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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Partidos representados no Congresso brasileiro: importância relativa

Apenas como informação: em vermelho os partidos declaradamente de oposição, os da base de apoio ao governo em azul, mas num azul muito desbotado, em alguns casos até em roxo envergonhado...


Representação Partidária no Congresso Brasileiro

Partido/Bloco
Bancada
Líder / Representante
Nome do Partido / Bloco
1
-
Sem Partido
84
Bloco ( PP/39, MDB/34, PTB/11)
2)    PT
55
Partido dos Trabalhadores
3)    PSL
54
Partido Social Liberal
4)    PR
38
Partido da República
5)    PSD
36
Partido Social Democrático
6)    PSB
32
Partido Socialista Brasileiro
7)    PRB
31
Partido Republicano Brasileiro
8)    PSDB
30
Partido da Social Democracia Brasileira
9)    PDT
28
Partido Democrático Trabalhista
10) DEM
27
Democratas
14
Solidariedade
12) PODE
11
Podemos
13) PSOL
10
Partido Socialismo e Liberdade
14) PROS
10
Partido Republicano da Ordem Social
15) PCdoB
8
Partido Comunista do Brasil
16) PSC
8
Partido Social Cristão
8
Cidadania
18) NOVO
8
Partido Novo
19) AVANTE
7
Avante
20) PATRI
4
Patriota
21) PV
4
Partido Verde
22) PMN
2
Partido da Mobilização Nacional
23) PHS
1
Partido Humanista da Solidariedade
24) PRP
1
Partido Republicano Progressista
25) REDE
1
Rede Sustentabilidade
Total
513
 



Friedrich Hayek at his best: a little big philosophical magnum opus - Instituto Mises Brazil

O argumento completo em defesa da liberdade
Se soubéssemos antecipadamente quais seriam seus resultados, não precisaríamos da liberdade
Nota do IMB
Dia 8 de maio, é aniversário de Friedrich August von Hayek. Fosse ele vivo, estaria completando 120 anos em 2019.
Alguns consideram que o melhor ensaio de Hayek seja O uso do conhecimento na sociedade, no qual ele explica detalhadamente a importância do sistema de preços: são os preços que transmitem todas as informações detalhadas que diferentes pessoas ao redor do mundo possuem sobre aspectos específicos de vários mercados.
Em termos puramente econômicos, realmente aquele é o melhor artigo. 
Entretanto, o texto abaixo, um excerto de seu gigantesco livro A Constituição da Liberdade, é definitivamente o seu mais impressionante.
Seu tamanho relativamente curto (para um ensaio) esconde sua grande profundidade e sua incrível sagacidade. Você pode lê-lo várias vezes — a cada releitura, descobrirá algo novo.
Hayek apresenta seu argumento contra os controles e as regulações estatais — e apresenta também sua constatação sobre como o conhecimento é disseminado e utilizado na sociedade — da forma mais completa e profunda possível. Ele apresenta argumentos que fazem você interromper sua leitura, pensar e repensar.
Por exemplo, ele argumenta que, se já soubéssemos antecipadamente todos os resultados que surgiriam em um ambiente de liberdade, não precisaríamos da liberdade: apenas implementaríamos diretamente todos esses resultados.
Ele também explica que todo o propósito da liberdade é exatamente o de descobrir, no futuro, tudo aquilo que ainda não sabemos no presente. Sendo assim, o argumento em prol da liberdade é, em última instância, baseado na humildade e no respeito pela sabedoria e pela experiência humana futura.
Eis um ensaio profundamente brilhante, o qual, sem exageros, fará diferença em como você encara o mundo e como você viverá o resto de sua vida.
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O argumento em prol da liberdade individual fundamenta-se, principalmente, no humilde reconhecimento de que somos ignorantes.  A realização dos nossos objetivos e do nosso bem-estar depende de uma série de fatores sobre os quais somos inevitavelmente ignorantes.
Se existissem indivíduos oniscientes, se pudéssemos conhecer não apenas tudo o que influi na realização dos nossos desejos atuais, mas também conhecer nossos desejos e necessidades futuras, não haveria muita razão para defendermos a liberdade. 
Por outro lado, a liberdade do indivíduo tornaria, evidentemente, impossível uma previsão perfeita. 
A liberdade é essencial para que o imprevisível exista; nós a desejamos porque aprendemos a esperar dela a oportunidade de realizar a maioria dos nossos objetivos. E, justamente porque o indivíduo sabe tão pouco e, mais ainda, como raramente podemos determinar quem de nós conhece mais, confiamos aos esforços independentes e competitivos de muitos a criação daquilo que desejaremos, quando tivermos a oportunidade de apreciá-lo. 
Por mais humilhante que seja para o orgulho humano, devemos reconhecer que o progresso e até a preservação da civilização dependem de um máximo de oportunidades para que o imprevisível possa acontecer.  Estas casualidades ocorrem graças à combinação de conhecimentos e atitudes, aptidões e hábitos adquiridos pelos indivíduos, e também quando indivíduos treinados se defrontam com problemas específicos que estão preparados para solucionar. 
Nosso inevitável desconhecimento de tantas coisas significa que teremos de lidar, em grande parte, com probabilidades e acasos. Naturalmente, tanto na vida social quanto na individual, os acidentes favoráveis não ocorrem simplesmente. Devemos estar preparados para quando acontecerem. 
Mas, mesmo assim, ainda são acasos, e não se transformam em certezas. Envolvem riscos deliberadamente aceitos, possíveis reveses de indivíduos e grupos que têm tanto mérito quanto outros que prosperam, possibilidade de fracassos ou de recaídas, até para a maioria, e apenas uma probabilidade de ganhos líquidos no cômputo geral. 
O máximo que podemos fazer é aumentar as possibilidades de que certa combinação de dons individuais e de circunstâncias leve à criação de algum novo instrumento ou ao aperfeiçoamento de um instrumento antigo e melhorar a perspectiva de que tais inovações se tornem rapidamente conhecidas por aqueles que podem beneficiar-se delas. 
Seres imperfeitos
Todas as teorias políticas pressupõem, evidentemente, que a maioria dos indivíduos é muito ignorante. Aqueles que defendem a liberdade se diferem dos outros porque incluem na categoria de ignorantes eles próprios e também os mais sábios. Comparada com a totalidade do conhecimento que é continuamente utilizado no processo evolutivo de uma civilização dinâmica, a diferença que existe entre o conhecimento dos mais sábios e aquele que pode ser deliberadamente empregado pelos mais ignorantes é insignificante.
Embora não percebamos habitualmente, todas as instituições da liberdade constituem de adaptações a esta fundamental constatação da ignorância, adaptadas para lidar com possibilidades e probabilidades, mas não com a certeza. Não existe certeza na ação humana e é por esta razão que, para fazer o melhor uso do nosso conhecimento individual, devemos seguir as normas indicadas pela experiência como as mais adequadas de um modo geral, embora não saibamos quais serão as conseqüências de sua observância em casos específicos.
O homem aprende pela frustração de suas esperanças. É óbvio que não devemos aumentar a imprevisibilidade dos acontecimentos com a criação de tolas instituições humanas. Na medida do possível, deveríamos ter como objetivo a melhoria das instituições humanas, a fim de aumentar as possibilidades de previsão correta. Todavia, acima de tudo, deveríamos proporcionar o máximo de oportunidades para que indivíduos que não conhecemos aprendessem fatos que nós mesmos ainda desconhecemos e utilizassem este conhecimento em suas ações. 
E é graças aos esforços harmônicos de muitas pessoas que se pode utilizar uma quantidade de conhecimento maior do que aquela que um indivíduo isolado pode acumular ou do que seria possível sintetizar intelectualmente. E graças a essa utilização do conhecimento disperso é que se tornam possíveis realizações superiores às que uma mente isolada poderia prever. 
É justamente porque liberdade significa renúncia ao controle direto dos esforços individuais que uma sociedade livre pode fazer uso de um volume muito maior de conhecimentos do que aquele que a mente do mais sábio governante poderia abranger.
As chances de erro
A partir destas premissas básicas sobre as quais se fundamenta a justificativa da liberdade, segue-se que não poderemos alcançar suas metas se limitarmos o uso da liberdade apenas àquelas circunstâncias especiais nas quais sabemos que ela será benéfica. Não é liberdade aquela concedida somente quando seus efeitos benéficos são conhecidos de antemão. 
Se soubéssemos de que forma a liberdade seria usada, não teríamos necessidade de justificá-la. Nunca conseguiremos os benefícios da liberdade, nunca alcançaremos os avanços imprevisíveis que ela possibilita, se ela não for também concedida nos casos em que sua utilização parecer indesejável. 
Portanto, não se pode alegar como argumento contra a liberdade individual que as pessoas frequentemente abusam dessa liberdade.  Liberdade significa, necessariamente, que cada um acabará agindo de uma forma que poderá desagradar aos outros. 
Nossa fé na liberdade não se baseia nos resultados previsíveis em determinadas circunstâncias, mas na convicção de que ela acabará liberando mais forças para o bem do que para o mal. 
Segue-se, também, que a importância de termos liberdade de ação não está de modo algum relacionada com a perspectiva de nós, ou a maioria, estarmos, algum dia, em condições de utilizar tal possibilidade. Conceder apenas o grau de liberdade que todos têm a possibilidade de exercer significaria interpretar sua função de modo totalmente errado. 
Por esse raciocínio errôneo, a liberdade utilizada apenas por um homem entre um milhão pode ser mais importante para a sociedade e mais benéfica para a maioria do que qualquer grau de liberdade que todos nós poderíamos desfrutar. Poder-se-ia dizer até que, quanto menor a oportunidade de se fazer uso da liberdade para determinado fim, mais preciosa ela será para a sociedade como um todo. Quanto menor a oportunidade, tanto mais grave será perdê-la quando surgir, pois a experiência que oferece será quase única. 
Por outro lado, é provavelmente correto dizer que a maioria não se interessa diretamente senão por uma parcela mínima das coisas importantes que uma pessoa deveria ter liberdade de fazer. A liberdade é tão importante justamente porque não sabemos como os indivíduos a usarão. Se não fosse assim, também seria possível chegar aos resultados da liberdade se a maioria decidisse o que os indivíduos deveriam fazer. Mas a ação da maioria está necessariamente restrita ao que já foi testado e averiguado, a questões que já obtiveram o consenso no processo de análise que deve ser precedido por diferentes experiências e ações de indivíduos diferentes.
Liberdade para o desconhecido
Os benefícios que a liberdade me concede são, assim, em grande parte, o resultado do uso que outros fazem dela e, principalmente, dos usos dos quais eu nunca me poderia valer. Por isso, o mais importante para mim não é necessariamente a liberdade que eu próprio posso exercer. É muito mais importante que alguém possa experimentar tudo do que a possibilidade de todos fazerem as mesmas coisas. 
Não é porque gostamos de poder fazer determinadas coisas, nem porque consideramos algum tipo de liberdade essencial à nossa felicidade, que temos direito à liberdade. O instinto que nos faz reagir contra qualquer restrição física, embora seja um aliado útil, nem sempre representa padrão seguro para justificar ou delimitar a liberdade. O importante não é o tipo de liberdade que eu próprio gostaria de exercer e sim o tipo de liberdade de que alguém pode necessitar para beneficiar a sociedade. Só poderemos assegurar essa liberdade a uma pessoa desconhecida se a conferirmos a todos.
Os benefícios da liberdade não são, portanto, limitados aos homens livres — ou, pelo menos, um homem não se beneficia apenas daqueles aspectos da liberdade dos quais ele próprio tira vantagem. Não há dúvida de que, ao longo da história, maiorias não-livres se beneficiaram com a existência de minorias livres, e as sociedades não-livres de hoje se beneficiam daquilo que podem obter e aprender de sociedades livres.
Evidentemente, os benefícios que obtemos com a liberdade de outros tornam-se maiores na medida em que cresce o número daqueles que podem exercer a liberdade. 
A tese que justifica a liberdade para alguns aplica-se, portanto, à liberdade para todos. Mas é ainda melhor para todos que alguns sejam livres do que ninguém; e, também, bem melhor que muitos possam gozar de plena liberdade do que todos terem uma liberdade restrita. 
O mais significativo é que a importância da liberdade de agir de determinada maneira nada tem com o número de pessoas que querem agir assim: a proporção poderia ser inversa. Uma consequência disto é que uma sociedade pode ser tolhida por controles, embora a grande maioria possa não se dar conta de que a sua liberdade foi restringida de forma considerável. Se agíssemos a partir do pressuposto de que só é importante o uso que a maioria venha a fazer da liberdade, estaríamos criando uma sociedade estagnada com todas as características da falta de liberdade.
A natureza das mudanças
As inovações imprevistas que aparecem constantemente ao longo do processo de adaptação consistirão, primeiramente, em novos arranjos ou modelos, em que se encontram coordenados os esforços de diferentes indivíduos, e em novas organizações para o uso de recursos, por natureza tão passageiras quanto as condições específicas que permitiram seu aparecimento. 
Haverá, em segundo lugar, modificações de instrumentos e de instituições, adaptadas às novas circunstâncias. Algumas delas serão também meras adaptações temporárias às condições do momento, enquanto outras constituirão melhoramentos que, por aumentar a versatilidade dos instrumentos e hábitos existentes, serão mantidos. 
Estes últimos representarão uma adaptação melhor, não apenas às circunstâncias específicas de tempo e espaço, mas a uma característica permanente do nosso meio. Nestas "formações" espontâneas está incorporada uma percepção das leis gerais que governam a natureza. Esta incorporação cumulativa da experiência em instrumentos e formas de ação permitirá uma evolução do conhecimento explícito, de normas genéricas expressas que podem ser transmitidas pela linguagem de uma pessoa a outra. 
Este processo de surgimento do novo pode ser mais bem entendido na esfera intelectual quando seu resultado são idéias novas. Neste campo, a maioria de nós percebe pelo menos alguns estágios individuais do processo; sabe necessariamente o que está ocorrendo e, por esta razão, em geral, reconhece a necessidade de liberdade. A maioria dos cientistas compreende que não podemos planejar o avanço do conhecimento, que na busca rumo ao desconhecido — e é isso que constitui a pesquisa — dependemos, em grande parte, dos caprichos dos gênios e das circunstâncias, e que o avanço científico, assim como uma idéia nova que surge na mente de um indivíduo, será a consequência de uma combinação de conceitos, hábitos e circunstâncias que a sociedade proporciona a um indivíduo, resultando tanto de acasos felizes quanto de um esforço sistemático.
Como percebemos mais facilmente que nossos avanços na esfera intelectual muitas vezes são fruto do imprevisto e do não-planejado, somos levados a exagerar a importância da liberdade de pensamento e a ignorar a importância da liberdade de ação. Mas a liberdade de pesquisa e de opinião e a liberdade de expressão e discussão, cuja importância é plenamente compreendida, são significativas somente no último estágio do processo de descoberta de novas verdades. 
Enaltecer o valor da liberdade intelectual, em detrimento do valor da liberdade de ação, equivaleria a tomar o topo de um edifício como o todo. Novas idéias devem ser discutidas, diferentes pontos ajustados, pois estas idéias e pontos de vista surgem dos esforços, em circunstâncias sempre novas, de indivíduos que se valem, em suas tarefas concretas, dos novos instrumentos e formas de ação que eles assimilaram.
A complexidade do progresso
O aspecto não intelectual deste processo — a formação do ambiente material modificado, no qual o novo emerge — exige, para a sua compreensão e apreciação, um esforço de imaginação bem maior do que os fatores destacados pela perspectiva intelectualista. 
Embora às vezes possamos identificar os processos intelectuais que conduziram a uma idéia nova, provavelmente nunca poderíamos reconstituir a sequência e a combinação das contribuições que não levaram à aquisição do conhecimento explícito; provavelmente nunca poderíamos reconstituir os hábitos adequados e as aptidões que foram empregadas, os meios e as oportunidades utilizadas e o ambiente peculiar dos atores principais que permitiram aquele resultado. 
As nossas tentativas de compreender essa parte do processo não podem ir além de mostrar, em modelos simplificados, as forças que nele operam e de indicar o princípio geral e não o caráter específico das influências que atuam no caso. Os homens sempre se preocupam apenas com o que sabem. Portanto, as características que, durante o processo, não são conhecidas ao nível da consciência costumam ser ignoradas e provavelmente nunca podem ser identificadas em detalhe.
Na realidade, estas características inconscientes, além de geralmente desprezadas, muitas vezes são consideradas um obstáculo e não uma contribuição ou uma condição essencial. Por não serem "racionais", no sentido de serem utilizadas em nosso raciocínio, frequentemente são consideradas irracionais, contrárias à ação inteligente. 
Todavia, embora a maior parte dos elementos não-racionais que afetam nossa ação possa ser irracional neste sentido, a maioria dos "meros hábitos" e "instituições sem sentido", que usamos e pressupomos em nossas ações, representa condições essenciais para a realização de nossos objetivos, constituindo formas de adaptação da sociedade que já demonstraram sua eficácia e utilidade, que estão sendo constantemente aperfeiçoadas e das quais depende a dimensão daquilo que podemos realizar. Embora seja importante descobrir suas falhas, nem por um momento poderíamos ir em frente sem confiar nelas constantemente.
A maneira pela qual aprendemos a organizar nosso dia, a nos vestir, a comer, a arrumar nossas casas, a falar, a escrever e a utilizar outros incontáveis instrumentos e implementos da civilização, sem esquecer a experiência prática (o know-how) da produção e do comércio, dá-nos constantemente os fundamentos nos quais se devem basear nossas próprias contribuições ao processo de civilização. 
E, no novo uso e aperfeiçoamento dos instrumentos que nos são oferecidos pela civilização, surgem as novas idéias que serão empregadas finalmente na esfera intelectual.  
Embora o uso consciente do pensamento abstrato, uma vez iniciado, tenha até certo ponto uma vida própria, não poderia perdurar e desenvolver-se por muito tempo sem os desafios constantes que se apresentam, pois os indivíduos são capazes de agir de uma maneira nova, de experimentar outras maneiras de fazer as coisas e de mudar toda a estrutura da civilização, na tentativa de se adaptar à mudança. 
O processo intelectual é, com efeito, apenas um processo de elaboração, seleção e eliminação de idéias já formadas. E o fluxo de novas idéias nasce, em grande parte, da esfera na qual a ação, muitas vezes não racional, e acontecimentos materiais se influenciam reciprocamente.  Este fluxo estancaria se a liberdade fosse confinada à esfera intelectual.
A importância da liberdade, portanto, não depende do caráter elevado das atividades que ela torna possíveis. A liberdade de ação, mesmo nas coisas simples, é tão importante quanto a liberdade de pensamento. Tornou-se um senso comum desmerecer a liberdade de ação apelidando-a de "liberdade econômica".  Mas o conceito de liberdade de ação é muito mais amplo do que o de liberdade econômica (o qual ela engloba).  
E, o que é mais importante, é extremamente duvidoso que haja ações que possam ser consideradas meramente "econômicas" e que as restrições à liberdade possam ficar limitadas aos chamados aspectos "econômicos". 
Considerações econômicas são apenas aquelas pelas quais conciliamos e ajustamos nossos diferentes objetivos, nenhum dos quais, em última análise, é econômico (exceto os do avarento ou do homem para o qual ganhar dinheiro se tornou um fim em si mesmo).
Os objetivos são abertos 
O que dissemos até agora se aplica, em grande parte, não apenas ao uso dos meios para a realização dos objetivos individuais, mas também a estes mesmos objetivos. 
Uma sociedade é livre, entre outras razões, porque as aspirações dos indivíduos não são limitadas, uma vez que o esforço consciente de alguns indivíduos pode gerar novos objetivos, que posteriormente serão adotados pela maioria. Devemos reconhecer que mesmo o que agora consideramos bom ou bonito pode mudar — se não de uma forma perceptível que nos permita adotar uma posição relativista, pelo menos no sentido de que, em muitos aspectos, não sabemos o que será bom ou bonito para outra geração. 
Também não sabemos por que consideramos isto ou aquilo bom, nem quem está com a razão quando há divergência acerca do que é bom ou não. Não somente em termos do seu conhecimento, mas também em termos dos seus objetivos e valores, o homem é um produto da civilização; em última análise, é a importância destas aspirações individuais para a perpetuação do grupo ou da espécie que determinará se persistirão ou mudarão. 
Evidentemente, é um erro acreditar que podemos tirar conclusões acerca da qualidade dos nossos valores apenas porque compreendemos que são produto da evolução. Mas dificilmente poderíamos duvidar que estes valores são criados e alterados pelas mesmas forças evolutivas que produziram nossa inteligência. Podemos apenas saber que a decisão final a respeito do que é bom ou ruim não caberá à sabedoria de indivíduos, mas à decadência dos grupos que adotaram idéias "erradas".
Medidas de sucesso
É na busca dos objetivos a que o homem se propõe em determinado momento que podemos comprovar se os instrumentos da civilização são adequados; os ineficazes serão abandonados e os eficientes mantidos. Mas não se trata apenas do fato de que, com a satisfação de necessidades antigas e com o aparecimento de novas oportunidades, surgem constantemente novas finalidades. O sucesso e a perpetuação deste ou daquele indivíduo ou grupo dependem tanto dos objetivos por eles perseguidos, dos valores que governam suas ações, como dos instrumentos e da capacidade de que dispõem. 
A prosperidade ou extinção de um grupo dependerá tanto do código de ética ao qual obedece, ou dos ideais de beleza e felicidade a que se atém, como do grau em que aprendeu, ou não, a satisfazer suas necessidades materiais. 
Em qualquer sociedade, certos grupos podem ascender ou declinar de acordo com as metas que perseguem e os padrões de conduta que observam. E as metas do grupo que teve êxito tenderão a ser adotadas pelos demais membros da sociedade. 
Na melhor das hipóteses, podemos entender somente em parte a razão pela qual os valores que defendemos ou as normas éticas que observamos contribuem para a perpetuação da nossa sociedade. E nem podemos ter certeza de que, em condições de mudança constante, todas as normas que, comprovadamente, contribuem para a consecução de um determinado fim continuarão desempenhando esta função. 
Embora se costume supor que todo padrão social estabelecido contribui, de certa forma, para preservar a civilização, o único meio de confirmá-lo será averiguar se, concorrendo com os padrões adotados por outros grupos ou indivíduos, ele continua a se mostrar adequado.
A concorrência permite alternativas
A concorrência, na qual se baseia o processo de seleção, deve ser entendida no seu mais amplo sentido. Ela implica não apenas a concorrência entre indivíduos como também a concorrência entre grupos organizados e não organizados. Encará-la como algo que se contrapõe a cooperação ou a organização seria interpretar incorretamente sua natureza. 
O esforço para conseguir certos resultados mediante a cooperação e a organização é tão inerente à concorrência quanto os esforços individuais. A distinção relevante não está entre a ação individual e a ação de grupo mas, por um lado, entre as condições em que seja possível experimentar alternativas, baseadas em diferentes pontos de vista ou métodos, e, por outro lado, as condições nas quais um organismo detém o direito exclusivo e o poder de impedir que outros participem. 
Somente quando tais direitos exclusivos são conferidos na pressuposição de que certos indivíduos ou grupos possuem conhecimento superior, o processo deixa de ser experimental e as convicções que prevalecem em dado momento podem tornar-se um obstáculo ao progresso do conhecimento.
Defender a liberdade não significa opor-se à organização — que constitui um dos meios mais poderosos que a razão humana pode empregar —, mas opor-se a toda organização exclusivista, privilegiada ou monopolística, ao emprego da coerção para impedir que outros tentem apresentar melhores soluções. 
Toda organização baseia-se em certos conhecimentos; organização significa dedicação a um objetivo específico e a métodos específicos, mas até a organização destinada a aumentar o conhecimento só será eficiente na medida em que o conhecimento e as convicções nas quais seu plano se baseia forem verdadeiros. 
E, se qualquer fato vier a contradizer as convicções nas quais está alicerçada a estrutura da organização, isto só se tornará evidente se ela fracassar e for suplantada por outro tipo de organização. A organização, por este motivo, poderá ser benéfica e eficiente enquanto for voluntária e se der em uma esfera livre, e terá de se ajustar a circunstâncias que não foram consideradas em sua concepção, ou então fracassar. 
Transformar toda a sociedade em uma única organização, criada e dirigida conforme um único plano, equivaleria a extinguir as próprias forças que formaram as mentes humanas que a planejaram.
Vale a pena parar por um momento e analisar o que aconteceria se fosse empregado em todas as ações somente aquilo que o consenso geral considerasse o conhecimento mais avançado. Se fossem proibidas todas as tentativas que parecessem supérfluas à luz do conhecimento aceito pela maioria, e se se indagasse apenas a respeito das coisas consideradas significativas pela opinião dominante ou se realizassem apenas as experiências ditadas por esta opinião, a humanidade chegaria talvez a um ponto em que seu conhecimento permitiria prever as consequências de todas as ações comuns e evitar todas as desilusões ou fracassos. 
Então, aparentemente, o homem teria sujeitado seu ambiente à sua razão, pois somente empreenderia aquelas tarefas cujos resultados fossem totalmente previsíveis. Poderíamos imaginar que a civilização teria deixado de evoluir, não por se terem esgotado as possibilidades de um crescimento futuro, mas porque o homem teria conseguido sujeitar tão completamente todas as suas ações e o meio ambiente imediato ao seu nível de conhecimento, que novos conhecimentos não teriam qualquer oportunidade de surgir.
O racionalista que deseja sujeitar tudo à razão humana encontra-se, assim, diante de um verdadeiro dilema. O uso da razão visa ao controle e à possibilidade de previsão. Mas o processo evolutivo da razão baseia-se na liberdade e na imprevisibilidade da ação humana. 
Aqueles que exaltam os poderes da razão humana normalmente veem apenas um lado da interação do pensamento e da conduta, na qual a razão atua na prática e, ao mesmo tempo, é modificada por esta prática. Eles não percebem que, para haver progresso, o processo social que possibilita a evolução da razão deve permanecer livre do seu controle. 
Congelando o processo
Resta pouca dúvida de que o homem deve parte de seus maiores sucessos ao fato de não ter sido capaz de controlar a vida social. Seu avanço contínuo provavelmente dependerá de sua renúncia deliberada aos controles que agora estão em seu poder. 
No passado, as forças evolutivas espontâneas, embora muito limitadas pela coerção organizada do estado, ainda podiam afirmar-se contra este poder. Dados os meios tecnológicos de controle hoje à disposição do governo, talvez já não seja possível afirmar isso; de qualquer forma, em breve poderá tornar-se impossível. 
Não estamos longe do momento em que as forças deliberadamente organizadas da sociedade poderão destruir as forças espontâneas que tornaram possível o progresso.

A metafísica do antiglobalismo numa palestra no Instituto Rio Branco - Paulo Roberto de Almeida


Confirmado: política externa do bolsonarismo dominada pela paranoia dos antiglobalizadores metafísicos

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: resumo de palestra; finalidade: informação pública]


Realizou-se em 9 de maio de 2019, dia da rendição nazista às tropas da União Soviética, em 1945, palestra do assessor internacional da Presidência da República sobre o tema “Governança Global e autodeterminação popular”, realizada no Instituto Rio Branco, sob organização da Fundação Alexandre de Gusmão. Para quem esperava uma primeira oportunidade – sim, porque até o presente momento nunca houve tal possibilidade – de receber uma exposição sistemática e abrangente da “nova” política externa brasileira, sob o governo Bolsonaro, foi uma nova frustração, pois não ocorreu nenhum tratamento ou discussão da política externa, assim como nunca houve, sob qualquer aspecto que se examine, qualquer exposição, apresentação, explanação sobre todas as demais políticas setoriais ou sobre a política do governo, de maneira geral. Continuamos sem saber o que pensa o governo sobre sua estratégia global, sobre suas prioridades setoriais, suas preferências políticas ou inclinações práticas, a não ser pelos repentes que podem ser anunciados em torno de medidas enviadas ao Congresso pelo presidente e seus ministros. Assim continua também no caso da política externa.
Segundo a própria declaração inicial do assessor da Presidência da República para assuntos internacionais, sua palestra trataria de um “tema bastante específico, muito específico mesmo”, e que talvez não fizesse sentido, em suas palavras, “para certas pessoas” (talvez estivesse pensando em mim, mas não tenho certeza disso), que provavelmente se oporiam a suas opiniões. Em todo caso, para esse assessor, os temas são, provavelmente, os grandes temas da política internacional do século XXI, que estariam enfeixados na designação geral de “governança global”, supostamente oposta à “autodeterminação popular”, ambos conceitos jamais devidamente explicitados ao longo da palestra (e tampouco no subsequente debate com a audiência). A palestra foi subsidiada com a exibição de slides, na verdade apenas algumas fotos de líderes políticos, algumas frases em destaque de uns e outros – começando com o líder do Brexit britânico, depois passando a Trump e aos italianos da nova direita – e um ou outro esquema sobre as diferenças entre a globalização – processo julgado positivo – e o globalismo, supostamente a fonte de todo o mal.
Para o assessor bolsonarista, e olavista convencido, o mundo está em “desarranjo”, e a situação internacional parece ser “bastante confusa”, mas alguma coisa está mudando, justamente em função da vitória dos Brexiters, na Grã-Bretanha, do candidato Donald Trump, nos Estados Unidos, e de outros representantes da direita na Europa, agregando ao experimento já decenal de Viktor Orban na Hungria. Esses resultados podem estar ligados à crise econômica de 2008, mas não foi apresentada qualquer evidência para esse tipo de argumento. A vitória de Bolsonaro em outubro de 2018 também se inscreveria nessa trajetória de recusa dos povos da antiga “normalidade globalista”. A “explicação” dessa mudança foi apresentada por uma frase de Trump, como se ela encerrasse a chave explicativa dessa inclinação para a direita em diferentes países europeus e nas Américas: “We will no longer surrender this country, or its people, to the false songs of globalism”.
Sobre o globalismo, disse o assessor, existe muita especulação, e ele pretendia trazer uma nova abordagem desse conceito, para sustentar sua visão pessoal sobre esse “desarranjo” atual no mundo. Se no século XX, a grande luta foi entre a democracia liberal e o totalitarismo, no século XXI a luta seria entre a democracia liberal e o globalismo. Ele deu exemplo, em seguida, de grandes líderes “nacionalistas” do século XX, para sustentar sua defesa de um novo nacionalismo, que não se confundiria com o nacionalismo causador das grandes guerras globais cem anos atrás e até a metade do século XX: Thatcher, Reagan, Gandhi ou Ben Gurion. O nacionalismo, para o assessor, teria suas virtudes, inclusive a de não ser imperialista, o que é pelo menos estranho, no confronto de amplas evidências históricas. O nacionalismo também seria contrário a movimentos ou processos políticos centralizadores, outra asserção estranha, uma vez que suas ideias estariam difusas dentro da nação.
O ponto principal de sua argumentação, porém, é o de que as populações não mais querem um projeto globalizante, e sim um movimento conservador moderno. A causa do globalismo, que em nenhum momento recebeu comprovação empírica de sua existência concreta, estaria nas “elites pensantes”, todas elas comprometidas com a emergência, afirmação e consolidação de estruturas globais de governança, quando o que se manifesta agora é o desejo dos povos de retomar o controle sobre os processos decisórios nacionais. Não faltaram invectivas contra o Iluminismo, promotor de uma “mentalidade revolucionária” que teria operado “três inversões básicas”: a primeira seria de ordem cronológica, quando o passado se torna futuro, e passa a projetar ideias globalistas baseadas numa sociedade sem classes (marxista) ou dominada pela ideia de superioridade racial (não precisa dizer quem seria); a segunda seria uma “inversão moral”, de que se pode fazer de tudo para acelerar o futuro, com base numa “teoria” supostamente de fundo maquiavélico, segundo a qual os “fins justificam os meios” (pobre Maquiavel); a terceira inversão seria a do sujeito-objeto, cabendo então novas objeções aos promotores do Iluminismo, que desembocou no Diretório, e no Terror da Revolução francesa.
O globalismo seria exatamente um episódio da mentalidade revolucionária, segundo uma “teologia do progresso” (que seria o materialismo dialético de Marx). Existiriam muitas justificativas para o globalismo, entre elas nada menos que o bem-estar e a prosperidade, ademais de diversas outras, que levariam à “corrosão da tradição religiosa”, à “ditadura das organizações internacionais” e a imposição de “autoridades biônicas” (sic).
Felizmente, o governo Bolsonaro surgiu para, a exemplo de Trump e vários colegas, “defender a população do globalismo”, que opera uma “instrumentação político-ideológica” do processo de globalização, para efetuar a “transferência do eixo do poder para um corpo difuso de burocratas internacionais”. Como disse o presidente no seu discurso aos jovens diplomatas formandos no dia 3 de maio, eles não podem deixar que o Brasil seja definido de fora; os diplomatas têm de entender o Brasil, para impedir que ele seja “definido de fora, com base em ideias e interesses alheios”. Suponho que tenha sido o próprio assessor internacional quem escreveu esse discurso para o presidente, pois ele repetiu as mesmas ideias duas ou três vezes. Graças ao governo Bolsonaro, portanto, o Brasil estaria bem posicionado para se defender do globalismo, como também para entender e enfrentar o “mundo desarranjado”.
Na parte das perguntas e respostas, outras precisões foram introduzidas, como a confirmação da convergência do Brasil com alguns governos que possuem a mesma visão do mundo, nomeadamente a Itália e os países do grupo de Visegrad, com destaque para a Hungria de Viktor Orban (ironicamente com estudos numa universidade fundada por George Soros, atualmente o seu grande inimigo globalista). Aliás, graças a essa postura, os países do grupo de Visegrad “não enfrentaram a crise de 2008”.

O que se pode depreender desse tipo de exposição autocongratulatória – afinal de contas, os diplomatas brasileiros deveriam agradecer aos novos dirigentes o fato de estarem salvando o Brasil, sua política externa e sua diplomacia dos males do globalismo – é que temos um grupo de alucinados no comando da política externa. Eles querem nos fazer crer, sem trazer qualquer evidência concreta, empiricamente fundamentada, de que existe um real perigo de o Brasil perder sua soberania sob os golpes conspiratórios das elites globalistas multilaterais e seus aliados nacionais. Não existem dúvidas nesse grupo de metafísicos antiglobalistas: o globalismo existe, estava sendo implementado, e quem não concorda com essa visão é porque é globalista, algo próximo a ser traidor da pátria. Trata-se de uma surpreendente inversão do ônus da prova, ou seja, nós, diplomatas normais, é que teríamos de provar a não existência dessa coisa nefasta que se chama globalismo.
Não tenho muito a acrescentar sobre o que eu mesmo penso da globalização e do globalismo, adicionalmente ao que já escrevi no final de 2017, num trabalho que se encontra disponível em meu blog: “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, Brasília, 7/12/2017, 8 p. Notas preparadas para uma entrevista a um programa da série Brasil Paralelo, sobre os conceitos de globalização e de globalismo; blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html). Esse antiglobalismo paranoico tem sua origem em algumas ideias estapafúrdias daquele a quem já chamei de sofista da Virginia e de Rasputin de subúrbio, de quem o assessor presidencial se declarou um admirador confesso e devotado, além do próprio chanceler atual, que criou um blog deliberadamente contrário ao que ele também acusa de ser um complô mundial em favor do multilateralismo. Mas, estranhamente, o dito chanceler nunca havia demonstrado, em anos e anos de carreira diplomática mais ou menos normal, qualquer pendor para essas ideias bizarras do guru escatológico do governo atual, tendo a elas aderido de maneira oportunista, provavelmente para ganhar, justamente, o cargo de chanceler, no qual tem se mostrado, um seguidor fiel, embora desequilibrado, dessa mística antiglobalista, que me parece ser totalmente contrária ao sentido geral da atividade diplomática, ademais de ser, como já afirmado, um monstro metafísico totalmente desprovido de evidências fáticas.
Pode-se dizer, portanto, que a política externa brasileira continuará a ser dominada por essa paranoia surrealista de seguidores de um confuso personagem que conquistou corações e mentes entre as atuais lideranças políticas. Ou seja, infelizmente, continuaremos a ser objetos do ridículo universal (e não apenas por isso). Um dia isso tudo passa, mas até lá teremos de conviver com essa confusão mental confirmada pela palestra do assessor presidencial em assuntos internacionais.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de maio de 2019