externas, que deveriam focar o progresso econômico e social, mas acabam criando impasses na trajetória do país. Exemplos de distorções políticas abundam, no Brasil e no exterior.

Quais seriam os beneficios concretos, para o Brasil e os brasileiros, da participação do país num projeto que pretende criar uma “nova ordem mundial” não definida claramente, mas fortemente orientada pelos interesses nacionais de duas grandes autocracias? Propensões pessoais estão se substituindo a análises ponderadas em torno de escolhas relevantes para o futuro da nação. 

Os caminhos erráticos de alguns dos “parceiros” do Brasil deveriam oferecer motivo de reflexão aos dirigentes: o que dizer, por exemplo, das trajetórias respectivas da Argentina e da Rússia nas últimas décadas?

O próprio Brasil tem enfrentado bloqueios em seu processo de desenvolvimento, não apenas devido a barreiras institucionais, mas também a impulsos pessoais, com escassa discussão exaustiva sobre as orientações adotadas. 

Em todos esses casos, o personalismo de dirigentes nacionais se sobrepôs a uma trajetória alternativa que seria de ordem mais colegiada, característica de sistemas parlamentaristas ou de presidencialismo congressual, como nos EUA.

O Brasil parece embarcar novamente em aventuras de cunho personalista de duvidoso e incerto resultado positivo para o progresso da nação. Até quando?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/08/2023


domingo, 24 de janeiro de 2021

Por que não o parlamentarismo? - Otaviano Canuto, Tiago Ribeiro dos Santos

 

E por que não parlamentarismo?, questionam Otaviano Canuto e Tiago Ribeiro

Sistema está ligado às conquistas sociais

Costuma ter mais liberdade política

Também é comum ser líder em inovação

Sessão de votação no Parlamento Europeu. Continente é o que tem mais países que utilizam o sistema parlamentarista© União Europeia 2018 – Parlamento Europeu (via Fotos Públicas)


23.jan.2021 (sábado) - 6h00

Nos anos 90, Francis Fukuyama decretou o fim da história em grande medida por uma percebida inevitabilidade do modelo de governo democrático representativo ocidental. Hoje vemos que a história está longe de ter chegado ao fim. Há uma percepção compartilhada entre diversos grupos de que o sistema atual precisa melhorar e poucas épocas foram tão prolíficas em produzir ideias sobre como melhor organizar a sociedade.

O exame das redes sociais, onde são comuns rosas atreladas aos nomes dos usuários, mostra que ideias de socialismo não se esgotaram com a queda do muro de Berlim. Ideias anátemas para o Brasil, como o anarco-capitalismo, ganham espaço, ainda que em nichos. Grupos como o Radical Xchange propõem votos adquiríveis em mercado a preços cada vez mais altos, enquanto outros propõem o recurso à democracia direta digital em larga escala e outros ainda o uso de loterias para a escolha dos parlamentares, em nome da representatividade máxima da população. Diante do tanto que não se sabe sobre quais efeitos esperar de algumas das propostas, cabe a pergunta: por que não o parlamentarismo?

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O parlamentarismo é, de longe, a forma de governo histórica e presentemente mais associada com as conquistas sociais prezadas pelas mais distintas ideologias. Países parlamentaristas têm mais liberdades políticas e econômicas, mas também maior igualdade em ambas as dimensões. Protegem melhor o meio ambiente, contam com mais igualdade de gênero e com menos conflitos internos. Preservam suas histórias e suas tradições, mas também são líderes em inovação.

Quando confrontadas com esses fatos, a maioria das pessoas argumenta ser absurdo atribuir ao parlamentarismo em si essas vantagens. Certamente haveria outros fatores que melhor explicariam essa coincidência – como o fato de boa parte dos regimes parlamentaristas se encontrar na Europa, enquanto a América Latina e a África são majoritariamente presidencialistas. Em livro publicado no ano passado, um de nós examina a teoria e as evidências disponíveis de diversos campos – história, ciência política, economia – e conclui que a explicação mais simples para essas diferenças é também a mais provável: o parlamentarismo está por trás de boa parte desses resultados, pois consegue minimizar consistentemente os perigos do personalismo.

Uma das objeções mais comuns é a alegação de que o país mais rico do mundo, os Estados Unidos, é presidencialista. O primeiro problema desse argumento é que, dos países presidencialistas, os Estados Unidos tradicionalmente concentraram muito menos poder no presidente. Embora o poder presidencial venha aumentando, ele ainda é mais restrito do que na maioria das democracias presidencialistas do resto do mundo. Todos os cargos ministeriais e de vice-ministros, por exemplo, dependem de sabatina do Senado norte-americano. Em decisões de âmbito mais geral e perene, a ação do poder executivo tem que ser corroborada pelo congresso.

O segundo problema do argumento é que, ainda que o presidente norte-americano fosse constitucionalmente tão poderoso quanto outros presidentes latino-americanos e africanos, a existência de exceções não invalida uma tendência geral – o fato de muitas pessoas viverem mais de cem anos apesar de fumarem diariamente não desqualifica o vínculo do cigarro com o câncer de pulmão.

O exemplo do cigarro é particularmente adequado porque os desafios que defensores do parlamentarismo encontram em sua defesa do sistema são semelhantes aos que alertavam para os perigos do cigarro em meados do século XX. Céticos, entre eles o destacado estatístico Ronald Fisher, agarravam-se à ausência de estudos randomizados para declarar que a relação causal entre cigarro e câncer de pulmão não poderia ser estabelecida. Não era realista acreditar que estudos randomizados seriam feitos com cigarros naquela época, nem é realista esperar estudos randomizados sobre formas de governo.

Se ao menos os céticos fossem consistentes em seu rigor, poderíamos concordar. Mas essa consistência é impossível. Países precisam adotar alguma forma de governo e de organização econômica e qualquer crítica de falta de estudos conclusivos aplicável ao parlamentarismo se aplica com a mesma força a todas as outras propostas na arena pública, com a diferença de que essas propostas não contam com a riqueza de teoria e evidências com que conta o parlamentarismo. Por esses motivos é que propomos a inversão do ônus da prova aos que argumentam contra a forma de organização social mais bem-sucedida da humanidade: por que não?

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Autores

Otaviano Canuto

Otaviano Canuto

Otaviano Canuto, 64 anos, é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor-executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no ministério da fazenda e professor da USP e da Unicamp. Escreve para o Poder360 mensalmente, com publicação sempre aos sábados.

Tiago Ribeiro dos Santos

Tiago Ribeiro dos Santos

Tiago Ribeiro dos Santos é diplomata de carreira e autor do livro “Why Not Parliamentarism?”. As opiniões aqui expressas não representam as de qualquer instituição a que esteja vinculado.

https://www.poder360.com.br/opiniao/partidos-politicos/e-por-que-nao-parlamentarismo-questionam-otaviano-canuto-e-tiago-ribeiro/?fbclid=IwAR2DyX6zS7yFvpQB2ZFr7bVAv0HeqyxafWBxks7sXG1ntsKq9SPEy5Xq27I


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Os construtores do Império: debate com Rodrigo Marinho - Brasília, 5/09, 19:30hs


Não sei se dá para tomar umas e outras com construtores do Império – dos quais os mais importantes não estão retratados no poster: Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vergueiro, Honório Hermeto, Paulino, Queiroz, Alves Branco, Paranhos, e vários outros –, mas prometo um bom debate com meu amigo Rodrigo Marinho.
Em todo caso, posto novamente o resumo que fiz do livro base para o debate, que todos podem ler.
Existe em formato digital na Biblioteca da Câmara dos Deputados, neste link: 
https://livraria.camara.leg.br/os-construtores-do-imperio


A trajetória do conservadorismo no Brasil, segundo Oliveira Torres


Paulo Roberto de Almeida
Resenha para palestra-debate

A trajetória do conservadorismo no Brasil, segundo Oliveira Torres


Paulo Roberto de Almeida
Resenha para palestra-debate

João Camillo de Oliveira Torres
Os Construtores do Império: ideais e lutas do Partido Conservador brasileiro
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968; Coleção Brasiliana vol. 340


No começo do século XIX, e sobretudo durante as turbulências das Regências, os fundadores do Império e os políticos da segunda geração viam no regime monárquico uma garantia de ordem e tranquilidade. Já no final do século, a intelligentsia brasileira, as novas camadas das escolas militares, civis e religiosas eram todas republicanas. Américo Jacobina Lacombe, diretor da Brasiliana diz, em sua orelha ao livro, repetindo Nabuco, que “causava mais escândalo um jovem declarar-se monárquico do que republicano”.
Em seu Prefácio a esta nova obra – que se segue a diversas outras de todo um ciclo dedicado ao pensamento político brasileiro, começando pelo Positivismo (1943; 1957), passando pela Democracia Coroada: teoria política do Império do Brasil (1952; 1957; 1964) e pela Formação do Federalismo no Brasil e pelo Presidencialismo (ambos de 1961) – João Camillo de Oliveira Torres diz que tinha iniciado a Democracia Coroada num espírito perfeitamente liberal, inclusive porque as ideias correspondiam ao “espírito da época”. Não obstante, ao terminá-lo, começou a “considerar a versão conservadora como a autêntica” (p. xiii). Ele confessa que “o livro terminou sendo de cunho nitidamente ‘saquarema’.” (idem). E completa: “Depois, meditando bem, senti que, de fato, não resistiria à força dos argumentos e do prestígio dos conservadores. Comecei liberal; o livro saiu conservador...” (pp. xiii-xiv).
Ele passou a admirar os conservadores, “construtores do Império”, e considerava o Regresso “talvez a época mais importante do Brasil” (p. xiv). Diz isso por causa da criação do Conselho de Estado, da obra do Visconde de Uruguai – “que em 1841 funda a máquina da autoridade no Brasil, criando uma aparelhagem policial de certo modo ainda em vigor até hoje, e depois, em 1862 e 1865, publica livros notáveis estabelecendo a teoria da centralização sem a qual, dizia ele, ‘não haveria Império’, ou, melhor dito, não haveria Brasil, hoje” (idem) – e também por causa da leitura de grandes obras saquaremas. Foi por considerar que a liberdade não se sustenta sem “condições efetivas e bem fundadas na realidade”, que JCOT percebeu a “força da contribuição conservadora para a grandeza do Brasil” (idem). Ao contrário dos Liberais, os saquaremas “eram homens que viviam a realidade concreta do país em que estavam, não do país em que gostariam de estar” (p. xv).
Os conservadores foram os que fizeram a “defesa do Poder Moderador, vale dizer, da autoridade do Imperador” (p. xv). Ele fornece imediatamente as razões dessa escolha: “Os liberais queriam um parlamentarismo à inglesa, reduzindo o Imperador à posição de meio juiz do jogo, governando de acordo com as maiorias parlamentares. Mas acontece que, por força das condições puramente sociais do país (densidade demográfica, população praticamente rural, etc.), a vida eleitoral era impraticável. Faltava o que havia na Inglaterra: uma população urbana densa, uma classe média sólida” (p. xv). Mas ele não esconde sua surpresa com “certos paradoxos da política conservadora – o conservadorismo liberal de um Rio Branco, o liberalismo conservador de Ouro Preto e Alves Branco, a Abolição como obra conservadora, etc.” (p. xvi). Considera que o ponto alto do republicanismo no Brasil é, de fato, um resultado do Partido Conservador, como o governo de Rodrigues Alves e a política diplomática do Barão do Rio Branco, “conscientemente na linha paterna e imperial” (idem).

Conceito de conservadorismo
Entre os elementos do conservadorismo, com base em Russell Kirk – The Conservative Mind (1953) –, se situam o reconhecimento da legitimidade da existência de classes e hierarquias sociais, a convicção de que propriedade e liberdade estão intimamente ligadas, o tradicionalismo, a distinção entre mudança e reforma, ou entre revolução e reforma (p. 1). O conservadorismo estima que as mudanças sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro. Pode-se reformar, por meio de uma cautelosa adaptação do existente às novas condições, mas não empreender o estabelecimento de algo radicalmente novo (p. 2) Conservadores não são nem imobilistas, nem reacionários, mas tampouco são progressistas, que tendem a renegar o passado, algo que os conservadores reconhecem como válido e importante. O conservador considera que se pode conservar reformando, uma vez que as reformas, em si mesmas, são necessárias, mas não convém precipitá-las.
JCOT acredita que “Teoricamente, a restauração da monarquia no Brasil é possível; basta que ocorram circunstâncias que convençam os homens que dominam as alavancas do poder, da conveniência da solução” (p. 6). Mas ele acredita que uma volta da monarquia não seria como no Segundo Reinado: “não traria a restauração do Império patriarcal e conservador de D. Pedro II, mas muito possivelmente, um tipo de monarquia socialista em moldes escandinavos” (p. 6). A “política verdadeiramente conservadora, não reacionária ou imobilista, não procura deter as reformas ou impedir as transformações, mas dar-lhes um tom moderado e tranquilo, acomodá-las às condições gerais da sociedade, naturalizá-las, em suma” (p. 8).

O conservadorismo no Brasil
No Império, o Partido Conservador lutava pela unidade nacional, fundada na democracia liberal (p. 9). “Os ‘saquaremas’ tinham como dogma fundamental que a liberdade somente está devidamente protegida se encontra o apoio de uma autoridade forte e imparcial. Contra a tendência ao anarquismo que as doutrinas de Rousseau possuíam em estado latente, fundando a liberdade na ausência de poder, na abolição de qualquer ordem ou categoria social, os conservadores postulavam o princípio de que os cidadãos não poderiam ser livres senão sujeitos à lei, a uma autoridade justa, neutra, imparcial, soberana, que fizesse a todos justiça reta e igual. Nada melhor simbolizaria essa autoridade do que o poder régio” (p. 10).
JCOT divide a história eleitoral do Império no Brasil em três fases: a anterior à adoção do governo de gabinete, em 1847, onde não havia voto partidário ou de bancada. Depois, quando se passou à adoção do governo de gabinete, surgiu o problema de como constituir uma verdadeira maioria, mas também surgiu a política das qualificações, ou seja, o “partido que controlasse as autoridades policiais ganhava as eleições por um processo muito simples: impedindo que os adversários se qualificassem, se alistassem” (p. 15). Depois da Lei Saraiva – o Decreto 3.029, de 29/01/1881, instituindo o título de eleitor, proibindo o voto do analfabeto e adotando o voto direto para todos os cargos eletivos do Império, inclusive o de juiz de paz, obra, em grande medida, de Ruy Barbosa –, que estabeleceu um alistamento permanente, feito pela magistratura, a situação mudou, mas o voto era censitário, ou seja, apenas os que possuíssem renda não inferior a 200 mil réis. Essa lei foi altamente favorável ao Partido Liberal, que a fez, a despeito do censo alto e da homogeneidade de candidatura num determinado distrito. Nas cidades, votava o eleitorado urbano, que estava bem representado; no interior, apenas os fazendeiros.
O Senador Nabuco de Araújo resumia o sentido dos gabinetes do Império, na segunda fase da trajetória eleitoral do regime monárquico: “O Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar ministérios: esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la e esta eleição faz a maioria.” (p. 18) De certa forma se confirmava a frase: “Nada tão parecido a um ‘saquarema’ como um ‘luzia’ no poder” (p. 33).
A importância dos presidentes de província era crucial nas eleições e para diversos serviços públicos, inclusive polícia. “O chefe da polícia dependia do governo-geral, estando subordinado ao Ministério da Justiça. Mas os delegados e subdelegados eram de nomeação dos presidentes de província, por indicação do chefe de polícia, homem, também, de seu partido.” (p. 23) O título eleitoral, ou seja, a instituição de um eleitorado permanente, mudou a vida política do país, “pondo fim à comédia das ‘qualificações’, estabilizou a vida política em bases sólidas” (p. 24). “O corpo eleitoral do Império, dividido em duas correntes, passou a ter existência permanente, e que passou, afinal de contas, o comparecimento às urnas de eleitores liberais e conservadores.” (p. 25) As mudanças nas regras começaram com Paulino, a partir de 1841, quando centralizou a Justiça e a polícia. De certa forma, o Imperador passou a exercer o papel de corpo eleitoral a partir dessa fase (p. 30).

Quem eram os conservadores no Império?
O primeiro deles, fundador do Partido, foi Bernardo Pereira de Vasconcelos, liberal na origem, foi o líder do Regresso (p. 34). A ele se deve: o Código Criminal do Império, a lei do Supremo Tribunal, o Colégio Pedro II, o Arquivo Nacional, o texto do Ato Adicional (de 1834), o Conselho de Estado: “Seus discursos são autênticas conferências” (p. 34).
Honório Hermeto Carneiro Leão, mineiro, marquês de Paraná, líder da ala moderada, chefe do gabinete de Conciliação, esteve na missão que derrubou Rosas, e fez a pacificação de Pernambuco. “Era autoritário, objetivo, homem que sabia onde ia. Não possuía o talento e a cultura de um Vasconcelos, mas notável fibra de estadista” (p. 35).
Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara, natural de Angola, fez a extinção do tráfico africano e abriu o Brasil ao telégrafo.
Paulino José Soares de Sousa, visconde de Uruguai, ministro da Justiça do Regresso, principal redator das leis que fundaram as bases jurídicas do Segundo Reinado, e autor de dois livros de teoria política: Ensaio sobre o Direito Administrativo e Estudos práticos sobre a administração das províncias.
No plano militar, o Marechal Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o único duque de D. Pedro II.
Mais adiante, a figura de José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, chefe do gabinete de maior duração no Império. José Joaquim Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí, diplomata da confiança de D. Pedro. José Antonio Pimenta Bueno, marquês de S. Vicente, autor de Direito Público, um livro fundamental. João Alfredo Correia de Oliveira, o conservador que fez a Abolição, contrastando com seu antecessor, João Maurício Wanderley, barão de Cotegipe, escravagista intransigente. Havia ainda Pedro Araújo Lima, marquês de Olinda, antigo regente, Zacarias de Gois e Vasconcelos e José Tomás Nabuco de Araújo, estes dois últimos evoluiriam para o lado “luzia”.
Dentro do grupo dos Liberais, havia os conservadores, como Ouro Preto, os moderados (Silveira Martins, Saraiva, Dantas), os radicais liberais, como Ruy Barbosa, e os liberais sociais, como Joaquim Nabuco. Dos 36 gabinetes do II Reinado, 16 eram claramente conservadores, 22 eram liberais e um de Conciliação.

O Regresso e o conservadorismo nos gabinetes do Império
Os liberais viam com desconfiança o Poder Moderador, ao passo que os futuros conservadores viam com simpatia o reinado de D. Pedro I. Com a abdicação, a radicalização gerou conflitos e a reforma da Constituição. Os liberais queriam a abolição do Poder Moderador, a vitaliciedade do Senado e a adoção de um regime federativo. Esta última foi alcançada com a criação das assembleias provinciais, mas as duas primeiras não vingaram no Ato Adicional de 1834, preparado por deliberação da Câmara em outubro de 1831 (que, de toda forma estabeleceu o final da Regência Trina, efetivada em 1835); o Conselho de Estado foi abolido, para ser restaurado novamente apenas em 1842. Em 1840, finalmente, uma Lei de Interpretação do Ato Adicional impôs diversas restrições aos poderes concedidos às assembleias provinciais, seguido por várias leis “regressistas” a partir de 1941.
JCOT confirma os dizeres de Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império, segundo quem as Regências foram uma verdadeira República, ainda que provisória, mas de fato (p. 53). As revoltas provinciais – entre elas a Farroupilha, em 1837 – serviram para diminuir o ímpeto republicano, tanto que, a partir de 1837, ao final da regência de Diogo Antônio Feijó, reduziram-se notavelmente os adeptos da república e da federação. Foi quando entra para o governo de Araújo Lima o “liberal” Bernardo Pereira de Vasconcelos, com um programa conservador. Ele pronuncia um dos mais famosos discursos parlamentares da história do Brasil, como reproduzido por JCOT:
Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam, e muito comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la; por isso, sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandonei a causa que defendo, no dia dos seus perigos, de sua fraqueza; deixo-a no dia em que tão seguro é o seu triunfo que até o excesso a compromete. Quem sabe se, como hoje defendo o país contra a desorganização, depois de havê-lo defendido contra o despotismo e as comissões militares, não terei algum dia de dar outra vez a minha vos ao apoio e à defesa da liberdade?...  Os perigos da sociedade variam; o vento das tempestades nem sempre é o mesmo; como há de o político, cego e imutável, servir a seu país?  (p. 55)

JCOT complementa: “A partir de então ficou havendo um partido conservador. Era o começo do Regresso. (...) O Brasil tornara-se um Estado liberal de direito e as suas instituições não destoariam das que brilhavam nos países mais livres. (...) Mudou-se o sistema de governo, conservou-se o mesmo regime político. Concluíra-se a Revolução Brasileira, que fizera do Brasil um Estado liberal de direito, uma open society, com instituições que permitem o livre jogo das tensões e as reformas sucessivas”. (p. 56)
O Regresso, por alguns chamado de Reação, inspira-se na famosa frase de Bernardo Pereira de Vasconcelos: “É preciso deter o carro da revolução”. Para JCOT foi um período antirrevolucionário ou contrarrevolucionário consciente. A cronologia costuma datar o Regresso do primeiro gabinete conservador, de 23 de março de 1841, se estendendo na Conciliação (1853, com Paulino Soares de Abreu). Mesmo os gabinetes liberais, e foram vários, acomodaram-se às leis regressistas. Os objetivos do Regresso eram dois: assegurar a prevalência da Constituição, com as modificações introduzidas nas Regências, mas preservando o Poder Moderados, que os liberais queriam eliminar, e garantir um governo eficaz, para impedir o desmembramento do Império, o que foi obtido. A recriação do Conselho de Estado, em 1842, e depois o cargo de presidente do Conselho de Ministros, a partir de 1847, contou com um primeiro ministro liberal, Manuel Alves Branco, que embora liberal era, no fundo, um conservador. Com a criação da “terrível figura do presidente”, diz JCOT, “de lá para cá, sempre temos tido presidentes” (p. 65).
Até então, cada deputado votava segundo suas preferências. A partir dessa data, com Alves Branco, criou-se o sistema de “derrubadas”, consolidando o regime dos dois partidos. Surgiram críticos do sistema parlamentarista, como Brás Florentino, em seu livro sobre Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional (Recife, 1864), que condena o sistema de fato oligárquico que se estava criando: a oligarquia ministério-parlamentar (p. 67). O gabinete conservador de 1848, com dois ex-regentes e ministros como Paulino, Rodrigues Torres e Eusébio de Queiroz, “acabou com a confusão no Prata (fim de Rosas), extinguiu o tráfico escravo, fez passar o Código Comercial até hoje em vigor [sic], aprovou uma importante lei de terras, talvez a mais famosa da nossa História, etc.” (p. 68). Em 1853, começa o gabinete da Conciliação, com Honório Hermeto Carneiro Leão, marquês de Paraná, um moderado que apoia o Regresso. JCOT não considera que seja verdadeiramente de conciliação, e sim de moderação, o que não impede uma crise em 1868.
JCOT elogia sobretudo o gabinete do Visconde do Rio Branco, em 7 de março de 1871, não esquecendo a Lei do Ventre Livre, aprovada em maio desse ano, promulgada em setembro:
Quase todos os historiadores consideram de fastígio esta época. O gabinete Rio Branco foi, indiscutivelmente, um período de progresso e de grandes realizações – basta recordar, no campo das coisas práticas e da modernização da vida brasileira, a introdução do sistema métrico e a realização do primeiro recenseamento geral do Brasil. O gabinete Rio Branco, o de maior duração na política imperial, marcaria época. (...) ... o câmbio chegaria a 28 (p. 75).

Mas, ele também registra a sequência de problemas surgidos a partir da crise de 1868: o republicanismo, a Lei do Ventre Livre, que “começou a abalar os alicerces sociais” (p. 76), a questão religiosa (ou seja, a religião do Estado, num sistema constitucional que se pretendia liberal), e as condições sociais em geral, no país, que não permitiam eleições do tipo da inglesa, livres da pressão governamental. JCOT resume os grandes problemas surgidos logo depois do término da guerra do Paraguai:
a) Como conciliar o princípio da religião oficial com o da liberdade de crenças?
b) Como fazer a Abolição sem destruir a economia nacional ou estabelecer uma luta do raças, como nos Estados Unidos da América?
c) Como conciliar o ideal do regime parlamentar num país de estrutura social agrária?
d) Como dar autonomia às províncias, sem quebrar a unidade nacional e sem ferir os princípios cardiais do regime imperial?
e) Como manter as forças armadas unidas e coesas, mas afastadas da política partidária, sujeitas que eram a governos partidários?
Certamente não era possível aos políticos do Império resolver todas essas questões. (pp. 77-78)


Os grandes livros e os grandes temas do conservadorismo brasileiro
JCOT apresenta os grandes livros do conservadorismo imperial, nomeadamente:
1) Ensaio sobre Direito Administrativo, de Uruguai (Paulino Soares de Sousa);
2) Estudos práticos sobre a administração das províncias, de Paulino igualmente;
3) Direito Público Brasileiro e análise da Constituição, de Pimenta Bueno (1857);
4) Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional, de Brás Florentino (1864);

Seguidamente, no capítulo IX, apresenta e discute os grandes temas dos líderes conservadores, nomeadamente:
(a) o Poder Moderador: “como montar freios constitucionais eficazes, que obrigassem o governo o respeito à Constituição, que fosse um instrumento de equilíbrio e harmonia entre os poderes” (p. 165);
(b) a centralização: a Constituição “não previa maiores poderes às províncias”, quando os liberais de 1831, na lei de preparação ao Ato Adicional, queriam uma monarquia federativa, ao passo que os saquaremas foram sempre antifederalistas (p. 167);
(c) o Senado e o Conselho de Estado: os liberais sempre combateram as duas instituições, sobretudo a vitaliciedade dos senadores indicados, e também queriam um Conselho de Estado sem funções políticas, ou mesmo abolido, como nas regências (p. 171).

JCOT também apresenta e discute os “paradoxos” do conservadorismo (capítulo X). Seriam eles:
(a) Abolição, sendo um paradoxo porque os liberais eram abolicionistas e as leis que destruíram a escravidão foram todas obras dos conservadores. Na verdade, havia abolicionismo e escravagismo nos dois partidos, “em função de suas ligações pessoais, convicções íntimas e interesses eleitorais” (p. 178). Desde a abolição do tráfico, obra de um gabinete conservador puro, todas as demais leis foram de conservadores: Ventre Livre, por Rio Branco em 1871; Lei dos Sexagenários por Cotegipe, em 1885; Abolição total, por João Alfredo, em 1888 (pp. 179-180).
(b) Liberais e Conservadores: “A filiação política nem sempre quis dizer identidade ideológica.” (p. 181) No império, famosos liberais eram conservadores, como Alves Branco, Afonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de Ouro Preto, que era uma espécie de anti-Ruy em seu partido.
(c) Igreja: havia no partido “atitudes de franca hostilidade à Igreja” (p. 185).

Outros temas abordados por JCOT em seu capítulo XI (“A grande tarefa”), são:
(a) Democracia: muitos conservadores eram liberais políticos e liam os grandes doutrinários estrangeiros da democracia. Mas, “o que todavia configurava a posição ‘saquarema’, além desta sóbria, austera e realista defesa do caráter benéfico, útil e justo da autoridade, era o reconhecimento de que o Brasil... não era a Inglaterra” (p. 191). Eles tinham consciência das diferenças econômicas e sociais, e não apreciavam o “governo das maiorias”.
(b) Unidade nacional: para eles, foi a monarquia quem fez a unidade nacional, acima dos interesses locais, das paixões políticas. O Regresso fez na prática essa unidade, criando uma polícia e uma Justiça de bases nacionais, depois restaurando o Conselho de Estado, que estabeleceu uma jurisprudência uniforme para todo o país.
(c) Sociedade aberta num mundo agrário: também feita e simbolizada pelo imperador, solidamente apoiado pelo Partido Conservador.
(d) Conservadorismo e desenvolvimento: Segundo JCOT, “liberais e conservadores se opunham a respeito de certos objetivos gerais do Estado. (...) grosso modo, os liberais eram mais sensíveis aos motivos ligados à liberdade dos indivíduos em face do Estado, consideravam que a garantia da autonomia das pessoas era... uma questão sagrada e ressentiam a tradicional ojeriza liberal pela autoridade...” (p. 205). “Os conservadores, porém, amavam a comunidade e aceitavam o Estado como uma condição da vida social – o homem não pode viver senão em sociedade e importa que haja uma autoridade capaz de manter a ordem” (p. 206). Por isso, eles aceitavam grandes responsabilidades para o Estado, daí o seu nacionalismo, ao passo que os liberais tendiam a ser “livre-cambistas”. Tavares Bastos, por exemplo, como bom liberal ortodoxo, “não era nacionalista, e queria o Brasil aberto a todos os povos” (p. 208), tanto que ele se batia pela internacionalização do rio Amazonas (p. 209), e também pela navegação de cabotagem aberta aos estrangeiros. Para JCOT, o desenvolvimento do Brasil no século XIX exigia a criação de um mercado interno consumidor, a obtenção de energia a bom preço, a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre e o protecionismo alfandegário (p. 209). Este último sempre foi conservador, a começar pela equalização de tarifas a 15% para todos os países, realizada em 1828 por Bernardo Pereira de Vasconcelos, um liberal regressista, assim como a Tarifa Alves Branco, de 1844, um liberal moderado, ou conservador, segundo Paulino.
JCOT resume esse capítulo, e termina o livro, por esta frase:
“Enquanto os liberais defendiam os cidadãos contra o poder, os conservadores queriam a grandeza do Império, grande política e econômica.” (p. 214).
O livro ainda contém em Apêndice, uma descrição de cada um dos gabinetes conservadores a partir de 23 de março de 1841, com a nomeada dos ministros, até o de João Alfredo, presidente do Conselho em 10 de março de 1888, o último da monarquia, do Império e do conservadorismo (pp. 215-221).

PRA:
Pode-se dizer que, mesmo abolidos pela República, os dois partidos continuaram representados na política brasileira, com uma nítida predominância dos conservadores, transformados em republicanos em praticamente todos os estados da federação. Ruy Barbosa, monarquista federalista, converteu-se em republicano justamente por esse motivo, mas continuou um liberal perfeito, defendendo os direitos dos indivíduos em face do Estado.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de agosto de 2019