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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A leveza do liberalismo no Brasil (2002) - Paulo Roberto de Almeida

Um artigo de 2002, quando as críticas dos companheiros eram idiotamente dirigidas contra um "neoliberalismo" totalmente inexistente, mas que podiam fazer sucesso nos meios acadêmicos, sempre idiotamente propensos a acreditar nas maiores bobagens divulgadas por máquinas de propaganda poderosas. Eu sempre me surpreendi com a capacidade desses gramscianos de academia de acreditar nesse tipo de bobagem.
Por isso escrevi esse artigo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de novembro de 2017


A indiscutível leveza do neoliberalismo no Brasil:
uma avaliação econômica e política da era neoliberal

Paulo Roberto de Almeida *

Introdução:
Segundo vários críticos do “capitalismo realmente existente” no Brasil, o País estaria vivendo, desde o início dos anos 90, sob um regime “neoliberal”. Não partilho dessa opinião mas, para todos os efeitos práticos, vamos admitir que isso seja verdade. Em outros termos, teria ocorrido, na história econômica brasileira recente, um corte fundamental – epistemológico, diriam velhos adeptos do althusserianismo – entre, de um lado, o que vem sendo pregado, adotado e realizado em termos de políticas econômicas há aproximadamente uma década – ou seja, abertura econômica, liberalização comercial, privatizações, retirada do Estado de velhos monopólios (nem tão velhos assim, pois que criados, em sua maior parte, a partir dos anos 60), interdependência financeira, negociação de acordos comerciais, admissão de investimento estrangeiro em setores anteriormente reservados unicamente ao capital nacional etc. –, isto é, tudo o que se costuma designar por “políticas neoliberais”, e, de outro lado, o que se tinha e conhecia anteriormente como políticas e práticas do regime “normal” do capitalismo brasileiro no século XX: restrições comerciais e protecionismo, lei do similar nacional, lei de reserva do mercado para informática, ausência de patenteamento para medicamentos e biotecnologia de forma geral, impedimentos constitucionais ao investimento direto estrangeiro em vários setores, enfim, o que se conhece na literatura corrente como “desenvolvimento econômico com autonomia nacional e preservação da soberania”.
Pois bem, ao ter de aceitar, a partir dos anos 90 e pelas mãos de seus dirigentes políticos, que a interdependência econômica constitui uma organização social dotada de maior racionalidade instrumental do que a autonomia semi-autárquica até então praticada, o Brasil passou a viver plenamente a era neoliberal, ou pelo menos passou a ter de suportar ou conviver com um regime neoliberal. Em todo caso, é disso que os partidários do modelo anterior, ou defensores da soberania nacional, acusam os sucessivos governos desde o início da presidência Collor. Admitamos, portanto, que isso corresponda à verdade e que de fato saímos do purgatório autonomista para o limbo neoliberal, sem nunca ter alcançado o paraíso do pleno desenvolvimento econômico e social.
Para atender aos requisitos do subtítulo deste trabalho – realizar uma avaliação econômica e política da era neoliberal no Brasil – nós precisaremos então colocar essa era neoliberal sob o teste da realidade, isto é, aferir o desempenho relativo e as realizações do neoliberalismo no Brasil, para confirmar se e como tais políticas e práticas se ajustam efetivamente ao cânone neoliberal. Será necessário, pois, formular uma série de perguntas e questões fundamentais que nos permitirão comparar a era neoliberal com as políticas e práticas de uma era anterior, assim como com realizações similares em nossa própria era, conformando portanto uma análise ao mesmo tempo sincrônica e diacrônica. Caberia contudo lembrar, desde o início, que o regime anterior sob o qual o Brasil estava organizado economicamente – seja durante o período militar, seja sob a República de 1946 – não se caracterizava exatamente pelo estruturalismo econômico – que seria, supostamente, o oposto do neoliberalismo atual –, mas por um sistema híbrido, que poderíamos caracterizar como de “liberal-intervencionismo”, praticado tanto sob os “czares econômicos da ditadura” (Roberto Campos, Delfim Netto, Simonsen etc.), como pelos ministros políticos da Fazenda na “república populista” que a precedeu.

Questões metodológicas iniciais:
Trata-se de perguntas mais de caráter metodológico, ou de interesse histórico-conceitual, do que propriamente operacional, não sendo absolutamente relevantes para a discussão que se vai seguir:

1. Teria ocorrido, no início dos anos 90, uma espécie de “complô neoliberal”, que tomou de assalto um sistema econômico indefensável, erodido por anos (décadas?) de fracasso inflacionário e abandonado pelos patrocinadores do ancien régime não-neoliberal, isto é, liberal-intervencionista?
Não é a opinião deste autor, que acredita que o mais provável é que tenha ocorrido uma transição natural e necessária do velho protecionismo-estatismo a um conjunto de princípios e práticas que começaram de fato a romper com o déjà vu daquele antigo regime.

2. A implementação – alguns diriam a irrupção – desses princípios e práticas neoliberais representou uma espécie de importação clandestina ou sub-reptícia, e de certa forma “forçada”, de “idéias fora do lugar”, isto é, uma ideologia estranha e intrusiva, talvez associada ao chamado “consenso de Washington”, ou ainda um tipo de “gripe espanhola ideológica”, que passou a contaminar irrevogavelmente o conjunto dos tecnocratas e economistas públicos do País?
Tampouco partilho desta opinião, e creio mesmo que existiam, no estamento tecno-burocrático brasileiro, como nas imensas coortes de economistas acadêmicos e práticos, suficientes elementos “neoliberais” (talvez embutidos, em outros casos já de forma aberta), o que justamente explicaria como o neoliberalismo tomou facilmente “de assalto” os bastiões do poder político no Brasil. Em outros termos, a antiga predominância ideológica do “estruturalismo” e da industrialização cepalina não teve de lutar nas trincheiras contra o inimigo ideológico neoliberal, mas foi gradualmente submergida a partir de dentro, por economistas e políticos já “assumidos” e comprometidos com os princípios essenciais do neoliberalismo.

O núcleo duro do neoliberalismo no Brasil e seu desempenho histórico:
3. Qual foi o desempenho efetivo do neoliberalismo nos anos 90?; cumpriu ele o que prometia, foi eficiente no fornecimento de seus serviços econômicos, políticos e sociais, enfim, correspondeu ao que se esperava dele?
            De modo geral, pode-se dizer que sim, com algumas insuficiências localizadas, talvez explicáveis pelo ambiente de crise financeira externa e pela própria magnitude dos desafios que o aguardavam desde o final dos anos 80. Não ocorreram grandes desastres do neoliberalismo, como podem ter ocorrido em países vizinhos ou em regiões mais distantes, mas tampouco os resultados foram espetaculares, pelo menos no julgamento imediato. Talvez uma perspectiva histórica de maior alcance nos permitirá, no futuro, aferir a amplitude das transformações ocorridas nos anos 90 – processo que já foi descrito, por partidários e opositores dessa realidade, como de “desmantelamento do Estado varguista” –, mas caberia registrar, no momento, a modéstia do crescimento ou a insuficiência aparente das transformações estruturais.
            Os resultados mais significativos foram no terreno da luta anti-inflacionária e da recuperação do poder da moeda como elemento de referência e reserva de valor, com os pequenos sobressaltos eventuais que seriam normais de se esperar de um país tradicionalmente acostumado (e drogado) a mecanismos indexadores e a uma certa permissividade emissionista. Mas, no campo regulatório as mudanças foram igualmente importantes, com diversas emendas constitucionais desmantelando décadas de uma cultura estatal enraizada na consciência coletiva (a ponto de grandes líderes políticos defenderem ferrenhamente a preservação do monopólio estatal na área de telecomunicações ou a manutenção de companhia estatal de minério de ferro como sendo de “alto caráter estratégico” para o País). No terreno da reforma administrativa e previdenciária, as mudanças foram menos completas ou definitivas, mas ainda assim os progressos do “neoliberalismo” foram sensíveis.

4. O neoliberalismo trouxe crescimento e desenvolvimento tecnológico ao Brasil?
            Os avanços tecnológicos e os aumentos de produtividade foram inegáveis, mas em termos de crescimento, a resposta tem de ser mais matizada. Vejamos: a taxa de crescimento não correspondeu ao que se poderia esperar de um “país emergente” como o Brasil, que tinha crescido na era militar e mesmo antes dela a taxas anuais que eram notoriamente superiores às do aumento anual da população. Caberia descontar os vários processos de ajuste conhecidos nos anos 90, resultantes dos programas de estabilização tentados em seu início e em meados da década, assim como os choques externos (a partir do México em 94-95) que impactaram bastante o fluxo normal das atividades econômicas nessa década.
O que os críticos costumam chamar de “fracasso do neoliberalismo” no Brasil refere-se portanto a essas taxas modestas, ou medíocres, de crescimento econômico, quando o País teria necessidade do dobro, ou do triplo, para absorver o exército industrial de reserva e acomodar todos os novos entrantes na população economicamente ativa. Em defesa do neoliberalismo se poderia argumentar que ele está mais preocupado com a estabilização macroeconômica do que com o atendimento de indicadores positivos no grau de ocupação da força de trabalho, mas essa não é a questão real. Se pensarmos na magnitude da obra de desmantelamento dos comportamentos indexacionistas e na da própria cultura inflacionária no Brasil, teremos idéia do quanto foi realizado na segunda metade dos anos 90: pela primeira vez em muitas décadas, talvez até historicamente na República, a moeda correspondeu a uma expressão de valor visível, aferida contabilmente, quem sabe até desfrutando da confiança dos brasileiros. Isso não é pouco como realização “neoliberal” e o desempenho do crescimento econômico precisa portanto ser medido segundo o critério da estabilidade, novo valor fundamental da política econômica governamental.

5. O neoliberalismo conseguiu reduzir as imensas desigualdades regionais e sociais existentes historicamente no Brasil?
            A resposta deveria ser não, mas ainda aqui seria preciso considerar, em primeiro lugar, que não correspondia à “missão histórica” do neoliberalismo a implementação de vastos programas de correção de desigualdades econômicas e sociais. Sua “agenda de trabalho”, digamos assim, estava concentrada no esforço, bem sucedido, como vimos, de estabilização macroeconômica e de estabelecimento das condições mínimas para a retomada do crescimento (este foi perturbado pela ocorrência de choques financeiros externos, como também constatamos). A correção das desigualdades sociais e regionais deve integrar uma vasta panóplia de políticas setoriais e estruturais, com componentes institucionais, fiscais, tributários, distributivos, compensatórios (enfim, várias outras medidas e políticas de caráter “intervencionista”), que superam em muito a modesta racionalidade instrumental do neoliberalismo.
            De toda forma, a redução ou eliminação do imposto inflacionário já correspondeu a um passo inicial na correção das desigualdades sociais no Brasil, uma vez que os índices inaceitáveis de concentração de renda estão em parte associados a esse “imposto”, ainda que outros fatores tenham de ser igualmente levados em conta (práticas altamente regressivas na área social e na alocação de dotações públicas, por exemplo). No campo das políticas regionais, por sua vez, a era neoliberal assistiu a um dos mais vigorosos processos de descentralização industrial e de redistribuição espacial de atividades econômicas já registradas em toda a história do País, equivalentes, talvez, ao ciclo do ouro, à expansão da economia cafeeira ou, de modo negativo, à própria centralização industrial no Sudeste nas primeiras décadas da era republicana. Trata-se aqui, como em outros campos, de algo que apenas poderá ser apreciado devidamente com o recuo suficiente do tempo. 

6. As políticas neoliberais melhoraram a qualidade da gestão macroeconômica no Brasil?
            Otimisticamente, e talvez mesmo inequivocamente, sim. Nunca, em qualquer época, a despeito do aparente e alegado “desmantelamento do Estado”, a gestão macroeconômica dispôs de condições tão favoráveis para o exercício daquela que talvez seja a função básica do governante: conceber, aprovar, implementar e monitorar a execução de um orçamento público, dotado dos requisitos normalmente associados a esse conceito. A importância dessa realização não é suficientemente apreciada mesmo entre a classe política, acostumada a décadas de orçamento fictício (quando não contribuía ela mesma para a erosão desse conceito essencial da administração pública), e menos ainda na oposição, bem mais permissiva em matéria de “investimentos sociais” ou mesmo partidária de se lograr um trade-off “aceitável” entre inflação e crescimento. O Brasil, pela primeira vez em muitas décadas, começa a medir a magnitude real dos recursos públicos, e portanto os limites ao exercício da “vontade geral” embutida na administração pública. A Lei de Responsabilidade Fiscal, peça central do “neoliberalismo”, desempenha papel importante nessa correção de rumos.

7. O neoliberalismo aperfeiçoou o desempenho geral do sistema econômico brasileiro?
            Certamente. Isso foi feito mediante as privatizações, desmonopolizações, criação de um novo ambiente regulatório em áreas tão diversas quanto a indústria siderúrgica, os serviços e telecomunicações, portuário e outras, o que por sua vez permitiu incrementar as atividades nas indústrias e serviços de informações e de tecnologias da comunicação. Ou seja, mediante uma série de ações ousadas nos campos da desestatização e da desregulação ‑ medidas que se situam no coração mesmo daquilo que os detratores ideológicos condenam no neoliberalismo ‑, este conseguiu elevar os padrões de qualidade de setores inteiros do sistema econômico brasileiro. A ameaça da “desnacionalização”, a alegada “cessão de soberania”, a “redução tarifária unilateral” e outras práticas consideradas nefastas pelos adversários ideológicos do neoliberalismo não foram consideradas tão “letais” a ponto de induzir a população brasileira a rejeitar de modo decisivo o “neoliberalismo”, que terminou amplamente vitorioso em 1994 e em 1998. Visto nessa perspectiva dos detratores, o neoliberalismo conduziu o mais formidável “assalto” ao Estado intervencionista que se realizou no Brasil praticamente desde a assunção da autonomia política em 1822. Em nenhuma outra época (no passado, obviamente) os agentes econômicos puderam realizar tão bem aquilo que constitui sua missão histórica indiscutível em qualquer regime capitalista digno desse nome: investir, recolher os frutos desse investimento inicial, reinvestir, expandir atividades.
            As muitas frustrações registradas no processo (até aqui parcial) de aperfeiçoamento do sistema econômico brasileiro não devem ser creditadas ao neoliberalismo, e sim ao seu contrário, ou seja: a excessiva intervenção remanescente do Estado na vida econômica, sob a forma de regulações e em especial mediante uma tributação tão extorsiva quanto irracional, pois que penalizando a cadeia produtiva e a atividade exportadora. O neoliberalismo precisa avançar nessas áreas, para que sua “missão liberadora” possa ser concretizada também nessas frentes.

8. O neoliberalismo fez piorar as condições gerais do panorama social brasileiro?
            Não exatamente, talvez até mesmo o contrário. O “neoliberalismo” (mas, de fato, este aspecto também faz parte do Estado intervencionista) melhorou o desempenho do orçamento público e continuou os investimentos sociais necessários à minimização do tremendo grau de iniquidade social que ainda caracteriza o Brasil. Com isso, os indicadores sociais apresentaram, na grande maioria dos casos, melhorias visíveis e mesmo rápidas, inclusive no que se refere ao consumo de bens correntes e duráveis. Na verdade, a eliminação do imposto inflacionário – que foi o fator singular mais importante na melhoria desses condições sociais – não deveria ser vista como fazendo parte de uma agenda exclusivamente neoliberal, mas deveria ser suscetível de integrar qualquer programa de ação das principais forças políticas e ideológicas do País. O fato é que, na nossa história política, a esquerda tem sido extremamente leniente e tolerante no que se refere à derrapagem inflacionária e ao deslize emissionista, mais em todo caso do que os neoliberais contemporâneos.
            O desemprego, que é a conseqüência do não crescimento sustentado nos últimos anos, tem sido apontado como o mais evidente fracasso do neoliberalismo no Brasil, ao lado da mais tradicional concentração de renda. O aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos também poderia indicar uma deterioração geral das condições de vida, e portanto refletiria mais um dos fracassos do neoliberalismo posto em prática. Entretanto, um neoliberal convicto poderia responder que a elevação da taxa de desemprego se deve, precisamente, à não aplicação do receituário neoliberal, que no caso recomendaria a flexibilização da regras vigentes no mercado de trabalho, manifestamente regulamentado e onerado em demasia no Brasil. A criminalidade se explicaria, por outro lado, mais pelo não equipamento e organização das polícias – áreas as quais o neoliberal nunca apontou como carentes de desregulação ou “desestatização” – do que pelas condições de pobreza das camadas subalternas urbanas.

Questões de sustentabilidade interna e externa do neoliberalismo no Brasil:
9. O neoliberalismo agravou a concentração de renda e as desigualdades sociais?
            De forma alguma, no máximo ele foi neutro em relação a esses dois aspectos mais gritantes das iniquidades sociais extremamente graves do Brasil. O coeficiente de Gini tem sido teimosamente estável no Brasil, como a indicar que ele depende mais de fatores estruturais e de políticas setoriais e redistributivas, do que propriamente de políticas de ajuste fiscal ou de estabilização macroeconômica. De fato, ocorreu uma pequena melhora na primeira fase de implementação do Plano Real, mas depois o índice de Gini foi mais o menos o mesmo a que estamos acostumados há quase três décadas: em torno de 61 ou 62.
            Pode-se, portanto, condenar o neoliberalismo por não ter transformado o índice que revela todas as nossas mazelas “africanas”, mas não por agravar o panorama social do ponto de vista redistributivo. Poderia ele fazer mais e melhor numa área que costuma ser marcada por políticas ativas por parte dos poderes públicos? Certamente, mas aí temos de considerar não apenas a ação exclusiva do executivo federal, como também a nefasta mobilização dos mesmos privilegiados de sempre na defesa de sua parte na torta das despesas federais: categorias sociais, profissionais e corporativas entranhadas no aparelho de estado, assalto constante de grupos de interesse em programas de “apoio” a determinadas atividades econômicas, velhos conhecidos do estado cartorial quatrocentão que defendem como podem a parte que lhes cabe desse latifúndio imenso que é o Brasil. Na verdade, uma política mais ativa de redistribuição de renda em favor das camadas subalternas certamente passaria por uma “extração” mais penosa de recursos da classe média, a única em condições de ser ordenhada com relativa facilidade pelo poder público, o que coloca de imediato a questão da legitimidade e da sustentabilidade política desse tipo de “extorsão” sobre os mesmos pagantes de sempre, em condições de plafonnement da capacidade tributável da população incluída na base fiscal da Receita.
O neoliberalismo recomendaria, ao contrário, um alívio no grau de extorsão, mas é verdade que ele tem se revelado menos eficiente no redirecionamento dos canais redistributivos. Talvez essa correção das desigualdades devesse passar, então, pelo aumento extraordinário dos investimentos em educação e capacitação profissional, os únicos capazes de alterar verdadeiramente o perfil da distribuição da renda no Brasil, mas essa opção tem o inconveniente de ser irritantemente longa para os padrões conhecidos de impaciência com a “questão social”.

10. O neoliberalismo agravou a fragilidade externa do Brasil?
            Talvez, mas as respostas aqui não são conclusivas, uma vez que se deve separar fatores contingentes das políticas implementadas, fatores estruturais da características brasileira de desenvolvimento econômico e fatores conjunturais das crises financeiras dos anos 90. O fato é que, a partir da implementação do Plano Real em 1994, e da relativa valorização do real nos quatro primeiros anos do processo de estabilização, a balança comercial apresentou sensível deterioração, não sendo mais capaz de compensar, o que antes ocorria, o tradicional déficit dos serviços e rendas do capital em que incorre o Brasil desde que nos conhecemos como nação. Em conseqüência, o saldo negativo das transações correntes tornou-se enorme, e teve de ser compensado por entradas maciças de capitais externos, muitas vezes de curto prazo, mas também com muita ênfase em fluxos de risco, o geralmente mais bem vindo (não para a esquerda econômica) investimento estrangeiro direto. A dependência financeira externa tornou-se portanto maior e com ela o recurso aos juros altos para atrair ou reter capital volátil: os anos 90 foram, sem dúvida, os anos de déficits externos e de malabarismos cambiais, com o recurso eventual ao FMI para compensar os riscos de insolvência externa.
            Deve-se contudo observar que não há nada de intrinsecamente neoliberal (ou de keynesiano) na acumulação de déficits externos. Trata-se de elemento “estrutural” ou “conjuntural”, segundo as épocas, regimes de câmbio e controles sobre movimentos de capitais: diferentes economias podem acumular saldos negativos nas contas comerciais, de serviços ou de capitais, independentemente de sua interação com o mundo ou de seu coeficiente de abertura externa. Assim, pode ser lembrado que a mesma fragilidade financeira externa já tinha ocorrido no Brasil em outras épocas – durante a crise da dívida dos anos 80, ou na crise do petróleo dos 70, por exemplo – em condições de saldo comercial relativamente alto, o que não foi impedimento, contudo, para moratórias de fato. Não se pode assim imputar às políticas neoliberais dos anos 90 a responsabilidade por um quadro de desequilíbrios externos e de fragilidade financeira que já tinha ocorrido em épocas de “liberal-intervencionismo” ou de “estruturalismo claudicante”.

            Em resumo, nem todas as mazelas sociais e os problemas econômicos acumulados no Brasil “neoliberal” podem ou devem ser atribuídos ao neoliberalismo, em particular a pobreza generalizada, a corrupção, os baixos níveis educacionais, o não funcionamento da justiça, a esclerose administrativa, a insuficiência dos serviços de saúde e previdenciários, a criminalidade rampante, os surtos de dengue ou a decadência do futebol. Existem problemas seculares, outros criados ao longo de um regime republicano pouco propenso a estimular as virtudes cívicas dos cidadãos, alguns derivados da ditadura e vários outros criados nos anos de populismo constitucional-democrático, a maior parte deles “made in Brazil”, e não importados pela onda globalizante que conviveu com o neoliberalismo nos tormentosos anos 90. O funcionamento deficiente do nosso legislativo, a inoperância gritante da justiça, os absurdos do mercado laboral são males que, como diria Nelson Rodrigues, não se improvisam, mas resultam do acúmulo de anos e anos – que digo?, décadas – de erros gerenciais e de incapacidade das lideranças políticas em corrigi-los.
            Em resumo, qualquer neoliberal de boa cepa concordaria em que os mercados não podem tudo, e que um Estado eficiente e dispensador de bens públicos é essencial para o bom funcionamento desses mesmos mercados, sobretudo em seus aspectos regulatórios e concorrenciais. O tamanho do governo importa menos ao neoliberal do que seu modo de funcionamento e sua eficácia relativa, o que se choca em geral com a cultura de esquerda, que costuma ver em qualquer reforma administrativa e gerencial um ataque frontal contra direitos adquiridos, em especial o sacrossanto direito à estabilidade e a uma pensão mais generosa do que os salários de contribuição.
Enfim, a verdade é que o liberalismo, velho ou novo, ainda não fez suas provas no Brasil, pela simples razão de que ele quase nunca foi aplicado de forma consistente e persistente ao longo de nossa história. De fato, os verdadeiros desafios do neoliberalismo no Brasil ainda estão por vir e seu horizonte de aplicação deve ser visto mais em direção do futuro do que num retrospecto do passado recente.

À guisa de conclusão: a insustentável leveza teórica do neoliberalismo no Brasil

11. As idéias neoliberais tornaram-se dominantes na sociedade e na cultura brasileira?
            Ainda não, e de toda forma de modo nenhum nas universidades, que – com as honrosas exceções de sempre, em especial nas áreas técnicas (e em algumas faculdades de economia) – continuam a ostentar as mesmas idéias exibidas em meus tempos de curso universitário (final dos anos 60, início dos 70). Essas idéias se caracterizam por uma mistura curiosa de marxismo confusionista, nacionalismo instintivo, anti-imperialismo (ou melhor, anti-americanismo) evidente e uma natural propensão a atribuir ao Estado (de fato ao governo em vigor, invariavelmente descrito como neoliberal, independentemente das épocas) a origem de todas as mazelas que marcam nossa sociedade.
            Assim, a despeito de todos os furiosos ataques contra o neoliberalismo (como se ele de fato ocupasse o poder no Brasil), nossa ação pública, nas diversas vertentes do espectro político, continua a ostentar os mesmos vícios intervencionistas e dirigistas que caracterizaram o País desde sua constituição independente e de fato a própria nação desde seu nascimento no bojo do cartorialismo português. Não é certo, portanto, que as idéias do neoliberalismo tenham algum futuro brilhante pela frente, mas parece evidente que elas não têm nenhum passado no Brasil.
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Anexo:

A pontuação do neoliberalismo no Brasil

            Pode-se efetuar um score do neoliberalismo no Brasil? Como seriam os resultados de uma avaliação quantificada a partir dos critérios sob os quais uma economia passa a ser classificada de “neoliberal”? A pontuação abaixo realizada é talvez impressionista, tão boa quanto qualquer outra (sendo arbitrária, o leitor está convidado a efetuar sua própria pontuação e verificar os resultados). Ela foi construída com base numa avaliação pessoal de qual seria o desempenho do Brasil ao abrigo dos critérios originalmente propostos pelo economista John Williamson, em seu famoso ensaio “What Washington Means by Policy Reform?” (incluído no livro editado por ele mesmo, Latin American Adjustment: How Much Has Happened?, Washington: Institute for International Economics, 1990, pp. 7-20). Ainda que o neoliberalismo não deva ser considerado como uma emanação do chamado “consenso de Washington” (um conjunto de regras servindo mais como instrumentos de política de ajuste, do que como um conjunto de objetivos ou resultados elevados à categoria de dogma), esses critérios podem fornecer uma boa indicação do que representa uma política neoliberal “pura”.

Brasil, 1990-2001
pontuação na escala neoliberal
1) déficits fiscais
4
2) prioridades de despesas públicas
5
3) reforma tributária
0
4) taxa de juros
2
5) taxa de câmbio
5
6) política comercial
6
7) investimento direto estrangeiro
8
8) privatizações
7
9) desregulação
6
10) direitos de propriedade
7
Média aritmética simples
5,7

            Em outros termos, a pontuação do neoliberalismo no Brasil é bastante sofrível, para não dizer medíocre, insuscetível portanto de vê-lo aprovado em exames de primeira época de qualquer escola neoliberal digna desse nome. Isso apenas confirma nossa vaga impressão de que há, como advertido ao iniciarmos esta reflexão, uma indefinível leveza do neoliberalismo no País, tanto no plano teórico, como, sobretudo, no âmbito da praxis. Como ocorre em outras áreas de interpretação sociológica, nosso país não se encaixa bem em nenhum modelo pré-fabricado – segundo dogmas ideológicos muito estritos – de desenvolvimento econômico e social. Somos originais? Provavelmente. Era o que eu pretendia demonstrar...

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 862: 7/02/2002
Espaço Acadêmico (Maringá: UEM, Ano I, nº 10, Março de 2002; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/download/35906/21035),


* Sociólogo, especialista em relações internacionais; autor dos livros Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (Senac, 2001) e Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (Paz e Terra, 2002); pralmeida@mac.com;  www.pralmeida.org.

Rubens Ricupero: um intelectual na diplomacia - Paulo Roberto de Almeida


Rubens Ricupero: um intelectual na diplomacia


Paulo Roberto de Almeida
Diplomata e professor (www.pralmeida.org)

Desconcertado com o tom “muito pessimista” das palavras do orador da turma do Instituto Rio Branco que se formava em meados de 1961, como observou rapidamente ao final de uma alocução que ameaçava a todos com o aniquilamento nuclear, o presidente Jânio Quadros, escolhido paraninfo da turma, tentou improvisar argumentos um pouco mais otimistas em seu discurso no velho Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro. Tal se deu em reação à mensagem central transmitida pelo jovem diplomata a colegas, superiores e familiares, provavelmente também chocados com a crueza do alerta: “Nós, os que hoje temos vinte anos... não sabemos se nos será dado o tempo de ler os grandes livros, ouvir a música dos Mestres,... explorar a multiforme beleza do mundo... numa época em que a variação do humor dos estadistas ou a distração dos operadores de radar  pode, a qualquer momento, precipitar o Apocalipse.”
Não sabemos se a plateia se recompôs, ou se o presidente conseguiu insuflar algum entusiasmo nos diplomatas que então iniciavam sua vida profissional, numa conjuntura em que a crise dos mísseis soviéticos em Cuba ainda não tinha colocado o mundo à beira do precipício, ou em que, no próprio cenário político brasileiro, adensavam-se as nuvens sombrias da crise política que surpreenderia a todos logo adiante. Menos de dois meses depois, Jânio Quadros renunciava, deixando o país mergulhado no estupor de um grave impasse institucional, agregando, portanto, aos temores já provocados pela confrontação entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Assim foi o início da carreira diplomática de Rubens Ricupero, escolhido orador da turma de 1960 pelas suas qualidades naturais de arguto analista e de sintetizador refinado das complexidades e matizes das relações internacionais e da posição do Brasil no sistema bipolar. Trabalhando no gabinete do ministro San Tiago Dantas, numa fase em que o parlamentarismo temporariamente vigente não conseguia encaminhar os problemas de desequilíbrio econômico externo e os desafios representados pelo clima de Guerra Fria, então no seu auge, o jovem Ricupero teve, por assim dizer, o seu batismo de fogo, naqueles anos em que o Brasil ensaiava um experimento de política externa independente, em meio às pressões americanas por uma postura mais alinhada.
O realinhamento ocorreu, de fato, a partir de abril de 1964, quando o jovem diplomata – Cônsul de Terceira Classe, segundo a denominação vigente na época – já tinha sido deslocado para o seu primeiro posto, Viena, aliás, um dos cenários clássicos da Guerra Fria. Promovido a Segundo Secretário em outubro daquele ano, Ricupero voltou ao anticomunismo da periferia em 1996, quando foi removido para Buenos Aires, onde os militares seguiam o exemplo de seus colegas brasileiros e também derrubavam um presidente civil, democraticamente eleito. As etapas seguintes de ascensão na carreira foram todas por merecimento, e de forma brilhante: Primeiro Secretário em setembro de 1970, quando já estava em Quito; Conselheiro em janeiro de 1973, quando era chefe da Divisão de Difusão Cultural; deslocado a Washington, entre 1974 e 1977, de onde voltou para chefiar, até 1980, a Divisão da América Meridional-II (países do Cone Sul), mas já promovido a Ministro de Segunda Classe, o penúltimo degrau, desde abril de 1978.
Americanista confirmado, e dotado de amplos conhecimentos históricos e sociológicos sobre toda a região, exerceu-se então como chefe do Departamento das Américas durante toda a primeira metade dos anos 1980, tendo sido promovido a Ministro de Primeira Classe (embaixador) em junho de 1982. Foi como diplomata experiente, portanto, que assistiu ao declínio do regime militar no Brasil e à transição ao regime democrático, sob a liderança de Tancredo Neves, de quem foi assessor especial e a quem acompanhou numa viagem internacional pré-posse, que talvez tenha precipitado sua doença e desenlace fatal. Como assessor internacional de José Sarney, de 1985 a 1987, Ricupero participou, e foi um dos mentores decisivos, do processo de aproximação do Brasil com seus vizinhos, tendo ajudado a costurar alguns dos grandes tratados de cooperação regional, em especial a montagem da integração no Cone Sul, que desembocaria no Mercosul. Desde o final da década anterior, também ministrou diferentes matérias no curso de relações internacionais da UnB, o único então existente no Brasil, além das aulas de política externa brasileira no Instituto Rio Branco.
Quando ingressei no Itamaraty, no final de 1977 – por concurso direto e não através do Rio Branco –, sua palestra sobre a diplomacia americana do Brasil foi uma das duas únicas que me impressionaram favoravelmente, no mar de platitudes burocráticas que foi então servido aos recém admitidos. Foi para mim um prazer, portanto, tê-lo como chefe na Delegação junto aos organismos internacionais em Genebra, entre 1987 e 1990, ao início da Rodada Uruguai do Gatt, da qual iria resultar a criação da OMC, alguns anos depois. Ricupero já estava servindo no posto mais importante da diplomacia brasileira, a embaixada em Washington (1991-92), de onde o presidente Itamar Franco o retirou para servir como ministro extraordinário da Amazônia legal e dos recursos hídricos, em homenagem a seu brilhante desempenho durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada pouco antes no Rio de Janeiro.
Daí a assumir o cargo de Ministro da Fazenda, em abril de 1994, no momento mais crucial do agônico esforço que o Brasil empreendia para uma estabilização há muito esperada no plano macroeconômico, foi o reconhecimento natural de suas qualidades de comunicador tranquilo e de talentoso operador da introdução do Plano Real, em julho desse ano. Uma moeda, mais até do que a expressão de um valor, é antes de qualquer outra coisa, uma questão de confiança, uma forma da identidade nacional, algo que Ricupero soube inculcar com grande maestria na psicologia de um povo já frustrado por diversos planos fracassados de combate à inflação. Sua figura, de certo modo franciscana, como introdutor do real, tem muito a ver com o sucesso desse processo de estabilização, implementado em meio a muitas dúvidas, no Brasil e no exterior: o FMI, por exemplo, não o apoiou, e o PT torcia pelo seu fracasso, chamando-o de “estelionato eleitoral”.
Sua saída inesperada da Fazenda, em setembro de 1994, na sequência de palavras impensadas antes de uma entrevista televisa, representou um “ponto fora da curva”, numa carreira de outro modo brilhante, que o conduziu ainda à embaixada do Brasil na Itália, terra de seus ancestrais, e à direção geral a Unctad – a Conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento – novamente em Genebra, por dois mandatos. Foi ele que conseguiu realizar no Brasil – em São Paulo, em 1997 – a única conferência desse órgão criado em grande medida pelos esforços da diplomacia brasileira, em 1964.
Aposentado, voltou às lides acadêmicas – das quais, na verdade, nunca se afastou, já que sempre esteve à frente do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial – desta vez na direção da Faculdade de Economia da FAAP-SP, que também abriga um curso de relações internacionais. A aposentadoria tampouco o eximiu de se exercer em tarefas de consultoria internacional, em órgãos intergovernamentais, junto a empresas multinacionais ou em fundações de corte intelectual, como os chamados think tanks. Desde os primeiros prêmios obtidos por seus resultados brilhantes no Instituto Rio Branco, Ricupero também acumulou, ao longo da vida profissional, um número expressivo de honrarias e de ordens nacionais, no Brasil e em diversos outros países, aos quais esteve ligado, diplomaticamente ou afetivamente.
Independentemente, porém, de todos os cargos, funções e missões em que se desempenhou, o que mais distingue Ricupero, como a poucos de seus colegas, é a sua qualidade de pensador e de formulador de posições diplomáticas. O Itamaraty, por certo, é conhecido por abrigar inúmeros intelectuais: escritores, artistas, personalidades refinadas que abrilhantaram as letras e as artes do Brasil (e algumas vezes do mundo, como alguns poetas, músicos e até ensaístas). Mas são poucos os que verdadeiramente integram o pequeno círculo de intelectuais reflexivos que podem, facilmente, desmentir uma antiga expressão que dizem existir nessa carreira disciplinada e hierárquica: “Você só assina artigos quando não mais os escreve” (o que significa que muitos secretários são os que de fato escrevem os textos, como eu mesmo fiz no curso inicial de minha carreira, que depois são publicados sob a assinatura de embaixadores). Basta olhar de relance a lista de suas publicações para constatar a riqueza e a diversidade de sua produção intelectual: só na Biblioteca do Itamaraty, em Brasília, são mais de quarenta entradas sob o seu nome, o que não inclui, por certo, as dezenas, ou centenas, de artigos de imprensa – na Folha de São Paulo, por exemplo – escritos em linguagem límpida e compreensível aos leigos, eventualmente coletados em alguns dos livros que publicou, como, por exemplo, Esperança e Ação (Paz e Terra, 2002).
Muito requisitado para todo tipo de pronunciamento conjuntural e de demandas práticas, vindas de todos os lados, Ricupero ainda assim conseguiu produzir alguns textos de referência no pensamento diplomático ou mesmo no terreno historiográfico. São bem, conhecidos, por exemplo, seus ensaios sobre a inserção mundial, sobre o relacionamento hemisférico do Brasil e sobre o comércio internacional– vários recolhidos na coletânea Visões do Brasil: ensaios sobre a história e a inserção internacional do Brasil (Record, 1995) – e sobre os dilemas do Brasil na globalização – título, aliás, de um dos seus livros (Senac, 2001) –, além dos seus artigos dominicais, na Folha, e até um livrinho editado por esse jornal, sobre o projeto americano da Alca (2003).
Menos conhecidos são os seus trabalhos de maior fôlego em termos de pesquisa histórica, em especial sobre: a diplomacia brasileira ao longo do século XX (em grande medida sobre as relações americanas), vários dos quais compilados na coletânea acima indicada; sobre o Barão do Rio Branco, uma referência obrigatória na vida de todo diplomata, mas uma fonte de fecundas reflexões comparativas para este pensador de visão larga; um bem fundamentado ensaio comemorativo sobre o problema da “abertura dos portos”, que aliás se estende aos tratados de 1810, em livro coletivo homônimo, (Senac-SP, 2008); e o mais recente estudo sobre o Brasil no mundo ao início do século XIX, no qual Ricupero traça um panorama dos desafios colocados ao “império”, um gigante com pés de barro, na conjuntura da independência, publicado no primeiro volume – Crise Colonial e Independência, 1808-1830 (Fundación Mapfre-Objetiva, 2011) – de uma coleção sobre a História do Brasil Nação, 1808-2010, numa série dedicada à América Latina na história contemporânea.
Em 2017 ele publicou sua obra síntese, A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017), que não é uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e uma reflexão sobre seu processo de desenvolvimento. O núcleo central da obra é composto por uma análise, profundamente embasada no conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a construção da nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que serviram ao Estado nessa vertente da mais importante política pública, cujo itinerário – à diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode ser considerado como exitoso.
O que justamente distingue a escrita refinada e elegante de Ricupero é sua “fascinação metodológica com a História”, como bem apontou no prefácio à coletânea Visões do Brasil o embaixador Gelson Fonseca. Isso no plano formal; no terreno substantivo é certamente sua angústia com os problemas do Brasil – a injustiça, a pobreza, a desigualdade – e o empenho em vê-lo emergir no cenário internacional como um interlocutor de peso na definição de soluções aos grandes problemas da humanidade. Uma atitude humanista, no sentido propriamente renascentista, ou iluminista, da palavra, combinada a uma vocação de pensador da inserção internacional do Brasil. De fato, Ricupero é um dos poucos intelectuais do Itamaraty que merece, legitimamente, essa designação!

Brasília, 27 de setembro de 2017.

Rubens Ricupero: A Diplomacia na Construcao do Brasil: IRel-UnB, 20/11, 14h30


Aproveito para divulgar a minha resenha deste livro:

“Construindo a nação pelos seus diplomatas: resenha do livro de Rubens Ricupero”, Brasília, 27 setembro 2017, 3 p. Resenha de A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017). Encaminhada ao Estado de S. Paulo. Publicado, sob o título “O Brasil segundo a diplomacia”, na versão impressa, no jornal O Estado de S. Paulo (domingo, 8 de outubro de 2017, p. , Caderno Aliás-Política; sob o título, na versão digital, de História da diplomacia no Brasil tem novo livro definitivo”, em 7/10/2017; link: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-da-diplomacia-no-brasil-tem-novo-livro-definitivo,70002030739). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/cesse-tudo-o-que-musa-antiga-canta.html); novamente, depois de publicada, no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/resenha-do-livro-do-ricupero-publicada.html).


Construindo a nação pelos seus diplomatas: o paradigma Ricupero

Paulo Roberto de Almeida


Em meados do século XX, os candidatos à carreira diplomática tinham uma única obra para estudar a política externa brasileira: a de Pandiá Calógeras, publicada em torno de 1930, equivocadamente intitulada A Política Exterior do Império, quando partia, na verdade, da Idade Média portuguesa e chegava apenas até a queda de Rosas, em 1852. Trinta anos depois, os candidatos passaram a se preparar pelo livro de Carlos Delgado de Carvalho, História Diplomática do Brasil, publicado uma única vez em 1959 e durante muitos anos desaparecido das livrarias e bibliotecas. No início dos anos 1990, passou a ocupar o seu lugar o livro História da Política Exterior do Brasil, da dupla Amado Cervo e Clodoaldo Bueno. Finalmente, a partir de agora uma nova obra já nasce clássica: A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017, 780 p.), do embaixador Rubens Ricupero, ministro da Fazenda quando da introdução do Real, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento nos anos 1990, atualmente aposentado.
O imenso trabalho não é uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e uma reflexão sobre seu processo de desenvolvimento tal como influenciado, e em vários episódios determinado, por diplomatas que se confundem com estadistas, aliás desde antes da independência, uma vez que a obra parte da Restauração (1680), ainda antes primeira configuração da futura nação por um diplomata brasileiro a serviço do rei português: Alexandre de Gusmão, principal negociador do Tratado de Madri (1750). Desde então, diplomatas nunca deixaram de figurar entre os pais fundadores do país independente, entre os construtores do Estado, entre os defensores dos interesses no entorno regional, como o Visconde do Rio Branco, e entre os definidores de suas fronteiras atuais, como o seu filho, o Barão, já objeto de obras anteriores de Ricupero.
O Barão do Rio Branco, aliás, é um dos poucos brasileiros a ter figurado em cédulas de quase todos os regimes monetários do Brasil, e um dos raros diplomatas do mundo a se tornar herói nacional ainda em vida. Ricupero conhece como poucos outros diplomatas, historiadores ou pesquisadores acadêmicos a história diplomática do Brasil, as relações regionais e o contexto internacional do mundo ocidental desde o início da era moderna, professor que foi, durante anos, no Instituto Rio Branco e no curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Formou gerações de diplomatas e de candidatos à carreira, assim como assessorou ministros e presidentes desde o início dos anos 1960, quando foi o orador de sua turma, na presidência Jânio Quadros.
Uma simples mirada pelo sumário da obra confirma a amplitude da análise: são dezenas de capítulos, vários com múltiplas seções, em onze grandes partes ordenadas cronologicamente, de 1680 a 2016, mais uma introdução e uma décima-segunda parte sobre a diplomacia brasileira em perspectiva histórica. Um posfácio, atualíssimo, vem datado de 26 de julho de 2017, no qual ele confessa que escrever o livro foi “quase um exame de consciência... que recolhe experiências e reflexões de uma existência” (p. 744). Ricupero concluiu o texto principal pouco depois do impeachment da presidente que produziu a maior recessão da história do Brasil, e o fecho definitivo quando uma nova crise “ameaça engolir” o seu sucessor. O núcleo central da obra é composto por uma análise, profundamente embasada no conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a construção da nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que serviram ao Estado nessa vertente da mais importante política pública cujo itinerário – à diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode ser considerado como plenamente exitoso.
A diplomacia brasileira começou por ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e a ruptura entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a base da política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência existe uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), conceito que veio a ser retomado numa fase recente da política externa, mas que Ricupero demonstra existir embebido na boa política exterior do Império. A construção dos valores da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no Direito como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio Branco em sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época. Vem também do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia estar focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). Esse contato persistente, constante, apaixonante pela história, constitui, aliás, um traço que Ricupero partilha com o Barão, o seu modelo de diplomata exemplar, objeto de uma fotobiografia que ele compôs com seu antigo chefe, o embaixador João Hermes Pereira de Araujo, com quem ele construiu o Pacto Amazônico, completando assim o arco da cooperação regional sul-americana iniciada por Rio Branco setenta anos antes.
O livro não é, como já se disse, uma simples história diplomática, mas sim um grande panorama de mais de três séculos da história brasileira, uma vez que nele, como diz Ricupero, “tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo” (p. 738-9). O paradigma diplomático já foi oferecido nesta obra; falta construir o da nação.

[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de setembro de 2017]

EUA reconhecem a URSS em 1933 - This Day in History (NYT)

ON THIS DAY

On Nov. 16, 1933, the United States and the Soviet Union established diplomatic relations. President Roosevelt sent a telegram to Soviet leader Maxim Litvinov, expressing hope that United States-Soviet relations would "forever remain normal and friendly.'' 
 
 
[Permito-me citar aqui a biografia de George Kennan por John Lewis Gaddis, pois ele foi um dos arquitetos desse reconhecimento de relações diplomáticas.]
 

UNITED STATES RECOGNIZES SOVIET, EXACTING PLEDGE ON PROPAGANDA; BULLITT NAMED FIRST AMBASSADOR



PRESIDENT REVEALS PACT
Reads to Press Letters in Which He and Litvinoff Bind Nations.
FREE WORSHIP CONCEDED
Russia Also Agrees to Allow Americans Own Counsel if Brought to Trial
WORLD PEACE IS STRESSED
Russo-American Claims Will Be Adjusted Through Regular Diplomatic Channels.

By WALTER DURANTY

Special to THE NEW YORK TIMES
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'Triumph' Hailed by Soviet People: Recognition is Likened to the Tale of the Ugly Duckling Which Became Swan: News Too Late For Fetes: Mezhlauk and Sokolnikoff Are Regarded as Candidate for Envoy to Washington
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Roosevelt Leave for Warm Springs; Will Speak of Savannah This Morning
Australia Plans to Cut Curbs on Immigration
Washington, Nov. 17--Official relations between the United States and the Soviet were established at ten minutes before midnight yesterday. Or, to express it more simply, the United States recognized the U. S. S. R. at that hour after sixteen years and nine days of the Soviet Government's existence. The fact of the establishment of relations was announced this afternoon by President Roosevelt, but historically speaking the date was 11:50 P.M., Nov. 16.
The undertakings of the two governments were set forth in eleven letters and a memorandum exchanged between the President and Maxim Litvinoff, Soviet Commissar for Foreign Affairs, covering agreements and concessions completed in ten days of negotiation.
Subject to the approval of the Soviet Government, William C. Bullitt of Philadelphia, special assistant to the Secretary of State, was designated to be the first American Ambassador to the U. S. S. R.
The pact read to the press by Mr. Roosevelt at his press conference this afternoon, covers propaganda, freedom of worship, protection of nationals and debts and claims.
Anti-Propaganda Pledge
The United States receives the most complete pledge against Bolshevist propaganda that has ever been made by the Soviet Government, and includes "organizations in receipt of any financial assistance from it" as well as persons or organizations under the jurisdiction or control of the government. Complete freedom of worship is assured Americans, as well as assurance against discrimination because of "ecclesiastical status."
To Americans is accorded "the right to be represented by counsel of their choice" if brought to trial in the U. S. S. R., which represented perhaps the most definite concession that M. Litvinoff made. The President made reciprocal pledges except regarding religion, which the Soviet did not desire.
Debts and claims were left to be thrashed out later for "a final settlement of the claims and counterclaims" between the governments "and the claims of their nationals." Claims arising out of the military occupation of Siberia by American forces, or assistance to military forces in Siberia after 1917, were waived, but the Murmansk occupation was not mentioned.
One may surmise that the article relating to propaganda was drawn up after the most careful consideration by the Americans of the propaganda treaties or clauses between the Soviet and Latvia and the Soviet and Afghanistan, or both, but it goes further than either of these two, and might almost be termed a diplomatic victory of high order.
The question of religious freedom has great political importance and is treated with corresponding detail. Americans are allowed everything they can want in this respect, but it is worth noting that M. Litvinoff takes the opportunity of "slipping something over" in a quiet way by quoting the laws of the Soviet Union to show that many of the reports upon the restriction of religious liberty in that country have been exaggerated.
The American side, however, scores a tactical success in M. Litvinoff's admission that "no persons having ecclesiastical status" shall be refused visas to enter the U.S.S.R. on that account.
With regard to the protection of American nationals, President Roosevelt has succeeded in obtaining one sentence which will have a considerable reverberation and cause no small heartburning in Downing Street, London, namely:
"Americans shall have the right" (if brought to trial in the U. S. S. R.) to "be represented by counsel of their choice." That sounds like something rather different from the circumstances of the Metro-Vickers trial, not to mention the earlier Shakta trial in which three Germans were involved.
In the matter of debts and claims, the honors are more evenly divided than appears at first sight. The important phrase here is "preparatory to a final settlement of the claims and counter-claims between the two governments" in the first paragraph of M. Litvinoff's letter, which to a certain extent detracts from the apparent importance of the waiving of immediate claims by the Soviet.
M. Litvinoff stated that there would be no mixed claims commission to adjust various Russo-American claims. They will all be handled through regular diplomatic channels.
It is also within the bounds of possibility that some more far-reaching agreements, at least with regard to the private debts, may be arrived at shortly, although they do not form part of the documents published today.
It is not surprising that the Russians agreed to waive a claim against the effects of the American Expeditionary Force in Siberia, because both in fact and intent it was far from damaging to Soviet interests. But here, too, what looks like any American victory is somewhat modified by the point that there is no reference to the American Expeditionary Force in Murmansk, which undoubtedly will provide the basis for a Soviet claim, according to the Alabama precedent.
Speaking by and large, it is probable that claims and counter-claims, so far as the two governments are concerned, and not impossibly the pre-revolution debts as well, will more or less cancel each other, whereas the American claims for money or property of American nationals seized by the Soviet will fall in another category.
President Reads Treaty
There must have been 200 newspaper men in the circular study of the Chief Executive when he made his historic announcement, and the way he did it gave an interesting illustration of the character of Franklin D. Roosevelt, his sense of drama--I hope the word "showmanship" is not "lese-majeste"--and his profound knowledge of psychology. Every one present was on tiptoe waiting for news about the result of the negotiations with M. Litvinoff.
Mr. Roosevelt smiled pleasantly at the crowd, cast an affectionate eye round the walls at his splendid collection of colored prints of old New England scenes and stated in a conventional tone that he had gratifying news from the iron and steel industry about the working of their NRA code. This he thought was important news, and it seemed, too, that there were encouraging reports along the same line from the textile industry.
It was a genuine "coup de theatre," and there was something like a gasp of suspense from his hearers.
Reporters are supposed to be toughened by their profession against surprises but, speaking personally at least, there was one of them who was startled. And the President knew it and got th full flavor of that moment of thrill.
Then quietly and calmly he proceeded to read the preamble to what is tantamount to an American-Soviet treaty.
The preamble consists of a letter from the President to the Commissar stating:
"I am very happy to inform you that as a result of our conversations, the Government of the United States has decided to establish normal diplomatic relations with the Government of the Union of Soviet Socialist Republics and to exchange Ambassadors.
"I trust that the relations now established between our peoples may forever remain normal and friendly, and that our nations henceforth may cooperate for their mutual benefit and for the preservation of the peace of the world."
Formal recognition was followed immediately by the designation of Mr. Bullitt as Ambassador to Russia. Hard on the heels of this announcement came publication by the State Department of the correspondence terminating the tenuous hold of representatives of the old Kerensky regime on the Russian diplomatic and consular service in this country.
No Russian Ambassador to the United States has been designated, but it is taken for granted that an announcement will be made in the very near future.
At the National Press Club this evening, while President Roosevelt was speeding toward Warm Springs, Ga., for a Thanksgiving holiday, M. Litvinoff in a brief speech and in reply to questions reviewed the negotiations for the benefit of Washington newspaper correspondents.
It is worth noting that the final phrase in the President's letter is "for the preservation of the peace of the world."
That is no formal insertion. Indeed there is hardly a word or line in the whole exchange of letters which does not merit the most careful scrutiny and attention.
M. Litvinoff replied in almost the same phrasing, and he, too, stressed the preservation of world peace which, as I cabled from Moscow, was the keynote of the first official Soviet reaction to the news of the President's message to Kalinin.
The letters cover four points of vital moment and are listed, one may presume, in the order of their importance. I venture that presumption because if ever there has been a conference in world history, and historically this conference may be found to rank among the most decisive, which really did "proceed according to plan," at least according to President Roosevelt's plan, it is this one.
You can hardly call it "an open covenant openly arrived at," that is to say, not so far as the last three words are concerned, but as a piece of "State planning," to employ the phrase familiar in Moscow and not unknown in Washington, it stands unique in post-war international events.
Put briefly, the points are propaganda, freedom of worship, protection of nationals and the question of debts and claims.
Right here there is to be noticed a most interesting point. As to propaganda, M. Litvinoff's letter comes first, expressing what the Soviet undertakes in this matter. The President's letter follows, recording, registering, and approving the said undertaking.
In the case of protection of nations, M. Litvinoff announces that certain steps shall be taken and the President assents, after which M. Litvinoff adds a short note of explanation upon the somewhat obscure question of economic espionage, which he clarifies. Once more M. Litvinoff leads in the matter of debts and claims and the President takes note of and records what he says.
To discuss the four points in detail, the propaganda letter of the Commissar contains four articles which admirably illustrate upon what a fair and reciprocal footing these negotiations have been conducted. Because, although all four articles are apparently undertakings by the Soviet, the first two are specifically things in which the United States is interested, whereas the two latter are things in which the Soviet is interested.
President Accepts Terms
The fourth article is reminiscent of a clause in the Franco-Soviet non-aggression pact which referred primarily to "White Russian," or Nationalist Georgian and Ukrainian anti- Bolshevist organization.
The President's reply recapitulates the four articles, but adds significantly "it will be the fixed policy of the Executive of the United States within the limits of the powers conferred by the Constitution and laws of the United States to adhere reciprocally to the engagements above expressed."
The agreement was described in informed circles as including every concession the Soviet government has ever made singly to any other country. The significant thing is that in this case the concessions are lumped into one vastly important international document--and were made prior to recognition.
To sum up, it would seem to me, with a certain knowledge of both countries, that this is one of the best and fairest international agreements I have ever read because it has a solid basis of mutual understanding and respect.
If one wants to estimate the "horse trade," I should say M. Litvinoff has got perhaps a shade the worst of it, but on the other hand, to vary the metaphor, M. Litvinoff is taking home a pretty fat turkey for Thanksgiving.
And don't forget that there is no mention of future credits and business in these documents, save rather vague allusions to consular conventions, and so forth. It is absurd to suppose that such subjects have not been discussed and may lead to great mutual benefits.
There are other points of international and political interest which have perhaps been covered. The negotiations have taken ten days, and, without being oversanguine, it may happen that, in view of the gravity of the issues involved in this moment of international confusion, general perplexity and danger, too, some future historian will term them "ten days that steadied the world."