O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 26 de outubro de 2019

Mini-reflexões sobre as atuais turbulências latino-americanas - Paulo Roberto de Almeida


Mini-reflexões sobre as atuais turbulências latino-americanas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: reflexão; finalidade: debate público] 

As manifestações ocorridas em diversos países latino-americanos, diferentes em suas motivações e características, não possuem conexões entre si. Tampouco são o resultado da ação do Foro de São Paulo, como pretendem jornalistas ou militantes da extrema-direita. Elas são o reflexo de situações próprias a cada um deles, e respondem a gatilhos diversos, alguns sistêmicos – ou seja, decorrem de problemas estruturais, persistentes –, outros, puramente conjunturais, isto é, motivados por iniciativas políticas nem sempre compatíveis com a racionalidade elementar na governança que devem manter os presidentes. Vou estender-me sobre algumas dessas manifestações, mas desde já adianto a minha conclusão, infelizmente pessimista, ou realista, como corresponde a um observador transparente como acredito que sou. Minha conclusão é esta:
Depois de idas e vindas no caminho das reformas, da modernização das instituições, da racionalidade na definição de políticas econômicas sólidas e dos ajustes necessários no caminho da superação de sua inacreditável letargia na “normalização” de políticas e práticas correntes, os países envolvidos nessas manifestações voltam ao “mainstream” da política latino-americana “normal”, ou seja, o populismo nas políticas econômicas, a demagogia nas atitudes dos governantes, o distributivismo nos mecanismos sociais, a recusa das ferramentas baseadas no mérito e na competição, a recusa da livre ação dos mercados, a introversão no protecionismo, nos subsídios a determinados grupos – que não estranhamente são por vezes os mais privilegiados – e o retraimento no enfrentamento das questões reais desses países. O Brasil ainda não foi envolvido nesse turbilhão de manifestações, a despeito de exibir certos traços sociais e políticos – entre eles a desigualdade social, a corrupção política – que estiveram na origem dos distúrbios em países vizinhos; nada impede, porém, que certos traços dos movimentos neles presentes, ou no próprio Brasil, possam impulsionar ações futuras por parte de grupos políticos, ou até da população como um todo, como foi o caso das manifestações aparentemente “espontâneas” de 2013, que produziram efeitos até hoje visíveis no cenário político brasileiro.
Vou abordar alguns aspectos dessas manifestações, começando pela paranoia visível em determinadas manifestações públicas do governo brasileiro, ou de sua militância política, no sentido de ver nessas diferentes convulsões a ação organizada dessa entidade mítica chamada “Foro de São Paulo”, o grande fantasma da extrema direita no Brasil. Em minha opinião, não há qualquer relação entre essas diversas manifestações com esse fantasma metafísico que se chama Foro de São Paulo, ainda que ele exista e vou me pronunciar sobre ele neste mesmo espaço.
O FSP é uma construção cubana, com a ajuda integral do PT no Brasil, e representa apenas uma espécie de Cominform dos cubanos para a América Latina, ou seja, um mecanismo de controle que os comunistas cubanos exercem sobre diversos, não todos, partidos de esquerda na América Latina. Começou com grandes expectativas de consolidação de governos de esquerda na região, num momento em que desaparecia o “mensalão” soviético que sustentava o decrépito regime comunista castrista, mas nunca pode assegurar plenamente esse papel. Os governos petistas – cujos dirigentes tinha recebido muito apoio político e até ajuda financeira durante os anos anteriores à conquista do poder – até que ajudaram o falido regime comunista da ilha, e os chavistas o fizeram de forma muito mais ampla. Mas tudo isso não se manteve e hoje os comunistas cubanos tentam apenas sobreviver.
As manifestações atuais não são, contudo, em nada teleguiadas pelo FSP, com apenas essa particularidade que muitos dos militantes de partidos que são membros do FSP podem estar nas manifestações, mas esse é um nexo puramente casual e sem qualquer conexão com algum papel diretivo do Foro na condução das manifestações. Elas surgiram num contexto e cenário próprios a cada país, com dinâmicas totalmente distintas, e a única coisa que as “une”, num sentido puramente formal, é o uso das redes sociais para a mobilização de manifestantes. Se o FSP tivesse algum papel, essas manifestações não seriam tão caóticas quanto claramente são, e, sim, exibiriam diretivas claras, conectadas ao universo político da esquerda “oficial”, que é aquela coordenada pelos comunistas cubanos. Estamos, em minha opinião, muito mais em face de “anarquismo” espontâneo do que de leninismo, ou stalinismo.
Não existem, visualmente, objetivos comuns a nenhuma dessas manifestações e os objetivos específicos a cada uma delas estão muito mais conectados a realidades peculiares a cada governo, ou cada ou país, do que a uma incitação imaginária impulsionada pelo FSP. Apenas paranoicos, ou adeptos de teorias da conspiração, podem achar que o FSP teria capacidade ou poder de determinar fenômenos, processos, eventos, bobagens tão diversas quanto essas às quais assistimos nas últimas semanas, ou meses, que listo a seguir:
1) aprofundamento da crise econômica na Argentina, por incompetência, ou falta de coragem, do governo dito “liberal” no combate à inflação, na correção dos desequilíbrios internos e externos, o que redundou no declínio eleitoral da equipe governante e seu recurso subsequente a medidas claramente populistas, demagógicas e insustentáveis, em face de um peronismo multiforme sempre presente no cenário político daquele país;
2) eliminação, de forma abrupta e concentrada, da política de subsídios combustíveis no Equador, um país petrolífero, eventualmente padecendo dos baixos preços dessa matéria-prima, na sequência de medidas sociais insustentáveis adotadas pelo governo populista anterior, quando da fase de valorização no mercado de petróleo; o presidente do Equador pode ter cometido o mesmo erro do presidente francês Emmanuel Macron, quando decidiu ser “politicamente correto” ao adotar novos impostos sobre combustíveis fósseis, no mesmo momento em que o câmbio encarecia os preços dessas mercadorias;
3) aumento de alguns centavos nos transportes urbanos do Chile, que constituiu, aparentemente, o gatilho das manifestações gigantescas ali ocorridas, um pouco como os “vinte centavos” serviram de partida para as manifestações no Brasil em 2013, o que não foi o caso, cabe afirmar claramente; num e noutro caso, a dimensão das manifestações não se deve absolutamente a esse prosaico evento, e sim a forças políticas diversas, diversamente motivadas, mas convergentes na sua insatisfação contra os governantes; como geralmente ocorre, nesses casos, a evolução do movimento se torna imprevisível, como nas ações de turbas irracionais, estimuladas por diferentes movimentos políticos;
4) possível fraude na apuração de votos na Bolívia, ainda que o presidente atual seja manifestamente popular junto às grandes massas populares, e perfeitamente capaz de vencer eleições limpas e corretamente aferidas; ocorre que o próprio presidente é um fraudador da sua constituição e do plebiscito feito para lhe conceder mais um mandato, recusado e, com a conivência de um tribunal eleitoral complacente, levado a um ambiente de tensão inevitável; mas o caso boliviano é bastante distinto das demais manifestações “populares” na região, pois ele se dá num contexto eleitoral de divisão política do país, não de relativa convergência de forças “populares” atuando diretamente por força de motivações “econômicas”;
5) caos político no Peru, por razões absolutamente anódinas, de disputas partidárias latentes, sem o caráter agudo das manifestações de rua existente nos demais países, em aguardo de novos desenvolvimentos no cenário político-eleitoral do país andino;
6) “tremores” no México, por causa de um cartel de narcotraficantes, prontamente “atendido” em sua reivindicação principal – a libertação do chefe do cartel – pelo presidente de esquerda, alegadamente para “poupar vidas” em determinada cidade, o que demonstra a baixa capacidade do governo no enfrentamento do mais grave problema enfrentado atualmente pelo país, o desafio da criminalidade organizada.
Não cabe ainda colocar na mesma classificação de “manifestações de massas” a mobilização de manifestantes ecologistas, de estudantes e diversos esquerdistas no Brasil, posicionados contra o governo Bolsonaro e suas políticas, pois não se chegou ainda ao “ponto ótimo” da crise, que seria a total incapacidade do governo encaminhar os grandes problemas do Brasil atual: recessão, alto desemprego, desequilíbrios sociais, esgotamento das finanças públicas, insegurança cidadão, degradação de políticas setoriais no campo da justiça, das investigações contra criminosos – inclusive nos círculos governamentais – e indefinição total em diversas áreas de governo, inclusive em política externa. Tampouco se pode falar em outros “distúrbios” na Venezuela, absolutamente esgotada por uma crise que se arrasta desde muitos anos, e impasses persistentes no terreno político. Não há em comum, tampouco, com as gigantescas manifestações de massa ocorridas na Catalunha, de origem puramente local, de cunho nacionalista, ou em Hong Kong, onde o que está em causa é a defesa dos valores e princípios democráticos numa “dependência” que reluta em se integrar ao império autocrático comandado desde Beijing.
Em outras palavras, cada um dos movimentos referidos acima é único e original, sem nada em comum, a não ser o uso de ferramentas sociais para sua caótica organização e um descontentamento geral pairando em todos eles.  Para concluir com o FSP, e exclui-lo de vez de qualquer papel nessas manifestações de países latino-americanos, esse Cominform cubano é totalmente incapaz de explorar essas manifestações em seu proveito próprio. Pode-se, assim, repetir Shakespeare: much ado about nothing, ou seja, muito barulho por nada...
Mas, o Brasil poderia, teoricamente, ser igualmente tomado por manifestações desse tipo? Não sou paranoico, nem adepto de teorias conspiratórias e não creio que eventos que se desenvolvem em outros cenários políticos possam se desenvolver por aqui, inclusive porque, cabe repetir, essas “ações” – que são descoordenadas, caóticas, imprevisíveis, ingovernáveis – não possuem nada, absolutamente nada em comum, a não ser o já referido mecanismo das redes sociais – também amplamente explorado pelas direitas, se por acaso existem na região. Observou-se, ademais, uma extrema violência nos casos do Equador e do Chile, o que não parece perto de se reproduzir no Brasil. Multidões desorganizadas, jovens marginais não possuem uma mesma identidade política ou objetivos uniformes, apenas o desejo de se vingarem de uma suposta “injustiça social”; as razões foram mais econômicas no caso do Equador, e mais políticas no caso do Chile. Este último país possui uma história e uma esquerda bem mais organizada do que em outros país – com exceção, talvez, do Uruguai –, mas os grandes partidos de esquerda nesse país não estão por trás do movimento no Chile.
Volto ao meu diagnóstico inicial: infelizmente, a América Latina parece voltar às suas correntes tradicionais de populismo econômico e demagogia política, pois seus governantes, todos eles, não encaram as reformas necessárias como missão de estadistas, apenas como simples sobrevivência eleitoral. Vamos continuar sendo o que sempre fomos...

Paulo Roberto de Almeida
Taubaté, 26/10/2019

Ex-diplomata injustiçada por machismo do Itamaraty tenta reaver a carreira 9BBC)

A ex-diplomata de quase 90 anos que luta há décadas para ser readmitida no Itamaraty

Reportagem do jornal 'A Gazeta' fala sobre a entrada de Cecília Prada no ItamaratyDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionCecília Prada foi notícia quando entrou para o Itamaraty, em 1955; ela teve de abandonar a carreira porque se casou
Aos seus quase 90 anos, a paulista Cecília Prada, uma das primeiras mulheres formadas pelo Instituto Rio Branco, que prepara os diplomatas para o Itamaraty, ainda não desistiu de ser readmitida pelo Ministério de Relações Exteriores. Ela foi obrigada pelo órgão a pedir demissão em 1958 ao casar-se com um colega diplomata, o ex-secretário de Cultura Sérgio Paulo Rouanet, seguindo as regras do Ministério na época. Desde o divórcio, na década de 1970, tenta voltar para o serviço diplomático, pelo qual poderia estar aposentada hoje.
Após várias negativas em diferentes instâncias, desde os militares da ditadura até a Justiça civil, Prada tem a sua última chance de reaver o direito à aposentadoria pela carreira diplomática em um recurso que está nas mãos da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. O pedido de readmissão da ex-diplomata, feito junto à Comissão de Anistia, estava entre os mais de 1,3 mil indeferimentos assinados pela ministra no primeiro semestre.
"Eu poderia já ter sido embaixadora nesta minha fase da vida. Agora vejo meus colegas de diplomacia, todo mundo bem, e eu aqui na miséria", desabafa a jornalista e ex-diplomata em entrevista à BBC News Brasil em Campinas (SP), onde vive com um dos dois filhos que teve com Rouanet. "Na década de 1980, tentei ser corretora de imóveis. Sabe o que eu ganhei? Uma cantada de um cliente", relembra.
Prada vive hoje com os rendimentos da aposentadoria por idade (um salário mínimo) e dos trabalhos de tradução que segue fazendo "de cabeça, sem consultar dicionário", segundo ela. A ex-diplomata tem buscado ainda trabalhos "freelancer" para complementar a renda, sem sucesso. "Há uns meses, tentei vender uma matéria para o editor de um grande jornal, mas foi recusada", relata.
Ela foi forçada pelo Itamaraty a pedir sua exoneração com base em um decreto que exigia a demissão da mulher em caso de casamento entre diplomatas. Para efeito de comparação, seria como se a atual esposa do chanceler Ernesto Araújo, a diplomata Maria Eduarda de Seixas Corrêa, fosse obrigada a exonerar-se do cargo por causa do casamento com o colega de Itamaraty.
Cecilia PradaDireito de imagemTALITA MARCHAO/BBC NEWS BRASIL
Image caption"Eu poderia já ter sido embaixadora nesta minha fase da vida. Agora vejo meus colegas de diplomacia, todo mundo bem, e eu aqui na miséria", diz

'Virei mulher de diplomata'

Cecília Prada e Rouanet se conheceram durante o curso do Instituto Rio Branco. "No primeiro dia de aula, na aula inaugural, um aluno do segundo ano, o Sérgio, sentou-se ao meu lado. Ficou ali por 18 anos", conta a jornalista. "Durante o namoro, eu ainda tinha aquele pensamento: 'Mas vou abrir mão de ser diplomata?'", recorda.
Perguntada sobre algum eventual arrependimento por ter aceitado a obrigatoriedade de pedir demissão por causa do casamento, ela responde: "Não teria me casado com outro homem". Cecília não se casou desde o divórcio com Rouanet — eles não mantêm contato. Mas ela conta que se arrepende de não ter tentado obter um mandado de segurança para garantir sua permanência no serviço diplomático durante o casamento. Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, ela relatou que optou por não tentar na Justiça manter o seu cargo no Itamaraty para evitar prejudicar a carreira dele.
"Eu tinha aquela ideia de que estavam deixando a gente brincar de fazer algo importante, como ser jornalista ou diplomata. Mas éramos criadas para pensar, no fundo, que nada daquilo faria uma mulher feliz. Que eu deveria estar fazendo comidinha para o meu marido e cuidando dos filhos. Mas essa ilusão de felicidade durou uma semana", diz Prada. "A gente tinha que ser cega", desabafa.
Filha de um professor e de uma dona de casa que só tinha cursado o ensino primário, Prada é uma das primeiras jornalistas formadas no Brasil, no começo da década de 1950. Estudou por conta própria para o concurso do Itamaraty, enquanto trabalhava como jornalista e professora da rede pública, já que era a responsável pelo sustento da mãe após a morte do pai.
"Eu trabalhava como professora em uma cidade pequenininha chamada Conchas, no interior de São Paulo, que não tinha eletricidade durante a noite. Passar no concurso do Rio Branco era uma oportunidade de ter uma vida melhor", diz ela.
Chegou a trabalhar no Departamento Pessoal do Itamaraty antes do casamento. Como esposa de Rouanet, a ex-diplomata o acompanhou quando o marido foi enviado para Washington e Nova York na década de 1960. "Eu virei mulher de diplomata", conta.
A família vivia nos EUA quando o ex-presidente John F. Kennedy foi assassinado — Prada chegou a fazer reportagens sem assinar, já que não poderia exercer a carreira de jornalista enquanto acompanhava o marido nas missões diplomáticas.
Palácio do Itamaraty
Image captionPrada conheceu o marido enquanto estudava no Instituto Rio Branco, que forma diplomatas para o Itamaraty (acima)
"Hoje eu não faria isso de escrever sem assinar. Assinaria a reportagem e depois brigaria com o Itamaraty. Quer dizer, talvez não. Se estou nesta situação hoje, é porque não fiz a minha briga como deveria ter feito na época. Mas, no momento em que você está vivendo a situação, vê poucas alternativas. Não é como ver a coisa toda depois de décadas", desabafa a ex-diplomata.
Com o divórcio, na década de 1970, ela foi morar com os dois filhos no Rio de Janeiro, onde retomou os trabalhos como jornalista freelancer enquanto tentava a reintegração ao quadro diplomático do Itamaraty. A família vivia das reportagens que ela fazia e da pensão dos dois filhos. "Na época, não quis a pensão para mim. Hoje penso que deveria ter pedido, era um direito meu. E nós três teríamos vivido de forma mais confortável", reflete.
A tentativa de trabalhar no Ministério de Relações Exteriores foi frustrada pela segunda vez. "O ministro [do general Ernesto Geisel, o embaixador Azeredo da Silveira], chegou a aceitar o meu retorno, dizendo que faltavam funcionários diplomáticos qualificados dentro do Itamaraty. Mas os generais da ditadura vetaram, alegando que a minha readmissão poderia abrir brecha para que outros diplomatas afastados pelo regime pedissem o mesmo", explica Cecília.

Esperança frustrada por canetada de Damares

A terceira tentativa de Cecília retomar o cargo ocorreu em 2001, quando, aos 70 anos, ela candidatou-se e foi aprovada para um cargo comissionado dentro do Itamaraty, o de diretora do Instituto de Estudos Brasileiros em Montevidéu. Ela atendia a todos os requisitos do concurso: era diplomata formada, professora e tinha experiência no serviço público. Em seguida, teve a aprovação retirada por causa de sua idade, que estaria dentro da aposentadoria compulsória dos quadros de pessoal do Itamaraty. Foi à Justiça para assegurar a posse, e perdeu, mais uma vez, a chance de exercer a carreira diplomática.
"Eu já tinha desistido quando recebi um telefonema de um representante da Comissão da Verdade interessado no meu caso. Até achei que era trote. Mas vi ali mais uma chance de ter justiça", conta a ex-diplomata sobre sua quarta tentativa. Ela tenta, desde 2015, via Comissão da Anistia, reaver o direito à carreira diplomática e a sua aposentadoria. Um mandado de segurança chegou a ser emitido para tentar acelerar uma decisão, dada a idade avançada da requerente.
Cecília Prada em foto como jornalistaDireito de imagemARQUIVO PESSOAL
Image captionEla é também uma das primeiras jornalistas formadas no Brasil, no começo da década de 1950
O sonho de reaver o que considera seus direitos ficou mais distante quando a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, indeferiu o pedido de Cecília em março. A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com recurso, e aguarda uma decisão da ministra. A ex-diplomata tem esperanças de que Damares, sendo mulher, entenda a discriminação sofrida por ela.
"Ainda tenho capacidade de indignação. Enquanto tiver, estou viva", afirma a ex-diplomata.
Ela passa a maior parte do seu dia trabalhando na sua biografia — que já tem uma versão publicada em e-book pela Amazon, já que a escritora não consegue editora para publicar a obra em formato impresso.
Prada pretende lançar mais um livro de contos — até agora, tem mais de dez livros publicados, entre ficção, contos e livros-reportagem, e já traduziu mais de 39 obras do inglês, francês, italiano e espanhol. Seu primeiro livro, publicado em 1955 (mesmo ano em que entrou no Rio Branco), tem o prefácio de uma antiga colega, a escritora Lygia Fagundes Telles.
Com quase 70 anos de jornalismo, da máquina de escrever até o computador, teve um blog chamado "Cala-te, mulher", que deixou de atualizar em 2014, quando se deu por vencida pela tecnologia. "Mudaram umas coisas no sistema e ficou muito difícil para mexer. Também não consigo colocar uma foto na minha página na Wikipedia", diz.