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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Relacoes internacionais e politica externa do Brasil -- trabalhos de Paulo R Almeida

Estou preparando uma lista seletiva dos meus trabalhos que têm a ver unicamente com relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira, de modo direto, e posso dizer que a lista é deveras longa.
Abaixo, uma lista sintética dos mais importantes e mais recentes:

Trabalhos de Paulo Roberto de Almeida sobre a diplomacia brasileira:
Livros:
- O Estudo das Relações internacionais do Brasil – Um dialogo entre a diplomacia e a academia. 2. ed. rev. e ampl. Brasília: LGE, 2006.
- Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (2ª ed.; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004). [Esgotado; preparando nova edição]
- Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências, Almeida, Paulo Roberto de; Barbosa, Rubens Antonio (orgs.) (São Paulo: Saraiva, 2005).

Capítulos de livros:
- “O Bric e a substituição de hegemonias: um exercício analítico (perspectiva histórico-diplomática sobre a emergência de um novo cenário global)”. In: Renato Baumann (org.): O Brasil e os demais BRICs: Comércio e Política (Brasília: CEPAL-Escritório no Brasil/IPEA, 2010, 179 p.; ISBN: 85-781-1046-3, p. 131-154).
- “Brazil in the International Context” In: Evans, Joam (org.), Brazilian Defence Policies: Current Trends and Regional Implications (London: Dunkling Books, 2009, p. 11-26).
- “O Brasil e as relações internacionais no pós-Guerra Fria”; In: Ladwig, Nilzo Ivo; Costa, Rogério Santos da (orgs.), Vinte anos após a queda do muro de Berlim: um debate interdisciplinar (Palhoça-SC: Editora da Unisul, 2009).
- “Uma nova ‘arquitetura’ diplomática?: Interpretações divergentes sobre a política externa do Governo Lula (2003-2006)”, in Menezes, Wagner (org.). Estudos de Direito Internacional (Curitiba: Juruá, 2006, v. VIII, p. 196-213)
- “Brazil's Candidacy for Major Power Status”, com Miguel Diaz. In: Schiffer, Michael; Shorr, David (eds.). Powers and Principles: International Leadership in a Shrinking World (Lanham, MD: Lexington Books, 2009, p. 225-251).
- “Lula’s Foreign Policy: Regional and Global Strategies”. In: Love, Joseph L.; Baer, Werner (eds.), Brazil under Lula: Economy, Politics, and Society under the Worker-President (New York: Palgrave-Macmillan, 2009, p. 167-183).
- “Brazil”, com Denise Gregory. In: Wahlers, Gerhard et alii. Growth and Responsibility: The positioning of emerging powers in the global governance system (Berlin: Konrad Adenauer Stiftung, 2009, p. 11-30).
- “Brazil and the G8 Heiligendamm Process”, com Denise Gregory. In: Cooper, Andrew F.; Antkiewicz, Ágata (orgs.). Emerging Powers in Global Governance: Lessons from the Heiligendamm Process (Waterloo, Canada: Wilfrid Laurier University Press, 2008, p. 137-161).
- “A ordem política e econômica mundial no início do século XXI: Questões da agenda internacional e suas implicações para o Brasil”. In Brant, Leonardo Nemer Caldeira (coord.), III Anuário Brasileiro de Direito Internacional (Belo Horizonte: Centro de Direito Internacional, v. 3, n. 2, 2008; p. 151-189).
- “A política internacional do PT e a diplomacia do governo Lula” in Albuquerque, José Augusto Guilhon de; Seitenfus, Ricardo; Nabuco de Castro, Sergio Henrique (orgs.). Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990) (2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 537-559).
- “O Brasil e o processo de formação de blocos econômicos: conceito e história, com aplicação aos casos do Mercosul e da Alca”, in Gomes, Eduardo B.; Reis, Tarcísio H. (orgs.). Globalização e o Comércio Internacional no Direito da Integração (São Paulo: Editora Aduaneiras, 2005; p. 17-38).
- “La politique internationale du Parti des Travailleurs: de la fondation du parti à la diplomatie du gouvernement Lula”. In: Rolland, Denis; Chassin, Joelle (orgs.), Pour Comprendre le Brésil de Lula (Paris: L’Harmattan, 2004, p. 221-238).

Artigos:
- “Brazilian Foreign Relations with South America and USA”, The Brazilian Economy: Economy, Politics and Policy Issues (FGV, Brazilian Institute of Economics: vol. 1, n. 8, September 2009, p. 30-33).
- “O Brasil no contexto da governança global”, Cadernos Adenauer IX (2008) n. 3, Governança Global (Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2009, p. 199-219).
- “Obsolescência de uma velha senhora?: a OEA e a nova geografia política latino-americana”, Interesse Nacional (vol. 2, n. 6, Jul-Set de 2009, p. 58-69).
- “Mercosul e América do Sul na visão estratégica brasileira: revisão histórica e perspectivas para o futuro”, Asteriskos (Corunha; IGESIP, vol. 4, ns. 7-8, 2009, p. 155-185).
- “A integração na América do Sul em perspectiva histórica: um balanço”, Espaço da Sophia (vol. 2, n. 23, p. 1-17, fev de 2009).
- “Dilemas atuais e perspectivas futuras do regionalismo sul-americano: Convergências e divergências”, Temas e Matizes (vol. 7, n. 14, segundo semestre de 2008, p. 73-95).
- “To Be or Not the Bric”, Inteligência (Rio de Janeiro: vol. 11, 4º tr.; 12/2008, p. 22-46).
- “Evolução histórica do regionalismo econômico e político da América do Sul: Um balanço das experiências realizadas”, Cena Internacional (vol. 10, n. 2, 2008, p. 72-97).
- “O Brasil como ator regional e global: estratégias de política externa na nova ordem internacional”, Cena Internacional (Brasília: UnB-IREL, vol. 9, n. 1, 2007, p. 7-36);
- “Brazil as a regional player and as an emerging global power: Foreign policy strategies and the impact on the new international order”, Briefing Paper, series Dialogue on Globalization (Berlin: Friedrich Ebert Stiftung, July 2007).
- “¿Una nueva ‘arquitectura’ diplomática? Interpretaciones divergentes sobre la política exterior del Gobierno Lula (2003-2006)”, Entelequia: revista interdisciplinar (n. 2, Oct. 2006. p. 21-36).
- “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI, ano 47, nº 1, 2004, p. 162-184).

Venezuela a caminho do desastre - Jose Roberto Mendonca de Barros

A Venezuela está a caminho do desastre
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
O Estado de S.Paulo, 11 de julho de 2010

A Venezuela é aquele país que, segundo nosso presidente, tem democracia demais. Apesar disso, os esforços para o aprimoramento democrático não param: o ex-ministro General Baduel (aquele que garantiu o poder a Chávez) foi condenado a oito anos de prisão, os esforços para fechar o único canal oposicionista de TV estão quase concluídos, com o pedido de prisão de seu diretor, enquanto outros críticos (como Oswaldo Alvarez Paz, ex-governador do Estado de Zulia) são presos. Ainda isso é pouco, pois a democracia tem de ser defendida de seus inimigos solertes; nessas condições, como mostrou o Estado em matéria publicada em 16 de junho passado, a ajuda de Cuba tem sido inestimável. Agentes da democracia vizinha participam cada vez mais do controle militar e da segurança interna, matéria na qual o aparato cubano é craque respeitado em todo o mundo.

Entretanto, o controle político do presidente Chávez vem sendo sistematicamente testado pela firme deterioração da economia venezuelana. Apenas para se ter uma ideia, dos dezoito países cobertos pelo Latin American Consensus Forecast (edição de junho), a Venezuela é o único no qual se projeta uma queda no PIB, para uma média do crescimento regional de 4,5%.

A desordem econômica é profunda e generalizada. Comecemos pelos números: o PIB venezuelano caiu 3,3% em 2009 (depois de crescer 4,8% em 2008) e é projetada uma contração de mais 4,1% em 2010 (dados do Consensus). A estimativa mais recente disponível é do Morgan Stanley, que projeta um mergulho de 6,2% para este ano e mais queda (1,2%) para 2011. Os investimentos caíram 3,3% em 2008 e 8,2% em 2009. Para 2010, projeta-se queda entre 12,5% (Consensus) e 28% (Morgan Stanley). Da mesma forma, o consumo caiu em 2008 (3,2%), cifra que deve se repetir neste ano. O que cresce mesmo é a inflação: os preços ao consumidor se elevaram 32% em 2008 e 27% no ano seguinte. Para 2010, a inflação deve atingir 40% e ficar por aí em 2011.

Deterioração. A recente situação econômica é fruto de uma longa deterioração em várias frentes, que as elevações dos preços de petróleo até 2008 mascararam, uma vez que as receitas externas facilitavam as importações e geravam recursos para os gastos do governo central. Vejamos as principais.

Petróleo: no final de 2000, a Venezuela produzia 3 milhões de barris de óleo por dia; entre fevereiro e maio deste ano, a extração média foi de 2,3 milhões de barris/dia, segundo a Opep, ou uma queda de quase 25%. Uma sistemática redução dos gastos de manutenção e de investimentos em novos campos, resultante do desvio do caixa da empresa para cobrir gastos correntes do governo, explica esse resultado. A situação é tão difícil que a PDVSA acumulou uma dívida de mais de US$ 21 bilhões com prestadores de serviços e fornecedores. O problema é estrutural e dificilmente será revertido a curto e médio prazo, mesmo após o acordo de exploração com a China. Como os preços do petróleo estão em queda, podendo chegar a US$ 60, a geração de caixa irá piorar ainda mais.

Setor externo: o petróleo é o único item relevante na pauta de exportações da Venezuela. A lenta redução na produção e a queda na cotação do produto após 2008 resultaram numa contração da oferta de divisas. Como a limitação da produção local exige grandes importações para atender o consumo doméstico, o mercado de câmbio ficou muito pressionado, especialmente depois da forte queda nas reservas de divisas. Essas caíram de US$ 32 bilhões, em 2008, para a faixa de US$ 17 bilhões nos dias de hoje, o que levou as autoridades a estabelecer controles diretos e racionamento das divisas (Cadiv). Nessas condições, as empresas passaram a buscar o mercado paralelo de dólares para pagar pelas importações. Estima-se que 30% das importações chegaram a ser liquidadas desta forma, naturalmente numa taxa de câmbio muito mais desvalorizada que a cotação oficial. Entretanto, o vezo autoritário do governo o levou a aprovar legislação que criou penas drásticas para coibir o mercado paralelo. A solução policial para um problema econômico, como é usual, só vai agravar a situação, pois se for bem-sucedida, a recessão e a inflação se elevam com o choque de oferta; se mal sucedida, a desordem e a inflação ficam mais agudas.

Infraestrutura: o grande crescimento dos gastos correntes do governo central, da mesma forma que o ocorrido na produção de petróleo, reduziu as despesas de manutenção e investimento nas áreas de estradas e energia elétrica. Há poucos anos, um grande trecho da estrada que liga Caracas ao principal porto do país simplesmente ruiu, por falta de manutenção. Como resultado, durante dois anos o transporte se fez por um caminho precário e mal adaptado para uso intensivo, com elevação apreciável de custo. Nestes dois últimos anos, por outro lado, a Venezuela conviveu com apagões na rede elétrica, que neste ano (por causa de uma forte seca) se transformou em racionamento explícito em boa parte do país. As restrições na oferta de energia elétrica explicam parte do mergulho recessivo do país.

Oferta de alimentos: a Venezuela sempre importou alimentos. Entretanto, a situação piorou muito tendo em vista as contínuas intervenções do governo, via tabelamentos, ameaças de expropriação e importações subsidiadas. Estabelece-se então um círculo vicioso: a oferta cai, o governo ameaça e intervém na comercialização, o que leva a reduções adicionais na produção; com a restrição de divisas, o abastecimento via produtos importados é incerto e insuficiente, o que eleva a inflação, reiniciando o circuito. No final, perdem produtores e consumidores.

Intervenção e ineficiência: não deve ser surpresa a constatação de que a economia venezuelana é cada vez mais ineficiente, desde a operação da PDVSA, passando pelos serviços de infraestrutura, por mais de 700 nacionalizações de empresas, pelo capitalismo de compadre (boliburgueses) e chegando à tentativa frustrada de estatizar o abastecimento, como é o caso da rede Mercal. Nada é mais simbólico da ineficiência da economia do que a descoberta de mais de trinta mil toneladas de alimentos importados que apodreceram em algum pátio. A insegurança jurídica é total, a segurança pública piora. Com a inflação elevada, mesmo as tentativas de redistribuição de renda se reduzem com o custo de vida mais alto. Só uma coisa é certa: o presidente Chávez se aproxima cada vez mais de uma ditadura explícita.

Implicações. A situação da economia de Venezuela sugere pelo menos duas implicações para o Brasil. Em primeiro lugar, o saldo comercial bilateral (que começou a se elevar a partir de 2004 e atingiu a faixa de US$ 5 bilhões em 2008) não é sustentável. A recessão e a escassez de divisas limitam as importações. Em 2009, o saldo se reduziu para US$ 3,6 bilhões, caindo mais de 15% nos primeiros cinco meses deste ano em relação a igual período do ano passado, sugerindo um número da ordem de US$ 2,5 bilhões. Além disso, são recorrentes os atrasos no pagamento das importações. Devemos continuar exportando para lá, mas sem grandes expectativas.

Finalmente, patrocinar a entrada da Venezuela no Mercosul é uma das maiores esquisitices da nossa diplomacia. Juntar o que não funciona (Mercosul) com um país em crise, que não soma muito em termos econômicos e com um líder sem limites, não pode dar certo. Seria risível, se não fosse trágico, imaginar que a soma dos Kirchners com Chávez possa produzir algo construtivo.

A Agenda do Brasil para a América do Sul

A Agenda do Brasil para a América do Sul

Pesquisa sobre orientações de política externa
Respostas de Paulo Roberto de Almeida
(12-18 de março de 2008)

Questões e respostas PRA:

1) O Sr. (a) acha que o Brasil deve envolver-se mais e participar ativamente de questões internacionais ou manter-se à distância dos problemas mundiais?
Escolha um dos seguintes:
PRA: Participar ativamente

2) Na sua opinião, o Brasil desempenha hoje um papel internacional mais importante, menos importante ou igual ao que desempenhava há 10 anos atrás?
Escolha um dos seguintes: Mais importante

3) Nos próximos 10 anos os seguintes países irão desempenhar um papel internacional mais importante, menos importante ou igual ao que desempenham hoje?
Estados Unidos Igual
Rússia Mais importante
Japão Menos importante
Alemanha Menos importante
China Mais importante
Índia Mais importante
Brasil Mais importante
África do Sul Igual

4) Muitas pessoas acreditam que o Brasil tem um interesse vital em algumas áreas do mundo mas não em outras. Na sua opinião, o Brasil tem ou não tem um interesse vital nos seguintes países?

México N
Japão N
África do Sul N
Estados Unidos V
França N
Colômbia V
Rússia N
Angola N
Alemanha V
Canadá N
China V
Argentina V
Portugal N
Cuba N
Israel N
Índia V
Bolívia V
Espanha N
Coréia do Sul N
Venezuela V
Indonésia N
Irã N
Inglaterra N

5) Qual é a importância dos seguintes objetivos para as relações internacionais do país?
Atuar em defesa dos direitos humanos Muita importância
Fortalecer o Mercosul Muita importância
Combater o tráfico internacional de drogas Muita importância
Apoiar o desarmamento e a não-proliferação de armas nuclear Pouca importância
Fortalecer a liderança regional do Brasil Muita importância
Pleitear assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas Pouca importância
Integrar a infra-estrutura da América do Sul (transportes, energia e telecomunicações) Extrema importância
Negociar acordo de livre comércio com a União Européia Muita importância
Fortalecer as Forças Armadas e a política de segurança e defesa nacional Muita importância
Atuar em conjunto com países vizinhos para a defesa e proteção da Amazônia Muita importância
Garantir a democracia na América do Sul Extrema importância
Incentivar a produção e consumo de biocombustíveis Extrema importância
Controlar e reduzir a imigração ilegal para o país Pouca importância
Fortalecer a Comunidade de Países de Língua Portuguesa Nenhuma importância
Negociar acordo de livre comércio com os Estados Unidos Muita importância
Ampliar acordos de cooperação em ciência e tecnologia Extrema importância
Atuar em defesa do meio ambiente Muita importância
Promover nova rodada de liberalização do comércio exterior do Brasil Extrema importância

6) A abertura da economia à competição internacional tem sido, em geral, boa ou ruim para o Brasil?
Em geral boa
Comentário: Todo e qualquer economista sensato sabe que abertura econômica e liberalização comercial são intrinsecamente positivos para fins de melhoria do desempenho econômico de um pais, para ganhos de produtividade e, portanto, de competitividade internacional, sendo contraproducentes todas as medidas restritivas ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros. Todo político sensato afirma ser a favor do livre-comércio mas, "como isso na prática não funciona", acaba praticando ou estimulando o velho protecionismo de sempre. O Brasil, infelizmente, é dominado não apenas por uma classe política atrasada e instintivamente protecionista, como também por empresários subordinados ao Estado e que sempre viveram à sombra da proteção política de seus mercados setoriais.
A abertura econômica dos anos 90 fez mais para melhorar a produtividade e a competitividade da economia brasileira do que todos os planos setoriais e políticas desenvolvimentistas de décadas anteriores.

7) O Brasil é hoje um dos maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo. Entretanto, existem subsídios e barreiras não-tarifárias que limitam o acesso de nossas exportações ao mercado dos países desenvolvidos. Na sua opinião, o que o Brasil deve fazer para assegurar maior acesso aos mercados de outros países?
Abrir mais seu mercado para serviços e importação de produtos industriais e ceder em áreas como investimentos e propriedade intelectual para obter ganhos no comércio agrícola
Comentário PRA: A abertura é boa em si, e responde aos nossos próprios interesses e a reciprocidade absoluta nessa matéria em nada serve aos interesses brasileiros. Abertura, unilateral, de preferência, sempre é boa, embora se admita, por tática negociadora, alguma barganha com vistas ao desmantelamento das barreiras existentes nos mercados agrícolas mundiais. Deve-se lutar contra o protecionismo agrícola e o subvencionismo exacerbado de europeus e americanos como regra de principio, mas o Brasil, a rigor, não precisa disso para ser competitivo. Ele já o é, naturalmente. Ele deve, sim, lugar pelo desmantelamento das barreiras agrícolas e das subvenções abusivas porque isso vai beneficiar, sobretudo, paises ainda mais pobres, como os africanos, que não têm nenhuma chance de competir nos mercados internacionais a não ser pela liberalização completa dos mercados agrícolas.

8) Tem havido amplo debate sobre as estratégias de inserção do Brasil no mercado mundial. Na sua opinião, qual é a melhor estratégia para o Brasil?
Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentário PRA: Todas as formas de negociações são importantes e não excludentes entre si. Obviamente que numa estratégia restrita de promoção comercial e de conquista de mercados, vale a pena se concentrar nos mercados mais líquidos, mais elásticos, mais amplos, que podem ser tanto os de paises desenvolvidos -- dotados de alta renda, mas com elasticidade menor para os produtos de oferta brasileira -- como os de grandes paises em desenvolvimento com alto crescimento, como são os emergentes asiáticos, com uma imensa demanda pelos produtos de exportação brasileiros.
O "maniqueísmo" da pergunta não atende aos interesses brasileiros, cujas estratégias de promoção e de política comerciais precisam ser flexíveis a ponto de considerar todas essas opções, em função de protecionismos e de elasticidades-renda variáveis em função de produtos e mercados.

9) Para alguns, os acordos de livre comércio devem exigir o cumprimento de direitos trabalhistas e a proteção do meio ambiente para impedir práticas desleais de comércio. Para outros, essas exigências podem ser usadas para mascarar o protecionismo dos países desenvolvidos. Qual é a sua opinião?
PRA: Os acordos não devem exigir o cumprimento de direitos trabalhistas e a proteção do meio ambiente
Comentário PRA: Os mercados e a opinião pública se encarregarão de forçar o cumprimento de padrões mínimos de comercialização de bens e serviços. Tratados comerciais devem se limitar a abrir comércio, não impor barreiras indevidas, que atuam contra vantagens ricardianas legitimas e que só servem como disfarce do protecionismo mais renitente.

10) Tem-se discutido o alcance dos acordos internacionais para a proteção do meio ambiente. Alguns afirmam que muitos problemas ambientais têm escala global e, portanto, sua solução requer a atuação de todos os países, sob coordenação internacional. Outros argumentam que cada país deve decidir como cuidar do meio ambiente, sem pressões externas. Qual é a sua opinião?
Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentário PRA: Não há uma solução ideal, ou ótima, a partir de uma posição principista que converte todos os países em "servos" de algum arranjo internacional que pode não bem fundamentado cientificamente ou economicamente, assim como não se pode admitir um mundo "westfaliano" no qual a soberania absoluta de cada Estado acabe atuando em desfavor dos demais.
Questões ambientais, ou de interesse global, os chamados global commons, precisam ser analisadas caso a caso, para uma decisão adequada, apoiada tecnicamente e economicamente factível, para que algum "ótimo paretiano" em matéria de global commons possa se estabelecer, pelo menos tentativamente.
Em matéria de meio ambiente, creio que as soluções mais sensatas vêm sendo avançadas pelo chamado Consenso de Copenhagen, que considera que as prioridades certas devem ser atacadas em primeiro lugar, e entre elas não se situa o meio ambiente.

11) Há grande preocupação com o aquecimento global e a emissão de gases que causam o efeito estufa. Alguns dizem que os países industrializados são os principais responsáveis pelo problema e que não se deve exigir dos países em desenvolvimento que reduzam a emissão de gases. Outros acham que os países em desenvolvimento já emitem volume considerável de gases e que devem também adotar medidas para limitá-los. Qual é a sua opinião?
PRA: Todos os países devem limitar as emissões de gases
Comentário PRA: Independentemente de se considerar (sem que as evidências cientificas possam ser incorporadas absolutamente nos atuais cálculos de custo-oportunidade de determinadas medidas) que os paises industrializados foram os responsáveis mais importantes pelo estoque acumulado de gases de efeito estufa, isso não impede que os fluxos atuais atribuem responsabilidade compartilhada a grandes países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia. Elidir suas responsabilidades em nome de um passado que já passou pode representar um crime contra as gerações futuras.
Todos os paises devem e podem limitar suas emissões, mas os procedimentos e os volumes podem variar em função das possibilidades concretas do sistema econômico em questão.
Mecanismos market friedly são em geral mais eficientes do que metas mandatórias , e eles devem valer para todos os parceiros, inclusive porque os países em desenvolvimento precisam se lançar imediatamente na busca e utilização de novos métodos produtivos e procedimentos poupadores dos recursos naturais e dos insumos produtivos. Isto se chama eficiência e ela não é nem rica, nem pobre, e sim neutra, do ponto de vista das alternativas produtivas.

12) Existem várias possibilidades para a inserção internacional do Brasil. Alguns acham que, por ser um “comerciante global”, o Brasil deve dar prioridade à liberalização multilateral do comércio no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Outros entendem que o Brasil poderá negociar melhores condições de comércio integrando-se num bloco de países. Pode ser um bloco sub-regional (como o Mercosul); regional (como a América do Sul); hemisférico (nos moldes da ALCA), ou até transatlântico, como o acordo entre o Mercosul e a União Européia. Um terceiro grupo acredita que o Brasil deve evitar esquemas regionais e privilegiar acordos bilaterais de livre comércio. Caso fosse necessário escolher apenas uma dessas opções, qual seria a opção mais vantajosa para o Brasil?
Opções:
Priorizar negociações de caráter multilateral na OMC
Integrar-se num bloco sub-regional (Mercosul)
Integrar-se num bloco regional (América do Sul)
Integrar-se num bloco hemisférico (nos moldes da ALCA)
Integrar-se num bloco transatlântico (acordo Mercosul-União Européia)
Privilegiar a negociação de acordos bilaterais de livre comércio
Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Não sabe
PRA: Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentário PRA: Não existe uma solução ideal, do ponto de vista do comércio internacional, nas condições concretas de política econômica da presente conjuntura histórica (num sentido lato, isto é, contando um período de algumas décadas).
O ideal, teoricamente, seria a simples abertura unilateral e a negociação pragmática de aberturas recíprocas em todos os formatos possíveis, com todos os parceiros disponíveis e dispostos a intercambiar concessões (que sempre serão de caráter mercantilista). Não sendo isso possível, no mundo real com que nos defrontamos, talvez a solução mais inteligente, ou pragmática, seria a negociação bilateral ampla de acordos de livre-comércio, sabendo, porém, que isto pode dar margem a discriminações indevidas e desvios setoriais de comércio e investimentos.
Na verdade, o pais deveria estar disposto a sempre negociar com todos os parceiros todos os tipos de acordos que sempre signifiquem expansão de comércio em bases não discriminatórias.
Por fim, essa história de "comerciante global" é um mito, com o qual se pode ser condescendente apenas na medida em que o Brasil tem uma pauta de comércio exterior relativamente diversificada e seus agentes econômicos buscam mercados um pouco em todas as partes, porque na verdade, as estratégias e políticas governamentais de promoção e negociações comerciais são sempre erráticas, volúveis, não consistentes, não regulares e intermitentes.
A não concentração do comércio exterior brasileiro em uma única região ou pais -- ou seja, todos detém menos de um terço ou menos de 30 por cento dos volumes globais -- habilita alguns a falar em "comerciante global", mas a verdade é que isso é totalmente involuntário e em nada devido à ação do governo, que se apropria do conceito como se fosse o resultado de uma grande estratégia comercial, que na verdade não existe.

13) Iniciada em 1994, a negociação para formar a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) terminou em impasse. Como o Sr. (a) interpreta o fracasso da ALCA?
Opções:
O Brasil perdeu uma grande oportunidade
O Brasil livrou-se de uma grande ameaça
Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Não sabe
PRA: Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentários PRA: Nem ameaça, nem oportunidade, e sim um grande blefe, da parte de todos os envolvidos, com maiores ou menores responsabilidades segundo os casos.
Na verdade, o processo todo começou como um exercício de "boas intenções" por parte de Bush pai, na Iniciativa para as Américas, que pretendia de fato mudar a abordagem tradicional de relacionamento comercial e econômico com a AL, embora privilegiando o tradicional approach unilateral de características imperiais. Clinton multilateralizou a proposta, que no entanto não deixava de ser, aos olhos americanos, uma simples extensão do Nafta para um numero maior de parceiros, mas sempre com intenções mercantilistas (isto é, garantir uma reserva de mercado na região).
O que seria um exercício de barganhas sem concessões, por parte dos EUA, acabou convertendo-se num exercício de mutuas discriminações, pelo fato de que nem os EUA, nem os principais parceiros da AL -- não contando os pequenos, que nunca tem boas opções -- pretendiam de fato abrir-se em suas respectivas áreas sensíveis. O impasse foi assim criado por baixa disposição aberturista dos dois lados, mas creio que a responsabilidade maior do impasse está com os países da AL, uma vez que sua oposição deveu-se a motivos basicamente políticos e não a um calculo baseado em avaliações econômicas realistas sobre os custos e benefícios de um possível acordo. Os EUA negociaram mais pragmaticamente, isto é, estavam dispostos a avançar até onde era possível, mas seus negociadores estavam cingidos por um Congresso obtuso, protecionista e mercantilista.
Todos perderam, é obvio, pois mais comércio e mais abertura sempre significam maior dinamismo, competição e avanços reais em comércio e investimentos (estes até mais importantes para o Brasil do que o acesso a mercados, que de toda forma não viria para seus produtos mais competitivos e ofensivos). A não-Alca é o status-quo, isto é, o que temos hoje, com tendência piorar do ponto de vista do Brasil, pois que oportunidades perdidas podem não voltar mais e conduzir a novas perdas.
Ou seja, o impasse custa caro, mas bem mais ao Brasil do que aos EUA, que dispõem de um leque maior de opções bilaterais, minilaterais, regionais e multilaterais, inclusive por ser o maior mercado.
A bravata da "resistência ao império" vai custar caro para a economia e a sociedade brasileira, mas de modo relativo, pois que o acordo da Alca nunca seria, de fato, um grande acordo de livre comercio generalizado, e sim um arranjo do tipo Frankenstein, mal costurado, disfarçando mal seu mercantilismo oportunista.

14) Algumas pessoas dizem que o Mercosul tem sido benéfico para o Brasil pois aumentou o comércio com nossos parceiros no Cone Sul. Outras argumentam que o Mercosul tem sido prejudicial porque a união aduaneira obriga o Brasil a negociar em conjunto, limitando nossa margem de liberdade. Na sua opinião, o Mercosul tem sido benéfico ou prejudicial ao Brasil?
PRA: Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentários PRA: Provavelmente ambos, segundo o angulo que se examine.
O Mercosul tem sido extremamente benéfico no plano microeconômico, ou seja, ao permitir a conquista de mercados externos por empresas brasileiras de variados tamanhos, consistindo, portanto, uma espécie de exercício de mini-globalização em condições administradas e controladas. Existem alguns ganhos de escala, aprendizado, flexões de músculos que depois são importantes no plano dos mercados globais.
O fato, porém, de ter sido definido como empreendimento conjunto -- com direito a veto, ou barreiras políticas -- obsta, obviamente, a que os mais dispostos a avançar consigam contratar maiores ganhos com exposição maior ao comércio exterior, pois tudo fica amarrado ao menor denominador comum, que sempre a linha de maior resistência do países menos competitivo. Como o Brasil possui musculatura maior, ele perde oportunidades no comércio internacional.
Isso não tem nada a ver com o conceito de união aduaneira, que no Mercosul é uma ficção generosa, e sim com uma decisão conjunta de negociar conjuntamente, o que poderia ser levantado por outra decisão política autorizando a negociação em separado, desde que preservada a cláusula de NMF.
Por outro lado, o Mercosul deveria, também, permitir, no plano macroeconômico, maior convergência de políticas entre os quatro países, o que poderia ser "naturalmente" positivo, pois se entende que essas políticas teriam parâmetros "clássicos", ou mainstream, de definição e implementação, aproximando-se bem mais das regras do Consenso de Washington e dos critérios de Maastricht, do que dos velhos preceitos desenvolvimentistas e mercantilistas a que estamos acostumados na região.Na pratica, isso não ocorreu e nem parece ter chances de ocorrer no futuro previsível.

15) Algumas pessoas dizem que o Brasil precisa do Mercosul para aumentar seu poder de barganha em negociações comerciais com outros países ou blocos. Outras consideram dispensável o apoio do Mercosul, pois o Brasil tem peso próprio. Qual das duas posições reflete melhor sua opinião?
O Brasil tem peso próprio para negociar sozinho
Comentário: A despeito de ser um "pequeno comerciante global", o "PIB diplomático" do Brasil é muito superior ao seu PIB efetivo e até as suas correntes de comércio, o que lhe permitiria, portanto, negociações de formato variado com os mais diferentes parceiros.

16) O Mercosul é hoje uma união aduaneira, com uma Tarifa Externa Comum para importações de países fora do bloco. Recentemente, o Uruguai pediu maior liberdade para os países-membros do Mercosul negociarem acordos de livre comércio. Outra possibilidade é transformar o Mercosul em um mercado comum, com livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas e com instituições supranacionais. Qual é a sua opinião?
PRA: O Mercosul deve ser uma simples área de livre comércio
Recusadas:
O Mercosul deve transformar-se em mercado comum, com instituições supranacionais e livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas
O Mercosul deve fortalecer-se como união aduaneira
Comentários: Já fui partidário de que o Mercosul deveria caminhar para um mercado comum, pelo menos entre Brasil e Argentina (ainda que de forma progressiva e delongada no tempo), ou pelo menos consolidar sua união aduaneira. Considero, porém, que em vista do alto grau de personalização das políticas econômicas nos países membros, isto é, sua dependência estrita das decisões e humores dos principais responsáveis políticos -- ou seja, sem o desenvolvimento de uma burocracia imparcial aos interesses setoriais e atuando com base num sistema de racionalidade econômica stricto senso --, na ausência dessas condições ideais para se avançar em direção ao livre comércio e à UA, não haveria mal nenhum reconhecer que o impulso "romântico" adotado no início do processo não correspondeu à evolução desejada, e a partir daí, adotar a solução de menor custo e maior benefício relativo possível, que é a do livre comércio.

17) Outro tema em discussão é a conveniência do Brasil aprofundar o Mercosul, fortalecendo a integração entre os países que o compõe atualmente, ou ampliá-lo para integrar toda a América do Sul. Qual é sua opinião?
Opções:
Ampliar o Mercosul promovendo a integração comercial e econômica da América do Sul
Aprofundar o Mercosul na sua configuração atual
PRA: Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentários PRA: Na verdade, o que mais convém ao Brasil (e não ao Mercosul, cuja existência efetiva pode ser seriamente questionada), seria uma ampliação dos espaços econômicos integrados na America do Sul em seus diversos formatos possíveis. Ou seja, livre comércio sempre, integração física sempre, mas avançar em outros acordos (investimentos, propriedade intelectual, concorrência, e até, eventualmente, UA, quando isso for possível com algum parceiro) sempre quando houver disposição dos parceiros engajados no processo. A integração da America do Sul é positiva, mas não pode ser considerada um fim em si mesmo, ou seja, um objetivo obsessivo da diplomacia brasileira, inclusive porque todo processo de integração tem seus custos, que é preciso também saber medir e ponderar em função dos benefícios esperados.

18) A Venezuela participa do Mercosul como membro em processo de adesão. A Argentina e o Uruguai já aprovaram, mas faltam ainda o Brasil e o Paraguai. Na sua opinião, o Congresso Nacional deveria aprovar imediatamente, postergar a decisão ou negar a entrada da Venezuela no Mercosul?
Opções:
Aprovar imediatamente
Postergar a decisão
Negar a entrada
Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Não sabe
PRA: Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentários: O Paraguai parece já ter aprovado o ingresso da Venezuela, restando, portanto, o Congresso brasileiro.
Minha opinião é a de que o Congresso nem deveria aprovar, nem negar, simplesmente fazer audiências detalhadas sobre a questão e deixar o processo em suspenso até que a Venezuela negocie de boa fé e aceite integralmente os requisitos de adesão.
Diga-se de passagem a figura jurídica de “membro pleno em processo de adesão” não existe no TA, nem na tradição diplomática de acesso aos instrumentos internacionais. Foi uma solução política que não convém nem ao Mercosul, nem ao Brasil, pois permitiria que a Venezuela participe do processo sem ter cumprido os requisitos de ingresso. A Venezuela é um pais importante para o Mercosul e a integração, mas a Venezuela chavista é uma realidade bastante incômoda no plano estrito dos compromissos econômicos, sem nada mencionar dos problemas políticos.

19) Qual deve ser o alcance da agenda de integração da América do Sul? Na sua opinião, o Brasil deve apoiar uma agenda seletiva, concentrada apenas no comércio, investimentos e infra-estrutura de transportes e comunicações, ou uma agenda profunda de integração, que estimule o desenvolvimento e reduza assimetrias entre os países da região e promova a cooperação política, social, ambiental, tecnológica e cultural?
- Uma agenda seletiva de integração, concentrada apenas no comércio, investimentos e infra-estrutura de transportes e comunicações
- Uma agenda profunda de integração, que estimule o desenvolvimento e reduza assimetrias entre os países da região e promova a cooperação política, social, ambiental, tecnológica e cultural
- Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
PRA: Uma agenda seletiva de integração, concentrada apenas no comércio, investimentos e infra-estrutura de transportes e comunicações.
Comentários PRA: A tentativa de "reduzir assimetrias" é não apenas inócua, pois não vai se conseguir a partir dos parcos recursos disponíveis, como também esdrúxula, pois as assimetrias formam a base mesma das especializações e portanto do comércio regional e mundial.
A concentração no comércio, investimentos e infra-estrutura se explica, no começo, porque nenhum desses aspectos cruciais foi levado a termo. Claro, não se pode excluir que os paises decidam, paralelamente, trabalhos em outros temas, mas eles deveriam ser avaliados, também, em função de sua utilidade para os objetivos principais.

20) O Chile, Peru e Colômbia negociaram acordos de livre comércio com os Estados Unidos que incluem disciplinas como proteção aos investimentos, liberalização de serviços, compras governamentais e propriedade intelectual. Na sua opinião, o Brasil deveria incluir essas disciplinas nos acordos com países da América do Sul?
PRA: Sim
Comentários. Certamente, uma vez que o Brasil vai ser o grande investidor na America do Sul, desempenhando um papel que hoje está restrito aos EUA, europeus e poucos outros. Acordos de investimentos são essenciais para proteger nossos interesses na região. Podem até não impedir nacionalizações e expropriações, mas pelo menos sinaliza que estamos atentos a nossos ativos na região.

21) A energia (petróleo, gás natural, etc.) tem sido destaque na agenda de integração regional. Mas vêm crescendo as preocupações com a segurança energética (riscos políticos, estabilidade do fornecimento, etc.). Na sua opinião, o Brasil deve fomentar a integração energética da América do Sul ou buscar a auto-suficiência?
Fomentar a constituição de um mercado integrado de energia na região, com marcos regulatórios estáveis e infra-estrutura adequada para o transporte de energia
Comercializar recursos de energia com os países da região, sem abandonar a busca de auto-suficiência
PRA: Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentários PRA: Ambos, embora possa sair um pouco mais caro. Ou seja, ao investir ao mesmo tempo na auto-suficiência e na cooperação energética, o Brasil estaria gastando mais recursos se adotasse apenas uma das duas opções. Mas, como ocorre com as reservas internacionais (que existem, em principio, para não serem usadas), é sempre melhor dispor de fontes próprias, e ao mesmo tempo tentar mobilizar recursos de outras fontes para poder dispor de mais opções.

22) Existe preocupação com as assimetrias entre países menos e mais desenvolvidos da América do Sul. Na sua opinião, qual é a medida mais indicada para superar este problema?
- Aumentar a competitividade dos países menores ou menos desenvolvidos via financiamento de infra-estrutura, apoio a pequenas e médias empresas, etc.
- Eliminar os entraves às exportações dos países menores ou menos desenvolvidos para os maiores mercados da região
- Criar incentivos para as empresas dos países mais desenvolvidos da região investirem nos países menores ou menos desenvolvidos
PRA: Outra resposta: (Anotar na caixa ao lado)
Comentários PRA: A tentativa de eliminar ou superar assimetrias, já por si patética no caso de países que dispõem de condições financeiras para fazer esse tipo de investimento pouco produtivo, torna-se ridículo no caso do Brasil e do Mercosul. Essas tentativas sempre devem passar por forças do mercado, do contrário serão ensaios custosos e mal sucedidos. De resto, investimentos em infra-estrutura, eliminação de entraves às exportações, e incentivos diversos para investimentos produtivos, são mecanismos normais, que podem ser usados em toda e qualquer circunstancia, mesmo à margem de qualquer projeto ou processo de integração. Basta decidir cooperar e adotar essas medidas de forma pontual ou negociada. Tudo é possível de ser feito, desde que se preserva a racionalidade econômica e não se considere a integração com um objetivo em si mesmo.

23. Qual é a importância das seguintes ameaças externas aos interesses vitais do Brasil? Na sua opinião, trata-se de uma ameaça crítica, uma ameaça importante mas não crítica ou não é uma ameaça importante aos interesses vitais do Brasil?

AMEAÇAS
1 É uma ameaça crítica
2 É uma ameaça importante, mas não é crítica
3 Não é uma ameaça importante

A) O conflito entre a guerrilha e o governo da Colômbia 2
B) Protecionismo comercial dos países ricos 2
C) A expansão de movimentos religiosos fundamentalistas 3
D) O tráfico internacional de drogas 1
E) Aquecimento global do planeta 3
F) O poder econômico da China 2
G) O surgimento de governos ditatoriais na América do Sul 1
H) O poder econômico dos Estados Unidos 3
I) A AIDS e outras epidemias globais 2
J) Aumento de países com armas nucleares 2
L) A internacionalização da Amazônia 3
M) A desigualdade econômica e tecnológica entre as nações do Norte e do Sul 3
N) O terrorismo internacional 2
O) O contrabando de armas pequenas e armamentos leves 1
P) Corrida armamentista na América do Sul 1
PRA: A rigor, nenhuma das ameaças mencionadas afeta drasticamente a segurança nacional do Brasil, uma vez que o Brasil tem dimensões, recursos e, aparentemente, vontade política para enfrentar ameaças potenciais que são sempre de efeito setorial, ou seja, não sistêmico ou global, sobre nossos interesses vitais. Supõe-se, contudo, que as ameaças relativas ao tráfico de drogas e à guerrilha, à corrida armamentista na região e a instabilidade política trazida por regimes ditatoriais, que aliás parecem estar bastante ligados entre si, podem representar ameaças potenciais ao Brasil, ainda que nossa sociedade e nossa economia não sejam fundamentalmente afetados. A incidência do tráfico de drogas e de armas leves apresenta foco em algumas grandes metrópoles, mas pode disseminar-se por outras cidades igualmente.

24. Tem havido amplo debate sobre a transformação das Forças Armadas brasileiras para enfrentar novos desafios para a segurança e a defesa nacional no seu entorno. Na sua opinião, qual é a importância das seguintes medidas para a reestruturação das Forças Armadas? Essa medida é de extrema importância, muita importância, pouca importância ou nenhuma importância para o Brasil?
FORÇAS ARMADAS
1 Extrema importância
2 Muita importância
3 Pouca importância
4 Nenhuma importância
Não sabe

A) Substituir o serviço militar obrigatório pelo voluntariado 3
B) Desenvolver tropas de pronto emprego, de alta mobilidade e grande poder de fogo 1
C) Relocar unidades militares das regiões Sul e Sudeste para o Amazonas 2
D) Preparar pessoal para missões de paz no exterior 1
E) Investir no reaparelhamento e modernização tecnológica das Forças Armadas 1
F) Integrar as estratégias do Exército, Marinha e Aeronáutica sob comando do Ministério da Defesa 1
G) Investir no adestramento e capacitação intelectual da força militar 1
H) Incentivar o desenvolvimento da indústria bélica nacional 2
I) Integrar a área de defesa e segurança da América do Sul 2
J) Promover a recomposição orçamentária e salarial das Forças Armadas 2
L) Capacitar as Forças Armadas para garantir a lei e a ordem 3

25. Tropas brasileiras foram enviadas para o Haiti como parte da força de paz das Nações Unidas. Alguns dizem que o Brasil não deveria participar de operações da ONU. Outros ponderam que a participação em operações no exterior é uma oportunidade para aperfeiçoar os militares brasileiros. Na sua opinião, o Brasil deve ou não enviar tropas para operações de paz da ONU?
1. Deve enviar tropas S
2. Não deve enviar tropas
3. Outra resposta:
Comentários PRA: As FFAA brasileiras deveriam, fundamentalmente, preparar-se para operar crescentemente no quadro da ONU, pois supõe-se que não existam ameaças credíveis à nossa segurança vindas de potenciais agressores bilaterais, nem se imagina um conflito bélico de grandes proporções na região ou em escala mundial. Isto implica determinados tipos de equipamentos, em lugar de outros, determinadas concepções doutrinais e interação ainda maior com a diplomacia.

26. O Brasil pleiteia um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Alguns dizem que isso daria projeção estratégica ao Brasil. Outros argumentam que os custos são muito altos, exigindo o envolvimento do país em áreas onde não tem interesses vitais. Na sua opinião, o Brasil deve ou não pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Deve pleitear
Não deve pleitear N
Outra resposta:
Comentários PRA: Quando, e se houver, reforma da Carta e ampliação do Conselho, o Brasil será naturalmente convidado a ingressar, imaginando-se, obviamente, uma ampliação equilibrada, que não contemple unicamente interesses setoriais de um ou outro membro do CSNU, como parecem privilegiar atualmente os EUA. Os custos são efetivamente altos, mas se é verdade que as FFAA precisam ser equipadas, melhor fazê-lo já na concepção de uma atuação especificamente dirigida para sustentar operações de paz das NU.

27. Ao tomar decisões de política externa e comércio exterior, qual o grau de atenção que o Itamaraty dá às opiniões e propostas dos seguintes grupos?
GRUPOS
M Muita atenção
P Pouca atenção
N Nenhuma atenção

A) Associações empresariais P
B) Congresso Nacional P
C) Universidades e centros de estudos N
D) Sindicatos de trabalhadores P
E) Organizações não-governamentais P
F) Outros ministérios do governo federal P
G) Meios de comunicação N
H) Opinião pública P

28. Atualmente, é atribuição exclusiva do Poder Executivo negociar acordos e tratados internacionais, cabendo ao Congresso Nacional apenas ratificar as decisões tomadas. Na sua opinião, a política externa deve ser atribuição exclusiva do Executivo, com o Congresso desempenhando um papel meramente ratificador, ou a política externa deveria ser previamente debatida e negociada com o Congresso, limitando o poder do Executivo?
1. Decidida pelo Executivo e ratificada pelo Congresso
2. Negociada previamente com o Congresso
3. Outra resposta: S
Comentários PRA: Não há uma resposta unívoca, ou excludente, para esta questão, uma vez que a interface do relacionamento externo é muito ampla, comportando questões de interesse muito variado, com incidências muito diferenciadas internamente e com sensibilidades distintas, em função dos temas, o que não pode ser definido previamente. O status quo atual beneficia o Executivo, que dispõe de ampla latitude de ação, mas cujos resultados podem encontrar, depois, dificuldades para sua implementação legal. O que seria desejável seria, provavelmente, a manutenção do quadro legal atual, mas a elaboração de uma instância formal de interação entre os chefes da diplomacia e as lideranças ou comissões do Congresso, através da qual a diplomacia informaria regularmente, e discutiria com os parlamentares, temas da agenda corrente. Alguns temas, por envolverem sensibilidades negociadoras, poderiam ser abordados em ambiente restrito, com preservação de confidencialidade.

29. O Sr. (a) considera que a opinião pública brasileira tem muito interesse, pouco interesse ou nenhum interesse pela política externa do país?
1. Muito interesse
2. Pouco interesse P
3. Nenhum interesse

30. De maneira geral, como o Sr. (a) avalia a política externa do presidente Lula? Na sua opinião, a política externa do governo Lula é ótima, boa, regular, ruim ou péssima?
1. Ótima
2. Boa
3. Regular R
4. Ruim
5. Péssima
9. Não sabe

Paulo Roberto de Almeida
12-18 de março de 2008

domingo, 11 de julho de 2010

A Quarta Frota Americana e a Amazônia Azul

Como nos demais casos já postados aqui, se trata de uma demanda de respostas a questões colocadas por estudante de curso de especialização, achando que eu sou uma sumidade em qualquer assunto (o que obviamente não é o caso, mas parece que eu engano bem...).
Como nos casos anteriores, jamais soube o que foi feito de minhas respostas, como elas foram integradas ao trabalho e qual foi o resultado final.
Bem, considero-me então desobrigado a manter a discrição sobre minhas respostas, e as divulgo neste momento, na suposição de que elas possam interessar a um público mais vasto.
Paulo Roberto de Almeida

A Quarta Frota Americana e a Amazônia Azul
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 3 de agosto de 2008)
Respostas a questionário submetido por funcionário do Serviço de Documentação da Marinha
Curso Superior da Escola de Guerra Naval (EGN)

1) A nova ordem mundial tem como característica marcante a globalização. Os países buscam na cooperação a solução de problemas comuns, como o terrorismo, o narcotráfico, etc. O senhor acha que o caminho é a cooperação internacional?
PRA: Não há um único caminho para a solução de grandes problemas globais, uma vez que o multilateralismo puro, estilo onusiano, é sempre lento e abre espaço para práticas oportunistas, do tipo free-rider (isto é, países que não cooperam para a solução de problemas comuns, nem assumem os custos de políticas corretivas, mas se beneficiam da ação de outros). Entretanto, nas condições atuais, dificilmente um único país, mesmo poderoso, pode assumir sozinho tarefas de grande magnitude, daí a funcionalidade, ou utilidade da cooperação internacional. Não que ela seja exclusiva ou excludente, mas é o caminho “natural” num mundo que vem afastando cada vez mais as ações unilaterais ou imperiais e afirmando o primado do direito internacional e da cooperação entre países supostamente iguais, segundo os princípios onusianos. Se é para respeitar a chamada soberania nacional, não há como evitar a cooperação, uma vez que dificilmente países poderosos alcançariam legitimidade na busca de soluções unilaterais, que poderiam, teoricamente, infringir a soberania de outros Estados. Esta constatação vale praticamente para a maior parte dos problemas globais, com a possível exceção da segurança e defesa nacional, terreno no qual a cooperação entre os países, ou a ação da ONU, são notoriamente deficientes.

2) Também sob o efeito da globalização, o conceito de soberania está se transformando. Quais os limites aceitáveis de uma cooperação internacional na área de segurança que não venha a infringir a soberania dos Estados?
PRA: A evolução nessa área é muito lenta, e o mundo está longe de abandonar os velhos princípios westfalianos para adotar outras regras de soberania limitada, ou o exercício responsável dessa soberania. Atualmente, sem que haja evolução legal nesse sentido, considera-se, por exemplo, que um governo (ou um dirigente) que impõe sofrimentos enormes ao seu próprio povo corre o risco de se defrontar com sanções externas, ainda que impostas contra a sua vontade, quando não com intervenção forçada nos casos mais extremos. Tal ocorreu em alguns países africanos, de certo modo com o próprio Haiti, e poderia ter sido invocado no caso de Miamar, por ocasião do maremoto do primeiro semestre de 2008. Estes, porém, são casos extremos, quando a própria sobrevivência física das pessoas está em causa, mas se torna difícil de aplicar em casos de governos ditatoriais “normais” ou infração a normas que não sejam absolutamente universais e de adesão obrigatória.
O caso mais flagrante do gênero foi a autorização dada pelo CSNU para uma intervenção contra o governo talibã do Afeganistão, presumivelmente comprometido com os grupos terroristas responsáveis pelos ataques de setembro de 2001 em território americano. O mesmo, no entanto, não ocorreu quando o mesmo argumento foi levantado pelos EUA contra o governo do Iraque, então sob o ditador Saddam Hussein, tendo a autorização do CSNU sido recusada aos EUA para um ataque preventivo dito de auto-defesa. Os limites para o rompimento do principio da soberania parecem ser, assim, o da presunção razoável de que algum Estado ameaça a paz e a segurança internacional de modo efetivo.

3) O Brasil, com seus problemas econômicos e sociais internos, dificilmente poderá deslocar recursos financeiros suficientes e meios efetivos para a solução ou enfrentamento das chamadas “novas ameaças”. Como o senhor vê a situação brasileira quanto a proteção das riquezas encontradas na nossa Amazônia Azul, mais propriamente dos nossos poços de petróleo? Uma saída seria a segurança cooperativa com países das Américas?
PRA: Não creio. Recursos nacionais exclusivos devem ser defendidos com meios exclusivamente nacionais, mas reconheço que nem todos os Estados, sobretudo os menores, possuem recursos suficientes para enfrentar todas as ameaças potenciais. Daí que a solução cooperativa pode ser uma espécie de “second best”, ou seja, um substituto ao ideal. Dito isto, creio que o Brasil possui meios suficientes para defender suas plataformas de petróleo, sendo que a insuficiência alegada pode ser resolvida mediante uma simples inversão de prioridades orçamentárias: os meios técnicos existem, basta uma decisão política para colocá-los em vigor.
Existem, porém, outras ameaças, mais difusas, como as do tráfico de drogas, de ilícitos transnacionais, a gestão de recursos comuns do meio ambiente, que requerem, sim, meios cooperativos nos planos multilateral e regional. A segurança comum às Américas depende de uma percepção também comum de que existem ameaças credíveis ao continente como um todo, vindos de algum agressor externo, o que me parece algo aleatório atualmente. Contemplando a geopolítica atual e sua possível evolução nos próximos anos ou décadas, não se consegue perceber que tipo de ameaças “globais” estariam sendo colocadas na região geográfica do Brasil, qual seja a América do Sul e o Atlântico Sul. As ameaças mais factíveis parecem provir de dentro mesmo do continente, e ai podem até exigir respostas comuns, mas não do tipo que normalmente se identifica como a “grande geopolítica”. Nossos problemas são mais de “pequena geopolítica”.

4) Na sua opinião, quais os motivos que levaram os Estados Unidos a reativarem a Quarta Frota?
(OBS - Apesar do real motivo ser desconhecido até o presente momento, para a monografia me pautei na importância do Atlântico Sul como rota marítima, a recente descoberta de enormes reservas de petróleo em áreas de grande profundidade (conhecidas como “pré-sal”) na plataforma continental brasileira e a questão do destino da Antártica)
PRA: Os EUA, quer eles aceitem ou não a hipótese, constituem um poder imperial, e como todo poder imperial sua visão estratégica é propriamente global. Sua liderança político-militar estabeleceu, desde 1947 pelo menos, que não iria permitir o aparecimento ou a manutenção de nenhum outro poder que pudesse se igualar ao seu poderio militar ou em condições de ameaçar os interesses estratégicos dos EUA, fosse este amigo ou inimigo, não importa. Daí a necessidade de eles perseguirem um nível de preeminência estratégico-militar até exagerado, mas comensurável com o que eles acreditam serem os desafios possíveis.
O Atlântico Sul, rota de trânsito de grande parte do petróleo importado pelos EUA, não dispunha, desde cinco décadas, de uma “cobertura” estratégica, daí a decisão em recriar a IV Frota, que nada mais representa do que um “acabamento” dos cenários possíveis de enfrentamento estratégico. Suponho que a IV Frota não esteja dirigida contra nenhum “grande inimigo” em particular, apenas representa uma apólice de seguro contra reviravoltas na geopolítica internacional. Os EUA não necessitam, certamente, da IV Frota, para administrar o atual problema da Venezuela (um candidato a ditador que se compraz em “enfrentar” o “império”), que será “resolvido” por meios políticos no momento oportuno.
Tampouco se pode conceber o uso da IV Frota para alguma questão no âmbito da Antártida e menos ainda para qualquer pendência bilateral com o Brasil na exploração de recursos advindos da plataforma continental (petróleo e outros). Mesmo um império “autônomo” como os EUA atua em função dos interesses econômicos de suas empresas e estas requerem muito mais soluções cooperativas do que de afirmação colonial. Apenas uma “concepção paranóica” das relações bilaterais e internacionais poderia conceber a IV Frota como funcional para fins de exploração de recursos marinhos e outros.

5) Com a atual situação do Brasil referente a necessidade de meios adequados, em quantidade suficiente para uma presença naval permanente na Amazônia Azul, a presença da Quarta Frota poderia ajudar a acelerar o processo de reaparelhamento da nossa Marinha?
PRA: Não deveria, mas pode servir, nas condições políticas que são as atuais no Brasil, com baixo planejamento estratégico e ainda menor discernimento quanto ao cenário estratégico global. Ou seja, a reação paranóica aludida acima pode levar ao desvio de recursos – totalmente irracionais neste caso – de outras prioridades no plano estratégico e de defesa nacional para uma suposta dissuasão à IV Frota no Atlântico Sul, o que seria tão custoso quanto inútil. Os EUA não são o inimigo estratégico do Brasil, que aliás não parece ter nenhum, estrito senso.
Como no caso da Amazônia “verde”, no entanto, a mesma paranóia quanto a perigos supostos (em alguns casos eles são reais, mas não necessariamente da forma concebida em alguns escritórios de planejamento) pode induzir ao desvio de recursos para uma dissuasão que se revela ilusória. O defeito é de concepção, ou de doutrina, não do emprego de recursos efetivos, que sempre podem ser adaptados para cenários plausíveis ou credíveis, mesmo quando a concepção determina, obviamente, o tipo de recurso, ou de ferramenta, a ser empregado. O Brasil não precisaria ter instrumentos que mimetizem o arsenal das grandes potências, mas este é um argumento difícil de ser admitido por qualquer planejador militar (e mesmo muitos políticos).
O Brasil precisa ter instrumentos adequados ao seu cenário estratégico, que, aparentemente, se situa mais numa perspectiva de cooperação com a grande potência ocidental, e mundial, do que em oposição ou em dissuasão a ela. Mas, fazer tal tipo de afirmação já soa como uma renúncia indevida de soberania, ainda que a economia dos meios armados recomende uma utilização a mais racional possível dos meios escassos à disposição de nossas Forças Armadas. Em outros termos, o Brasil pode estar perdendo a oportunidade de combater seus verdadeiros inimigos – como os “pequenos piratas” que infestam certas paragens de nossas costas – do que inimigos supostos.

6) O Programa Naval de 1934, se fosse realizado, teria modificado substancialmente a nossa participação junto a Marinha Americana na Segunda Guerra Mundial. Frente aos escassos recursos alocados para a Marinha desenvolver o seu programa de reaparelhamento e o desenvolvimento de submarino com propulsão nuclear, poderíamos estar vendo a mesma situação acontecer?
PRA: Não conheço adequadamente o Programa Naval de 1934 para opinar de maneira responsável, mas num possível paralelo com cenários mais atuais, acredito, sim, que qualquer cenário que nos leve a assumir maiores responsabilidades no plano mundial – e isso não tem nada a ver com a defesa do território e das águas nacionais, que me parecem insuficientemente, mas razoavelmente bem defendidos, ou pelo menos “dissuadidos” – conduziria uma a maior cooperação com os EUA, inclusive para a paz e a estabilidade política na própria América do Sul (em relação ao que nossas Forças Armadas são extremamente reticentes).
A Marinha brasileira, como as outras forças singulares, padece de notória falta de recursos e de meios suficientes para um aparelhamento adequado. Ouso formular a hipótese, contudo, que as concepções estratégicas que presidem ao planejamento do uso de recursos escassos sãos as tradicionais, de todo país soberanista digno desse nome. Uma concepção de defesa exclusivamente “nacional”, nas linhas tradicionais, pode custar muito caro, e revelar-se, finalmente, como parcialmente inútil, em face dos perigos efetivos a serem enfrentados, muitas vezes com outros tipos de instrumentos do que aqueles concebidos e implementados segundo a visão tradicional acima mencionada. Por exemplo, uma Marinha de águas azuis, full scope (completa), para o Brasil, pode ser um luxo ocioso, quando perigos mais efetivos parecem exigir uma Marinha de águas marrons ou meios ainda mais heterodoxos do que ferramentas de livro-texto ou de compêndios históricos.
Para ser concreto, não vejo bem como o submarino nuclear possa resolver nossos problemas efetivos – não os supostos – de segurança costeira. Ele pode, por exemplo, dissuadir uma grande potência, pelo menos parcialmente, mas jamais um grupo de terroristas que se dispusesse a afundar uma plataforma petrolífera. Em outros termos, alguns “brinquedos” são muito caros para que a sociedade brasileira tenha uma ilusão de segurança, totalmente desproporcional e aparentemente pouco adaptados aos requerimentos efetivos da segurança nacional. Sei que a tese pode ser inaceitável para os “marinheiros” de águas azuis, mas é como vejo o atual (e futuro) cenário geopolítico no qual se insere o Brasil.

7) Hoje não existem mais inimigos declarados, o estado aparente de paz não reflete a realidade das “novas ameaças”. Em uma situação hipotética, mas nem tanto, de termos nossos poços de petróleo “atacados”, o senhor acha possível o Brasil aceitar um acordo de cooperação em segurança junto a Marinha Americana, visando a proteção das nossas riquezas?
PRA: Não creio que isso seja necessário, mas acordos de cooperação recíproca em troca de informações, treinamento e manutenção, são sempre bem vindos. Nossas riquezas devem ser defendidas exclusivamente com meios próprios, ainda que estes sejam insuficientes. Vejo, sim, a necessidade de uma ampla cooperação na busca e implementação de metas mais amplas, de âmbito mundial, seja em bases puramente bilaterais, seja no quadro de operações da ONU.
Quando se fala, porém, de “ameaças”, qualquer esforço de cooperação deve ser empreendido sempre tendo em conta a natureza específica da suposta ameaça, detectada, para aí então chegarmos à conclusão de qual esquema defensivo ou ofensivo seria melhor adaptado aos interesses nacionais, seja no plano das concepções táticas ou mesmo estratégicas, no domínio das ferramentas a serem utilizadas e com base num entendimento perfeito quanto aos fins que se pretende alcançar. A Segunda Guerra Mundial colocou uma ameaça concreta, que foi respondida de maneira adequada, ainda que de forma modesta (mas comensurável com os nossos meios).
Hipóteses podem e deve ser traçadas quanto à natureza e o poder destrutivo dessas “novas ameaças”, e a partir daí formular as nossas linhas de atuação, que podem, ou não, compreender alguma cooperação com os EUA, sempre em função de uma análise caso a caso. Entendo, pessoalmente, que nenhuma “nova ameaça” pode provir dos EUA, daí que eu preconizaria uma cooperação ampla no plano bilateral, mas sei que reações soberanistas e pruridos nacionalistas minimizam a consecução dessa possibilidade. As hipóteses mais credíveis, portanto, são aquelas de baixa intensidade e de “pequena geopolítica”, para as quais os EUA talvez nem se interessem, mas sempre cabe alguma reflexão conjunta.

8) Quais os limites de cooperação aceitáveis, dentro de um possível acordo de cooperação entre a nossa Marinha e a americana - Quarta Frota, que não venha a infringir nossa soberania?
PRA: Seria preciso definir primeiro o que seja soberania, que tem muitas acepções e nem todos estão de acordo com todas elas. Alguns acreditam, por exemplo, que minério de ferro é um bem tão “estratégico”, que deveria ser preservado sob o controle do Estado ou exclusivamente de nacionais, como forma de preservar a “soberania nacional”. Outros – inclusive um presidente – declararam que telefonia e comunicações, de modo geral, são estratégicos para o desenvolvimento nacional e portanto deveriam também permanecer sob controle nacional, alguns até acham que deveria ser estatal. Todos, ou quase, acham que o petróleo deve permanecer como monopólio nacional por ser estratégico e essencial à nossa “soberania”. Soberania se defende com ações muito simples, com educação de todos, por exemplo, ou com o desenvolvimento nacional, que pode, sim, ser feito com capitais estrangeiros, sem qualquer, ou quase nenhuma, restrição.
Dentro dessa filosofia, eu não vejo sinceramente nenhum obstáculo – que não sejam aqueles normalmente associados à preservação de nossa capacidade autônoma de decisão, onde se situam as comunicações sensíveis de decisores nacionais – a um amplo acordo de cooperação entre as duas marinhas, sobretudo se se partir do princípio de que ambas possuem objetivos relativamente similares, se não coincidentes, quais sejam: preservar a soberania nacional de cada país, assegurar um ambiente de paz e de estabilidade para o exercício das liberdades democráticos e para o pleno desenvolvimento de atividades produtivas, sem qualquer distinção de nacionalidade quanto aos agentes econômicos (tratamento nacional pleno).
O limite da cooperação seria, portanto, o segredo das comunicações sensíveis, mesmo sabendo que criptografia é algo essencialmente dependente da pesquisa científica e dos avanços tecnológicos, que estão justamente mais desenvolvidos na principal potência tecnológica do planeta. Devemos ter consciência, portanto, que os EUA sempre vão cercear nosso acesso às tecnologias sensíveis, por mais cooperativos que possamos ser nos processos conjuntos de treinamento e adestramento. São limites colocados pela própria razão básica da preeminência estratégica: nunca permitir a equiparação. Se assumirmos essa condição “subalterna” nas tecnologias de “última instância”, existe um grande espaço para a cooperação bilateral.

9) Relembrando a Guerra da Lagosta, onde fomos afrontados por um país que não era tido como ameaça, a França - que enviou navios da sua armada para proteger seus pesqueiros dentro de nossas águas, somada a posição americana de chegar a "ordenar" que o Brasil recuasse, abrindo mão de sua soberania. Então a questão é: Como lidar com a soberania nacional e a Quarta Frota em nossas portas?
PRA: Assimetrias sempre vão existir nas relações internacionais e o exercício do poder pode se manifestar de formas excessivamente arrogantes, como vários exemplos a que assistimos ao longo de nossa história, e não apenas na Guerra da Lagosta. Basta recordar as intromissões da Royal Navy em nossas águas, quando nos recusávamos a interromper o tráfico escravo, no século XIX. O Brasil sempre vai ter essas fragilidades no confronto com países mais poderosos. O que se deseja é uma dissuasão suficiente para evitar situações humilhantes como essas. A diplomacia deveria evitar que se chegue a esse tipo de exacerbação das relações, mas nem sempre é possível evitar alguma demonstração de força.
Não se pode partir da hipótese de que a IV Frota venha necessariamente a ameaçar a nossa soberania, posto que ela vai se deslocar em águas internacionais. Se resolver se aventurar em nossas águas, pode ser que não disponhamos de meios suficientes para dissuadi-la, mas por que ela o faria e com quais motivos? Essas forças não são construídas para ameaçar a soberania de outros países, sobretudo amigos, mas para defender os interesses vitais de quem as concebe e desloca no terreno.
A IV Frota não vai estar em nossas portas, mas em águas internacionais, tanto quanto podemos mandar nossa frota para o Atlântico Norte, mas não vejo muito sentido pensar nesse tipo de brincadeira de gato e rato. Países responsáveis pensam menos na soberania em termos abstratos e mais concretamente, o que se obtém com crescimento e econômico e desenvolvimento nacional. Temos tanto direito de explorar recursos marinhos no Atlântico Norte quanto os EUA no sul, desde que de maneira não agressora ao que cada país considera como sendo de sua soberania exclusiva. Os EUA, em algum momento futuro, vão aderir ao Tratado do Direito do Mar, ainda que isso possa tardar mais algum tempo. Eles serão levados a fazê-lo no seu próprio interesse nacional.
Qualquer que seja o desenvolvimento futuro do Brasil, não vejo um modelo ou regime capitalista que seja fundamentalmente oposto ou excludente do capitalismo americano e todos os fluxos tecnológicos, financeiros e comerciais que possam ser estabelecidos entre os dois países. No plano militar, algo semelhante deve ocorrer: ou seja, não vejo nossa defesa nacional como excludente ou oposta aos interesses nacionais americanos, na medida em que nenhum dos países alimenta propósitos a qualquer título marcados pela animosidade em relação ao outro.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de agosto de 2008

Diplomacia e Forças Armadas: o quadro sul americano

Mais um desses questionários de pesquisa, desta vez feita para uma mestranda, cujo resultados, ou cuja dissertação desconheço.

Diplomacia e Forças Armadas: percepções de ameaças no entorno brasileiro
Respostas fornecidas por
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 9 de setembro de 2008)
a questionário submetido no quadro de pesquisa para dissertação de mestrado.

ENTREVISTAS PARA A DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
- Ministro Paulo Roberto de Almeida

Nota preliminar PRA: As respostas abaixo consignadas expressam um pensamento estritamente pessoal e posições próprias, baseadas muito mais no estudo acadêmico das questões referidas ou em experiência concreta de vida, do que propriamente o contato no plano profissional com os problemas abordados. Nunca trabalhei, institucionalmente, nessas áreas, assim que nenhum dos argumentos ou opiniões expostos no presente questionário pode ser considerado como representando posições ou políticas das entidades às quais estou associado, em especial no que se refere ao Itamaraty.

- Informações preliminares sobre a tese:
1. (...)
2. O que se pretende: analisar as percepções das Forças Armadas e da Diplomacia de ameaças no entorno brasileiro, considerando as transformações ocorridas, na área de segurança e defesa, no sistema internacional na década de 90 e no impulso dado à integração do Brasil com seus vizinhos a partir da constituição do Mercosul, em 1991; bem como verificar se há – e quais – os canais – formais e informais – de interlocução entre esses dois atores.
3. Espaço geográfico do estudo: região andino-amazônica.

- Indagações:

1. Qual a leitura do MRE sobre as possíveis ameaças à segurança e defesa do Brasil?
PRA: Desconheço qualquer documento de “planejamento” ou de “doutrina” do MRE que trate de forma abrangente ou sequer sintetize o quadro da segurança e defesa, tema normal e tradicionalmente afeto aos ministérios militares, atualmente ao Ministério da Defesa. Existem documentos diplomáticos que mencionam o tema, no quadro do relacionamento político-diplomático mantido com países vizinhos e com o mundo como um todo.
Seria preciso, em primeiro lugar, ver a questão na perspectiva histórica, que evoluiu do antigo cenário de competição com a Argentina no cenário regional (anos 1945-1970) e de ameaças representadas por supostas tentativas de “subversão comunista” (patrocinadas pela ex-URSS, pela China ou por Cuba), para ameaças mais difusas, podendo inclusive estar identificadas com a “hiperpotência imperial”, supostamente aliada naquela conjuntura.
No cenário geopolítico pós-Guerra Fria, essas percepções devem ter sofrido mudanças correspondentes, ao que se poderia agregar a capacitação econômica, industrial e tecnológica – com seus reflexos militares – do Brasil no período pós-1970, quando a suposta “ameaça” argentina se tornou profundamente abstrata. O processo bilateral de integração, a partir de meados dos anos 1980, pode ter sepultado politicamente qualquer hipótese de conflito, mas é de se presumir que os militares, estrito senso, não deixaram de manter os mesmos cenários de defesa quanto a uma possível “invasão a partir do Sul”.
Mais recentemente, os militares devem ter mudado seus cenários de defesa, para levá-los ao Norte, mais concretamente para a Amazônia, supostamente ameaçada por uma combinação estranha de guerrilheiros narcotraficantes e de forças regulares de países (não se diz qual) vizinhos, apoiados por uma grande potência (presumivelmente os EUA). A internacionalização da Amazônia parece constituir o presente passatempo dos cenários da defesa brasileira, junto com ameaças difusas em nossas costas.
Do ponto de vista do Itamaraty, as ameaças são derivadas da instabilidade política regional, com possíveis focos de conflitos internos aos países que possam extravasar para o Brasil, sem ameaças diretas, mas conseqüências indiretas em termos de tropas ou forças irregulares circulando ilegalmente pelo território brasileiro ou trazendo os problemas associados (tráficos diversos, inclusive de armas, refugiados e outros crimes comuns).
Nem o MRE, nem os militares parecem considerar o tráfico de drogas como uma ameaça militar, ou à defesa do Brasil, confinando esse problema à esfera policial. Os militares tem respondido negativamente a todas as sugestões americanas para um maior envolvimento das FFAA do Brasil no combate ao tráfico de drogas. Registre-se que essas ameaças, reais ou percebidas como tais, estão quase todas confinadas à região andina-amazônica.
Mais recentemente, se passou a aventar a vulnerabilidade da chamada “Amazônia azul”, com hipotéticos ataques às plataformas de petróleo ou desafios à soberania nacional no que tange os recursos naturais da zona econômica exclusiva. Como no caso da fronteira Sul, ou da suposta internacionalização da Amazônia, as alegações em torno dessa vulnerabilidade devem ser maiores do que a realidade, o que não elimina, no entanto, a possibilidade de que desafios possam surgir também nessa enorme fronteira marítima, passo preliminar para se recomendar o acréscimo de embarcações de patrulha e dissuasão.
De forma geral, as ameaças potenciais à segurança do Brasil tem sido percebidas, tanto por diplomatas como por militares, como derivando de quadros agudos de instabilidade político-social em países vizinhos, ou então de conflitos localizados e remanescentes de fronteiras – como no caso Peru-Equador – para o que se requer um conjunto de ações de consulta e coordenação com as partes interessadas e eventual apelo aos órgãos de manutenção da paz e da segurança (OEA e ONU). Nesse caso, percebendo que seus interesses podem vir a ser afetados, direta ou indiretamente, tanto os diplomatas como os militares não têm hesitado em propor a participação do Brasil em operações de manutenção da paz, o que pode alcançar inclusive situações fora do âmbito regional (África, por exemplo). São inúmeros os exemplos de participação do Brasil em operações típicas de peace-keeping (nenhuma de peace-making até o momento), culminando com a chefia da Minustah (Haiti). Mas, também existem exemplos de mediação e bons ofícios, como aquela exercida oficialmente no quadro do processo de paz entre o Peru e o Equador (1996-98).

2. Que postura tem sido adotada em relação a essa percepção de ameaças? Há ações concretas em andamento? Quais?
PRA: Como as ameaças supostas contra o próprio Brasil são difusas, suponho que as respostas envolvam uma combinação de cenários estratégicos e táticos de preparação para a defesa. Ou seja, manutenção de algumas forças no Sul do País, inclusive por razões históricas e no caso de alguma mudança no cenário político sub-regional; deslocamento de forças e equipamentos para o Norte, nas fronteiras amazônicas, com treinamento de combate na selva, mais para efeitos dissuasórios do que propriamente para a hipótese de grandes enfrentamentos militares; preparação tecnológica e adestramento nos novos ambientes de conflitos possíveis. Deve-se ressaltar que essas ações são tipicamente militares, cabendo ao MRE tão somente o acompanhamento dos temas nos planos regional e multilateral.
Mais recentemente, o MRE envolveu-se com a preparação da proposta de constituição de um Conselho Sul-Americano de Defesa, a ser criado como instância de consulta e coordenação no âmbito da Unasul, a União das Nações Sul-Americanas, criada em Brasília, em 23 de maio de 2008. O Itamaraty também acompanha a discussão dos temas de segurança e estabilidade internacional nos âmbitos hemisférico (OEA e Junta de Defesa) e multilateral (ONU, CSNU e órgãos especialmente criados por resolução do CSNU para atuar em casos tópicos).
No âmbito mais geral, o Brasil tem se envolvido em operações autorizadas pela ONU, nas quais a coordenação entre militares e diplomatas é de regra. Existe um observador militar permanente na Missão do Brasil junto à ONU em Nova York.

3. Em que medida essa percepção é compartilhada com o Ministério da Defesa?
PRA: Existem consultas freqüentes entre os dois ministérios, embora isso deva ocorrer mais de forma ad hoc, do que de maneira institucionalizada. Nesses encontros são intercambiadas idéias, opiniões, informações e feitas consultas sobre possíveis linhas de ação conjunta, ou seja, ação diplomática respaldada por atuação militar ou vice-versa. Supõe-se que, com a formalização do Conselho Sul-Americano de Defesa, em algum momento no futuro próximo, essas consultas venham a se tornar oficiais, regulares e institucionais.
No plano das percepções, terá de haver alguma adaptação de ambos os lados à nova doutrina brasileira de defesa, em curso de elaboração pelo Ministério da Defesa com a participação do Ministro de Assuntos Estratégicos. Possivelmente, a nova doutrina vai gerar novos insumos para reflexão e atuação conjunta.

4. Há alguma ameaça que possa vir a demandar o emprego das Forças Armadas do Brasil?
PRA: Nenhuma ameaça de ataque direto ao Brasil em grande escala, em minha visão pessoal, mas podem surgir situações de crises, e até escaramuças, nas proximidades do Brasil, derivadas de quadro político-institucional de instabilidade em países vizinhos, que exijam alguma preparação das FFAA no terreno.
Não vejo nenhuma outra ameaça potencial significativa, mas a percepção dos militares é obviamente diferente, pois eles partem da suposição que sempre podem surgir focos de ameaça à soberania e à segurança do Brasil. Eles estariam localizados, primordialmente, na região Amazônica e na franja costeira marítima, mas hesito seriamente em designar qualquer possível fonte de ameaça concreta. Não vejo nenhuma possibilidade de contestação das fronteiras nacionais por algum vizinho regional, assim como não antevejo nenhum motivo realista para algum processo ofensivo de qualquer potência militar de primeira grandeza contra o Brasil.
Não obstante, a preparação adequada das FFAA armadas sempre será uma exigência incontornável, segundo as percepções dos próprios militares. Ou seja, o Brasil continuará a manter o aparato completo – ainda que subequipado e fracamente treinado – de FFAA, para um emprego em situações ditas “clássicas” de defesa.
Pessoalmente, considero remota qualquer hipótese de emprego das FFAA em situações “clássicas” de defesa do território brasileiro, cabendo então a hipótese do seu emprego em operações de “imposição da paz” sob cobertura de resolução do CSNU. Nessa hipótese, talvez a preparação e os equipamentos das FFAA tenham de ser adaptados e adequados às situações possíveis em conflitos fora do território brasileiro, o que exigiria outro tipo de adestramento e concepção de cenários de conflito.

5. Há convergência na construção das políticas externa e de defesa? Há integração entre as duas políticas ou influência de uma sobre a outra? Em que medida consultas são feitas um ao outro?
PRA: Minha percepção pessoal é a de que essa interação é tênue e no máximo de deferência recíproca, com muita pouca convergência real de percepções comuns quanto às ameaças credíveis. Nessas condições, o espaço para a construção de políticas comuns de defesa ou de relações exteriores é muito limitado, havendo sempre o cuidado de “não-ingerência” nos assuntos do outro ministério.
Os dois ministérios parecem seguir mais em vias paralelas, com algumas pequenas sinuosidades de parte ou outra, mais do que por um caminho comum. As consultas existem, podem até ser freqüentes, mas concepções comuns podem estar ainda distantes, o que não é uma característica unicamente brasileira.
Os acordos e convergências entre os dois órgãos tendem a ser mais freqüentes em torno de assuntos concretos, como podem ser as operações de manutenção da paz nas quais o Brasil decide participar. O entendimento, nesse caso, passa a ser obrigatório, do contrário o exercício poderia redundar em fracasso. Ainda aqui, podem surgir divergências, presumivelmente quanto ao espaço de ações propriamente militares e outras de cunho civil (segurança pública, reconstrução, etc.).

6. Há alguma área no MRE responsável pela interlocução com os militares (MD e Forças Armadas)? Qual? Por meio de que outros canais esse diálogo é realizado?
PRA: Sim, existe uma Assessoria Especial na Secretaria-Geral, (...). Ademais, existe no organograma do MRE, uma Secretaria de Planejamento Diplomático (SPD), (...). Acredito que um dos dois pode responder melhor do que eu às indagações feitas neste questionário.
Os demais canais existente são ao nível das chefias (ministro de Estado e SG, quando se impõe a necessidade de consultas políticas) e, no plano técnico-operacional, com as áreas encarregadas de temas específicos (DNU, para o CSNU, e áreas geográficas, para o tratamento de problemas de âmbito regional ou operações de paz em outros continentes).

7. Qual o papel do MRE na Defesa Nacional?
PRA: Subsidiário, mais preventivo e apaziguador, do que propriamente operacional. Em todo caso, países importantes no cenário estratégico mundial devem, supostamente manter perfeita coordenação entre os dois serviços para assegurar plena defesa nacional. O papel clássico do MRE é, primariamente, o da informação, ou seja, subsidiar o presidente e os demais ministros com dados relevantes do cenário internacional e no plano bilateral afetos às responsabilidades desses ministérios.No caso da defesa, se pode ir além da informação, no sentido da elaboração de análises fundamentadas sobre grandes questões estratégicas do cenário internacional e de segurança e a interação entre FFAA nacionais, ademais de observações sobre alianças militares e evolução tecnológica nesse terreno.

8. De que forma as Forças Armadas podem auxiliar a diplomacia e contribuir para respaldar a posição internacional do Brasil?
PRA: Nos temas que envolvem defesa da soberania nacional – fronteiras, preservação dos recursos naturais, abastecimento energético e segurança das linhas de comunicação – as FFAA sempre constituem o respaldo implícito da ação diplomática. Não se espera que elas sejam chamadas a agir, pois isto representaria, precisamente, o fracasso da diplomacia, mas elas devem estar presentes, por suposição, em qualquer negociação envolvendo aquele tipo de tema sensível. Elas também podem recomendar cursos de ação diplomática que tenham implícita alguma ação militar possível, indicando como e em que condições elas poderiam ser chamadas (ou não) a atuar em relação a um determinado dossiê. Em outros termos, a ameaça – que precisa ser credível – do uso eventual da força também pode ser um recurso diplomático, a ser usado de forma discricionário no curso de uma negociação.

9. Nos fóruns em que o Brasil se faz representar por seu chanceler, há congruência de posições da diplomacia e das Forças Armadas (neste caso, quais fóruns?) ou é a expressão apenas do pensamento do MRE?
PRA: Esta questão é muito dependente do caso em questão. Ou seja, não há uma resposta teórica a esse tipo de problema. Se o Brasil está representado pelo chanceler é porque a ação requerida possui um cunho essencialmente diplomático, do contrário estariam sendo conduzidas consultas envolvendo diplomatas e militares, para depois se tomar a decisão, pelo presidente, de como encaminhar determinado dossiê. Fóruns de caráter consultivo no plano da segurança deveriam envolver, em princípio, a presença conjunta do chanceler e do titular da Defesa, como poderá ser o caso do Conselho Sul-Americano de Defesa. Aliás, o projeto de Estatuto do CSAD prevê tão somente a participação dos ministros de Defesa, o que me parece restritivo, uma vez que questões de defesa não são apenas necessariamente militares.

10. Há algum texto - discurso, palestra, artigo - ou publicação referente ao assunto em tela a que eu pudesse ter acesso?
PRA: Não tenho registro, por não acompanhar o tema diretamente, da existência desse tipo de material, que certamente deve existir. Seria o caso de efetuar uma consulta às publicações oficiais do MRE e consultar os responsáveis pela área, acima indicados.

11. Há alguma outra autoridade que o senhor indicaria para essas entrevistas?
PRA: Assessorias internacionais, de cooperação e de estudos do Ministério da Defesa e das forças singulares. Não disponho, todavia, dos nomes correspondentes.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de setembro de 2008

Diplomacia Sul-Sul do governo Lula: mais um questionario de pesquisa

Como nos casos anteriores, postados aqui de forma algo errática, se trata de respostas a questionário de pesquisa que podem apresentar algum interesse para outros estudiosos do assunto. Não tenho por que esconder minha opinião em temas que interessam a todos, inclusive a mim, como cidadão, com a nota de caução que eu não participei da formulação e execução de nenhuma política externa neste governo.
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia Sul-Sul do Governo Lula: um questionário de pesquisa
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário colocado por pesquisadora francesa
(29.05.2009)

Questions:
1- Quelle est votre vision de la politique Sud-Sud de l'actuel gouvernement?
PRA: Trata-se, de um lado, de uma saudável diversificação da política externa brasileira e, de outro, de uma impulsão propriamente política, motivada pelas posições partidárias do principal partido de sustentação do Governo, o Partido dos Trabalhadores, que mantém a concepção de que o mundo pode ser transformado por uma ação conjunta, coordenada ou combinada de países em desenvolvimento, ou em todo caso, de países não hegemônicos. Responde, portanto, tanto a critérios de expansão dos interesses brasileiros no plano internacional, como a uma motivação de ordem ideológica que não tem muito a ver com uma análise técnica, ou isenta do sistema internacional: os países em desenvolvimento são considerados como uma espécie de aliados naturais apenas por serem em desenvolvimento, não pelas posições concretas que eles podem assumir em relação a pontos específicos da agenda internacional.
Nesse sentido, pode ser uma ingenuidade política, posto que, no imenso conjunto de países em desenvolvimento, existem, de um lado, democracias consolidadas, economias de mercado, mono-exportadores, aliados ou satélites de países ocidentais, enfim, toda a gama possível de posições políticas, e, de outro lado, ditaduras decrépitas, sistemas corruptos, economias estatizadas ou semi-socialistas, também numa imensa variedade de situações e condições que expressam especificidades políticas próprias a cada um desses países, não havendo razão, portanto, para privilegiar as relações do Brasil com esses países, em detrimento de relações amplas com todos os países que representem ganhos efetivos em várias esferas.
Se a justificativa for a de que se deve diversificar as relações do Brasil, ampliar as relações de comércio, abrir mercados para o Brasil, tudo isso pode e deve ser feito e buscado sem um rótulo especial, de qualquer conotação geográfica que seja. Ganhos relacionais em matéria diplomática devem ser buscados sem nenhuma prevenção política ou ideológica, quaisquer que sejam as coordenadas geográficas dos parceiros. O único critério válido é que a ampliação dessas relações corresponda a um princípio de simples economia de meios, identidade de propósitos, benefícios mútuos, respeito a determinados princípios e valores do Brasil, como o dos direitos humanos, por exemplo. Fazê-lo com uma bússola orientada para o Sul me parece um reducionismo político-ideológico inútil, se não for inócuo.

2- Le dynamisme des liens Sud-Sud aujourd'hui vous semble-t-il plus ancré que lors des années 70-80?
PRA: Sem dúvida que os vínculos de toda ordem entre países do hemisfério sul (num sentido mais político do que geográfico) cresceram muito nas últimas décadas, mas isso corresponde à crescente interdependência econômica do mundo, um momento natural que tende a unir países, mercados, capitais e fluxos de bens e serviços de toda ordem. No passado, no âmbito de movimentos políticos (Movimento dos Não-Alinhados) ou de organizações econômicas (Unctad, por exemplo) houve todo um apelo a esse tipo de vinculação, união, intensificação de intercâmbios, sem que na prática a realidade mudasse muito, ainda que esse tipo de movimento ou dinâmica fosse basicamente positivo.
Mas, foi no bojo dos processos de globalização e de regionalização que essa aproximação se deu, no período recente, sem muito comando estatal, ainda que o número de acordos de liberalização comercial tenha aumentado visivelmente. Mas, acordos são entendimentos ou arranjos políticos negociados por governos, ao passo que todos esses vínculos se dão, em sua maior parte, na esfera dos negócios privados, salvo alguns exemplos de comércio estatal (não relevantes para efeitos globais). O processo corresponde à diversificação crescente das economia do Sul, barateamento de transportes e comunicações entre eles (o que é, basicamente um efeito da globalização) e o aparecimento de empresas de grande porte que buscam novas oportunidades de mercados e de investimentos em países contíguos, vizinhos geográficos.

3- Quelle est l'utilité des sommets de Chefs d'Etat?
Podem servir para aplainar algumas arestas e facilitar negócios, além de permitir a criação de laços de confiança entre os países. Sempre é útil o diálogo e o estreitamento de relações entre os países e economias, pois os benefícios das interações são inegáveis, em termos de comércio, tecnologia, enriquecimento cultural, turismo, etc. Ninguém pode ser contrário à ampliação desses vínculos, pela simples razão de que os países e os povos sempre se beneficiam com eles.
Deve-se contudo apontar um perigo parcial derivado do excesso de conferências de cúpula: ao colocar os chefes de Estado na primeira linha das discussões bilaterais ou plurilaterais, corre-se o risco de que certas decisões ou escolhas sejam feitas ou tomadas sem o necessário trabalho técnico preliminar de identificação de possibilidades, problemas ou limites de eventuais acordos alcançados politicamente entre os chefes de Estado. Fica difícil recuar depois de algum acordo no mais alto nível, se por acaso, um exame técnico revelar dificuldades para uma das partes.
Por isso, toda e qualquer reunião desse tipo deve ser precedida de cuidadosa preparação, em nível técnico-diplomático. Apenas depois que todos os aspectos dos eventuais acordos incluídos na agenda estiverem mapeados e identificados em seu impacto domestico, devem os chefes de Estado concluir acordos. Eles podem e devem intervir apenas na última etapa, para dar sua aprovação final. Mesmo quando essas reuniões servem, no plano intermediário, para aplainar dificuldades, cabe zelar para que os chefes de Estado tenham um quadro completo dos elementos difíceis no agenda em questão. Em outros termos, a super-exposição dos chefes de Estado pode revelar-se problemática para um país determinado.

4- N'y-a-t-il pas une tension entre la volonté brésilienne de représenter la voix du Sud et le désir brésilien de vouloir participer aux forums restreints de la scène internationale? (G-20 F, G-8+5)
PRA: Pode haver, mas uma diplomacia habilidosa pode facilmente conciliar essas questões. Não há nenhuma fatalidade em pertencer ao Sul, se essa designação representar economia atrasada, em desenvolvimento, pobre ou carente de recursos ou tecnologia. Num plano puramente material, todos os países devem buscar aceder a um status superior de progresso técnico e de bem estar, geralmente identificados com os países do Norte. Considerar que o mundo deva estar eternamente dividido entre Norte e Sul representa não apenas uma miopia diplomática, mas também um erro político e econômico tremendo, pois o objetivo final deve ser sempre o da unificação planetária, ou seja, a crescente equalização de condições e de oportunidades para todos os países.
Se um país como o Brasil acede a esses foros restritos é porque ele PE importante o suficiente para fazê-lo e que sua participação se traduzirá em benefícios para o seu povo. Assim, recusar essa participação apenas em nome de um pertencimento ao chamado Sul, ou em nome de uma ilusória liderança desse grupo, seria não apenas uma estupidez, mas um crime contra o seu próprio povo.

5- Plus le Brésil s'engage dans les affaires internationales comme au Moyen-Orient, plus ne se trouve-t-il pas confronter à devoir faire des choix diplomatiques dans ses prises de position?
PRA: Certamente: todo e qualquer país que se engaja em novos terrenos de ação diplomática tem de ter consciência de suas possibilidades e limites, e assumir novas responsabilidades em função de sua capacidade de influenciar ou contribuir para a solução de algum problema determinado. No caso do Oriente Médio essas escolhas são certamente difíceis, pois os problemas são complexos e as soluções têm de passar, por vezes, por construções politicamente inovadoras, na medida em que a cristalização de ódios e acrimônias é ali muito visível.
Existem injustiças visíveis, assim como existem ações inaceitáveis, como as do terrorismo, que confronta nossas consciências e valores. O Brasil tem de saber se posicionar em face dessas questões, preservando sua credibilidade construída numa longa história de defesa de princípios democráticos e valores humanistas.

Paulo Roberto de Almeida, 29.05.2009