O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

terça-feira, 5 de maio de 2015

Geoestrategia do Atlantico Sul - resenha de Herve Couteau-Begarie - Paulo Roberto de Almeida (1986)


GEOESTRATEGIA DO ATLANTICO SUL:
UMA VISAO DO SUL

Paulo Roberto de Almeida
Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro: vol. XXIX, n. 115-116, 1986/2, pp. 131-138).

Sumário:

Tomando como ponto de partida analítico o conflito global entre as duas grandes potências, o pensamento geopolítico norte-atlântico tem tendência a negligenciar as dimensões propriamente regionais da segurança estratégica no Atlântico Sul e os aspectos propriamente políticos do equilibrio de forças nessa região. A superestimação da ameaça soviética no terreno militar e o espantalho de um estrangulamento econômico do Ocidente constituem os elementos mais característicos dessa geopolítica from above. Uma visão a partir do Sul tenderia a enfatizar, de sua parte, a  multipolarização dos conflitos políticos e miltares na região sul-atlantica e a privilegiar a passagem de um cenário de confrontação geopolítica a uma estratégia regional de cooperação política e econômica.

Plano do Trabalho:
1. Geopolítica do Atlântico Sul: A Visão do Norte
2. Presença Militar na Região: Ameaça à Leste
3. O Abastecimento em Matérias Primas: Temor à Oeste
4. Da Geoestrategia à Cooperação: Uma Visão do Sul

Referência de base:
Hervé Couteau-Bégarie:
Géostratégie de l'Atlantique Sud
(Paris, PUF, 1983)

1. GEOPOLITICA DO ATLANTICO SUL: A VISAO DO NORTE
A inconsistência das doutrinas baseadas na retaliação maciça produziu, ao longo dos anos setenta, um gradual retorno às estratégias convencionais de enfrentamento localizado e limitado e à reavaliação, nesse contexto, do papel reservado às forças navais. Crescia, no mesmo momento, o poder naval soviético, que passou a ser considerado, pela Aliança Atlantica, como a “principal ameaça para a segurança dos mares”. Um Grupo de Trabalho do Conselho Atlântico dedicou-se especialmente ao estudo dessa questão, elaborando, no final da década, um relatoório completo sobre o desafio naval soviético que ainda hoje permanece uma fonte indispensável de referência. 1
Sintomaticamente, pouca atenção é dada nesse trabalho ao Atlântico Sul, listado em último lugar numa série de cinco possíveis “teatros de operações” para enfrentamentos navais, ao lado do Atlântico Norte, do Mediterrâneo, do Índico e do Pacífico. Ao criticar essa negligência dos especialistas em poder marítimo, o estrategista e cientista político francês Hervé Couteau-Bégarie formula a hipótese, em seu importantíssimo estudo sobre a Géostratégie de l’Atlantique Sud, de que essa indiferença seja em primeiro lugar devida a fatores propriamente ideológicos, ou seja, a existência nos dois lados do Atlântico Sul de países marcados por ditaduras militares ou por um regime racista condenado ao ostracismo mundial. 2 Sua visão, neste particular, parece muito marcada pela voga de estudos sobre os regimes militares latino-americanos, pois o processo de redemocratização no cone sul já apresentava uma certa consistência quando seu livro foi publicado em meados de 1985, e não cessou de aprofundar-se desde então, sem que isso pudesse representar qualquer mudança significativa no status estratégico-militar do Atlântico Sul para os países ribeirinhos ou para as superpotências navais. 3
O obstáculo ideológico é assim relativamente incongruente, pelo menos deste lado do Atlântico Sul, o que nos leva aos fatores propriamente geográficos da marginalização do Atlântico Sul nos planos estratégicos dos principais poderes navais. Couteau-Bégarie não deixa de considerar a posição “excêntrica e finalmente secundária” do Atlântico Sul em relação aos demais espaços oceânicos, caráter ainda mais reforçado depois da abertura de Suez e do canal do Panama. 4
Mas, não é apenas a geografia que condena o Atlântico Sul à sua condição de “quinto teatro de operações”, mas sobretudo o próprio carater “periférico” da região, em termos de sua participação nos grandes fluxos do comércio internacional ou sua importância estratégica para o equilíbrio do poder mundial. O tráfico marítimo comercial é, nessa região, rarefeito e secundário, sendo importante sobretudo no sentido sudeste-noroeste entre o Cabo da Boa Esperança e as Ilhas de Cabo Verde, dispersando-se a partir daí em duas rotas bem frequentadas, uma em direção ao Mediterrâneo e Europa do Norte, outra em direção à costa leste dos Estados Unidos. O Atlântico Sul sempre foi, por outro lado, o menos militarizado de todos os oceanos, permanecendo ainda hoje ao largo dos conflitos entre as grandes potências navais: foi preciso que entrassem em cena fatores históricos essencialmente contingentes, derivados de conflitos militares relativamente imprevisíveis, para que frotas armadas passassem a frequentar suas duas margens, de um lado com a instalação da Fortress Falklands, de outro com o estacionamento irregular de navios soviéticos em Angola. Ainda assim, esses dois conflitos devem ser considerados numa perspectiva sobretudo regional, extraindo sua dinâmica interna de fatores propriamente locais, e não no quadro de um suposto enfrentamento global entre potências marítimas rivais, o que po de ser confirmado pela diminuta presensa nuclear ostensiva de uma ou outra das duas grandes frotas bélicas da atualidade.

Desde a publicação do livro pioneiro de Alfred T. Mahan em 1890, The Influence of Sea Power upon History, e do estudo do já conhecido pensador alemao Karl Haushofer em 1924, Die Geopolitik des Pazifischen Ozeans, o pensamento geopolítico busca integrar os espasos marítimos a sua conhecida equação “Espaço é Poder”. 5 O estudo já referido de Herve Couteau-Bégarie é – com a notável exceção do livro editado por Carlos Moneta, Geopolitica y Politica del Poder en Atlantico Sur 6 – o primeiro ensaio de conjunto sobre os problemas geopoliticos e militares, ou, como ele prefere chamar, sobre a geoestratégia dessa região marítima. O autor já tinha se notabilizado pela publicação, em 1983, de uma pequena mas consistente monografia sobre La Puissance Maritime Soviétique, 7 tendo prometido a continuação por meio de um estudo sobre as potências marítimas do Índico e do Pacífico, além de um trabalho, em colaboração, sobre as “geopolíticas latino-americanas”.
Segundo suas próprias palavras, o objetivo de Géostratégie de l’Atlantique Sud “é o de estudar o desenvolvimento dos meios militares nessa região do mundo com vistas a identificar suas implicações para a política das grandes potências. O Atlântico Sul não é portanto considerado como um sistema fechado, mas como um elemento de um conjunto planetário. Neste nível de análise, apenas dois países contam: os Estados Unidos e a União Soviética”. 8 O especialista francês, cujo excepcional poder de síntese deve ser prontamente reconhecido, partilha, neste livro, da tendência do pensamento geopolítico tradicional a pensar as problemáticas regionais sob o ângulo dos enfrentamentos globais, dominados inquestionavelmente, em nossa época, pela oposição irredutível entre os EUA e a URSS.
Ora, como justamente observou Alvaro Vasconcelos em seu artigo no número inaugural de Estratégia, “se o mundo é cada vez mais acentuadamente bipolar à dimensão da estratégia global, é tambem, paradoxalmente, cada vez mais multipolar à dimensão regional”. 9 É essa tendência a considerar os problemas da região sul-atlantica sob a ótica da “política de poder”, e num contexto essencialmente bipoIar, que caracteriza o estudo de Couteau-Bégarie. Se a ênfase nas questões de segurança e de estratégia militar, inclusive naval, constitui a pedra angular dos estudos geopolíticos, nada diz que essa pretendida “ciência” da projeção geográfica dos Estados deva ignorar o conceito historico que Wolfram Eberhard chamou de world time, 10 para congelar as relações de poder entre os Estados sob um mesmo pattern de comportamento que seria transhistórico e auto-aplicável.
Esse congelamento da História – em contradição talvez com uma geopolítica mais “esclarecida” – está por exemplo presente na seguinte passagem retro-prospectiva de Géostratégie: “as antigas potências coloniais praticamente desertaram [do Atlântico Sul] sem que tenha aparecido um verdadeiro ‘grande’ regional: mesmo o Brasil é apenas um grande potência em perspectiva [en devenir]. Ele reivindica [sic] uma hegemonia regional, mas ele ainda não a exerce” (p. 15). Além do “pecado venial” de praticar uma geopolítica historicamente “congelada”, Couteau-Bégarie parece operar aqui uma transposição da doutrina do “destino manifesto” no quadro de uma “política de poder” que deveria ser inexoravelmente assumida pelo Estado brasileiro, em sua atual e futura política externa regional. A geopolítica não consegue conviver com “vazios de poder”, reais ou supostos: ela estará sempre à procura de “potências em perspectiva” para preencher seus próprios “vácuos” teóricos.
Na concepção geoestratégica dos especialistas norte-atlânticos, haveria um “vácuo de poder” no Atlântico Sul, cujo preenchimento deveria ser assegurado por um arranjo multilateral calcado no modelo da OTAN ou por garantias estratégicas assumidas bilateralmente, no quadro de um “relacionamento especial” unindo a principal potência ocidental e um “grande regional”. A importância do Atlântico Sul é definida de maneira unilateral na visão estratégica ocidental, de que e exemplo a seguinte passagem do livro de Couteau-Bégarie: “o Atlântico Sul voltou a ser [depois da crise de Suez] uma artéria vital de comunicações; ele é cercado de países importantes para o Ocidente; enfim, ele poderia adquirir um lugar na [estratégia de] dissuasão, com o aparecimento de submarinos lança-mísseis em suas águas” (p. 57; nós sublinhamos). Não parece ocorrer aos propugnadores dessa visão a possibilidade dos países sul-atlânticos defenderem uma visão própria de seus interesses nacionais nessa região, garantindo a segurança e a liberdade de navegação através dos instrumentos do Direito Internacional e não por meios de pactos militares, que aliás soem constituir a exceção e não a regra na maior parte dos oceanos.
O pensamento geoestratégico identifica no Atlântico Sul todos os elementos da tetralogia das missões atribuidas às grandes frotas navais: domínio dos mares, projeção de potência, presença naval e dissuasão estratégica, este último apenas em esboço. “Mesmo se sua importância não alcança a do Oceano Índico ou a do Pacífico, o Atlântico Sul ocupa um espaço próprio na estratégia marítima. Mas, até uma data recente, apenas os soviéticos parecem ter se conscientizado plenamente disso” (p. 71). Coutau-Bégarie partilha aqui da visão norte-americana do problema, que parece caracterizar-se por um pessimismo exagerado na construção de cenários de ameaças à segurança marítima e ao aprovisionamento em matérias-primas para melhor justificar um military building acrescido. Uma consideração adequada de cada um dos elementos importantes em jogo, de um ponto de vista sul-atlântico, poderá eventualmente introduzir um pouco mais de equilibrio nessa visão geoestratégica do Atlântico Sul.

2. PRESENÇA MILITAR NA REGIAO: AMEAÇA À LESTE
O controle das principais artérias de comunicação constitui a mais importante e inadiável tarefa das frotas ocidentais. A presença de navios soviéticos na região sul-atlântica representa, para Couteau-Bégarie, “uma séria ameaça em caso de conflito”; ora, como esses navios “sont déjá sur place” (p. l9), é preciso pensar no pior: “Deve-se esperar ataques simultâneos em diversos pontos. A luta pelo domínio dos mares vai ocupar toda a situação estratégica no Atlântico Sul. Esta é a primeira missão das marinhas da OTAN, a mais importante, a mais constante, em face da ameaça permanente” (p.64). Dada a “insuficiência das frotas da OTAN”, deve-se pensar nas possibilidades de uma “defesa ocidental” através da “cooperação com os países ribeirinhos”, cuja missão, na visão norte-atlântica, deveria ser a de integrar seus próprios planos estratégicos nos esquemas defensivos concebidos pela primeira potência ocidental.
É preciso, em primeiro lugar, observar que a presença naval soviética no Atlântico Sul, embora tenha crescido no período recente, está longe de justificar a inquietação despertada pelos estrategistas ocidentais. A região é, de todas, a mais distante dos pontos de apoio da frota soviética e a que apresenta o maior número de dificuldades logísticas e estratégicas, o que tornaria altamente custoso qualquer esforço da URSS se decidisse interromper ali as rotas de suprimento dos países da OTAN. O próprio Comite de Defesa da União da Europa Ocidetal reconheceu o fato de ser “o Atlântico Sul a área mais improvável para uma ameaça naval [soviética] à navegação aliada”. 11 Deve-se igualmente lembrar que, em caso de necessidade, a aliança ocidental conseguiria reunir na região, num espaço reduzido de tempo, um número razoável de navios e submarinos, com o correspondente apoio aéreo e logístico. Não se conhece, por fim, qualquer tentativa soviética no sentido de interromper o fluxo normal das rotas marítimas ocidentais, no Atlântico Sul ou alhures, e é razoavel supor que uma tal iniciativa só seja concebível no quadro de uma séria deterioração no padrão global do relacionamento bipolar.
Hervé Couteau-Bégarie reconhece que os riscos de um ataque soviético contra as linhas de comunicação ocidentais nessa região são extremamente reduzidos, “mas, no caso em que a dissuasão fracassasse, o cenário de ataque ao tráfico ocidental é um dos que comporta o menor risco de escalada, pois uma batalha no mar não provoca perdas colaterais” (p. 98). Na verdade, um eventual fracasso da dissuasão comportaria um cenário muito mais complexo que o imaginado pelo especialista francês, mas, mesmo admitindo-se a hipótese de uma resposta marítima soviética, o Atlântico Sul é a região que menos se presta a um ataque diversionista da frota soviética. De toda forma, a Marinha norte-americana, e por extensão a aliada, parece dispor de todas as condições para deter, mesmo preventivamente, qualquer ação soviética nessa ou em outra região, mantendo acompanhamento permanente da localização de navios e submarinos soviéticos em diversos oceanos.

3. O ABASTECIMENTO EM MATÉRIAS-PRIMAS: TEMOR À OESTE
A ameaça suposta ou real contra as linhas de comunicação marítimas do Ocidente não é tudo porém, pois “a estratégia [da URSS] comporta um segundo painel, muito mais ambicioso e cujá eficácia poderia se revelar bem mais temível: a busca do controle das matérias-primas” (p. 99). A crer no especialista frances, que retoma um dos temas mais conhecidos na literatura sobre o assunto, “Moscou busca atualmente incorporar à sua órbita os principais países produtores de matérias-primas” (p. 99).
O temor ocidental é tanto maior que a história e a geografia já pareciam ter assegurado ao Atlântico Norte um seguro monopólio sobre os recursos do Sul. “O geopolítico Haushofer foi sem dúvida o que melhor observou a verticalidade do sistema internacional. Ele não deixou de sublinhar a continuidade entre a Europa e a África (a ‘Eurafrica’) e entre as duas partes do continente americano (a ‘PanAmerica’). Isto é ainda mais verdadeiro na atualidade. A zona sul-atlântica é, antes de mais nada, um fantástico reservatório de matérias-primas” (p. 64; nós sublinhamos). Mas, o Atlântico Sul não serve apenas ao simples aprovisionamento em materiais estratégicos para as economias ocidentais: “Os países do Atlântico Norte não poderiam viver sem sua periferia latino-americana ou africana” (p. 66). “Os países do hemisfério sul não são apenas produtores de matérias-primas, eles são também uma área de expansão econômica e cultural sem a qual o mundo norte-atlântico seria asfixiado. (...) Ora, a conservação da África e da América Latina passa antes de mais nada pelo controle das águas adjacentes, e em primeiro lugar, do Atlântico Sul” (p. 67; nós sublinhamos). Não parece vir à mente dos geoestrategistas norte-atlânticos que os países do Sul possam pretender controlar eles mesmos seus próprios recursos minerais, colocando suas matérias-primas a serviço de seu próprio desenvolvimento nacional, ou que eles não têm exatamente como um de seus objetivos estratégicos o de servir de “área de expansão” para os países ocidentais. Ao ler Couteau-Bégarie fica-se na dúvida sobre se o famoso lebensraum representou apenas e tão somente uma passageira deformação nazista da geopolítica ou se ele é um componente indispensável de suas formulações ideológicas.
A visão alarmista ocidental sobre a dependência do Atlântico Norte em relação às matérias-primas estratégicas provenientes do Sul originou-se da crise política e econômica criada com o embargo petrolífero de 1973 e ampliou-se com a intervenção soviética por ocasião da independência angolana em 1975. Acredita-se, por um lado, que os assim chamados “minerais estratégicos” da África austral representarão, nos anos 80 e 90, o que o petróleo representou nos anos 70. Hervé Coutau-Bégarie considera, por outro lado, que a guerra de Angola marca o tournant decisivo no desenvolvimento da penetração soviética nessa área africana: “No total, o assunto angolano se apresenta como um deslumbrante sucesso para a União Soviética” (p. 85). Nenhuma dessas crenças parece encontrar fundamento na realidade.
O cientista político Bruce Russett, após rigorosa análise quantitativa, conclui, por exemplo, que a visão alarmista sobre a dependência mineral do Ocidente, ademais de ser baseada em fundações conceituais muito primitivas, não encontra justificativa real nos dados disponíveis sobre o aprovisionamento estratégico dos principais países desenvolvidos capitalistas. O risco da dependência de fontes externas para a maior parte das matérias-primas foi simplesmente exagerado, pelo menos para os Estados Unidos. 12 Outro especialista norte-americano considera que “a dependência de importações da África austral e o problema do acesso ininterrupto aos suprimentos minerais não representam ameaças críticas ou estratégicas imediatas para os Estados Unidos e seus aliados. E a ameasa principal não vem da União Sovietica”. 13 Para esse autor, uma eventual ameaça nessa área, traduzindo-se por interrupções caóticas e imprevisíveis na produção ou fornecimento de minerais estratégicos, poderia ocorrer não em conexão com uma intervenção soviética, mas devido a problemas internos nos países produtores: a instabilidade doméstica, e não a ameaça soviética, representa assim o perigo maior. 14 De toda forma, “os Estados Unidos poderiam perder uma parte substancial de suas importações de minerais estratégicos sem que isso significasse qualquer ameaça a sua segurança nacional”. 15 Para o mesmo analista, a medida mais importante para garantir e aumentar a segurança mineral do Ocidente está no terreno da política externa e não no da segurança estratégica: “Os Estados Unidos deveriam usar a diplomacia para tentar prevenir conflitos inter-estatais nas regiões produtoras de minerais”. 16 Outras medidas incluiriam a estabilização dos preços, a assistência econômica e ajuda bilateral aos fornecedores doTerceiro Mundo.
A outra vertente da “guerra de recursos” seria dada pela “modificação radical” da estratégia soviética a partir de 1975: apoiando-se na intervenção angolana, a URSS teria passado a buscar integrar suas novas “aquisições” num novo “Terceiro Mundo”, seguindo uma política em dois eixos: a) o país protegido deve operar uma “restruturação idêntica” segundo o modelo socialista; b) o país protegido deve custar o menos possível e render o maximo possível. 17
Não é contudo o que parece indicar a política “terceiro-mundista” da URSS nos últimos cinco ou seis anos, e particularmente desde a morte de Brejnev em novembro de 1982. Como demonstra Francis Fukuyama, em artigo na Foreign Affairs, passou a época das generosas ofertas de ajuda econômica e militar aos “países liberados”: o programa do 27° Congresso do PCUS, encerrado em outubro de 1985, consigna apenas a “profunda simpatia” com as aspirações dos povos que estão se libertando do jugo colonial, uma frase tépida para indicar os limites da assistência soviética a seus clientes do Terceiro Mundo. 18 Os Estados “orientados para o socialismo” devem, segundo o programa do partido, desenvolver suas economias “por meio de seus próprios esforços”, sendo-lhes implicitamente recomendado “aprofundar a cooperação com os países que percorrem a via capitalista”. 19 A desilusão com os resultados obtidos no Terceiro Mundo e a consequente proposta de “desengajamento” são expressamente reconhecidos no recentemente divulgado manifesto da “oposição clandestina” ao PCUS, que reproduz na verdade o pensamento oficioso sobre a matéria: “A política externa soviética tem experimentado sérios reveses em países que foram colonias do Ocidente. Apesar dos vastos recursos investidos na Indonésia, no Egito, na Argélia e no Iraque, a URSS não obteve nenhum dividendo político ou econômico”. 20
É altamente improvável, portanto, que Moscou disponha de meios para, ou tenha a intenção efetiva de, conduzir uma “guerra de recursos” contra o Ocidente com base na intervenção direta em países da África austral: ao contrário de pensar na asfixia econômica do Ocidente, a URSS procura desesperadamente intensificar suas relações econômicas e os vínculos de cooperação com a zona capitalista. Uma “guerra de recursos”, aliás, não apenas iria contra os próprios interesses da URSS, como afetaria igualmente interesses substanciais de seus aliados socialistas e parceiros “não-alinhados”, além de, mais uma vez, só ser concebível no contexto de um enfrentamento global entre os dois campos.
Contrariamente, portanto, ao que sugeriu Peter Wiles em sua tese sobre o novo “Terceiro Mundo” soviético, as tendências indicam que a postura da URSS em relação aos países em desenvolvimento caminha no sentido de relativizar o impeto da mudança revolucionária em direção ao “socialismo” e de reconhecer o próprio potencial transformador da “via capitalista”. As evidências são tanto de carater teórico, como o demonstra uma recente resenha da literatura soviética a esse respeito, 21 quanto de natureza prática, de que são exemplos diversos discursos e pronunciamentos oficiais soviéticos do período recente, a começar pelo próprio Gorbachev. Isto não quer dizer que a URSS deixará de aproveitar as oportunidades locais que se abram à sua ação no Terceiro Mundo, e na África austral em particular, mas suas prioridades atuais são bem diferentes de uma política de “guerra total” contra o Ocidente.

4. DA GEOESTRATEGIA À COOPERAÇÃO: UMA VISAO DO SUL
A segurança, na visão geopolítica, tende a ser alcançada não por meios políticos e diplomáticos, mas através da dissuasão estratégica. O argumento não deixa de ter sua legitimidade, tanto teórica quanto prática, e parece justificado em face do conhecido quadro de enfrentamento bipolar à dimensão global. O problema começa quando, num quadro regional caracterizado por baixo coeficiente de polarizações dicotômicas e, portanto, com tendências à multipolarização, se pretende introduzir à força o cenário da dissuasão estratégica. O Atlântico Sul corre hoje esse risco, menos provavelmente pelo desenvolvimento de uma dinâmica própria de conflitos inter-estatais do que pela vontade dos ideólogos da geoestratégia.
Hervé Couteau-Bégarie reconhece implicitamente a realidade da multipolarização no Atlântico Sul, quando afirma que “o desenvolvimento das forças navais latino-americanas não pode ser considerado como uma resposta ao aparecimento de navios soviéticos na região. Ele decorre mais exatamente de fatores locais que de modificações no equilibrio planetário de forças” e, dentre esses fatores, o autor alinha a busca de “prestígio”, a defesa da soberania, o “efeito induzido” de outras frotas vizinhas ou mesmo “ambições hegemônicas, bastante nítidas na América Latina, onde se digladiam antagonismos irredutíveis” (pp. 17-18). Mas, o cenário global, segundo ele, é dominado pelo surgimento dos submarinos dotados de mísseis estratégicos – “o elemento mais estável dos arsenais” – acarretando a militarização ampliada dos oceanos. Nesse contexto, o Atlântico Sul é inevitavelmente elevado “à categoria de zona de patrulha para os submarinos estratégicos” (p. 68).
Assim, a despeito da reconhecida multipolarização dos cenários regionais – evidente, entre outros motivos, pela multiplicação de conflitos locais no Sul – a estratégia da dissuasão global é transposta para o Atlântico Sul, observando-se mesmo uma tentativa de reverticalização nos espaços geográficos considerados fundamentais pela superpotência americana. A visão americana da problemática do Atlântico Sul, assumida inteiramente por Couteau-Bégarie, caracteriza-se tanto pela exacerbação do potencial de conflitos globais nessa área, como pelo total desconhecimento das aspirações e preocupações específicas dos países ribeirinhos, considerados como meros instrumentos da defesa dos interesses ocidentais na região. Condizente com essa visão, cogitou-se no passado – e talvez alguns ainda mantenham a ilusão – não apenas da constituição de uma OTAS alinhada com sua irmã do Norte, mas também de um delírio geopolítico popularizado sob o nome de “Aliança de todos os Oceanos”, nova versão da Liga Ateniense, que pretenderia ser uma transposição da OTAN em escala mundial. 22 O alinhamento com os EUA, nesse contexto, é considerado como algo natural, ou mesmo como uma obrigação dos países do hemisfério sul, assim como a garantia de acesso ocidental às fontes de recursos estratégicos, em primeiro lugar as matérias-primas minerais. A estabilidade política dos países da região sul-atlântica é considerada, nessa visão, como meramente funcional para os objetivos da segurança estratégica do Ocidente, não possuindo valor próprio em termos de requisito adequado para as metas de desenvolvimento econômico, bem-estar social e democracia política nos países contemplados.
A segurança econômica e política dos países ribeirinhos do Atlântico Sul não pode, é certo, dispensar um nível adequado de segurança militar, mas esta, por sua vez, nunca será completa se persistirem focos de tensão e de agitação decorrentes não de uma ameaça externa mas das próprias condições de subdesenvolvimento e atraso econômico-social. Concretamente: a penetração soviética no Atlântico Sul é contraria aos interesses de todos os países da região, mas enquanto para as duas superpotências a zona sul-atlântico é apenas um cenário a mais, e necessariamente secundário, no quadro da confrontação global, para as nações ribeirinhas ela é uma area essencial e prioritária para seus próprios objetivos nacionais de paz e desenvolvimento.
Aos países do Atlântico Sul interessa a segurança da região não em termos de sua integração à dissuasão estratégica, mas em termos de mantê-la à margem das tensões externas, de modo a promover as condições favoráveis ao desenvolvimento da cooperação horizontal entre os países que a margeiam. Do ponto de vista da segurança, tanto a Carta da OEA, quanto o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, no âmbito da América Latina, contêm disposições relativas à segurança dos Estados Membros, aplicáveis dentro ou fora da área específica coberta por esse último Tratado. Não parece, assim, haver necessidade de uma organização de defesa específica para garantir a segurança do Atlântico Sul, do ponto de vista da América Latina. Qualquer tentativa nesse sentido, aliás, daria à totalidade dos Estados participantes a mera função de coadjuvantes menores em face do grande irmão do Norte, aproximando portanto a organização proposta mais do modelo do Pacto de Varsóvia do que do da OTAN. Em todo caso, nada há que impeça a continuidade de empreendimentos bilaterais de cooperação naval – como as operações Unitas – ou mesmo projetos multilaterais fora do marco de um tratado específico como ocorreu com a “Ocean Venture 81”. Qualquer esquema de cooperação entre os países ribeirinhos do Atlântico Sul e os parceiros do Norte – os EUA ou a OTAN – só poderia concretizar-se adequadamente a partir do reconhecimento dos interesses específicos dos países da área e considerando seus ob;etivos nacionais em primeiro lugar; em uma palavra, cabe aos interesses do Atlântico Norte coordenar-se com os do Atlântico Sul e não o contrário.
A questão essencial para os países do Atlântico Sul é a do estabelecimento de uma presença própria, autônoma e independente na região, exatamente para atingir aos objetivos do desenvolvimento e da cooperação regional. Não pode haver qualquer incompatibilidade entre esses objetivos e o interesse ocidental na região e é com base neles, portanto, que se deve buscar as formas de cooperação mais adequadas entre os países do Norte e os do Sul. Em síntese, as possibilidades de cooperação devem estar subordinadas, como não poderia deixar de ser, aos interesses políticos, econômicos e estratégicos próprios e permenentes dos países do Atlântico Sul. À estratégia geopolítica da dissuasão, o Atlântico Sul deve opor a estratégia política da cooperação e do desenvolvimento.

Notas e Referências Bibliográficas:

1. Paul H. Nitze, Leonard Sullivan, Jr., and the Atlantic Council Working Group on Securing the Seas: Securing the Seas: the Soviet Naval Challenge and Western Alliance Options (Boulder, Co.: Westview Press, 1979).
2. Hervé Couteau-Bégarie: Géostratégie de l’Atlantique Sud (Paris: Presses Universitaires de France, 1985); dividido em quatro grandes partes, dedicadas respectivamente ao “quadro geoestratégico do Atlântico Sul”, à “penetração soviética” nessa região, à “desintegração da defesa ocidental” e aos esforços tendentes à integração das defesas navais na área, e, finalmente, aos “antagonismos geopolíticos na América Latina”, o estudo de Couteau-Bégarie representa o ensaio mais bem sucedido, até agora, de apresentar a visão “norte-atlântica” sobre os problemas da segurança estratégica do Atlântico Sul. Sem deixar de reconhecer os méritos próprios dessa obra é preciso desde logo apontar seu comprometimento com o pensamento típico da OTAN sobre essa problemática.
3. Ver a esse propósito Alain Rouquie: L’Etat Militaire en Amérique Latine (Paris: Seuil, 1982), que parece ser a única fonte de referência de Couteau-Bégarie sobre a questão militar na América Latina.
4. Cf Couteau-Bégarie, Géostratégie de l’Atlantique Sud, op. cit., pp. 13-14.
5. Sobre o trabalho pioneiro de Mahan sobre o poder naval, consultar o excelente artigo de Joao Carlos G. Caminha: “Mahan: Sua Época e suas Ideias”, Política e Estratégia (vol IV, n° 1, Jan-Mar 1986, 54-103); para a referência ao livro de Haushofer ver o artigo de Lewis Tambs: “A Influência da Geopolítica na Formação da Politica Internacional e da Estratégia das Grandes Potências”, Política e Estratégia (vol I, n° 1, Out-Dez 1983, 73-104), p. 90.
6. Carlos J. Moneta y otros: Geopolitica y Politica del Poder en Atlantico Sur (Buenos Aires: Pleamar, 1983).
7. Hervé Couteau-Bégarie: La Puissance Maritime Soviétique (Paris: Economica/Institut Français des Relations Internationales, 1983).
8. Cf Géostratégie de l’Atlantique Sud, p. 15. Para evitar o apelo frequente às notas de rodape, as referências ao livro de Couteau-Bégarie, extensivamente citadas neste artigo, serão a partir de agora colocadas entre parênteses ao final de cada transcrição.
9. Alvaro Vasconcelos: “Os Desafios do Sul e a Segurança Regional”, Estratégia, Revista de Estudos Internacionais (n° 1, Primavera 1986, 147-170), p. 149. A multipolaridade – política, econômica e militar – é com efeito o traço mais saliente de nossa época, a despeito mesmo das tentativas de verticalização operadas por um ou outro dos dois grandes poderes em suas respectivas áreas de influência.
10. Wolfram Eberhard: Conquerors and Rulers: Social Forces in Medieval China (Leyden: E.J. Brill, 1965), vide “Introduction”, transcrita em Reinhard Bendix (ed): State and Society: a reader in comparative political sociology (Berkeley: University of California Press, 1973), pp. 16-28.
11. Cf Committee on Defence Questions and Armaments of the Assembly of the Western European Union: European Security and the South Atlantic (WEU, 26 October 1981).
12. Bruce Russett: “Dimensions of Resource Dependence: some elements of rigor in concept and policy analysis”, International Organization (Vol 38, n° 3, Summer 1984, 481-499).
13. Michael Shafer: “Mineral Myths”, Foreign Policy (n° 47, Summer 1982, 154-171), p. 155.
14. Idem, p. 161.
15. Idem, p. 165.
16. Idem, p. 168.
17. Ver Peter Wiles: The New Communist Third World (London: Croom Helm, 1982).
18. Cf Francis Fukuyama: “Gorbachev and the Third World”, Foreign Affairs (vol 64, n° 4, Spring 1986, 715-731), p. 715.
19. Idem, pp. 715-6.
20. Ver “The Secret Dream of a Soviet tomorrow”, The Guardian (August 3, 1986), p. 10. O manifesto do “Movimento de Renovação Socialista” foi publicado no Brasil pela Folha de São Paulo (31.08.86).
21. Ver o excelente artigo-resenha de Elizabeth Kridl Valkenier: “Revolutionary Change in the Third World: recent soviet assessments”, World Politics (vol 38, n° 3, April 1986, 415-434).
22. A proposta é de Ray Cline, o conhecido autor de World Power Assessment; cf “Avaliação do Poder Mundial”, Política e Estratégia (vol I, n° 1, Out-Dez 1983, 7-19).

[1a: 24-26.09.86]
[2a: 12.01.87]


132. “Geoestratégia do Atlântico Sul: uma Visão do Sul”, Brasília, 24-26 setembro 1986, 13 pp. Ampliação do trabalho anterior em forma de artigo, excluída a segunda parte sobre a política brasileira para a região (Anexo: Esboço de um artigo intitulado: “Da Geopolítica à Cooperação: o Brasil e o Atlântico Sul”). Publicado sob o título “Geopolítica do Atlântico Sul” na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro, vol. XXIX, nºs 115-116, 1986/2, pp. 131-138), sob o título “Geoestratégia do Atlântico: uma Visão do Sul” em Estratégia (Lisboa, 3, Primavera 1987, pp. 117-128) e, sob o título “Geoestratégia do Atlântico Sul: uma Visão do Sul”, em Política e Estratégia (São Paulo, vol. V, nº 4, outubro-dezembro 1987, pp. 486-495). Relação de Trabalhos Publicados nºs 031, 036 e 045.

Conteudo local na Petrobras: mais um crime economico do lulo-petismo


 
Diretora- geral da ANP diz que mudança entraria em vigor até outubro
 
O ministro Eduardo Braga e a presidente da ANP, Magda Chambriard, defenderam mudança nas regras que exigem o uso de fornecedores locais na indústria de petróleo.
 
HOUSTON, EUA- O governo brasileiro está discutindo mudanças na regulação do setor de petróleo, confirmaram ontem a diretora- geral da Agência Nacional do Petróleo ( ANP), Magda Chambriard, e o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston, nos Estados Unidos.
Segundo Magda, a ANP e o ministério devem apresentar proposta para ajustar as regras dentro de 30 a 60 dias, noticiou a agência Bloomberg. Magda reforçou que o país não desistirá da política que obriga a construção de parte dos projetos por empresas brasileiras ou com fábrica no Brasil. Em média, o percentual oscila entre 45% e 60%. Magda ponderou que a alteração é necessária para manter a indústria atraente. Qualquer mudança só será válida para contratos futuros, não para os já assinados.
— Entendemos que a política precisa ser reforçada com alguma simplificação. Vamos tentar incluir as mudanças já na 13 ª Rodada de Blocos Exploratórios de Petróleo — disse ela, referindo-se às próximas licitações.
Mesmo confirmando que o assunto está em discussão, Braga afirmou que as novas regras não deverão entrar em vigor antes da próxima licitação de blocos exploratórios de petróleo, prevista para outubro.
— Precisamos ajustar as políticas, porque a economia é muito dinâmica — disse.
A discussão sobre uma mudança de regras do conteúdo local já estava em discussão no governo desde o início do ano, como revelou reportagem do GLOBO publicada em 18 de janeiro. O mercado também já apontava a necessidade de mudanças. De 2011 a 2013, a ANP aplicou multas de R$ 36 milhões às petroleiras pelo não cumprimento das regras de contratação de fornecedores locais.
A diretora-geral da ANP disse ainda que dificilmente a Petrobras ficaria totalmente de fora da 13ª Rodada, embora possa decidir não participar como operadora. Ela reiterou que o tema é decisão da companhia. Segundo Magda, apesar do cenário de queda no preço do barril de petróleo, petroleiras estrangeiras já manifestaram interesse em participar da disputa.
CONTRA A OBRIGATORIEDADE
Assim como declarou o ministro Eduardo Braga anteontem, em entrevista à agência Bloomberg, Magda também se mostrou favorável à retirada da obrigatoriedade da Petrobras em todos os leilões de exploração de blocos do pré-sal.
— Obrigar uma empresa é difícil. Vejo com muito cuidado essa questão de obrigar uma empresa (a participar do leilão mesmo que não queira) — disse.
Segundo Magda, a realização da rodada do pré-sal em 2016 vai depender dos preços no mercado internacional. Caso eles se mantenham baixos, ela afirmou que os planos podem ser mudados para 2017, embora ainda não exista uma data definida.
O Brasil planeja licitar 269 áreas em outubro, na 13ª Rodada de Blocos Exploratórios de Petróleo, sob regime de concessão, sem a inclusão de áreas do pré-sal. A expectativa do governo é arrecadar até R$ 2,5 bilhões em bônus de assinatura.
 
 
DANILO FARIELLO
 
Para relator de projeto de lei, mudança permitirá maior competição
 
-BRASÍLIA- A proposta de acabar com a exigência de a Petrobras ser a operadora exclusiva do présal, com uma participação obrigatória de ao menos 30% em todos os blocos licitados, defendida abertamente anteontem em Houston pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, conta com o apoio de parlamentares da base da oposição no Senado. Na semana passada, foi designado Ricardo Ferraço (PMDB-ES) como relator de um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) que trata do assunto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ferraço é abertamente favorável à mudança.
— Esse é um projeto para atender aos interesses do Brasil. O presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, falou aqui no Senado na semana passada que, se fosse feito qualquer leilão agora (no pré-sal), a Petrobras teria extraordinária dificuldade em participar. A flexibilização significa ampliar a competição pelo présal — disse Ferraço.
O senador pretende apresentar seu relatório ainda este mês e vai propor uma tramitação unificada do texto nas comissões de Assuntos Econômicos e Infraestrutura, além da CCJ, para agilizar a discussão. Segundo ele, esse instrumento está previsto no regimento e já foi adotado na tramitação do Código Florestal, em 2011.
— Havendo entendimento para isso, há precedente e mecanismo regimental. Vou ter pressa, porque esse assunto precisa ser enfrentado.
O recém-nomeado líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), é outro parlamentar da base que defende a revisão da exigência da Petrobras como operadora única do pré-sal. Depois de tramitar nas comissões, o texto seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados, sem ter de passar pelo plenário do Senado.
Para Serra, a aprovação da mudança melhoraria as expectativas do mercado com relação ao ritmo de exploração do pré-sal no país e à própria economia. Para ele, é a deterioração dessas expectativas que vem contribuindo para a piora do cenário macroeconômico do país e a subida dos juros ao nível atual, de 13,25% ao ano.
 

Dívida Externa, Resenha de Santiago Fernandes - Paulo Roberto de Almeida (1986)


Dívida Externa: uma velha história

Paulo Roberto de Almeida
Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro: Ano XXIX, 1986/2, nº 115-116, pp. 127-130)

FERNANDES, Santiago:
A Ilegitimidade da Dívida Externa do Brasil e do III Mundo
(Rio de Janeiro: Nórdica, 1985)

Ao se perguntarem como foi possível que o Brasil atingisse o nível de endívidamento externo a que chegou, sem que mecanismos de controle fossem acionados, os parlamentares responsáveis pela CPI da Dívida Externa e dos Acordos Brasil-FMI levantaram a questão da ilegalidade dos empréstimos contratados. Com efeito, argumentaram eles, em nenhum momento os instrumentos contratuais da dívida foram submetidos à processualística constitucional da apreciação legislativa, nem poderia o Banco Central renunciar à imunidade jurisdicional e aceitar foro judicial nos países credores (Nova York e Londres) para julgamento de pendências e eventual decretação de penhora dos bens mantidos no exterior. Constatada a ilegalidade dos contratos de empréstimo, não apenas se deveria decretar sua nulidade por inconstitucionalidade, mas igualmente declarar a responsabilização criminal dos responsáveis pela enorme dívida e pelas escandalosas cartas de intenção assinadas com o FMI. Como se sabe, nada disso aconteceu.
Ao tratar da mesma problemática em seu curioso e instigante livro, o economista Santiago Fernandes prefere analisar a questão do ponto de vista da ilegitimidade da dívida externa do Brasil e dos países do Terceiro Mundo. A ilegitimidade decorreria, segundo ele, da ação conjugada de três processos descapitalizadores: a) a secular deterioração dos termos de intercâmbio, drenando recursos das nações pobres para os países ricos; b) a penetração financeira do Terceiro Mundo por instituições e agências bancárias dos países centrais, que passam a operar com recursos locais e muitas vezes a remeter divisas obtidas com manipulações cambiais; c) a evasão de capitais, oficial e criminosa, propiciada pela singular e perniciosa situação de privilégio de que goza o dólar, como moeda de reserva internacional. Constatada a ilegitimidade das dívidas do Terceiro Mundo, não apenas se deveria decretar o seu repúdio, puro e simples, mas igualmennte encetar a reorganização do sistema monetário e financeiro internacional, desmonetizando o ouro e transformando o FMI numa Câmara Internacional de Compensação. Como se sabe, nada disso aconteceu tampouco.
Os banqueiros internacionais receberiam com céticos sorrisos propostas de renegociação que utilizassem os argumentos da legalidade ou da legitimidade das dívidas contraídas pelos países em desenvolvimento. A História parece lhes dar razão: na longa experiência de renegociação das dívidas de Estados temporariamente insolventes, o repúdio completo foi comparativamente raro, ocorrendo em alguns casos uma redução temporária, mas não uma cessação completa do serviço da dívida.
Na época em que a Europa atuava sozinha como world’s banker, ocorreram pelo menos dois períodos de insolvências generalizadas: ao final das independências latino-americanas, na terceira década do século XIX, e nos anos setenta desse século, envolvendo novamente países latino-americanos e alguns médio-orientais (Turquia, Egito). A Grã-Bretanha foi evidentemente o primeiro país a sentir necessidade de proteger seus interesses e, mesmo na ausência de qualquer apoio governamental, os grupos privados organizaram, desde 1868, uma Corporation of Foreign Bondholders. Os resultados parecem ter sido animadores, pois já em princípios dos anos 80, o economista britânico R.L. Nash informava que “the losses caused through defaults were, in the long run almost insignificant compared with the large gains derived by British investors over the whole field of foreign and colonial securities” (A Short Inquiry into the Profitable Nature of Our Investments; London: Wilson, 1881, p. 9).
Em raras ocasiões – como nos casos históricos do México (1861) e da Venezuela (1902) – os governos detentores de títulos de dívida pública chegaram a fazer apelo à ação armada para o ressarcimento dos débitos, provocando, no campo jurídico-conceitual, a primeira contestação à até então dominante “teoria dos credores”. Esta, como se sabe, afirma que a obrigação do devedor é controlada pelo Direito privado dos contratos e que as relações entre as partes estão reguladas por instrumentos vinculativos: quando um Estado contrata um empréstimo ele tacitamente abdicaria de seu caráter soberano e se submeteria voluntariamente às regras do Direito privado.
Para contrapor-se a essa doutrina, o então Ministro argentino das Relações Exteriores, Luis Drago, formulou uma “teoria dos devedores”, colocando ênfase no caráter soberano do Estado devedor, na impossibilidade de se perseguir judicialmente o Estado e na definição da dívida como uma simples “questão de honra”. Para conciliar essas posições antitéticas, surgiu, posteriormente, uma terceira doutrina, a “teoria do contrato sui generis”, que via as transações de empréstimos como contratos de Direito público.
Seja como for, a Corporation britânica parece ter servido de modelo para diversos outros grupos organizados na França, na Bélgica, na Alemanha e na Holanda, bem como para o American Foreign Bondholders Protective Council, organizado diretamente pelo Departamento de Estado norte-americano em 1932, como consequência do terceiro grande período de insolvências generalizadas, provocado pelo bank crash de 1929-1931, que trouxe consigo uma serie de inadimplências na Europa e na América Latina. Os ingleses, que asseguraram sozinhos o funding loan brasileiro de 1898, tiveram, em 1934, de ceder terreno aos norte-americanos, como observa o historiador econômico Edwin Borchard (State Insolvency and Foreign Bondholders; New Haven: Yale, 1951, p. 343).
A estrutura da comunidade financeira internacional alterou-se substancialmente no 2° pós-guerra, com a emergência do FMI e do Banco Mundial, mas sobretudo com o desenvolvimento extraordinário do setor bancário privado. Assim, as renegociações provocadas pelo quarto grande período de defaults, inaugurado em princípios da década de 80, são normalmente conduzidas pelos Advisory Banking Committees, criados pela comunidade bancária privada, e supervisionadas pelo Clube de Paris e pelo FMI. O cartel dos credores tem portanto uma longa história atrás de si, e uma das mais dignificantes: se as incursões armadas, os bloqueios de portos e as intervenções diretas nas finanças dos devedores parecem ter hoje saído de moda, ficou a truculência dos banqueiros atuais que, mesmo resguardada pelos salões acarpetados dos grandes hotéis, nada fica a dever à ética enviesada de seus predecessores.
0s devedores, por sua vez, parecem ter estacionado nas banalidades conceituais da Doutrina Drago, uma vez que o chamado Consenso de Cartagena nada mais fez, até agora, do que reconhecer o óbvio: a carga financeira é insuportável, os programas de reajuste são inadequados, mas continua-se a drenar recursos líquidos para o exterior a título do serviço da dívida. Se não parece tão simples proclamar a ilegalidade jurídica dos contratos de empréstimo, alguns Governos tem procurado avançar a tese da ilegitimidade de fato das dívidas atuais, sem muitos resultados tangíveis ate aqui.
O livro de Santiago Fernandes procura justamente fornecer argumentos econômicos para sustentar esta última posição e é com base nessa pretensão que ele deve ser julgado. Os três mecanismos de descapitalização por ele mencionados – resumindo: desequilíbrio nas relações de troca, manipulações de bancos estrangeiros e fuga de capitais – podem realmente ser responsabilizados pela acumulação do enorme passivo financeiro que caracteriza hoje grande parte do Terceiro Mundo ?
A ilegitimidade da dívida externa brasileira e de diversos outros países em desenvolvimento só poderá ser comprovada na prática se estabelecermos um vínculo estrutural, isto é uma relação causal, entre os fatores acima citados e o processo de formação das obrigações financeiras externas desses países. Uma análise isenta das relações econômicas internacionais dos países em desenvolvimento constataria, efetivamente, que os três fatores selecionados atuaram de forma negativa, muitas vezes de maneira contundente, sobre as contas nacionais desses países, agravando os desequilíbrios externos e ampliando indiretamente a dimensão do endívidamento externo.
Os dados não são porém conclusivos quanto à transformação daqueles elementos contingentes em fatores estruturais do endívidamento externo dos países em desenvolvimento, no sentido em que eles passariam de necessários a suficientes. Não cabe, nos limites desta resenha, uma análise detalhada de cada um daqueles fatores considerados como dotados de relevância causal no processo de endívidamento externo, mas não se pode deixar de notar que, no plano das variáveis explicativas, nem sempre é facil ou possível converter a realidade empírica em paradigma interpretativo.
Em outros termos, o possível histórico não pode ser automaticamente convertido em lógico necessário: ainda que aqueles mecanismos tenham efetivamente atuado como processos defraudadores de nosso equilíbrio externo, não existe um nexo diretamente causal que os ligue ao passivo financeiro acumulado ao longo dos últimos anos. A descapitalização pode efetivamente ter resultado daqueles processos defraudadores de nossas riquezas, mas o endividamento não foi provocado, do ponto de vista formal, por lesivos contratos de empréstimo feitos pelas elites do Terceiro Mundo e nos quais tivessem sido expressamente consignados o intercâmbio desigual, a manipulação bancária e a fuga de capitais.
O endívidamento atual deriva de causas essencialmente financeiras, ligadas à forma de funcionamento do mercado de capitais de empréstimo e que incidem prioritariamente sobre o serviço do principal em regime de taxas de juros flutuantes. Do ponto de vista estritamente econômico, a ilegalidade de alguns contratos de empréstimo e de determinadas práticas bancárias, bem como a injustiça e a irracionalidade da transferência de recursos operada apenas para servir a dívida não são suficientes para caracterizar uma situação de ilegitimidade da dívida externa.
O conceito de (i)legitimidade, segundo Mestre Aurelio, refere-se ao fato de terem sido ou não atendidos os requisitos legais ou a qualidade ou condição de desarrazoado e injusto. É evidente que Santiago Fernandes descarta o entendimento jurídico-legal desse conceito, preferindo encará-lo do ponto de vista da autenticidade ou da adequação aos critérios da razão e da justiça. Ainda que a razão e a justiça pudessem militar em favor da tese da ilegitimidade da dívida externa do Brasil e do Terceiro Mundo, deve-se reconhecer que o sistema econômico internacional está muito longe de fundar-se nesses dois princípios.
As relações de espoliação e de expropriação de recursos, no quadro da interação centro-periferia (que Braudel chama de “economia-mundo” e Wallerstein de “capitalismo histórico”), constituem em ultima instância a base sobre a qual se assentam a desigualdade na distribuição de riquezas e a estrutura iníqua do poder mundial. Uma vez que a organização atual da produção social não foi feita para reparar injustiças ou introduzir a igualdade de chances não há razão de esperar que a ordem internacional venha a ser fundada em imperativos éticos ou critérios morais. A menos de se tomar uma decisão política de cancelar simplesmente o serviço ou o principal da dívida, decisão que só pode resultar de uma nova correlação de forças no plano das relações inter-estatais, os atuais países endívidados continuarão a transferir uma parte de suas riquezas para os cofres dos países credores, independentemente do caráter mais ou menos legítimo (ou ilegítimo, como se queira) dos mecanismos de espoliação.
Os argumentos acima expostos em nada invalidam o valor do livro de Santiago Fernandes no que se refere a uma correta avaliação do funcionamento atual do sistema monetário e financeiro internacional e a urgente necessidade de sua restruturação nas linhas propostas outrora por Lord Keynes, tendentes à constituição da uma International Clearing Union (mas por ele mesmo fraudadas com a criação do FMI em Bretton-Woods. Sem dúvida que a exigência de Fernandes, no sentido do cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, será dificilmente cumprida integralmente, mas as regras de funcionamento dessa Câmara mundial de Compensações, relegando o ouro a seu papel de “relíquia bárbara” e introduzindo uma moeda bancária (o “bancor”) para a regulação dos desequilíbrios de balança de pagamentos, devem ser seriamente estudadas por qualquer autoridade monetária tant soit peu honnête e responsável.
Não sejamos muito otimistas porém: a multilateralização dos ajustes de pagamentos, se ocorrer, ficará durante muito tempo restrita às economias desenvolvidas, que precisarão coordenar previamente suas políticas monetárias e fiscais. Pode-se alternativamente pensar em soluções mais modestas, envolvendo projetos de integração regional mobilizando países relativamente homogêneos, como o demonstra a experiência da Comunidade Européia.
Aqui Santiago Fernandes antecipa-se às tendências futuras de desenvolvimento em escala continental, ao propor uma Câmara Regional de Compensação Multilateral para a América Latina e a instituição de uma moeda comum, o “Latinor”, para ajustes comerciais e financeiros que até agora são realizados bilateralmente ou utilizando-se de moedas fortes, no caso o dólar. Os recentes acordos de integração comercial e industrial do Brasil com a Argentina e o Uruguai, lançando as bases de um espaço econômico comum no Cone Sul, e as negociações para a criação de uma nova moeda de câmbio (o “gaúcho”), vêm dar inteiramente razão a Santiago Fernandes.
A ousadia e a originalidade da maior parte das teses do autor tornam sem dúvida alguma deveras atrativa a leitura deste livro, verdadeiro manancial de idéias refrescantes na atual pasmaceira da “ciência econômica”. A razão e o bom senso parecem caracterizar este economista “heterodoxo” – para usar um termo na moda – ainda que não concordemos com todas as suas propostas.
A discordância aliás não está na justeza das medidas propostas, sobretudo aquelas relativas à dívida externa do Terceiro Mundo, mas tão somente num julgamento diverso do funcionamento do sistema internacional e sua eventual adequação aos princípios da razão e da equidade. Santiago Fernandes deve provavelmente estar certo, mas parece avançado demais para sua época. O futuro lhe dará razão, mas, como diria Lord Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos.

Ficha do Trabalho:
126. “Dívida Externa”, Brasília, 31 agosto 1986, 5 pp.
Resenha-crítica ao livro de Santiago FERNANDES, A Ilegitimidade da Dívida Externa do Brasil e do III Mundo (Rio de Janeiro, Nórdica, 1985)
Publicada na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro: Ano XXIX, 1986/2, nº 115-116, pp. 127-130) e na Seção “Crítica” de Humanidades (Brasília, Ano III, nº 11, novembro 1986-janeiro 1987, pp. 14-115).
Relação de Trabalhos Publicados nº 030 e 033.
Anexo: Reação de Santiago Fernandes à minha resenha: “Controvérsia sobre a legitimidade da dívida”, publicada no Jornal do Commércio (Rio de Janeiro: 20 março 1987, p. 4).

Relaçoes Exteriores e Constituicao - Paulo Roberto de Almeida (1986)


RELAÇÕES EXTERIORES E CONSTITUIÇÃO

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
Mestre em Economia Internacional
e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas
Professor de Sociologia Política na Universidade
de Brasília e no Instituto Rio Branco.
Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro, ano XXIX, nº 115-116, 1986/2, pp. 83-90),

SUMÁRIO:
Assistiu-se nos Estados Unidos, nas duas últimas décadas a uma reafirmação do papel do Congresso nos temas de política externa e de relações internacionais, processo em parte motivado pela crise política provocada pela Guerra do Vietnã e pela perda de legitimidade do Executivo em conseqüência do escândalo de Watergate.
No Brasil, após a experiência de amplo controle legislativo durante o Império, ocorreu um progressivo esvaziamento das funções de fiscalização e de elaboração de diretrizes políticas para as relações exteriores do País. A diminuição acentuada da participação do Legislativo na formulação e no controle da política externa foi ainda mais agravada pelo reforço do Executivo em fases de dominação autoritária.
O período atual, marcado tanto pela crise do setor externo da economia, em suas dimensões financeiras, como pelo reordenamento constitucional do País, tende a favorecer a recuperação do papel do Legislativo no processo decisório em política externa, notadamente através de um controle mais estrito da processualística constitucional dos atos internacionais. A recuperação da competência congressual nesse terreno não se esgota porém no âmbito constitucional, mas deve igualmente implicar na preparação adequada dos parlamentares e na crescente especialização do staff congressual.

RELAÇÕES EXTERIORES E CONSTITUIÇÃO

"O controle das relações exteriores nas democracias modernas cria uma nova e urgente necessidade de [desenvolver a] educação popular nos assuntos internacionais". (1) Assim começava o artigo de Elihu Root no número inaugural da revista Foreign Affairs, no outono de 1922.  A tese de Elihu Root, então o mais eminente estadista norte‑americano, era simples: já que, numa democracia, o povo é responsável pelo controle e pela condução da política externa [control and conduct of the foreign policy] ele deveria ser instruído na matéria [should learn the business]. O ex-Secretário de Defesa de McKinley e ex‑Secretário de Estado de Theodore Roosevelt escrevia ainda sob a influência da "open diplomacy" inaugurada por Woodrow Wilson.  Mas, o próprio Wilson, que tinha começado sua vida pública advogando um maior controle parlamentar sobre os assuntos do Estado -- seu livro Congressional Government é de 1885 (2) -- deixou o cargo presidencial em 1921 amplamente frustrado pela recusa do Senado em ratificar o Tratado de Versalhes, que trazia em seu bojo o acalentado projeto da Liga das Nações. (3)
Os Estados Unidos ingressavam então numa era isolacionista que só seria rompida pelo ataque a Pearl Harbor, que alterou também radicalmente o relacionamento entre o Executivo e o Legislativo norte‑americanos em matéria de política externa pelas três décadas seguintes. (4) A imperial Presidency em termos de relações internacionais só seria revertida com o terrível choque provocado pela Guerra do Vietnã, que introduz um novo padrão na postura internacional do Congresso norte‑americano. (5) Seja como for, a recomendação do velho Elihu Root parece ter deitado fundas raízes no sistema constitucional norte‑americano, abrindo caminho para que o público em geral e os representantes políticos em especial passassem a know better e a se interessar mais de perto pela complexa problemática das relações internacionais. Já na própria época de Root, um diplomata norte‑americano publicava um instrutivo livro sobre a necessidade de maior "transparência" na formulação e na execução da política externa, ressaltando a participação congressual nesse processo. (6) A criação do Council on Foreign Relations representa, de certo modo,  um passo no sentido da popular diplomacy advogada por Root, ainda que esta não tenha se tornado tão open quanto o pretendido por Wilson. Ainda assim, depois de várias décadas de predominância do Executivo na elaboração e na implementação da política externa norte‑americana -- em parte explicável por um inteiro período de crises contínuas: depressão, conflito mundial, guerra fria -- o Congresso voltou a reafirmar-se gradativamente no campo das relações exteriores, inclusive ao ponto de paralisar a iniciativa presidencial em determinadas ações externas.
No Brasil, a evolução histórica parece ter adotado o caminho inverso, ou seja, a de uma crescente diminuição do papel do Parlamento e dos grupos de interesses na condução da política externa do País. Como demonstrou o Professor Amado Cervo em seu admirável trabalho de pesquisa histórica, durante o Império coube ao Parlamento um papel preponderante nas orientações e iniciativas tomadas pela diplomacia brasileira, não apenas do ponto de vista de sua influência política, mas igualmente no sentido do redirecionamento de determinadas linhas da política externa imperial. (7) A República, ao contrário, agiu no sentido do distanciamento cada vez maior do corpo representativo das decisões executivas em matéria de relações exteriores do Brasil. É verdade que tal tendência não resulta apenas da vontade política dos mandatários de plantão, mas deriva do próprio processo de modernização social e política da nação, que acarreta, paralelamente, a marcha irresistível da burocratização das instituições governamentais.
No campo da política externa, a profissionalização dos quadros diplomáticos e a abertura da carreira aos méritos podem ter funcionado não apenas como poderosas alavancas de democratização social, mas também como fatores inibidores da "osmose" que a instituição parlamentar sempre manteve com a instituição diplomática nas sociedades elitistas. Até as primeiras décadas deste século, praticamente todas as Chancelarias dos grandes Países ocidentais eram dominadas por personalidades oriundas das chamadas ruling classes, que também enviavam representantes ao Parlamento. O poder das classes tradicionais -- especialmente das famílias cuja riqueza era ligada a propriedade fundiária -‑ sobre o funcionamento das Chancelarias das principais nações européias era tão completo que o historiador "revisionista" Arno Mayer prefere apontar os fatores de atraso, ligados à persistência do "feudalismo", e não os supostos fatores de progresso, derivados da nova civilização capitalista e burguesa, como os verdadeiros responsáveis pelo desencadeamento da primeira Grande Guerra, que devastou o continente e arruinou definitivamente a hegemonia européia sobre os negócios do mundo. (8)
Durante o período imperial, a diplomacia brasileira pode não ter sido nem muito open, nem suficientemente popular, segundo os requisitos apontados por Root, mas parece ter contado com um grau razoável de controle parlamentar para tornar-se representativa dos interesses da Nação como um todo. "A forma que o controle legislativo do Executivo toma numa nação depende prioritariamente do quadro constitucional, mas evolui a partir dele, com o desenvolvimento histórico e as tradições do Legislativo e do sistema político". (9) Como demonstrou o historiador Amado Cervo, o papel exercido pelo Parlamento brasileiro sobre a política externa, durante o Império, incidiu em três direções:
"O Parlamento desempenha, primeiramente, uma função de controle direto das relações externas, através da lei, seu instrumento próprio de ação. (...) Em segundo lugar, compete ao Parlamento vigiar e fiscalizar precisamente o desempenho dos agentes das relações exteriores, buscando, em princípio, julgar sua adequação ou não com o interesse nacional em jogo ou, pelo menos, com aqueles de determinados segmentos da sociedade. A função do Parlamento, sob este aspecto, independe da elaboração da lei, porque se define através da crítica, do posicionamento e das atitudes tomadas diante dos fatos, podendo induzir mudanças no desempenho dos referidos agentes. Quando o debate amadurece, sob a influência da reflexão, da experiência e do estudo, atinge-se o terceiro nível da atuação parlamentar: a geração de idéias, de teorias e doutrinas, ou seja, o nível de elaboração do pensamento político, que se consubstancia em diretrizes de política externa. (...) O Parlamento brasileiro exerceu as três funções acima descritas, durante o século da monarquia." (10)
Mais do que o regime político republicano, a centralização de poderes operada pelo aparelho executivo do Estado e a já citada profissionalização e crescente especialização da carreira diplomática progressivamente alijaram o corpo representativo do processo decisório em política externa. O impacto das relações exteriores do País na atividade político-partidária e nos debates correntes no Parlamento também tornou‑se substantivamente menos importante à medida em que gerações de políticos treinados apenas em temas domésticos foram substituindo os  velhos próceres educados na Europa e dotados de educação cosmopolita. Como bem disse Gilberto Amado a propósito da escolha dos representantes "populares" na primeira República, "as eleições eram falsas, mas a representação era verdadeira", querendo significar com isso a relevância assumida pela participação no Parlamento de homens dotados de inegáveis qualidades pessoais e intelectuais, mas desprovidos, sem o recurso à "fraude eleitoral", de condições políticas para a obtenção "normal" de um mandato eletivo. Finalmente, as experiências autoritárias inauguradas respectivamente pelo golpe do "Estado Novo" de novembro de 1937 e pelo movimento civil‑militar de março-abril de 1964 contribuíram, em larga medida, para o afastamento do corpo representativo do processo decisório em política externa, confirmando talvez o padrão "usual" do relacionamento Executivo‑Legislativo no contexto latino‑americano em matéria de relações exteriores.
Com efeito, como indica o Professor José Francisco Rezek, "c'est une realité assez connue que les parlements en Amérique Latine n'ont pas de compétences autonomes ou dynamiques en ce qui concerne la conduite des relations internationales: leurs compétences impliquent comme substance le contrôle des actes du Pouvoir Exécutif, et ne sont exercées que d'une façon accessoire, en présupposant toujours l'initiative ou l'action préalable des Gouvernements". (11) A autonomia e o dinamismo do Parlamento em matéria de política externa dependem prioritariamente, como se disse, do quadro constitucional existente, mas a existência de mecanismos informais de controle e de supervisão pode igualmente complementar as determinações constitucionais nesse campo. No Brasil, como se sabe, os partidos políticos de um modo geral e o Legislativo em especial sempre se caracterizaram por reduzido coeficiente de abertura internacional, o que fez com que o pêndulo da política externa pendesse sempre para o lado do Presidente e da burocracia especializada.

A política externa sempre foi uma área de preocupação relativamente secundária na reflexão teórica e na prática corrente da maior parte dos partidos políticos republicanos. (12) A experiência institucional brasileira nessa matéria confirma que, tanto no regime pluripartidário de 1946 como no período bipartidista inaugurado em 1966, os partidos políticos mantiveram‑se ou foram mantidos à margem do processo decisório na área da política externa. Por outro lado, sem que tivessem sido alterados substancialmente, os dispositivos constitucionais regulando a participação congressual no controle das relações internacionais do País, observou-se, durante o regime de 1964, uma notável redução do papel do Parlamento enquanto arena política de debates e de formulação de opiniões sobre o curso adotado pelas relações exteriores do Brasil. Ao contrário, apesar da Emenda Constitucional no 1, de 1969, ter realizado acréscimo da expressão "atos internacionais" ao Art. 44,I, do texto constitucional vigente, que regula a competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre os tratados e convenções internacionais celebrados pelo Presidente da República, persistiu a prática, pelo Executivo, dos acordos em forma simplificada, e excluídos, desse fato, da necessária apreciação legislativa. (13)
A transição, a partir de 1979, de um sistema bipartidário imperfeito -- isto é, deformado pela imposição de um partido artificialmente dominante, impedindo a alternância no poder -- para um regime de pluralismo moderado, significou, na vida político‑partidária do País, uma maior latitude institucional para a discussão dos temas de política externa no âmbito do Congresso. O encerramento do chamado "ciclo militar" no processo político nacional representou, ao mesmo tempo, a volta, ao cenário político brasileiro, do velho estilo de negociações interpartidárias nas diversas esferas da estrutura de poder, o que pode vir igualmente a repercutir sobre a comunidade da política externa
A persistência provisória de um multipartismo exagerado pode obscurecer os contornos exatos do novo sistema partidário em formação, mas confirma, indiretamente, esse fato novo do cenário político: a organização política da sociedade passa necessariamente pelos partidos políticos. O atual período de transição político-partidária deverá arrastar-se bem além do processo de reordenamento constitucional do País, recentemente inaugurado, suprimindo e fazendo desabrochar Partidos durante pelo menos mais dois escrutínios gerais depois das eleições a Constituinte de 15.11.86.  Qualquer que seja o cenário que emergirá dos atuais alinhamentos ideológicos e regionais em torno das formações existentes ou potenciais, o sistema político brasileiro tornou a apresentar‑se sob sua feição pluralista, e a competição política se dará essencialmente nos terrenos partidário e eleitoral. Assim, ainda que a estrutura do processo decisório em matéria de políticas públicas tenda a preservar as fronteiras atuais entre atores executivos -- Presidência, Gabinete ministerial, burocracias especializadas -- e não‑executivos -- Congresso, Partidos, comunidade empresarial, sindicatos, Igreja, Imprensa, etc. -- os grupos politicamente organizados, e em primeiro lugar os partidos políticos, ganham em relevância e capacidade de intervenção em direção do Estado. (14)

É nesse contexto que deve ser examinada a questão da política externa e das relações exteriores do Brasil em face do reordenamento constitucional do País. Deve‑se notar, antes de mais nada, que a persistência de séria crise no setor externo, econômico e financeiro, do País, não deixará de incidir diretamente nos debates políticos que serão travados no âmbito do Congresso Constituinte, prevendo‑se mesmo uma atenção inusitada aos temas ligados às relações internacionais do Brasil e a forma de sua inserção no sistema econômico mundial. Em nenhum outro processo constituinte brasileiro -- salvo talvez no de 1823, mas frustrado, como se sabe, pela intervenção autoritária de D. Pedro I -- o setor externo esteve tão presente: as opções de política econômica e de postura internacional do Brasil com que se defrontarão os constituintes de 1987 afiguram-se cruciais.

O Congresso Constituinte de 1987, a diferença das Assembléias Constituintes de 1891 e de 1934, mas de forma semelhante à experiência de 1946, trabalhará sem um anteprojeto oficial, a despeito mesmo da existência de um "Anteprojeto Constitucional" elaborado, a pedido do Executivo, pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais. (15)  É muito provável, porém, que dada sua abrangência temática e suas inovações em matéria de organização dos poderes, o texto elaborado pela chamada "Comissão Afonso Arinos" venha a servir de "caderno de consultas" aos constituintes individuais, quando não de fonte oficiosa de referências aos diversos grupos de trabalhos que não deixarão de constituir‑se no Congresso Constituinte. Nessa condição, os dispositivos relativos às relações internacionais do Brasil inscritos nesse Anteprojeto Constitucional são suscetíveis de virem a integrar a nova Carta Magna do País, merecendo, como tal, uma reflexão específica.

Uma primeira questão que se coloca é a do sistema de Governo, que dependerá evidentemente da corrente política predominante no Congresso Constituinte -- presidencialista ou parlamentarista -- mas que o Anteprojeto Constitucional pretende que seja híbrido, combinando dispositivos de ambos os sistemas, numa caracterização que ficou conhecida como "dualismo de complementaridade". Admitindo-se que esse "parlamentarismo presidencialista" venha a ser adotado sob uma forma mais ou menos mitigada, a principal conseqüência para o sistema político será a de aumentar a competência congressual em todos os níveis da atividade política institucional, introduzindo portanto a corresponsabilidade no processo decisório. A estrutura do processo decisório (decision-making process) ao nível do sistema de Governo ficaria nesse caso dividida entre quatro instâncias de poder: o Presidente, o Conselho de Ministros, o Conselho de Estado e o Congresso Nacional, cada qual com suas respectivas competências e atribuições constitucionais, mas coexistindo certa partilha de responsabilidades ao nível do processo de elaboração legislativa. A necessidade de aprovação do Gabinete ministerial pela Câmara dos Deputados e a introdução da moção de "censura", de competência exclusiva do Congresso Nacional -- sendo a moção de "confiança" de iniciativa do próprio Presidente do Conselho de Ministros -- confirmam o papel relevante do corpo legislativo no processo de decisão política.

O regime de co‑responsabilidade previsto no Anteprojeto Constitucional não deixará de afetar as competências respectivas do Presidente da República e do Congresso Nacional em matéria de relações exteriores, como se verá a seguir. Cabe, no entanto, mencionar a inovação introduzida pela Comissão fazendo figurar na abertura do Anteprojeto um capítulo que procura fundamentar os princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro. Ao lado da forma democrática do Estado, o artigo inaugural enfatiza a preocupação social ("promoção da pessoa") e a vocação pacifista do País ("convivência pacífica com todos os povos"). A contribuição original da Comissão, vinculada aos mesmos objetivos, consistiu em alinhar em dois artigos desse capítulo as diretrizes básicas das relações internacionais: estas se fundamentam, principalmente, na defesa dos direitos humanos, no respeito ao princípio da autodeterminação dos povos e numa vigorosa opção pacifista. O repúdio a todo tipo de violência e reforçado pela explícita condenação da tortura e do terrorismo.

No que se refere mais especificamente a processualística constitucional dos atos internacionais, o Anteprojeto manteve tal qual a redação dada pela Emenda Constitucional n. 1, relativa à competência (que deixa de ser "privativa") do Presidente da República para "firmar tratados. convenções e atos internacionais, ad referendum do Congresso Nacional", mas ampliou a competência (que permanece "exclusiva") do Congresso Nacional para "resolver definitivamente sobre os tratados, convenções  e atos internacionais, inclusive os executivos, ou qualquer de suas alterações".  Evidencia‑se, assim, a preocupação em sanar o sério problema de ordem constitucional e política que se criou com interpretações divergentes sobre a abrangência precisa do controle legislativo dos atos internacionais, tolhendo-se ao Executivo a possibilidade de subtrair os acordos "de forma simplificada" à apreciação do Legislativo.

Mais importante, porém, introduziu-se no mesmo Artigo a competência exclusiva do Congresso para "autorizar e aprovar empréstimos, operações, acordos e obrigações externas, de qualquer natureza, contraídas ou garantidas pela União,... pelas entidades de sua administração indireta ou sociedades sob seu controle, os quais só vigorarão a partir da data do decreto legislativo de sua aprovação". Pretende-se, com isso, corrigir a prática adotada pelo Executivo consistindo em dispensar a referenda dos contratos de empréstimos externos pelo Congresso Nacional, matéria amplamente suscitada por ocasião dos acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional em 1983. Independentemente da abrangência que se venha a dar aos dispositivos da próxima carta constitucional relativos a esse tipo de operação financeira, mais do que um debate constitucional, está-se, aqui, em face de uma clara questão  política, um clássico conflito de competência entre dois poderes do sistema político. Em ambos os preceitos inovadores introduzidos pela Comissão Constitucional fica evidente a vontade de atribuir-se ao Congresso um papel preponderante no controle das relações internacionais, políticas e econômicas, do Brasil. Se acrescentarmos outro dispositivo original, que estipula que "os Ministros de Estado respondem perante o Congresso Nacional pelos atos praticados na gestão de sua pasta", completa-se o que se pode caracterizar como um "cerco congressual" a independência política do Executivo, o que não deixará de incidir igualmente na condução da política externa.

Com efeito, a questão central que se coloca do ponto de vista das relações internacionais do País é a de que o Congresso passa a integrar a estrutura mesma do processo decisório, ampliando consideravelmente seu poder de controle sobre o fluxo corrente das atividades de política externa, em seu sentido mais amplo. Independentemente dos dispositivos constitucional que venham a ser adotados, uma larga fração dos controles que se pretende impor ao Executivo dependerá, contudo, da própria capacidade do Congresso em acompanhar adequadamente o desempenho da comunidade de política externa, através de suas comissões especializadas e por meio de um staff devidamente preparado.

O novo padrão de relacionamento entre os poderes no campo da política externa ultrapassa assim o âmbito meramente legal-constitucional para projetar-se no campo sociopolítico. Como afirmou um especialista norte-americano na matéria, "co-determination in foreign policy has its advantages, but few would deny that it complicates the making of foreign policy". (16) Deve-se, de todo modo, partir da premissa de que o Congresso Nacional, em qualquer hipótese, afirmará seu papel na política externa do Brasil e que o sistema político deverá adaptar-se a essa nova realidade. "The critical question, then," prossegue o mesmo autor, "is not wether the executive should be stronger or the congressional role be reduced, or vice‑versa, but how each can be strengthned to carry out their respectives roIes and to best meet the challenges facing... foreign policy". (17)

O "requisito para o sucesso de uma diplomacia popular", nos termos do velho Elihu Root, passa, necessariamente, no Brasil, pelo reforço do papel do Congresso no processo decisório externo. A postura já era endossada desde 1983 por um parlamentar tão clarividente como o Senador Marco Maciel:

"Entendo que a presença contínua e proba do Congresso Nacional no processo das tratativas internacionais se impõe cada vez mais e decorre do exercício de suas funções de acompanhamento, de fiscalização e de controle da ação governamental, em face da posição de que agora desfruta o Brasil no cenário mundial. Essa presença e essa participação resultam, ademais, do fato de ser o Congresso, na moderna sociedade democrática que estamos construindo, o Poder representativo por excelência. Ele é, por tudo isso, o fórum de todos os interesses da Pátria, o cenáculo de estudos e informações sobre todos os problemas nacionais. (...) A diplomacia deve ser constantemente ampliada na base da legitimidade, que se traduz, evidentemente, em maior autoridade da ação externa. É essencial, pois, a função do legislativo -- legitimador por excelência." (18)


[08.12.86]

OBRAS CITADAS:

ABSHIRE, David M. e NURNBERGER, Ralph D. (eds): The Growing Power of Congress (Washington, D.C.: The Center for Strategic and International Studies, 1981)
ALMEIDA, Paulo Roberto de: "Partidos Políticos e Política Externa", Revista de Informação Legislativa (ano 23, no 91, Julho-Setembro de 1986, pp. 173‑216)
ANTEPROJETO CONSTITUCIONAL, Diário Oficial, Suplemento Especial ao no 185, 26 de Setembro de 1986, Seção I.
ARMSTRONG, Hamilton Fish (ed): The Foreign Affairs Reader (New York: Council on Foreign Relations, 1947)
CERVO, Amado Luiz: O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores, 1826‑1889 (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981)
FRANCK, Thomas M. e WEISBAND, Edward: Foreign Policy by Congress (New York: Oxford University Press, 1979)
HARRIS, Joseph: Congressional Control of Administration (Washington, D.C.: The Brookings Institution, 1973)
MAYER, Arno J .: The Persistence of the Old Regime: Europe to the Great War (London: Croom Helm, 1981)
MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz de: O Poder Legislativo e os Tratados Internacionais (Porto Alegre: L&PM‑Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, 1983)
----    : "O Controle Legislativo dos Atos Internacionais", Revista de Informação Legislativa (ano 22, no 85, Janeiro-Março de 1985, pp. 205-232)
POOLE, C. Dewitt: The Conduct of Foreign Relations under Modern Democratic Conditions (New Haven: Yale University Press, 1924)
PURVIS, Hoyt e BAKER, Steven J.(eds): Legislating Foreign Policy (Boulder, Co.: Westview Press, 1984)
REZEK, José Francisco: La Conduite des Relations Internationales dans le Droit Constitutionnel Latinoaméricain (Thèse pour le Doctorat de l'Université de Paris, 1970)
WHALEN, Charles P.: The House and Foreign Policy -- the Irony of Congressional Reform (Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1982)

Notas:
1  Elihu Root: "A Requisite for the Success of Popular Diplomacy" in Hamilton Fish ARMSTRONG (ed): The Foreign Affairs Reader (New York: Council on Foreign Relations, 1947), 1-9, cf. p. 1. Sessenta e cinco anos depois, o conselho de Elihu Root ainda parece adequado.
2  Ver o artigo de David M. Abshire, "Foreign Policy Makers: President vs. Congress" in David M. ABSHIRE e Ralph D. NURNBERGER (eds): The Growing Power of Congress (Washington: The Center for Strategic and International Studies, 1981), 21-114, cf. p. 23.
3  Cf. Charles P. WHALEM, Jr.: The House and Foreign Policy ‑ the Irony of Congressional Reform (Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1982), p. 11.
4  Idem, p. 12.
5  Na verdade, foi o Congresso quem terminou com a Guerra do Vietnã, notadamente através da instituição do veto legislativo a determinadas iniciativas presidenciais em matéria de política externa; por trás desse desenvolvimento há o crescimento do staff congressual, um verdadeiro exército de experts que contesta e desafia as posições assumidas pela Casa Branca e pelo Departamento de Estado. Ver Thomas M. FRANCK e Edward WEISBAND: Foreign Policy by Congress (New York: Oxford University Press, 1979).
6  Ver C. Dewitt POOLE: Ihe Conduct of Foreign Relations under Modern Democratic Conditions (New Haven: Yale University Press, 1924).
7  Arnado Luiz CERVO: O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores, 18261889 (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981). O processo decisório, em política externa, resultava, como demonstrou o Prof. Cervo, da interação de quatro poderes: o imperador, o gabinete (incluindo a diplomacia), o Conselho de Estado e o Parlamento.
8  Ver Arno J. MAYER: The Persistence of the Old Regime: Europe to the Creat War (London: Croom Helm, 1981 ).
9  Cf. Joseph HARRIS: Congressional Control of Admininistration (Washington, D.C.: The Brookings Institution. 1973), p. 280.
10 Cf CERVO: O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores, op. cit s.p., vide "Introdução".
11 Cf. José Francisco REZEK: La Conduite des Relations Internationales dans le Droit Constitutionnel latinoaméricain (Thèse pour le Doctorat de L'Université de Paris, 1970), p. 59.
12 Ver, a propósito, Paulo Roberto de ALMEIDA: "Partidos Políticos e Política Externa", Revista de Informação legislativa (23:91:Jul‑Set 1986:173-216).
13 A referência obrigatória sobre a questão e a Tese de Mestrado do internacionalista Antonio Paulo Cachapul de MEDEIROS: O Poder Legislativo e os Tratados Internacionais (Porto Alegre: L&PM-Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, 1983), cf. pp. 172‑175.  Ver também, do mesmo autor, "O Controle legislativo dos Atos Internacionais", Revista de Informação Legislativo (22:85: Jan-Mar 1985:205-232).
14 Cf. ALMEIDA: "Partidos Políticos e Política Externa", op. cit., pp. 211‑2.
15 ANTEPROJETO CONSTITUCIONAL (Elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, instituída pelo Decreto 91.450, de 18.07.85), Diário Oficial, Suplemento Especial ao no 185, 26 de Setembro de 1986, Seção I.
16 Cf. Hoyt PURVIS: "Legislative‑Executive Interaction" in Hoyt PURVIS e Steven J. BAKER (eds): Legislating Foreign Policy (Boulder, Co.: Westview Press, 1984), pp. 1-12, p. 12.
17 Idem, loc. cit.
18 Diário do Congresso Nacional (Seção II), 12 de maio de 1983, pp. 1650‑1, citado em MEDEIROS: O Poder Legislativo e os Tratados Internacionais, op. cit., p. 192.

Ficha do trabalho:
138. “Relações Exteriores e Constituição”, Brasília, 8 dezembro 1986, 11 pp. Artigo sobre a recuperação legislativa da fiscalização e controle da política externa do Executivo, nos EUA e no Brasil. Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro, ano XXIX, nº 115-116, 1986/2, pp. 83-90), na Revista de Informação Legislativa (Brasília, ano 24, nº 94, abril-junho 1987, pp. 109-120) e na revista Política e Estratégia (São Paulo, vol. V, nº 2, abril-junho 1987, pp. 256-263). Relação de Trabalhos Publicados n. 029, 037 e 039.