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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O pensamento estrategico de Varnhagen - Paulo Roberto de Almeida

Antecipo aqui, por razões de viagem, o texto completo de meu ensaio sobre o historiador-diplomata, aos 200 anos de seu nascimento, ensaio que está sendo publicado em duas partes pelo boletim Mundorama. Parte do texto deve integrar ensaio maior que estou preparando sobre o mesmo tema-título, destinado a um livro coletivo sobre o personagem.


O pensamento estratégico de Francisco Adolfo de Varnhagen

Paulo Roberto de Almeida

A data de 17 de fevereiro de 2016 marca o ducentésimo aniversário do nascimento do diplomata, homem público e patrono da historiografia brasileira Francisco Adolfo de Varnhagen, nascido nesse dia de 1816 em Sorocaba, SP. Filho de um engenheiro alemão, que tinha vindo ao Brasil logo após a transferência da corte portuguesa para iniciar a fundição de ferro no país, ele se formou em Portugal, para onde tinha ido com oito anos; concluiu o curso de engenharia militar em 1834. Desde cedo, inclinou-se para os estudos de história; suas pesquisas na Torre do Tombo permitiram-lhe a identificação de Gabriel Soares de Sousa como o autor do até então anônimo Roteiro do Brasil, a primeira descrição dos domínios portugueses nas Américas, o que lhe valeu ser aceito na Real Academia de Lisboa, em 1838. Dois anos depois decidiu voltar ao Brasil, tendo sido aceito no recém fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em 1841, por decreto imperial tornou-se novamente cidadão brasileiro e, incorporado ao corpo diplomático, foi indicado para levantar documentos relativos à América portuguesa, nos arquivos coloniais portugueses e espanhóis.
Varnhagen pode ser considerado um ideólogo, no bom sentido da palavra, desses que estão sempre pensando nos problemas do país e propondo respostas aos desafios do momento e também imaginando reformas que pudessem preparar a nação a enfrentar os problemas do presente e do futuro, ou seja, os decorrentes de desafios especialmente complexos e que implicam reformas de maior profundidade. Nessa concepção, pode ser visto igualmente como um doutrinário, uma vez que ele exibia, desde o momento em que se tornou brasileiro, por decreto imperial, concepções bem fundamentadas sobre como deveria orientar-se o Brasil em seu itinerário “civilizatório”, o que na época significa aproximar-se o mais possível do modelo europeu. Arno Wehling, o grande especialista contemporâneo na vida e na obra do historiador-diplomata, e que o designa como publicista e pensador político, prefere caracterizá-lo como um liberal dotado de um “conservadorismo reformador” (2013c: 160).
Mas poderia ele ser também considerado um pensador estratégico? Ou até mesmo um estadista? Tinha ele os requisitos intelectuais ou as condições institucionais para se exercer como tal? Em que medida o seu pensamento – que se manifestou nas entrelinhas de todos os seus escritos históricos, e mais diretamente em seus textos programáticos – foi, ou era, verdadeiramente estratégico? Que papel lhe coube na construção da nação desde o início do Segundo Reinado? Influenciou ele políticas de Estado, ou de governo, imprimiu suas concepções em decisões das autoridades políticas, na diplomacia ou em outras esferas da vida pública?
Que Varnhagen tenha sido um “cortesão”, no sentido aproximado da palavra, disso não cabem dúvidas; que ele tenha sido um áulico é menos seguro, pois que ele passou a maior parte da sua vida ativa, no exterior, recebendo instruções em lugar de formular ele mesmo diretivas para determinadas orientações da política exterior, embora tenha tentado algumas vezes: em determinadas questões do Prata, em especial quanto ao Paraguai, ou na postura que o Império deveria seguir em relação à guerra civil americana, por exemplo, ou no tocante ao “império” dos Habsburgos no México. A maior “fração” de sua influência eventualmente “estratégica” se deu através de seus poucos escritos programáticos e de sua obra historiográfica, que permaneceu influente por quase um século, e até hoje reverenciada no âmbito do IHGB, sem esquecer sua intensíssima e prolífica correspondência com grandes personagens do Império, a começar pelo próprio Imperador.
Aliás, chama-lo de “pai da historiografia brasileira” é apenas parcialmente correto, se entendermos por historiografia uma atividade de reflexão sobre como os historiadores descrevem o passado, em contraste com a própria descrição desse passado. Varnhagen certamente procedeu à crítica dos historiadores de sua época – poucos nacionais, vários estrangeiros – mas o que ele fez, verdadeiramente, foi escrever sobre esse passado histórico a partir de documentos primários, que ele compulsou de maneira pioneira, como poucos antes ou depois dele. Varnhagen foi básica e essencialmente um historiador, um construtor de relatos históricos sobre o Brasil colonial, até a conquista da independência, e apenas secundariamente um analista crítico de outros historiadores (como Rocha Pita, por exemplo), tanto porque, antes dele, quase não havia historiadores brasileiros ou do Brasil. O récit historique, o racconto storico, chez Varnhagen, sobrepuja, em muito, a crítica da historiografia de sua época, até então dominada pelos cronistas dos événements courants e por alguns poucos estrangeiros: os britânicos Southey e Armitage, o francês Ferdinand Dénis e o alemão Handelman, por exemplo. Ele incorpora a suas obras observações pertinentes sobre os próprios personagens históricos, que aliás ele se permite corrigir em vários pontos de detalhe, seja de geografia, seja de relato mesmo. Ele citava abundantemente todos os cronistas seus antecessores, assim como os muitos pasquins do Primeiro Reinado, ao reconstituir rigorosamente os movimentos políticos – os da maçonaria, por exemplo – que acabaram redundando na independência do Brasil.
O trabalho historiográfico e de historiador de Varnhagen está suficientemente coberto por inúmeras teses universitárias, no terreno dessa mesma disciplina (ou até no da filosofia da História), bem como, principalmente, por diversos historiadores de renome, desde Capistrano e Oliveira Lima, até Nilo Odália e Arno Wehling, este o grande intérprete e examinador do homem e da obra. Seu pensamento estratégico se situa na linha de José Bonifácio e de Hipólito José da Costa, ainda que Varnhagen se enquadraria mais exatamente na categoria de historiador dotado de visão estratégica, mesmo reconhecendo que sua influência direta nas políticas de Estado, ou nas ações de outros estadistas do Império, foi reduzida ou relativamente limitada; ele teve um papel bem mais preeminente no próprio pensamento histórico e historiográfico das décadas seguintes à publicação de suas principais obras, até praticamente as grandes revisões intelectuais que começaram a serem feitas nas humanidades a partir do entre-guerras.
Varnhagen impactou o pensamento historiográfico nacional durante mais de meio século, e todos os homens de Estado, parlamentares, magistrados, diplomatas, acadêmicos e os membros cultos da sociedade, ou seja, praticamente a integralidade da elite brasileira, passou a oferecer um relato da história do Brasil com base no seu magnum opus de pesquisa historiográfica. Em vida, ele publicou apenas duas edições da História Geral do Brasil antes de sua separação e Independência de Portugal (Madri, 1854-1857; 1877), mas já a terceira vinha anotada por ninguém menos do que o célebre Capistrano de Abreu, que corrigiu, em 1906, pontos de detalhe do relato de Varnhagen, mas manteve intata a estrutura da obra. Ela já tinha passado também pelas mãos de Paranhos Jr., que anotou pessoalmente a primeira edição, depois conservada no acervo do Ministério das Relações Exteriores. Vinte anos depois Rodolfo Garcia, ultimou essa terceira edição e a publicou com as notas de Capistrano e as suas próprias. Cinco edições integrais (seis do primeiro tomo da obra), em cinco volumes, foram editadas até meados dos anos 1950, sob os cuidados da Companhia Melhoramentos de São Paulo. Um sexto volume, com as muitas notas de Rio Branco, as de uma comissão do IHGB, e do novo editor, o historiador Hélio Vianna, tratando exclusivamente da História da Independência do Brasil, que Varnhagen estava preparando até o final de sua vida, foi finalmente publicado em 1916, aos cuidados do IHGB, no tomo LXXXIX, vol. 133, de sua Revista. Hélio Vianna, ele mesmo um grande didático da história do Brasil, encarregou-se de preparar novas edições pela Melhoramentos, que continuaram sendo publicadas até os anos 1960 e mesmo até o início dos 1980, quando o pensamento historiográfico já se tinha consideravelmente afastado dos cânones sob os quais ele trabalhava. Mas foram essas obras que impregnaram a mentalidade das elites brasileiras durante várias gerações, cujos argumentos são refletidos no discurso e na ação dos estadistas brasileiros do Segundo Império e das primeiras fases da República.
Mas antes mesmo de concluir a obra que o consagrou definitivamente, História Geral, Varnhagen compôs e publicou, em 1849, na capital espanhola, um opúsculo não assinado, “dado à luz por um amante do Brasil”, pomposamente intitulado “Memorial orgânico que à consideração das assembleias Geral e provinciais do Império apresenta um brasileiro”. Inserida no contexto intelectual da efervescência política das revoluções de 1848 (inclusive em Pernambuco) e das grandes reformas que estavam sendo empreendidas no Brasil em torno do tráfico escravo, dos novos códigos regulatórios nos terrenos comercial e fundiário e dos grandes debates sobre a organização política e administrativa do país, essa obra de um “polígrafo persistente” e de um “conservador reformista e liberal” – como o classifica o presidente do IHGB, Arno Wehling (2013c) – apresenta um enfoque diferente dos demais livros que o identificaram como o grande historiador da nacionalidade e da identidade do Brasil. Mas ela apresenta uma mesma visão do mundo: um entranhado patriotismo, um engajamento no processo de reformas tendentes a “civilizar” o Brasil, e a consciência – a despeito de ser um liberal e propugnador da iniciativa privada na área econômica – de que o Estado tinha um papel a cumprir como promotor de grandes obras de organização nacional, nomeadamente no terreno da infraestrutura e da defesa.
Foi nesse contexto que ele propôs, a partir da identificação dos grandes problemas brasileiros de sua época, um conjunto de reformas de cunho estrutural, entre elas a transposição da capital do Império para o planalto central, sugestão que já tinha sido formulada por pensadores e estadistas do porte de Hipólito da Costa e José Bonifácio. Esta é, no entanto, apenas uma dentre as seis “soluções estratégicas” aos problemas que Varnhagen identificou no Brasil do início do Segundo Império, e que ele pretendia “corrigir”, sempre no sentido de “civilizar o Brasil” segundo um modelo europeu de organização política e administrativa. Por que Varnhagen o fez? Pela simples constatação, evidenciada numa dissertação de mestrado defendida em 2009 na PUC-Rio, de que, passado um quarto de século depois da independência, o Brasil permanecia numa situação praticamente colonial, ou seja, um mero exportador de matérias primas, sem qualquer desenvolvimento aparente: “Varnhagen está alertando que o Brasil encontra-se estacionado no tempo...” (Janke, 2009: 28). O historiador Arno Wehling, que preparou uma edição anotada e atualizada ortograficamente do Memorial, resume as propostas de Varnhagen numa tabela de seu ensaio:

Memorial Orgânico, de Francisco Adolfo de Varnhagen (1849)
Problemas
Motivos
Solução
Limites por definir com nove países
Indefinição das fronteiras
Negociações bilaterais
Capital litorânea
Deslocada em relação ao país, sem boas fortificações
Capital no interior do país
Escassez de comunicações e de mercado interno
Insuficiente ação provincial e inexistência de ação nacional
Articulação de comunicações e rotas comerciais (ferrovias)
Divisão de províncias do Império
Desigualdades regionais, ênfase no litoral, sem desenvolvimento nas províncias do interior, tributação irracional
Redivisão territorial, com critérios de equilíbrio e equivalência (departamentos)
Fragilidade da defesa do país
Ausência de pensamento estratégico para a defesa
Maior alocação de recursos, identificação de pontos cruciais, territórios militares
Heterogeneidade da população
Extensão da escravidão africana, forte contingente de índios não aculturados
Colonização indígena e europeia, proteção no cruzamento de raças
Fonte: Wehling, 2013c: 174.

A proposta relativa ao deslocamento da capital do Império para o interior do país e sua localização na confluência das três bacias hidrográficas que possuem nascentes naquela região foi ainda retomada, anos mais tarde, e depois de uma penosa viagem a cavalo em direção das paragens do planalto central que ele julgava mais adequadas à instalação da nova cidade, num livreto de 32 páginas intitulado A questão da capital: marítima ou interior (Viena, 1877), no qual Varnhagen reuniu todas as informações coletadas e os argumentos de que necessitava para reforçar seus pontos de vista. Sua visão pragmática foi a de um pioneiro absoluto, traçando a rationale para a interiorização do país e para a criação da nova capital que seria seguida um século depois por esse outro grande estadista que foi Juscelino Kubitschek. Mas Varnhagen foi muito mais do que um visionário; ele foi um intelectual-estadista que traçou, em seu Memorial um verdadeiro programa nacional de desenvolvimento.
Tomando como ponto de partida esse “planejamento estratégico”, concebido por Varnhagen com apenas 34 anos de idade, num texto que permaneceu relativamente obscuro após 1851 (quando finalmente foi publicado sob o seu nome), é possível traçar um novo Memorial para a reforma da nação, com base na mesma metodologia que Varnhagen desenvolveu entre 1849 e 1850, qual seja, uma primeira parte de “enunciados” dos problemas, uma segunda de “justificativas” dos problemas detectados, e uma terceira de propostas de soluções ou “remédios”.

Memorial Pragmático de Reforma da Nação (2016)
Problemas
Motivos
Solução
Retrocesso econômico, desorganização produtiva
Desindustrialização,  exportações de commodities
Esforço concentrado em ganhos de produtividade
Descolamento dos mercados internacionais
Perda de competitividade por excesso de tributação
Reforma tributária, redução da carga fiscal, globalização
Deficiências de infraestrutura
Inexistência de ação estatal por inépcia e falta de recursos
Privatização extensiva em todas as áreas de logística
Desigualdades regionais persistentes
Políticas de “desenvolvimento regional” baseadas em induções equivocadas
Atendimento das vantagens comparativas ricardianas nas especializações regionais
Fragilidade da defesa do país
Inadequações do pensamento estratégico para a defesa; autonomia sem base no PIB
Maior alocação de recursos, mas busca de sinergias na cooperação com aliados
Heterogeneidade da população em termos de capacitação profissional
Deficiências graves na qualidade da educação de base; professores ineptos
Reforma radical do ensino público; acolhimento de imigrantes
Fonte: Paulo Roberto de Almeida, inspirado no Memorial Orgânico de Varnhagen.

Aparentemente, os problemas atuais do Brasil são quase os mesmos de 165 anos atrás; as soluções também muito se parecem. Faltam, porém. os estadistas...

Referências bibliográficas:
Centro de História e Documentação Diplomática (2005). A missão Varnhagen nas repúblicas do Pacífico: 1863 a 1867. Rio de Janeiro: Fundação Alexandre de Gusmão, 2 vols.
Fleury, Renato Sêneca (1978). Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro: biobibliografia do Pai da nossa História. Rio de Janeiro: Edição do Autor.
Fontes, Armando Ortega (1945). Bibliografia de Varnhagen. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, Comissão de Estudo dos Textos da História do Brasil.
Guimarães, Lucia Maria Paschoal; Glezer, Raquel (cords.) (2013). Varnhagen no Caleidoscópio. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes.
Horch, Hans (1982). Francisco Adolfo de Varnhagen: subsídios para uma bibliografia. São Paulo: Editoras Unidas (505 trabalhos arrolados).
Janke, Leandro Macedo (2009). Lembrar para Mudar: O Memorial Orgânico de Varnhagen e a Constituição do Império do Brasil como uma Nação Compacta, Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado defendida na PUC-Rio, orientador: Ilmar Rohloff de Mattos (disponível: http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=15063@1; acesso em 20/12/2015).
Lessa, Clado Ribeiro de (org.) (1961); Varnhagen, Francisco Adolfo de. Correspondência Ativa. Rio de Janeiro: INL.
Odália, Nilo (1997). As Formas do Mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e Oliveira Vianna. São Paulo: Fundação Editora da Unesp.
Santos, Evandro (2014). Ensaio sobre a constituição de uma ética historiográfica no Brasil oitocentista: Francisco Adolfo de Varnhagen, o historiador no tempo. Porto Alegre: Tese de Doutorado em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; orientador: Dr. Temístocles Cezar (disponível: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/114431/000951506.pdf?sequence=1; acesso em 16/01/2016).
Sousa, Gabriel Soares de; Varnhagen, Francisco Adolfo de (1987). Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 389 p. (Brasiliana n. 117).
Varnhagen, Francisco Adolfo (1849). Memorial Organico que a consideraçam das assembleas Geral e provinciaes do Imperio apresenta um brasileiro. Por um amante do Brasil. [Madrid:] 51 p.; edição do IHGB: Memorial Orgânico. IN: Vida e Obra de Varnhagen, Revista do IHGB, volumes de 223 a 227. Rio de Janeiro, 1954 e 1955 (resumo das partes relativas à transferência da capital, neste link: http://doc.brazilia.jor.br/HistDocs/Relatorios/1849-Varnhagen-Memorial-Organico-1.shtml; acesso em 16/01/2016).
_______ (1854). Historia Geral do Brazil, isto é, do descobrimento deste Estado, hoje imperio independente, escripta em presença de muitos documentos authenticos recolhidos nos archivos do Brazil, de Portugal, da Hespanha e da Hollanda. Por um sócio do Instituto Histórico do Brazil, Natural de Sorocaba. Madrid: vol. I (Imprensa de V. Dominguez), MLCCCLIV; disponível na Biblioteca Brasiliana Mindlin (link: http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01818710; acesso: 5/02/2016).
_______ (1877a). Historia Geral do Brazil, antes da sua separação e independencia de Portugal. Pelo Visconde de Porto Seguro, Natural de Sorocaba. 2a edição. Muito augmentada e melhorada pelo autor. Rio de Janeiro : Em casa de E. e H. Laemmert1877; no verso da folha de rosto: Vienna: Imprensa do filho de Carlos Gerold, 1877; disponível na Biblioteca Brasiliana Mindlin (link: http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01819210; acesso: 5/02/2016).
_______ (1877b). A Questão da Capital: Marítima ou no Interior?. Viena D’Áustria, Imp. do Filho de Carlos Gerold, 1877 (reedição fac-similar: Brasília: Thesaurus, 1978 (Comemorativa do centenário de sua publicação em Viena, Áustria, 1877; reprodução do texto da 2a. edição (1935) do Arquivo Nacional, precedida de um estudo de apresentação de E. D’Almeida Vitor).
_______ (1927). História Geral do Brasil: antes da sua separação e independência de Portugal. São Paulo: Melhoramentos, 3 vols. (diversas edições subsequentes, em vários tomos e volumes, pela Melhoramentos, e em coedição Itatiaia-USP, em 1981, e uma precedente pela Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro, em 1917, 598 p.).
_______ (1957). História da Independência do Brasil: até o reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data. 3a. ed.; São Paulo: Melhoramentos (diversas edições subsequentes, inclusive em 1981, pela Itatiaia-USP).
_______ (1961). Correspondência ativa. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura.
_______ ; Sousa, Gabriel Soares de (1987). Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional (Brasiliana n. 117).
Vieira, Celso (1923). Varnhagen, o homem e a obra. Rio de Janeiro: Álvaro Pinto Editor (conferência promovida pelo Instituto Varnhagen e realizada no Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, em 17 de fevereiro de 1923)
Wehling, Arno (2013a). “Uma proposta para o Brasil em meados do século XIX”, Carta Mensal. Rio de Janeiro: Confederação Nacional do Comércio, julho, p. 3-17.
_______ (2013b). “Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro): pensamento diplomático”, In: José Vicente Pimentel (org.), Pensamento Diplomático Brasileiro: Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964). Brasília: FUNAG, 2013, 3 vols.; ISBN 978-85-7631-462-2; vol. 1, p. 195-226 (disponível: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=507&search=Pensamento+Diplom%C3%A1tico+Brasileiro).
_______ (2013c). “O conservadorismo reformador de um liberal: Varnhagen, publicista e pensador político”, in: Guimarães-Glezer (orgs.), Varnhagen no Caleidoscópio, p. 160-201.
_______ (2002). “Varnhagen: História e Diplomacia”. In: Costa e Silva, Alberto. O Itamaraty na Cultura Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, p. 39-63.
_______ (1999). Estado, História, Memória: Varnhagen e a Construção da Identidade Nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2016

Astronomia moderna, mas na tradicao do despotismo oriental: o maior telescopio do mundo

Imperadores, e outros déspostas, sempre agiram da mesma maneira: é preciso escavar um canal? Expulsem os camponeses do traçado. Vamos abrir avenidas? Derrubem esses hutongs (cortiços). Espaços para escritórios e empresas multinacionais: passem os tratores nesses três quarteirões.
Enfim, quando não há problemas em deslocar algumas milhares de pessoas, tudo avança...
Paulo Roberto de Almeida

9,000 people to make way for huge radio telescope

MORE than 9,000 people in southwest China’s Guizhou Province will be relocated before the completion of the world’s largest radio telescope in September, local authorities said yesterday.
Development of the Five-hundred-meter Aperture Spherical Radio Telescope (FAST), which sits between hills in the rural region, began in March 2011 with an investment of 1.2 billion yuan (US$184.3 million).
On completion, the telescope will be the world’s largest of its kind, overtaking Puerto Rico’s Arecibo Observatory, which is just 300 meters in diameter.
The relocation program was proposed last year at the Guizhou Provincial Committee of the Chinese People’s Political Consultative Conference, according to its secretary-general Li Yuecheng.
Anyone living within 5 kilometers of the telescope will be relocated to create “a sound electromagnetic wave environment,” Li said.
The move will affect 9,110 residents, he said. Each person will receive compensation of 12,000 yuan, with some ethnic minority families getting an additional 10,000 yuan in housing support, the official said.
Wu Xiangping, director-general of the Chinese Astronomical Society, said earlier that the telescope’s high level of sensitivity “will help us to search for intelligent life outside of the galaxy.”
Meanwhile, Chinese scientists said they have developed a system to measure the leak rate for a vacuum environment to be used in the country’s three-step lunar exploration program.
According to researchers at the Lanzhou Institute of Physics under the China Academy of Space Technology, the system will help scientists figure out a better way to preserve samples from the moon.
“The third step of the lunar exploration project involves taking samples from the surface of the moon back to Earth,” said Li Detian, the chief scientist on the research team.
“The samples will be packed in a vacuum environment. The accuracy of measuring the finest leak in a vacuum capsule will have direct impact on the research result of the samples.”
Cheng Yongjun, a member of the team, said the measurement system will ensure a similar vacuum environment as found on the moon for the samples.
It will also make sure that the 2 kilogram samples remain uncontaminated on their way back to Earth, and prevent them from being affected by any kind of environment change, including extremely high and low temperatures.
China has a three-step moon exploration project: orbiting, landing and return. The Chang’e-5 lunar probe is scheduled to be launched in 2017, which will fulfill the final stage of the project.

Prata da Casa, Revista da ADB, 4to trimestre 2015 (atrasado, mas bonito) - Paulo Roberto de Almeida

Depois de certa confusão quanto à ordem de publicação das doze mini-resenhas preparadas para os dois trimestres finais de 2015, finalmente foram publicadas mais quatro no começo deste ano, com data de calendário de outubro-novembro-dezembro. Nesta ordem:


1205. “Prata da Casa, Boletim ADB – 4to. trimestre 2015” [Notas sobre os seguintes livros: 1) Sérgio da Veiga Watson: Reflexões de um civil sobre as Forças Armadas (Brasília: Thesaurus, 2015, 245 p.; ISBN: 978-85-409-0355-5); 2) Abelardo Arantes Jr.: A passagem do neoestalinismo ao capitalismo liberal na União Soviética e na Europa Oriental (Brasília: Funag, 2015, 533 p.; ISBN: 978-85-7631-549-0; Coleção relações internacionais); 3) Vera Cíntia Álvarez: Diversidade cultural e livre comércio: antagonismo ou oportunidade? (Brasília: Funag, 2015, 342 p.; ISBN: 978-85-7631-541-4; coleção CAE); 4) Benjamin Mossé: Dom Pedro II: Imperador do Brasil (O Imperador visto pelo barão do Rio Branco) (Brasília: Funag, 2015, 268 p.; ISBN: 978-85-7631-551-3); Revista da ADB (Brasília: Associação dos Diplomatas Brasileiros, ano 22, n. 91, outubro-novembro-dezembro 2015, p. 40-41; ISSN: 0104-8503). Relação de Originais n. 2864 e 2852.


(1) Sérgio da Veiga Watson:
Reflexões de um civil sobre as Forças Armadas
(Brasília: Thesaurus, 2015, 245 p.; ISBN: 978-85-409-0355-5)


Como diz o título, se trata de reflexões, mas elas são absolutamente sinceras e feitas em tom coloquial, ademais de embasadas num vasto conhecimento pessoal, em leituras e pesquisas, com um rico suporte bibliográfico (e na filmografia) sobre o papel das FFAA no Brasil (e em países do Cone Sul), uma trajetória de alternância entre, de um lado, experimentos democráticos e governos civis, e golpes e governos militares, de outro. Sem esconder um viés antimilitarista e abertamente contrário à ditadura militar brasileira, o autor faz uma leitura honesta dessa complicada relação. O ponto final, dado no cinquentenário do golpe, convida as FFAA a, finalmente, reconhecer os lamentáveis excessos cometidos naquele período e a se desvincular dos torturadores. Um livro que demorou quarenta anos para ser escrito; deve ser saudado com uma bela continência.



(2) Abelardo Arantes Jr.:
A passagem do neoestalinismo ao capitalismo liberal na União Soviética e na Europa Oriental
(Brasília: Funag, 2015, 533 p.; ISBN: 978-85-7631-549-0; Coleção relações internacionais)


Curiosa esta tese de doutorado (UnB): nela se descobre que o socialismo surgiu por “deficiências do liberalismo no Ocidente”, que a contrarrevolução estalinista de 1923-27 traiu o marxismo-leninismo e os trabalhadores e está na origem dos eventos de 1989-91, quando a elite neoestalinista, numa espécie de conspiração para continuar no poder, efetuou sua conversão ao liberalismo. A tese é uma verdadeira revolução na história da Europa oriental e na do marxismo: a derrota do socialismo pode não ter sido definitiva e movimentos revolucionários de cunho socialista podem ser retomados; a elite neoestalinista usa malabarismos ideológicos para manter-se no poder, em aliança com a elite liberal. Mas seria o período pós-1991 marcado pelo “predomínio absoluto da hegemonia ocidental”? E será a Rússia pós-soviética um capitalismo liberal? Curioso...


(3) Vera Cíntia Álvarez:
Diversidade cultural e livre comércio: antagonismo ou oportunidade?
(Brasília: Funag, 2015, 342 p.; ISBN: 978-85-7631-541-4; coleção CAE)


Diversidade cultural é um fato razoavelmente bem aceito atualmente, sobretudo em tempos e ambientes politicamente corretos. Livre comércio, por sua vez, já é objeto de controvérsias, alguns dizendo que não existe, outros sabotando-o deliberadamente, se por acaso existir. Os mesmos acham que a globalização mata a diversidade, impondo uma homogeneidade artificial. O subtítulo do livro já denota alguma dúvida sobre essa relação problemática, sobretudo no plano do sistema multilateral de comércio (onde o tema tem um estatuto muito ambíguo). A obra mapeia a questão, inclusive a “astúcia do poder econômico para perpetuar hegemonias” (p. 248), e parece que o perigo aqui vem das “pressões dos EUA” (quem diria?). Até quando o Brasil e os europeus temerosos vão continuar na defensiva, apelando para a Unesco e os amigos da diversidade?

(4) Benjamin Mossé:
Dom Pedro II: Imperador do Brasil (O Imperador visto pelo barão do Rio Branco)
(Brasília: Funag, 2015, 268 p.; ISBN: 978-85-7631-551-3; História diplomática)


Benjamin Mossé, grande rabino de Avignon, foi apenas a marca de fábrica, como se diz. O verdadeiro ghost writer desta biografia, menos ghost e mais writer, foi o barão, como já se sabia, e como destaca Luis Cláudio Villafañe em seu prefácio. A edição original do livro, de 1889, em francês, e a primeira edição em português (1890), encontram-se disponíveis na openlibrary. Mossé, sozinho, teria feito uma biografia medíocre, e altamente encomiástica, do seu amigo que estudava hebraico e a história judaica. O barão escreveu, não só uma verdadeira biografia do monarca, mas uma história completa do Brasil, incluindo Dom Pedro I e todos os problemas dos dois reinados do período monárquico: guerras platinas, escravidão, a emancipação gradual e a abolição, as viagens do imperador. Ainda elogioso, o barão, mas com bom conteúdo.

 
Ainda sobraram várias mini-resenhas de 2015 para serem publicadas, e já tenho várias outras no pipeline. Espero que a revista da ADB seja publicada no momento certo, inclusive para liquidar o estoque existente de miniresenhas.
Paulo Roberto de Almeida  
Brasília, 17 de de fevereiro de 2016

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Carta Internacional: chamada para artigos

"Carta Internacional" Journal is dedicated to the publication of scientific papers related to international relations field. Its main objective is to promote qualified intellectual debate about fundamental issues of international relations that affect or are affected by Brazil.

The Journal was created in 1993 by the International Research Center of USP (University of São Paulo), and since 2011 it is under responsibility of Brazilian International Relations Association.

Carta Internacional publishes papers in Portuguese and in English that have relevant contributions to development of the international relations study in Brazil.

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Associação Brasileira de Relações Internacionais - ABRI

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Dez grandes "derrotados" de nossa historia (agora o artigo completo) - Paulo Roberto de Almeida

Primeiro minha explicação ex-post, mas que deve ser lida previamente, depois o artigo (neste link: http://spotniks.com/dez-grandes-derrotados-da-nossa-historia-ou-como-o-brasil-poderia-ter-dado-certo-mas-nao-deu/).

Confesso que tenho duas grandes confissões a fazer: uma boa, outra menos boa. A boa é que eu gostei muito de escrever esse texto, que pode ser a base de alguma obra maior, sobre as grandes reformas nunca feitas em nosso país em 200 anos de história; ele estava há muito tempo em minha cabeça, mas nunca tinha feito sequer uma anotação para ele, pois a gente espera alguma grande oportunidade para sentar, pensar, refletir, pesquisar algumas coisas e depois elaborar algo mais estruturado. Pois bem, nunca tinha feito, pois essas oportunidades sempre são perdidas, como diria Roberto Campos. 
Foi preciso receber um convite do Rodrigo da Silva, do Spotniks, para escrever um texto sobre um assunto completamente diferente para eu me decidir finalmente a escrever; e ele veio de um só jato, como se diz; escrevi durante uma noite inteira, entre meia noite e cinco da manhã, que são as minhas melhores horas de escrita (para desconforto de alguns próximos). Eu gostei muito, portanto, de ter recebido o convite, o que me permitiu "desovar" algo que estava dormindo em minha cabeça desde algum tempo. 
Como sempre digo, quando me decido a escrever algo: o artigo (ou o livro) já está pronto, só me falta escrevê-lo, o que é a parte mais fácil (com alguma revisão posterior para corrigir os inúmeros erros de digitação e concordância que inevitavelmente surgem de uma escrita muito rápida, mas que não acompanha um pensamento duas vezes mais rápido). 
A confissão menos boa, mas que faço mesmo assim é que não gosto do título. Não gosto de ter chamado meus dez personagens de "derrotados", ainda que estas aspas possuem um enorme significado implícito, obviamente. 
Eu não considero esses brilhantes pensadores "derrotados", inclusive porque eles integram a memória coletiva de nosso povo como alguns dos melhores brasileiros que se esforçaram para fazer do país uma sociedade melhor, mais justa, mais moderna, mais conforme os valores universais do direito e da democracia. 
Mas optei por deixar "derrotados" (que devem ser lidos sempre com aspas) com o objetivo precípuo de chocar, de impactar, de incitar à curiosidade os estudantes mais jovens pela história, pela obra e pelo pensamento desses brasileiros geniais, e possivelmente estimular mestrandos e doutorandos a pesquisar sobre seus projetos de reforma, e de trazer novamente à tona uma agenda inconclusa de modernização do país, de sua política e de sua economia, enfim, projetos para "civilizar" o Brasil, como diziam os primeiros pensadores da nacionalidade. 
Estas são as minhas reflexões adicionais sobre esse texto que me deu imenso prazer ao "retirá-lo" de minha cabeça e colocar sob a forma de um arquivo eletrônico, agora à disposição dos interessados graças à generosidade do Rodrigo da Silva e do Spotniks. 
Vale!
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 14/02/2016



Dez grandes derrotados da nossa história (ou, como o Brasil poderia ter dado certo, mas não deu)

 O Brasil, já disse alguém, não é para principiantes. Vamos admitir que a frase expresse a realidade, ainda que ela seja uma mera banalidade conceitual. A verdade é que nenhuma sociedade urbanizada, industrializada, conectada, ou seja, complexa, como são quase todas as nações contemporâneas, é de fácil manejo para amadores da vida política ou para iniciantes no campo da gestão econômica. Não deveria haver nada de surpreendente, portanto, em que o Brasil, de fato, não seja para principiantes, como dito nesse slogan tão folcloricamente simpático quanto sociologicamente inócuo.

Mas atenção: a frase é, sim, relevante pelo lado do seu exato contrário. O mais surpreendente, no caso do Brasil, está em que o país não é de rápida explicação ou de fácil interpretação nem mesmo para pensadores distinguidos e intelectuais de primeira linha (eles o são, de verdade?). Ele tampouco parece ser de simples manejo mesmo para estadistas da velha guarda (nós os temos?), para políticos experientes (parece que ainda existem), sem esquecer os empresários inovadores (quantos são, alguém sabe dizer?) ou para economistas sensatos (seria uma espécie rara?). O Brasil já destruiu mais de uma reputação política, como continua desafiando as melhores vocações de “explicadores sociais” (inclusive brasilianistas), com o seu jeito sui-generis de ser. Existe, por exemplo, alguma explicação sensata para o fato de que “o país do futuro”, o “gigante inzoneiro”, a terra dos recursos infinitos, seja ainda uma sociedade desigual, ricamente dotada pela natureza, mas com muitos pobres, milhões deles, uma nação até materialmente avançada, mas (aparentemente, pelo menos) mentalmente atrasada? O que é que nos retém na rota do desenvolvimento social integrado? Quais são os formidáveis obstáculos, quantas e quais são as barreiras intransponíveis?
Não foram poucos os espíritos corajosos que tentaram vencer essas dificuldades e nos colocar num itinerário de progresso sustentado. A maior parte acabou derrotada por um conjunto variado de circunstâncias cuja identificação exata requereria um batalhão de sociólogos, dos melhores. Vamos repassar, ainda que brevemente, o itinerário de dez grandes personalidades que, em momentos decisivos da história do Brasil, viram seus projetos e propostas de reformas ou de melhorias para o país totalmente frustrados em função das condições ambientes, por força da oposição de outros personagens ou de grupos poderosos, ou pelo fato de que eles mesmos não souberam, ou não puderam, obter apoios suficientes para que suas propostas de políticas públicas fossem, em primeiro lugar, aceitas por outros dirigentes, ou pela opinião pública, depois seguidas pela coalizão dominante a cada momento e, finalmente, implementadas na forma por eles concebida inicialmente. A maior parte desses homens não foi sequer consolada, em vida, por aquele famoso dístico de bandeira estadual: “ainda que tardia”.

1) Hipólito José da Costa

HipolitoJoseCostaRetrato
Nascido na Colônia do Sacramento, criado em Rio Grande, espírito iluminista, liberal econômico, assessor, durante algum tempo, do grande estadista português da passagem do século 19, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, para quem investigou as inovações econômicas e melhoramentos agrícolas da jovem República americana nos anos finais do século 18, e por quem foi enviado à Inglaterra para adquirir equipamentos gráficos, para modernizar a imprensa do Reino, e onde se tornou maçom, foi preso e torturado pela Inquisição ao retornar a Portugal, tendo conseguido fugir após alguns anos de cárcere. Estabelecido na Inglaterra desde então, Hipólito deu início ao primeiro jornal independente brasileiro, o Correio Braziliense, que editou sozinho em Londres desde a transmigração da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, até que fosse confirmada a independência e a separação do, até então, Reino Unido, no final de 1822. Nomeado cônsul do Brasil em Londres, por José Bonifácio, Hipólito ainda teve tempo de enviar-lhe, em fevereiro de 1823, um ofício propondo reformas nos correios, nos transportes e na colonização, mas não para tomar posse do cargo para o qual estava preparado como nenhum outro brasileiro.
Seu Correio Braziliense forneceu, durante exatos quatorze anos e sete meses ininterruptos, material de informação, de reflexão e de críticas a todos os dirigentes portugueses (que o liam à sorrelfa) e aos brasileiros ilustrados, constituindo o maior repositório de dados e análises fiáveis sobre o estado do reino de Portugal, sobre a situação da Europa napoleônica e pós-napoleônica, sobre as Américas em geral e sobre o Brasil em particular. Seu “armazém literário” constitui o mais completo manual de políticas públicas e de economia política – no sentido de estadismo para a prosperidade dos povos, como a definia Adam Smith – cujo grande objetivo era o de ajudar o Brasil e os “brazilienses” a enriquecer rapidamente, como ocorria então na Inglaterra. Muitos ministros do reino, em Portugal e no Brasil, concordavam com ele, mas às escondidas, pois não o podiam revelar, ainda que um ou outro mais ousado tentasse convencer o príncipe regente, depois D. João VI, do acertado daqueles críticas e propostas de políticas, inclusive no que se referia aos tratados desiguais com a própria Inglaterra. Infelizmente seus conselhos foram raramente seguidos e ele veio a morrer antes de poder servir de forma mais efetiva ao país que era o seu, mas que tinha abandonado ainda muito jovem para nunca mais voltar.

2) José Bonifácio de Andrada e Silva

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As mesmas ideias defendidas por Hipólito, de monarquia constitucional e de fim da escravidão, foram esposadas por José Bonifácio, grande intelectual nascido em Santos, SP, homem de ciência e de grandes luzes, membro de diversas academias europeias, combatente contra as tropas napoleônicas em Portugal, antes de retornar ao Brasil para servir ao Reino Unido e se converter no verdadeiro artífice da independência do Brasil. Proclamada esta, ele pretendia, já na Assembleia Constituinte, libertar o Brasil da mácula do tráfico escravo e, assim que possível, da nódoa da escravidão, conseguindo braços para a lavoura e para a formação de uma sólida economia agrícola entre camponeses imigrados europeus. Como Hipólito, e como tantos outros abolicionistas, José Bonifácio foi derrotado pela coalizão de mercadores de escravos e de grandes proprietários de terras, abandonado, aliás, pelo próprio Imperador, que aproveitou-se do recrudescer das turbulências políticas na Assembleia Constituinte e das divisões políticas entre os maçons para decretar o encerramento do breve exercício de ordenamento constitucional, “cassar” os seus membros e exilar ou prender toda a família dos Andradas. Bonifácio foi mais uma vez para a Europa, e só retornou ao Brasil para ser preceptor, por breve tempo, do menino Pedro de Alcântara, mas já sem condições de influenciar a política no período regencial. Foi um dos grandes derrotados de nossa lista de estadistas-idealistas.

3) Irineu Evangelista de Souza

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O gaúcho de nascimento e self-made man só adquiriu o título nobiliárquico de Barão de Mauá (depois Visconde, em 1875) na data da inauguração, em 1854, do primeiro trecho da ferrovia Rio-Petrópolis, entre o porto de Mauá, na baia da Guanabara, e o pé da serra de Petrópolis. Antes disso ele já tinha amealhado fortuna com seus empreendimentos industriais (sobretudo estaleiros) e comerciais (em especial seus bancos, no Brasil e em diversas capitais estrangeiras). Homem possuidor do mesmo espírito empreendedor e liberal de seus tutores ingleses (primeiro numa casa de importação no Rio, depois mediante viagem à Inglaterra, em 1840), ele enfrentou inúmeras dificuldades num país escravocrata e caracterizado pela mão pesada do Estado em todo e qualquer setor da economia (o governo tinha de autorizar qualquer novo empreendimento que ele desejasse fazer), e teve vários atritos com ministros de sucessivos gabinetes do Segundo Império; essas desavenças o levaram à ruina comercial e financeira, e obstaram a que suas ideias progressistas pudessem ser reconhecidas como válidas e implementadas num país em que o status de senhor de escravos ainda era sinal de distinção.
O historiador Nathaniel Leff, heterodoxo entre os intérpretes de nossa história econômica, afirma que o atraso do Brasil não se situa tanto na colônia, como afirmam vários historiadores consagrados, mesmo os da vertente marxista, mas precisamente no período do Segundo Império, quando o Brasil perde a oportunidade de implementar as reformas preconizadas por Mauá, seja no terreno da força-de-trabalho, seja na política monetária, ou no ambiente de negócios e no da infraestrutura. Não há nenhuma dúvida que, ao final do Império, o Brasil teria sido um país muito diferente se as ideias (não só econômicas) de Mauá tivessem sido implementadas como políticas públicas. Ele foi, provavelmente, o primeiro empresário derrotado de nossa história.

4) Joaquim Nabuco

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O “aristocrata” da zona da mata de Pernambuco é mais um derrotado de nossa lista, não exatamente enquanto publicista – terreno no qual ele foi brilhante – ou como diplomata do Império e da República, mas enquanto abolicionista, a despeito de suas raízes nos engenhos de açúcar do Nordeste. Intelectual blasé, ele bateu-se com denodo pela causa da emancipação, e seu livro sobre o abolicionismo (publicado em Londres em 1883) foi decisivo na intensificação da campanha, nessa mesma década. Mas ele já tinha sido derrotado antes, pois que não conseguiu reeleger-se para sua primeira cadeira de deputado, conquistada em 1878, assim como viu frustrada sua campanha pela laicização do Estado Imperial, que tinha a religião católica como oficial. Mesmo quando da abolição, por decreto imperial, suas propostas para que a emancipação dos escravos fosse acompanhada de um grande programa de reforma agrária e da universalização da educação pública, compulsória e gratuita, com vistas à elevação do padrão educacional de milhões de brasileiros pobres, e não apenas dos negros libertos, jamais foram seriamente consideradas pela República oligárquica.
Ele afastou-se da política, como monarquista que era, e dedicou-se aos livros e à história. Só retornou à vida pública para novamente dedicar-se à diplomacia, não para defender o regime, mas para servir ao país. O retorno lhe deu ainda mais desgosto, no caso da arbitragem italiana sobre a questão da Guiana, fronteira com a colônia britânica: a Grã-Bretanha abocanhou quase 50% a mais do território disputado do que foi concedido ao Brasil, nascendo aí seu acentuado monroismo, ou americanismo, ao considerar que das potências europeias o Brasil não deveria esperar nada. Do nosso ponto de vista, entretanto, o Nabuco “derrotado” que interessa registrar é o das nunca implementadas propostas de reforma agrária e de educação pública em favor de negros libertos e dos brancos pobres, na verdade para todos.
O Brasil republicano, desde o início, e provavelmente até hoje, continua a pagar muito caro pela ausência de medidas desse tipo, para elevar a capacidade produtiva do seu povo. A reforma agrária, na verdade, na prática se tornou inócua pela modernização capitalista da economia rural, mas no campo da educação continuamos a exibir atrasos, se não quantitativamente (a taxa de escolarização, no início do primário, alcançou, por fim, a dos países avançados, mas 150 anos depois), certamente em qualidade do ensino.

5) Rui Barbosa

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Conselheiro do Império, primeiro ministro da Fazenda do novo regime, no governo provisório de Deodoro, quando empreendeu algumas boas reformas e outras menos boas, o homem mais inteligente do Brasil (segundo os baianos), foi, antes de tudo, um pensador, um doutrinário e um publicista (e um dos mais prolíficos do Brasil, que nunca publicou um livro sequer, mas que tem obras completas em dezenas de volumes). Ele é usualmente definido como um polímata, pois suas atividades e escritos abrangiam os mais diversos domínios do conhecimento humano, com especial predileção pelo direito. Logrou sucesso em muitos dos empreendimentos que lhe foram oferecidos ou para os quais ele se voluntariou, em virtude de seus vastos conhecimentos jurídicos; voltou da Segunda Conferência Internacional da Paz da Haia, em 1907, como um herói, o “Águia de Haia”, como exageradamente seus conterrâneos chamaram-no.
Mas também acumulou vários insucessos, entre eles a mal concebida reforma bancária do início da República, que acabou resultando numa violenta especulação, o chamado Encilhamento. Opôs-se a Rio Branco na compra do Acre à Bolívia, e saiu ruidosamente da delegação negociadora. Sua maior derrota, porém, não para ele, mas para o Brasil, foi ter perdido o pleito presidencial de 1910 para o Marechal Hermes da Fonseca, militarista como seria de se esperar, mas sobretudo prepotente, mandando submeter a golpes de canhão os governadores recalcitrantes dos estados que não o obedeciam. Por isso mesmo, o chanceler Rio Branco, angustiado, pensou em se demitir do seu cargo, sucessivamente renovado em quatro governos: coitado, morreu logo após.
A derrota para Hermes da Fonseca foi uma derrota para o Brasil, no sentido em que representou a consolidação do arbítrio como norma de governo, um golpe de Estado permanente contra vários princípios constitucionais, a ofensa aos adversários políticos (considerados inimigos) como coisa corriqueira, o despotismo do Executivo sobre os demais poderes. Rui se exasperava em face do desprezo que o governo exibia contra os mais comezinhos valores da democracia, entre eles as liberdades individuais e o pleno vigor do Estado de direito. Seus artigos, conferências e palestras dos últimos anos revelam justamente sua revolta contra o desrespeito demonstrado pela maior parte dos políticos – e dos militares – às normas mais elementares do sistema democrático. Como seu amigo Nabuco, ele faria um excelente ministro – talvez até primeiro – de um sistema parlamentar ao estilo inglês (se possível de uma monarquia constitucional, pois a despeito do seu republicanismo, Rui, a exemplo de Oliveira Lima, se decepcionou rapidamente com aquela república), ou de um governo congressual ao estilo americano, como preconizado pelo professor de Princeton Woodrow Wilson, mais tarde presidente. Como os anteriores, Rui também foi um derrotado, não apenas nos seus princípios e convicções, mas também em suas tentativas práticas de democratizar plenamente e de enquadrar o Brasil num Estado de direito efetivo.

6) Monteiro Lobato

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O filho de fazendeiros do Vale do Paraíba se espantou desde cedo com a inacreditável miséria dos caboclos do interior, que ele imortalizou na figura emblemática do Jeca Tatu. Ele constatou as condições sanitárias abomináveis dos matutos do interior e, sobretudo, a ignorância abismal desses homens que sequer tinham consciência de sua condição ou da existência de um país chamado Brasil. Seus muitos artigos de imprensa, sua atividade de editor, seus diálogos imaginários sobre nossos problemas com um inglês da Tijuca – Mister Slang e o Brasil –, todos eles batem na mesma tecla: o Brasil é um país profundamente atrasado, tão arcaico a ponto de ser derrotado pelas saúvas e por endemias eternas, e só teria salvação se empreendesse um vigoroso esforço de modernização, de preferência modelado no exemplo americano.
O fordismo lhe parecia a solução ideal para nossa débil industrialização, e o petróleo seria o combustível indispensável à redenção da nação. Lobato está na origem do “petróleo é nosso”, mas ele não era um chauvinista, um patriota rústico que queria afastar o capital estrangeiro do esforço de capacitação industrial e tecnológica. Ele se batia contra os “trustes estrangeiros” não porque fossem estrangeiros, mas porque via neles uma conspiração contra a prospecção de poços no Brasil, ao preferirem as jazidas mais fáceis do Oriente Médio. Achava que o governo não fazia esforços suficientes nessa direção, e denunciou o “entreguismo” da ditadura Vargas: por isso foi processado e preso. Mas a sua concepção de progresso era indiscutivelmente americana: ele foi mais um derrotado pelo nacionalismo rastaquera e pelo estatismo arraigado nos corações e mentes das elites políticas e industriais. Só o fato de proclamar o valor dos livros na construção da nação já lhe valeria a entrada num panteão da pátria. Pena…

7) Oswaldo Aranha

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Paradoxalmente, só foi derrotado quando finalmente chegou ao momento de maior glória, e pelo próprio homem que ajudou a colocar no poder. A “estrela da revolução liberal” de 1930, foi de fato o homem que “liquidou” a República Velha, ante as hesitações e dúvidas de Getúlio Vargas quanto às chances de vitória do movimento contra Washington Luís e seu presidente eleito do bolso do colete. Não fossem os esforços decididos de Aranha, no sentido de unir gaúchos e mineiros, e de aliciar forças decisivas no Exército e nas tropas estaduais militarizadas, a revolução de 1930 não seria o marco da modernização do Brasil e da construção de um Estado moderno, não mais a “República carcomida” das oligarquias do café-com-leite. Sucessivamente ministro da Justiça, da Fazenda (quando ele encaminha os problemas da dívida externa e dos estoques de café) e embaixador em Washington, Aranha estava no auge de sua glória quando decide abandonar, por desgosto, seu posto diplomático, na sequência do Estado Novo, em novembro de 1937, que repudiou imediatamente.
Foi apenas sua amizade com Vargas, e a necessidade que este tinha de manter as melhores relações possíveis com os americanos – a despeito de suas notórias simpatias pelos regimes fascistas da Europa – que explicam seu retorno à política, como chanceler do Estado Novo, de março de 1938 a agosto de 1944. Sua ação à frente do Itamaraty foi decisiva para conter a inclinação de muitos dos expoentes do regime por uma aliança com as potências nazifascistas, aparentemente invencíveis no início dos anos 1940, e para ancorar vigorosamente o Brasil no grupo das Nações Aliadas.
Aranha sempre foi um candidato natural das forças democráticas à presidência da República: hipoteticamente em 1934, numa eventual escolha alternativa pela Constituinte (e provavelmente por isso, Vargas decidiu manda-lo para Washington); talvez em 1938, se as eleições previstas não tivessem sido cortadas pelo golpe de Estado; possivelmente ao final do Estado Novo, quando Vargas ainda manobrava para continuar, depois indicando um sucessor de sua escolha; em 1950, quando foi sondado, mas preferiu deixar o terreno livre para o ex-ditador; ou ainda, e finalmente, à morte deste, nas eleições de 1955, disputadas por muitos candidatos bem menos qualificados do que ele. Foi uma pena que sua falta de ambição, e sua fidelidade irrestrita ao “irmão maior” que era Vargas, obstaram que ele galgasse o posto mais alto da República.
Para se ter uma ideia de como o Brasil poderia ter sido diferente, se ele tivesse ascendido ao comando da nação, basta ler a carta que Aranha enviou a Vargas para que este discutisse os assuntos da guerra e da paz no encontro que o ditador teria em Natal com Franklin Roosevelt, em janeiro de 1943. O maquiavélico ditador não só o afastou traiçoeiramente dessas conversações, mas também impediu um encontro especial que se realizaria em Washington com o presidente americano no mesmo mês em que Aranha foi humilhado pela polícia política do regime, no triste episódio da Sociedade das Américas, em agosto de 1944, o que acabou determinando sua saída da chancelaria.
Naquela carta, Aranha delineou não apenas um esquema de aliança com os EUA, para ganhar a guerra, mas também uma estreita cooperação para participar da nova ordem mundial a partir da restauração da paz; ele incluiu, sobretudo, um programa inteiro de modernização industrial e de capacitação do Brasil, com ajuda americana, de molde a realmente impulsionar o grande deslanche do país à condição de potência regional (num esquema não muito diferente da aliança não escrita defendida por Rio Branco, e mais enfaticamente por Nabuco, no começo do século). O Brasil teria sido um país muito diferente do que foi o caso, e certamente melhor, se Oswaldo Aranha tivesse ascendido à presidência e imprimido um estilo de governança e de políticas econômicas bem mais abertas e propensas à integração na política e na economia mundiais.

8) Eugênio Gudin

gudin
Um personagem nascido no século 19, que quase atravessou todo o século 20, pregando sempre as mesmas ideias liberais em economia e de simples sensatez na gestão pública. Formado em engenharia, mas economista por gosto, Gudin foi um aderente da escola neoclássica, mas de fato um eclético, e o responsável pela institucionalização dos cursos de economia nas faculdades brasileiras de humanidades e de ciências sociais em 1944. No mesmo ano, e no seguinte, foi protagonista do mais importante debate jamais ocorrido na história intelectual do Brasil; este representou, na verdade, um anticlímax, no sentido em que sua importância tanto teórica quanto prática foi deixada de lado pelo “curso natural das coisas”, ou seja, pela continuidade, em nossa governança, das mesmas inclinações e tendências estatizantes e intervencionistas que caracterizam o universo conceitual das lideranças políticas e empresariais do país.
O debate ocorreu quando se discutia abandonar os mecanismos intervencionistas em vigor durante o período bélico para adotar novos instrumentos capazes de guiar a ação do Estado no apoio ao processo de industrialização (sinônimo de desenvolvimento na concepção da época). Gudin, que naturalmente defendia princípios liberais e mecanismos de mercado para guiar a ação do Estado no fomento desse processo, teve como contendor no debate o industrial e intelectual – professor na Escola Paulista de Sociologia e Política – Roberto Simonsen. Em 1930, fez traduzir e publicar pelo CIESP, o Centro da Indústria do Estado de São Paulo, que ele tinha criado em oposição à FIESP, o livro do economista romeno Mihail Manoilescu, Teoria do Intercâmbio Desigual e do Protecionismo, uma atualização “científica” das ideias de Friedrich List. Simonsen, obviamente, se bateu pelo planejamento estatal, pelo protecionismo tarifário e pelos subsídios oficiais à “indústria infante”, enfim, todo o contrário do que pensava e preconizava Gudin, que era pela adesão do Brasil aos princípios das vantagens comparativas, que recomendavam incrementar o esforço de modernização agrícola, melhorar a infraestrutura e o capital humano, e manter uma governança econômica em bases sólidas e fiscalmente equilibradas.
O resultado do debate foi mais uma vez paradoxal: Gudin saiu-se como o seu vencedor teórico, ao demonstrar a inconsistência lógica e a escassa solidez prática dos argumentos de Simonsen. Mas este foi, ao fim e ao cabo, o vencedor efetivo do debate, uma vez que, no decurso das décadas seguintes, todos os governos, apoiados pelos industriais e pelos empresários em geral, seguiram as recomendações dos estatizantes, dos nacionalistas primários, dos protecionistas declarados, que sempre foram legião em todas as esferas da administração pública e na vida civil do país. Mais uma vez, o derrotado foi o Brasil, único país no mundo a ter conhecido oito (OITO) moedas sucessivas no espaço de pouco mais de meio século: mil-réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real, real. Não é preciso referir-se aos números astronômicos dos nossos processos inflacionários para constatar os desastres criados pelos êmulos de Roberto Simonsen, que eliminaram na prática as receitas mais equilibradas e ponderadas do longevo Gudin. Ele continuou, até o final de sua vida secular, a preconizar as mesmas receitas, sempre para ser derrotado pela realidade.

9) Roberto Campos

roberto campos
O ex-seminarista que se fez diplomata às vésperas da Segunda Guerra, teve a chance de servir em Washington quando se realizou a célebre conferência de Bretton Woods, em 1944, na qual ele era um simples assessor, e não um delegado. O mesmo ocorreu na conferência de Havana, sobre comércio e emprego, em 1947-48, quando ele continuou a aperfeiçoar seu conhecimento prático de economia, ao mesmo tempo em que fazia um mestrado nessa área na George Washington University, quando defendeu uma tese sobre os ciclos econômicos, de tinturas tanto neoclássicas quanto precocemente keynesianas. Ele ainda era um partidário do Estado promotor do desenvolvimento econômico, quando exerceu o cargo de diretor no BNDE, nos anos 1950, quando colaborou na arrancada dos “cinquenta anos em cinco” do governo JK, que também elevou a inflação a patamares nunca antes vistos no Brasil, inclusive com a construção de Brasília (que foi feita sem orçamento, à margem do orçamento e contra o orçamento, à razão de 1,5% de déficit fiscal durante quatro anos).
Não surpreende, assim, que o Brasil fosse levado a uma situação de grave desequilíbrio orçamentário e de enormes problemas de balanço de pagamentos no início dos anos 1960, quando ele foi, durante três anos, embaixador em Washington. Ele se demitiu do posto, exasperado com a inépcia de Jango, três meses antes do golpe de 31 de março de 1964, cujos líderes o guindaram à função de ministro do planejamento, em dobradinha com o ministro da Fazenda Octávio Gouveia de Bulhões. Ambos, entre 1964 e 1967, conduziram o mais importante processo de reformas econômicas e administrativas jamais empreendido no Brasil, um conjunto ambicioso de mudanças constitucionais e de medidas infraconstitucionais que abriram o caminho para o mais vigoroso ciclo de crescimento de nossa história econômica.
Paradoxalmente, porém, os dois, ainda que liberais em espírito e em intenção, foram também os responsáveis pelo início da mais imponente escalada econômica estatal jamais vista nessa mesma história. Não só eles, pois que seus sucessores, em especial os acadêmicos Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen, impulsionaram, com o apoio entusiasta dos militares reformistas, esse engrandecimento inédito do ogro estatal, elevando enormemente a carga fiscal – a pretexto de aumentar o investimento público –, criando dezenas de estatais em todos os setores considerados “estratégicos”, não apenas para a economia, mas também para a “segurança nacional”. De certa forma, o Brasil do regime militar conduziu uma espécie de “stalinismo para os ricos”, uma industrialização “num só país” que respeitava inteiramente o vezo nacionalista rústico dos militares e sua preferência pela mais acabada autarquia produtiva, essa introversão míope que tinha sido a marca dos regimes fascistas da Europa dos anos 1930 (por acaso, um período no qual muitos dos líderes da “revolução de 1964” estavam estudando nas academias militares e aprendendo rudimentos econômicos de “independência e de soberania nacional”).
Roberto Campos detectou desde muito cedo essa deriva do Estado reformista-modernizador dos militares para um “complexo industrial-militar” orientado mais pelos princípios da “segurança nacional” do que pelos saudáveis valores da economia de mercado; passou o resto de sua vida tentando reverter o intervencionismo exacerbado do regime militar e o nacionalismo tosco dos políticos da redemocratização. Sem sucesso, porém: como Raymond Aron, na França, que durante anos lutou contra os instintos socialistas da intelectualidade parisiense, Campos lutou contra a indigência mental de nossos políticos e a ignorância econômica da maior parte da intelligentsia nacional (que Millor Fernandes chamava de “burritsia” acadêmica). Como Aron, igualmente, só foi reconhecido como visionário ao final da vida, e ainda assim, nem um, nem outro, conseguiu recolocar os respectivos países no caminho das reformas liberais e pró-mercado. A despeito de ter acertado em praticamente 90% do que escreveu durante toda a sua vida, Campos foi ironicamente derrotado por uma de suas mais conhecidas ironias: “o Brasil é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades”.

10) Gustavo Franco

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Um dos mais jovens expoentes da equipe que idealizou, montou e administrou o lançamento do Plano Real, o mais bem sucedido esforço de estabilização macroeconômica conhecido em nossa história econômica – hoje, infelizmente, ameaçado pela Grande Destruição lulopetista –, que exibe a distinção adicional de ter concebido o regime de transição da antiga e desvalorizada sétima moeda de nossa história monetária para o Real, mediante a indexação monetária via URV, cuja inspiração lhe tinha sido dada ao estudar a experiência alemã de saída da inflação, em 1923. Ele também foi o defensor de uma política de capitais e de câmbio bem mais livre do que o normalmente admitido tradicionalmente, não apenas nas faculdades de economia, mas sobretudo nos escalões governamentais, não obtendo inteiro sucesso nessa área, em razão, como sempre, dos azares da política.
A primeira versão do Plano Real previa um esforço de ajuste fiscal bem mais severo do que o efetivamente realizado, não implementado porque o presidente Itamar Franco queria uma “estabilização sem recessão”. Foi preciso, assim, manter os juros num patamar bem mais elevado do que o adequado, pois que a âncora fiscal, que deveria ter sido implantada, foi substituída por uma âncora cambial, que redundou, contra a vontade de muitos economistas, numa excessiva valorização do Real (daí os desequilíbrios de transações correntes acumulados na segunda metade dos anos 1990). O resultado foi a crise de 1998-99, ainda assim provocada por fatores externos: as crises asiáticas de 1997 e a moratória russa de agosto de 1998, que impactou diretamente o Brasil; a situação foi enfrentada mediante um programa de apoio financeiro das instituições de Bretton Woods e de países credores, com sucesso relativo até a década seguinte, quando a crise argentina, o apagão elétrico e as eleições de 2002 (e os efeitos econômicos do PT) agravaram o quadro de turbulências no Brasil.
Gustavo Franco, que tinha sido secretário de política econômica na gestão Itamar e depois diretor de assuntos internacionais do Banco Central, ao iniciar-se a gestão FHC, foi elevado à condição de presidente do BC em meio às turbulências financeiras da crise asiática; conduziu um meticuloso programa de ajustes cambiais que, teoricamente pelo menos, permitiriam ao Brasil compensar a valorização por etapas, para evitar uma grave crise e mais inflação. A pressão dos mercados, e do próprio jogo político, foi entretanto mais forte, e Gustavo se viu constrangido a sair do BC no auge da desvalorização cambial do início de 1999, e antes do estabelecimento dos regimes de metas de inflação e de flutuação cambial, finalmente adotados por Armínio Fraga, levado à presidência do BC pouco depois. Uma história completa desses episódios, do ponto de vista da política cambial, ainda está para ser escrita e o próprio Gustavo é um bom candidato para empreender a tarefa. Mas esse é apenas um detalhe num itinerário de reformas tentativas que Gustavo Franco tentou impulsionar e que aguardam ainda hoje para serem continuadas e completadas.
A importância de Gustavo Franco, como economista e intelectual, está em sua condição de debatedor, de publicista, ao defender em seus muitos artigos, entrevistas e palestras, e em diversos livros, o Plano Real como apenas o início de um processo de reformas e de mudanças estruturais no Estado e na economia do Brasil que o levariam da condição de adepto eterno de um keynesianismo de botequim e de um cepalianismo tosco ao status de “país normal”, ou seja, simplesmente aderente de regras claras, estáveis e transparentes de gestão econômica, como compete a qualquer país dotado de uma economia de mercado digna desse nome. Infelizmente, a gestão econômica companheira fez o Brasil retroceder pelo menos vinte anos economicamente, e muito mais ainda moralmente falando. Gustavo Franco também foi um derrotado, ainda que temporariamente, uma vez que as reformas que ele preconizava não foram, senão minimamente, implementadas nos anos seguintes, e muitas delas revertidas na gestão irresponsável dos lulopetistas. Seus escritos e declarações indicam o que está aberto nessa agenda de “work in progress” (na verdade, evoluindo para trás, atualmente).

Os “derrotados” do desenvolvimento brasileiro: um balanço frustrante

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Todas as personalidades brevemente referidas aqui foram, em primeiro lugar, pensadores, intelectuais com distintas formações acadêmicas – ou na vida prática, como Irineu Evangelista de Souza – e com diferentes situações sociais, de atuação no setor público e de responsabilidade nos governos aos quais serviram ou com os quais trabalharam – ou não, caso de Hipólito e Monteiro Lobato. Vários conceberam planos mais ou menos arrojados para o futuro do Brasil, alguns com projetos ambiciosos de mudanças estruturais, outros – como Gudin – com um cuidado mais prosaico com uma gestão simplesmente responsável da coisa pública. Todos eles preconizaram reformas corajosas para eliminar obstáculos e enfrentar os problemas e desafios que constatavam existir no itinerário do desenvolvimento brasileiro.
De certa forma, muitos deles foram visionários, mas sensatos, no sentido em que nenhum deles concebeu qualquer projeto utópico de reforma integral, revolucionária, da sociedade brasileira. Nenhum deles foi um “engenheiro social”, no sentido várias vezes criticado por um pensador liberal como Isaiah Berlin: todos eles preconizaram atuar nos quadros dos regimes constitucionais em vigor, respeitando as mais amplas liberdades – sobretudo a de empreender – e os princípios e valores dos regimes democráticos. Não por acaso, as propostas por eles formuladas se aproximavam do modelo constitucional e de governança de corte britânico, de amplo sucesso prático nos Estados Unidos e nos países que institucionalmente e culturalmente pertencem ao mesmo arco civilizatório.
Nenhum deles teve sucesso – no máximo parcial – nas reformas e nas medidas preconizadas para levar o Brasil a um patamar mais alto de desenvolvimento político, econômico e social, num processo de total respeito às regras elementares do jogo democrático, como diria Norberto Bobbio. Aliás, o jurista e filósofo italiano, a despeito de seu imenso sucesso intelectual e do prestigio cívico alcançado, foi outro derrotado em seu próprio país, por acaso caracterizado por uma governança quase tão corrupta quanto a brasileira.
Todos os brasileiros, se tivessem logrado sucesso na implementação das medidas propostas – se tivessem sido por acaso guindados a posições de mais alta responsabilidade governativa, o que ocorreu unicamente com José Bonifácio, mas ele foi rapidamente “podado” pelo seu soberano – teriam provavelmente mudado o Brasil de uma forma mais profunda, mais intensa, e mais positiva do que efetivamente ocorreu nos dois séculos que levam de Hipólito José da Costa a Gustavo Franco. Este último continua um batalhador incansável pelas reformas necessárias, e o único “sobrevivente” (com perdão pela palavra) nesta nossa seleção: a ele cabe manter a tocha das reformas, em primeiro lugar como publicista, eventualmente, e novamente, como reformador.
No momento em que o Brasil enfrenta a mais grave crise de sua história – certamente na esfera econômica, mas também, e sobretudo, no plano moral – é útil refletir sobre todas essas oportunidades perdidas, sobre a ação, em grande medida frustrada, de todos esses “derrotados” na prática. Do meu ponto de vista, eles são vitoriosos morais, gigantes intelectuais da modernização e do progresso brasileiro, que, por um conjunto variado de circunstâncias, não puderam conduzir suas propostas a bom termo, ou que não tiveram a oportunidade, em virtude de um ambiente particularmente negativo para os reformistas de qualquer quilate, de vê-las implementadas pelos tomadores de decisões de cada momento. A “agenda conjunta” de reformas modernizadoras – e corretoras de nossos grandes defeitos sociais –, que todos eles preconizavam, permanece inconclusa: na verdade, ela só existe no papel, num exercício como este de levantamento das nossas lacunas e omissões, uma vez que não pudemos contar, ainda, com estadistas que as implementassem verdadeiramente, com base num consenso necessário e no respeito das liberdades democráticas.
A pergunta final é inevitável: quando vamos contar com personalidades que se apoiem nas propostas desses gigantes intelectuais para arregaçar as mangas e “civilizar o Brasil”, na linguagem dos próceres da independência? Não sabemos ainda. Mas seria útil retomar cada uma das propostas desses pioneiros, para ver o que ainda falta fazer no Brasil. Mãos à obra, pesquisadores e ativistas: a agenda já existe. Cabe agora debater os meios de implementá-la, para passarmos da condição de “derrotados” à de vencedores.
Que tal começar pelo levantamento do que falta fazer?

**Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas. Foi ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington (1999-2003). Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

[Texto PRA:  Brasília 7 fevereiro 2016, 14 p.]

Republica podre dos petralhas: uma delação quase inútil de Delcidio Amaral

O mais interessante é que tudo o que ele pode relatar, nós já sabemos, ou presumimos. Toda a roubalheira, todos os atos criminosos dos petralhas são "normais", esperados, inexoráveis e inevitáveis: ele vai chover no molhado, digamos assim. Ele sabe, ainda assim, só uma parte do iceberg de corrupção e de roubalheira generalizada dos petralhas, mas o seu depoimento oferece elementos de que a Justiça precisa para incriminar e condenar muitos deles, a começar pelo chefão mafioso e seus pupilos amestrados.
Paulo Roberto de Almeida 

O limite de Delcídio

Sentindo-se traído pelo PT e pelo Planalto, que prometeu por meio de um ministro livrá-lo da cadeia, senador já tem preparado um esboço de delação

Mel Bleil Gallo Revista IstoÉ, 12/02/2016

Na última semana, depois de oitenta dias preso numa cela improvisada de menos de 20 metros quadrados na sede do Batalhão de Trânsito em Brasília, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) era um pote de mágoas. Mostrava irritação especial com a cúpula do PT e do governo. Ainda nos primeiros dias de cárcere, um ministro de Dilma fez chegar a ele um recado de que sua prisão não perduraria. A promessa era de que o governo interferiria junto ao Judiciário, nos bastidores, para afrouxar a prisão preventiva decretada pelo Supremo, após gravações mostrarem que ele estava interferindo nas investigações da Lava Jato. Em troca, o petista pouparia o partido e seus principais líderes de novos constrangimentos. O acordo não foi honrado. O rancor somado às pressões de familiares, principalmente de sua esposa Maika, levou Delcídio ao seu limite. Agora, pessoas próximas a ele dizem que o acordo de delação premiada é cada vez mais inevitável e que ele já teria estipulado até mesmo uma data para a decisão: depois do julgamento de um agravo regimental interposto contra a decisão do ministro do STF Teori Zavascki, que impediu a sua soltura no fim do ano. Se sofrer outro revés no pedido - que deve ser apreciado em breve pelo tribunal – a delação se tornará uma realidade.

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PACIÊNCIA ESGOTADA 
Delcídio do Amaral prepara arsenal contra o PT e o Planalto

Os advogados responsáveis pelo caso já começaram a relacionar as informações que ele poderá acrescentar às investigações. Ocorreram até negociações preliminares com procuradores. Um esboço do que poderá ser a delação de Delcídio está redigido e em posse de membros da força tarefa da Lava Jato. Os apelos para que o senador entre no time dos delatores e assim possa adquirir o direito à prisão domiciliar são feitos principalmente pela sua mulher, Maika. Empresária que costumava frequentar as colunas sociais de Campo Grande e os mais badalados endereços em Brasília, no Rio e em São Paulo, vem sendo hostilizada. Ao lado das filhas, se mudou do Mato Grosso do Sul para Florianópolis, onde a família possui um imóvel. Em suas conversas com o senador, Maika faz questão de lembrar o que chama de abandono a que o marido vem sendo submetido.

As visitas na prisão são autorizadas às quintas, sábados e domingos, por uma hora e meia pela manhã e pela mesma quantidade de tempo à tarde. Nenhum politico de peso ou autoridade do Planalto visitou o senador. O horário disponível é preenchido em sua maioria por seus advogados, sobretudo Maurício Leite e Antônio Figueiredo Basto, pela esposa e pelas filhas. Os dias na prisão têm sido agoniantes para Delcídio. Na cela improvisada há uma cama, um armário e uma escrivaninha, à qual o petista se senta para ler - exaustivamente, segundo relatam policiais do batalhão - as peças relacionadas a seu processo no STF. Vez por outra, tem à disposição um espaço para tomar sol, além de uma sala e um banheiro.

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Conhecido pelos hábitos de bon vivant, agora Delcídio convive com uma dieta especialmente preparada de acordo com as restrições médicas alegadas por sua defesa. Um forte contraste, sobretudo se comparado a ocasiões como a festa de 15 anos da filha caçula, na qual seis chefs de cozinha diferentes prepararam mais de 30 iguarias aos presentes, regadas a champagne Veuve Clicquot e whisky Johnny Walker. Conforme relataram colunistas locais, os pratos iam de tornedores de pupunha grelhados na manteiga de sálvia a camarões da Escócia com purê de macaxeira e wasabi, além de queijos importados, foie gras e todo o mais que pudesse impressionar a elite campograndense.

A provável delação de Delcídio tem potencial devastador. Ele não deve apenas confirmar o relato de outros delatores. Deverá ir além. Próximo do governo dos últimos três presidentes, ex-militante tucano e profundo conhecedor da área de energia no País, Delcídio tem conhecimento, de fato, para confirmar se os mandatários do Planalto sabiam da existência do Petrolão e, mais ainda, se apoiaram ou se beneficiaram diretamente do esquema.

Primeiro senador encarcerado em exercício desde a redemocratização, Delcídio teve sua prisão preventiva determinada após o Supremo ter acesso à gravação de uma conversa entre o petista e Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. No encontro, realizado no dia 04 de novembro do ano passado, no Hotel Royal Tulip em Brasília, Delcídio ofereceu a Cerveró uma fuga do País além de uma mesada de R$ 50 mil, para que em troca seu nome fosse preservado na delação premiada do ex-diretor à Polícia Federal.