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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres - Paulo Roberto de Almeida

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres 

Paulo Roberto de Almeida
Rascunho para debate público online para o Livres, no dia 25/05/2020
na companhia do embaixador Rubens Ricupero e da economista Sandra Rios. 

A presente nota se dedica, numa primeira parte, a resumir o trabalho já elaborado para este debate e ao qual se pode recorrer para maiores detalhes: “O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais” – disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43123473/O_mundo_pos-pandemia_contextos_politicos_e_tendencias_internacionais_2020_) –, a que se seguem mais alguns comentários sobre a questão selecionada para debate, bem como sobre a situação recente da diplomacia do Brasil, o atual “homem doente da América do Sul”. 

Adivinhos, oráculos e previsões
Debates online: fadiga pós-pandêmica, ou então substituirão os encontros físicos;
Minhas previsões imprevidentes...; companheiros ajudavam (ética na política...); os atuais fazem besteiras previsíveis;

Mudanças e continuidades, com pandemias que vão e que voltam
A verdade é que não sabemos como será o mundo pós-pandêmico;
Emb. Ricupero alerta que não será muito diferente; pandemias não mudam estruturas longas, à la Braudel;
Depois do terremoto de 14-18, o mundo continuou mais ou menos como antes;
Pacto Briand-Kellog, 1928; Japão invade a Manchúria em 1931; rearmamento alemão em 1933; Itália inicia guerra contra a Abissínia em 1937; 

Contextos nacionais e forças transnacionais
Mudanças já estavam em curso desde antes, entre elas o nacionalismo e os retrocessos protecionistas, que aliás antecedem Trump;
Ou seja, já estávamos em mundo novo antes da pandemia; só o Brasil desapareceu do mundo, e isso também antes da pandemia; agora, então, simplesmente não existimos, ou apenas existimos como mau exemplo;

Globalização micro e macro: qual avança, qual recua?
A verdadeira globalização, a micro;
A antigloblização, a macro;

Da Guerra Fria geopolítica a Guerra Fria econômica: quem perde, quem ganha?
Uma das coisas mais impactantes que constatei nos tempos recentes – e isso não está em meu paper – foi a rendição dos acadêmicos americanos à paranoia do Pentágono
Isso já estava um pouco visível nos debates sobre a Grande Estratégia nos EUA, até em Yale, com o biógrafo de Kennan, John Lewis Gaddis, e em Harvard, Graham Ellison, autor do famoso livro sobre a Essência da Decisão (Cuba, 1962)
John Lewis Gaddis tem aliás um livrinho sobre o fim da Guerra Fria: o Ocidente venceu
Bem, agora saímos da Guerra Fria Geopolítica e estamos na Guerra Fria Econômica.\

Como será, então, o mundo pós-pandemia: muito diferente do atual?
Para ser sincero, não tenho a menor ideia de como será o mundo pós-pandemia
A Grande Depressão pode ser agora uma Super Depressão; Chimerica de Ferguson
Infelizmente, para o Brasil, dada a má qualidade de nossas elites dirigentes, assim como devido à péssima qualidade daqueles que ocupam o poder político no presente momento, esse futuro é o mais incerto possível, oscilando entre o precário e o desastroso. Não consigo detectar governo tão medíocre, tão miserável, tão prejudicial à nação, ao Estado, ao país, quanto o atual desgoverno que teve início em 1º de janeiro de 2019: não sabemos ainda quando terminará...

Mundo pós-pandemia: não muito diferente do atual
O mundo não mudará muito, em suas estruturas fundamentais, mas mudanças tópicas podem ser relevantes;
A pandemia traz desemprego, sofrimento e pobreza, mas não provocará nem uma revolução social, nem grandes rupturas políticas;
Se houver mudanças de governos será mais como resultado do desgaste do existentes, por ineficácia em lidar com as consequências da pandemia;
As mudanças econômicas serão adaptativas aos impactos trazidos pela doença com algumas inovações importantes, em produtos e métodos (todas as guerras fazem isso);
Lideranças medíocres, como a nossa, atrasarão essas mudanças adaptativas no campo econômico e retardarão ainda mais suas sociedades do que o mero impacto da doença.

O “Homem Doente da América do Sul”? 
Esse conceito de “homem doente” foi empregado pela primeira vez para o caso da China, na última década do século XIX, e esse “homem doente” era o Império Qing, decadente, tanto que veio a termo apenas três anos depois que a Imperatriz Cixi morreu, em 1908. Contemporaneamente, o outro “homem doente” da Ásia, ou da Europa, pele menos parcialmente, era o Império Otomano, que se desfez nos muitos desastres da Grande Guerra, que também desmantelaram três outros grandes impérios europeus: o dos Habsburgos, na Áustria-Hungria, o dos Romanov, na Rússia czarista, e o dos Hoenzollerns, do Reich alemão, prussiano de origem. 
Mas não se pense que o termo possa ser exclusivo dessas situações-limite, decaindo como resultado de grandes conflitos bélicos, de guerras civis, de revoluções ou de ataques de potências estrangeiras, como também no caso da China imperial, e da própria República presidida por Sun Yat-Sen. Lembro-me que no começo deste século a Economist dedicou um editorial, artigos e uma ilustração de capa, para no novo “homem doente da Europa”, a Alemanha, antes que ela começasse as reformas que reforçariam a sua taxa de crescimento, o seu desemprego, o crescimento indesejado do já alto custo do trabalho, impactando sua competitividade internacional. Ou seja, ninguém escapa de cair no qualificativo desonroso, por razões geralmente vinculados a uma fase de declínio.
Pois agora chegou a vez do Brasil. Creio que já se pode chamar o Brasil de o “homem doente da América do Sul”, e não apenas por causa da nossa evolução trágica nos números cumulativos de infectados pelo Covid-19 e pelo volume de mortos. Nossos vizinhos já tinham percebido isso, e por isso mesmo declarado o fechamento de suas fronteiras e outras comunicações com o Brasil. Nosso país se tornou o “homem doente da América do Sul” a mais de um título, sobretudo no plano diplomático, na esfera dos direitos humanos, no respeito às liberdades fundamentais e no respeito à imprensa, assim como no terreno do meio ambiente e do cumprimento de compromissos assumidos no âmbito de acordos internacionais nessa área. Já dizia o embaixador Ricupero, ainda no governo de transição presidido pelo vice-presidente Michel Temer, que ninguém quer tirar foto ao lado do Brasil. Se isso era verdade em 2017, é bem mais atualmente. Como ele também disse, o Brasil virou um “pária internacional”, um verdadeiro proscrito da diplomacia mundial, um personagem anômalo nos foros internacionais e regionais. 
Essa não é, evidentemente, a opinião do chanceler, expressa na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto. Em meio aos muitos palavrões do presidente, o chanceler declarou que o Brasil poderia fazer parte de uma espécie de novo Conselho de Segurança que seria formado em um mundo pós-pandemia. Ele disse o seguinte, de acordo com a transcrição autorizada pelo ministro Celso de Mello:
Eu  [sic] cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial. (...)
Eu acho que é verdade e assim como houve um Conselho de Segurança que definiu a ordem mundial, cinco países depois da... da segunda guerra, vai haver uma espécie de novo é ... [sic] Conselho de Segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de  [sic] nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar e forma... ajudar a formatar um novo é ... cenário. (...)
E esse cenário é, ... eu acho que ele tem que levar em conta o seguinte é ... tamos [sic] aí revendo os últimos trinta anos de globalização. Vai haver uma nova globalização.
Que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente  [sic] vendo agora, criou é ... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., ? [sic]

Tanto quanto o ainda presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o filho 02 do presidente, o chanceler também acredita que o momento do Brasil inspira grande confiança e pode se refletir em prestígio internacional. Não se pode, evidentemente, evitar que determinadas pessoas entretenham ilusões sobre a imagem do Brasil no mundo, ou sobre sua capacidade de influenciar temas e políticas da agenda internacional. O que se pode fazer é manter uma visão realista, sóbria, sobre a inserção atual do Brasil no sistema internacional, e constatar, ou melhor, indagar com quais países, ou em quais áreas, o Brasil poderia manter relações estreitas, assinar novos acordos bilaterais ou plurilaterais, ter confirmadas as suas duas principais ambições do momento – a entrada em vigor do acordo Mercosul-UE e o ingresso na OCDE – ou receber convites e aceitar visitas, de trabalho ou de Estado, com quais chefes de governo ou de Estado dispostos a cultivar relações com o Brasil atual. Numa recente reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para marcar os 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial e a vitória das Nações Aliadas contra o nazifascismo, o chanceler aproveitou para lançar um novo ataque a propósito dos riscos do comunismo, tendo ainda recomendado que se evitasse a palavra multilateralismo, uma vez que todos os conceitos terminados em “ismo” poderiam denotar fenômenos essencialmente negativos. 
Registre-se que nas áreas de meio ambiente, de direitos humanos, de luta contra a corrupção, de relações bilaterais com boa parte de importantes países da Europa ocidental, ou até no âmbito do Brics, mas sobretudo no campo das relações regionais, o leque de possibilidades abertas ao engenho e arte da diplomacia profissional tem se reduzido de maneira substantiva desde o início do governo Bolsonaro. Já tendo, de partida, anunciado sua oposição ao multilateralismo – em nome de um difuso e nunca explicado antiglobalismo –, as relações do governo com o sistema da ONU – em especial com a OMS, em plena pandemia – são as piores possíveis, a ponto de obstar a convites para determinados encontros, em vista das críticas do presidente e do chanceler às posturas adotadas nesses organismos, e não apenas em relação à luta contra o Covid-19. 
Sintetizando, como diplomata profissional, posso testemunhar que nunca, em minhas quatro décadas a serviço do Itamaraty – com alguns intervalos, como durante toda a duração dos governos petistas, e atualmente, quando também me encontrei afastado do trabalho executivo –, mas também com base na leitura da história, deparei-me com tal desprestígio do Brasil no plano internacional, com um tal rebaixamento dos padrões profissionais do Itamaraty e com um abandono inédito de teses, posturas e dos métodos de trabalho da diplomacia brasileira e da política externa brasileira: trata-se, seguramente, de uma era deprimente da política externa e das relações internacionais do Brasil, uma fase a que eu não hesito em chamar de EA, a Era dos Absurdos. 
Se olharmos para trás, na longa evolução do Serviço Exterior do Brasil, desde a sua independência, e a dois anos de comemorarmos, em 2022, os primeiros dois séculos da existência da nação independente, podemos certamente constatar, como afirmou o embaixador Rubens Ricupero, em seu livro A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016(2017), que nossa política externa e o pessoal profissional e os estadistas nela envolvidos participaram efetivamente da consolidação de um Estado atuante, um dos mais sofisticados dentre as nações que surgiram do colonialismo ibérico, caracterizado por uma atuação de alta qualidade, de excelência mesmo, como reconhecido inclusive por parceiros de nações avançadas e com diplomacias bem mais longevas. Infelizmente, essa tradição admirável vem sendo deliberadamente constrangida, sabotada, deformada e diminuída desde o início do governo atual. Haverá um trabalho de reconstrução a ser feito como já registrado no chamado “manifesto dos chanceleres”, publicado nos grandes jornais brasileiros no dia 8 de maio de 2020 (ler a versão em português neste link: https://www.academia.edu/43153794/A_reconstrucao_da_politica_externa_brasileira_2020_; a versão em inglês, encontra-se disponível aqui: https://www.academia.edu/43042244/The_Reconstruction_of_Brazilian_Foreign_Policy_-_Former_Ministers).
Uma transcrição de seus principais parágrafos traz algumas evidências quanto à lamentável situação atual da política externa e da diplomacia brasileira: 
É suficiente cotejar os ditames da Constituição com as ações da política externa para verificar que a diplomacia atual contraria esses princípios na letra e no espírito. Não se pode conciliar independência nacional com a subordinação a um governo estrangeiro cujo confessado programa político é a promoção do seu interesse acima de qualquer outra consideração. Aliena a independência governo que se declara aliado desse país, assumindo como própria uma agenda que ameaça arrastar o Brasil a conflitos com nações com as quais mantemos relações de amizade e mútuo interesse. Afasta-se, ademais, da vocação universalista da política externa brasileira e de sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em benefício de nossos interesses.
Outros exemplos de contradição com os dispositivos da Constituição consistem no apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção; o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, à igualdade dos Estados e à solução pacífica dos conflitos; o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança da ONU; a aprovação oficial de assassinato político e o voto contra resoluções no Conselho de Direitos Humanos em Genebra de condenação de violação desses direitos; a defesa da política de negação aos povos autóctones dos direitos que lhes são garantidos na Constituição, o desapreço por questões como a discriminação por motivo de raça e de gênero. 
Além de transgredir a Constituição Federal, a atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos. (...)
Na América Latina, de indutores do processo de integração, passamos a apoiar aventuras intervencionistas, cedendo terreno a potências extrarregionais. Abrimos mão da capacidade de defender nossos interesses, ao colaborarmos para a deportação dos Estados Unidos em condições desumanas de trabalhadores brasileiros ou ao decidir por razões ideológicas a retirada da Venezuela, país limítrofe, de todo o pessoal diplomático e consular brasileiro, deixando ao desamparo nossos nacionais que lá residem. (..)
A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro.

O trabalho de reconstrução será efetivamente duro e demorado. Assim faremos.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 25/05/2020

domingo, 24 de maio de 2020

Vídeo documenta a estratégia destrutiva do governo Bolsonaro - Rubens Valente (UOL)

Vídeo documenta a estratégia destrutiva do governo Bolsonaro

Rubens Valente
UOL, 24/05/2020


Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril - Marcos Corrêa/Presidência da República
Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril Imagem: Marcos Corrêa/Presidência da República

Tentar encontrar um discurso coerente no meio de tantas baixarias, mistificações, teorias paranóicas, agressões e fake news da reunião ministerial do dia 22 de abril parece tarefa impossível. Mas assistir de novo ao vídeo de 1h55min e reler as 68 páginas da transcrição oficial permite identificar um elemento de ligação entre as falas do presidente Jair Bolsonaro e as dos principais ministros do seu governo. A ideia que pulou de um canto a outro na sala do Palácio do Planalto naquela manhã foi a estratégia da destruição.
Não que isso seja novidade. Em março de 2019, em um jantar em Washington (EUA), no que considero a mais importante declaração feita por Bolsonaro sobre o seu mandato e a mais relevante chave para compreender o bolsonarismo, ele já havia declarado: "O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz".
Se um adversário falasse isso sobre Bolsonaro, muitos não acreditariam. Mas é ele mesmo detalhando seu projeto de governo: a ordem é primeiro destruir. Observadores políticos que não levarem isso em conta - porque foram forjados na crença correta de que o Executivo busca constantemente seu aprimoramento - terão sérios problemas para "compreender" o governo Bolsonaro. O presidente não pretende aprimorar os órgãos públicos ao seu alcance, ele quer é destruí-los. Ele mesmo já afirmou isso, mais de um ano atrás.
Na reunião do dia 22 de abril estão de novo os sinais da política da terra arrasada, da negação do passado, da dilapidação de todo o edifício institucional erguido no Brasil desde a redemocratização, em 1985. Por exemplo, no próprio trecho mais destacado pelos telejornais, quando Bolsonaro falou em intervir em todos os ministérios - com exceção da Economia, que o ajudaria a intervir nos bancos públicos -, custasse o que custasse.
"Eu não vou esperar o barco começar a afundar pra tirar água. Estou tirando água, e vou continuar tirando água de todos os ministérios no tocante a isso. A pessoa tem que entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. Nos bancos eu falo com o Paulo Guedes, se tiver que interferir. Nunca tive problema com ele, zero problema com Paulo Guedes. Agora, os demais, vou!", disse Bolsonaro.
Ministérios e órgãos públicos a eles subordinados são organismos complexos, com amplas atribuições a fim de cumprir políticas públicas diversas no imenso território nacional, que vêm sendo aprimorados, bem ou mal, ao longo de anos e anos de tentativas e erros, mecanismos internos de controle, sistemas de freios e contrapesos, avaliações e premiações. Tome-se a Polícia Federal. Há anos vem procurando alguns caminhos, na forma de manuais e regramentos, a fim de reduzir os erros operacionais - numa área em que um erro pequeno é sempre um enorme erro, pois envolve retirar a liberdade de um cidadão, uma experiência traumática para qualquer pessoa.
Fala-se tanto hoje na PF apenas porque o ex-ministro Sérgio Moro abriu a boca. Processo de desmonte semelhante ou ainda pior atinge hoje diversos órgãos federais, como a Funai, o Ibama e a Comissão de Ética Pública. É só pesquisar que a lista cresce. O que eles têm em comum com a PF é que são órgãos de controle, salvaguardas e fiscais de direitos.
Bolsonaro não quer saber dessas nuances. Na reunião, ele disse que ou os órgãos se curvam às suas vontades e caprichos ou serão decapitados, com a troca do ministro. "Não estamos aqui pra brincadeira!"

Granada no 'inimigo'

Em outro trecho da reunião, Bolsonaro usa um caso que, segundo ele, envolve o Iphan, o órgão que cuida do patrimônio histórico e artístico nacional, e orienta todos os ministros a promoverem mudanças nos regulamentos e instruções que moldam a atuação do serviço público.
"O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do [empresário] Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô! Para a obra. O que que tem que fazer? Alguém do Iphan que resolva o assunto, né? E assim nós temos que proceder. E assim, cada órgão, como eu falei da [ministra da Agricultura] Teresa Cristina, que mudou uma Instrução Normativa, revogou uma Instrução Normativa, ajudou quatrocentos mil pessoas no Vale do Ribeira - parabéns a ela assim são outras decisões. A questão de armamento, né?"
A estratégia está presente no discurso do ministro Paulo Guedes, hoje o principal nome da equipe de governo, com uma imagem bem mais precisa: uma explosão. Um pouquinho mais sofisticado que o seu líder, Guedes explica que o governo não precisa ser tão obtuso nas suas manobras, tem que ir aos poucos. Mas o objetivo final é acabar com o "inimigo".
"Então nós sabemos e é nessa confusão toda, todo mundo tá achando que tão distraído, abraçaram a gente, enrolaram com a gente. Nós já botamos a granada no bolso do inimigo. Dois anos sem aumento de salário. Era a terceira torre que nós pedimos pra derrubar. Nós vamos derrubar agora, também", disse o ministro. Ele chamou a questão salarial do funcionalismo "a última torre do inimigo".
Guedes também propôs a venda do Banco do Brasil. Ele chamou a instituição fundada em 1808 de "porra".
Outro bolsonarista de primeira hora, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) adicionou o timing necessário para a ampla dinamitação que o governo deveria fazer em todos os sistemas de fiscalização e controle que impedem, ou pelo menos tentam impedir, os crimes contra o meio ambiente no Brasil. Para Salles, em uma declaração que todo o planeta já ouve, estupefato, a pandemia do novo coronavírus é uma "oportunidade" para o governo fazer o desmonte da legislação em vigor. Tem que aproveitar, diz Salles, para passar uma "boiada" de mudanças, uma "baciada", enquanto a imprensa está com atenção voltada para a Covid-19.
O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, um rapaz de 39 anos com formação militar, aderiu na hora à recomendação. "É um momento muito oportuno pra gente aproveitar isso, e isso faz uma baita diferença no preço de um projeto, na velocidade, faz muita diferença. Então eu subscrevo aqui as palavras do ministro Salles."

'Acabar com Brasília'

Mas nenhum dos presentes à reunião resumiu melhor a ideia da destruição do que o ministro Abraham Weintraub (Educação), que sugere apagar do mapa não um sistema político, mas uma cidade inteira: "Eu não quero ser escravo nesse país. E [quero] acabar com essa porcaria que é Brasília". Quer também "acabar com esse negócio de povos e privilégios. Só pode ter um povo, não pode ter ministro que acha que é melhor do que o povo". Acabar, eliminar.
Paulo Guedes pegou o gancho dado por Weintraub e explicou que as conversas institucionais que eventualmente os membros do governo Bolsonaro têm com os diversos atores da democracia brasileira são apenas circunstanciais, táticas.
"Nós podemos conversar com todo mundo aqui, porque é o establishment, é porque nós precisamos dele pra aprovar coisa, mas nós sabemos que nós somos diferentes. Nós temos noção que nós somos diferentes deles. E quando eles cruzam a linha a gente solta a mão e sai andando sozinho. Enquanto eles tiverem no trilho, conosco, no caminho de fazendo as reformas que nós prometemos, nós tamo junto. Na hora que o cara soltou a mão e passou pro lado de lá, a gente deixa o cara ir sozinho e a gente continua sozinho e vai procurar outra conversa, em outro lugar", explicou Guedes.
Em nenhum momento Guedes explica quem são "eles", mas é fácil entender: absolutamente todas as pessoas que não são bolsonaristas.
Por fim, alguém ainda poderá se perguntar, onde estão os ministros militares que supostamente seriam as barreiras de contenção da estratégia da destruição do Estado brasileiro? Eles estão todos lá participando - e as imagens não deixam mentir -, calados, sorrindo, tacitamente concordando.
E especialmente escondendo, adoradores do culto ao secretismo. Como ficou claro bem no final da reunião. Demonstrando, com exuberância, toda sua ignorância e seu amadorismo sobre epidemiologia e infectologia, o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, disse acreditar que naquela época, na segundo quinzena de abril, com 2,9 mil mortos pela Covid-19 no país, o pico da epidemia já tinha passado. Não tinha base real em nada, explicou, era só a sua "sensação".
Nesse momento foi interrompido pelo ministro da Casa Civil, o general Braga Netto, que disse enigmaticamente: "É que o senhor não viu o número que nós mostramos lá em cima, agora, mas isso é outra história". A coluna pediu neste sábado (23) à Casa Civil a apresentação de tal "número", mas não houve resposta até o fechamento desta edição.
Como a reunião revela, se os ministros militares têm alguma objeção à desestruturação de aspectos básicos do Executivo ou nunca a apresentaram ou preferiram apresentá-la nas sombras, o que dá na mesma, em se tratando de Jair Bolsonaro.

Dez coisas que aprendi ao longo da vida (2003) - Paulo Roberto de Almeida

Dez coisas que aprendi ao longo da vida
(e que nunca é demais lembrar porque nelas não se presta atenção)

Paulo Roberto de Almeida


1. Não se deve generalizar situações, tipos e ocorrências

2. Nunca se deve absolutizar avaliações e julgamentos.

3. Não se deve fazer previsões sobre comportamentos.

4. Não se deve deixar a religião interferir com a vida civil.

5. Os resultados são sempre mais importantes do que as intenções, mas os fins não justificam os meios.

6. Interpretações e diagnósticos são sempre parciais e limitados e as ideologias derivam diretamente deles.

7. A justiça distributiva deve ser praticada sobre os fluxos, não sobre os estoques. 

8. Direitos humanos não precisam ser “contemplativos”, eles podem ser “ofensivos”; o respeito das diferenças pode preservar situações de discriminação absoluta.

9. Soberania estatal é um conceito caduco no plano das liberdades individuais.

10. A educação deve ser obrigatória, contínua e de preferência complementada por formação humanista. 

Washington, 19 maio 2003

O projeto de ditadura de Bolsonaro- Paulo Roberto de Almeida

Um projeto de ditadura que precisa ser cortado pela base

O projeto de ditadura de Bolsonaro é tão inaceitável quanto o de qualquer outra ditadura, de qualquer outro candidato a ditador.
A dele tem algumas características adicionais: é a de uma perfeita cavalgadura, a de um estúpido absoluto, a de um ignorante total, a de um beócio fundamental, a de um burro asqueroso, a de uma mente doentia, a de um perverso tosco, enfim, a de um psicopata vulgar.
Tudo isso se revela por inteiro no vídeo.
Mas serve como exemplo e amálgama para os idiotas proto-fascistas (sem qualquer consciência de sê-lo) espalhados pelo Brasil. Fanáticos carismáticos sempre tiveram capacidade de reunir os frustrados e desequilibrados dispersos na sociedade numa tribo de seguidores fundamentalistas que se declaram dispostos a morrer pelo chefe da facção. São os lemingues da destruição, prontos para marchar para o despenhadeiro, só que antes estavam sozinhos, sem direção: agora encontraram o diretor da sub-ópera bufa que os vai levar para o abismo.
E querem levar junto a Nação.
Em casos extremos como esse, uma junta de psiquiatras apenas determinaria que assistentes parrudos pusessem uma camisa de força no maluco em questão e o levassem ao hospício.
No caso do Estado brasileiro, essa junta teria de ser formada pelos dois  chefes dos demais poderes — se conseguem ser minimamente clarividentes — auxiliados pelos chefes das FFAA, se idem. Invoque-se o artigo constitucional sobre a garantia da lei e da ordem.
No Brasil de hoje a principal ameaça à lei e à ordem atende pelas iniciais de JMB e calha de ser o presidente eleito.
Aplique-se igual, para salvar o Brasil.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24/05/2020

sábado, 23 de maio de 2020

Islam, Authoritarianism, and Underdevelopment: A Global and Historical Comparison - Book by Ahmet T. Kuru; Review by Jared Rubin

Book review: 
Published by EH.Net (May 2020)
Ahmet T. Kuru, Islam, Authoritarianism, and Underdevelopment: A Global and Historical Comparison. New York: Cambridge University Press, 2019. xvii + 303 pp. $35 (paperback), ISBN: 978-1-108-40947-6.
Reviewed for EH.Net by Jared Rubin, Department of Economics, Chapman University.

For centuries following the spread of Islam, the Islamic world was far ahead of Western Christendom by every conceivable metric of civilization: economy, science, philosophy, technology, urbanization, and empire. Yet, the Islamic world is not where the modern economy was born. At some point in the late medieval or early modern period, it fell behind the leading parts of Europe. It was in those places, particularly the Netherlands and Great Britain, where modern economic development began. Why was this the case? Why did the Islamic world lose its once sizable lead over Western Europe?
These are the questions tackled by Ahmet Kuru in Islam, Authoritarianism, and Underdevelopment: A Global and Historical Comparison. Kuru’s primary thesis is that the Middle East fell behind as a result of the “ulema (religious jurist)-state alliance” that took hold in many parts of the Muslim world beginning in the eleventh century. By this, Kuru means an alliance between the religious establishment on the one hand and the military state on the other. According to Kuru, this alliance marginalized intellectuals and bourgeoisie, and this persisted in most parts of the Islamic world until the twentieth century. Importantly, and correctly in my opinion, Kuru argues that this alliance is not a natural outgrowth of Islam, as was long argued by Orientalist scholars and more recently by Bernard Lewis. Kuru argues that this alliance emerged for the first time in the eleventh century and quickly became institutionalized via the madrasa system.
Much of the first half of the book is spent attempting to convince the reader that politics, science, and technology in the first few centuries after Islam were fundamentally different than what would follow after the eleventh century. This is uncontroversial, and Kuru does an excellent job summarizing the major developments from the period. On this front, Kuru is the best recent book I can think of in social science. He delves into the early history of Islamic science, mathematics, and philosophy, spanning most of the Islamic world from Spain to south Asia. Most readers knowledgeable in history will not come away convinced of something new — it is widely known that the Islamic world was well ahead of Western Europe (and perhaps the rest of the world) during Islam’s “Golden Age.” However, most readers will come away with much more insight into exactly what made the Islamic world so cutting-edge in this period.
Kuru proceeds to ask why the Islamic world fell behind. He posits that the “ulema-state” alliance that emerged in the eleventh century is to blame. This alliance emerged in the Seljuk Empire, which ruled large parts of the Middle East and Central Asia in the eleventh and twelfth centuries. It spread west from there, to the weakened Abbasid Empire and eventually toward Egypt and Syria under the Ayyubids and Mamluks. An important institution supporting the fiscal needs of these states was the iqta system (a militarized tax farming arrangement similar to the timar system used under the Ottomans), which gave the state financial independence and permitted the marginalization of the bourgeoisie. To make such a sea-change in the institutions of the state, the Seljuk model promoted the idea of religious legitimation of rule. And an institutional sea-change it was. Prior to the emergence of the ulema-state alliance, Islamic philosophy was vibrant and merchants had political power (mainly via their funding of ulema and philosophers). This changed with the movement towards the ulema-state alliance and the rise of madrasas. With a new source of legitimacy, rulers could afford to ignore the wealthy merchants who had previously been a central source of power. Philosophy also declined in favor of theology. Importantly, for Kuru, this meant that intellectuals were mostly sidelined, although Kuru goes to great lengths to show that intellectual activity merely slowed down; it did not stop altogether. This meant that there was little voice to counteract the ulema and Sufi mystics, neither of whom promoted rational thought. This arrangement was institutionalized through the madrasa system: “the ulema class had dozens, if not hundreds, of madrasas and thousands of members to disseminate its ideas, whereas the philosophers lacked institutional and financial bases except for arbitrary political patronage, particularly after the weakening of the merchant class, which had previously supported both philosophers and independent Islamic scholars” (p. 149). Even today, “the ulema have contributed to the weakening of [intellectuals and the bourgeoisie] by imposing certain religious restrictions that discourage conservative Muslim youth from pursuing careers in intellectual and financial sectors” (p. 60). These prohibitions required state support, which the ulema had as part of the ulema-state alliance. Kuru contrasts this with Europe, where the Renaissance and Enlightenment propelled philosophy, science, and ultimately economic development. He argues that this was where the economic divergence had its roots: the intellectual and mercantile classes of Europe gained greater power over time, while it was the religious clerics of Islam who maintained their grip on political (and, to a lesser extent, economic) power.
There are many things to like about Islam, Authoritarianism, and Underdevelopment. Perhaps above all, Kuru addresses head on the question “why did the Islamic world fall behind, despite being ahead for so long?” While such a question might not be controversial in some circles, particularly in the social sciences, much of Kuru’s audience does not consider this a correct question to ask. I certainly agree with Kuru that this is an important question, and understanding its answer helps us understand much about long-run economic development, both in the Islamic world and beyond. Kuru does an excellent job showing that a reversal of fortunes did indeed happen, and it was not just the result of colonization. Moreover, Kuru’s deep dive into early Islamic philosophy and science is admirable, and I believe most readers will learn a considerable amount from the first half of the book. Another one of the great strengths of Kuru’s tome is the documentation of the ulema-state alliance — both its origins and persistence. Such detailed documentation is largely missing in social science accounts of Islamic political history.
I believe that Kuru’s central thesis — the ultimate cause of the economic divergence was the emergence of an ulema-state alliance — is largely correct. Indeed, it strongly echoes the thesis I recently put forward in my 2017 book, Rulers, Religion, and Riches. This said, I believe there are three aspects to the book that could have been strengthened. Before I get to these, I would like to reiterate that there are indeed many good features to this book, and these positives well outweigh any drawbacks.
First, Kuru is a bit too quick to dismiss alternative explanations. He begins with the supposition that any explanation that cannot account for the initial economic lead of the Islamic world has limited explanatory power. This is undoubtedly true. He also correctly points out that while explanations focusing on colonialism make valid points regarding the detrimental effects of colonialism, they have a difficult time explaining the roots of the divergence, particularly because the timing is off. This said, Kuru is somewhat quick to dismiss works by Greif (2006), Kuran (2011), Blaydes and Chaney (2013), and Rubin (2017). These dismissals tend to take the tone of “there are counterexamples to one aspect of the argument” or “they cannot account for most of the observed phenomena” and thus should be dismissed (with the exception of Kuran, whose argument Kuru is not so negative on). But this is too high of a bar for arguments that attempt to explain major, macroeconomic movements over centuries. There will always be counterexamples (this is Kuru’s major argument against Greif; it is also used to counter Rubin). Arguments do not need to explain everything to provide deep insight (this is Kuru’s major argument against Blaydes and Chaney which, after all, is a nineteen-page article). In fact, if one were to hold Kuru’s argument to the standard he holds other arguments, it would also fail. But I do not believe this to be the case; I believe Kuru’s argument provides nice insight. Kuru’s argument would have been significantly strengthened had he focused on how these various arguments complement each other.
Perhaps this is a methodological issue. The works that Kuru dismisses are either empirical or support their theory via analytic narrative. Kuru’s work, meanwhile, is more of a narrative. The key distinction between narrative and analytic narrative is that the latter lays out the supporting evidence (in this case, historical evidence) within an analytical framework. Such a framework provides falsifiable predictions, and the analytic narrative provides evidence in support of these predictions. Kuru’s book does not do this. Its second shortcoming is that there is no real framework provided for understanding why the ulema-state alliance persisted for so long. In the words of economics, why was this an equilibrium? Kuru provides wonderful evidence that it existed and persisted, but why did it? Why did alternatives not arise? These are key questions to address for a book aiming to achieve a convincing causal explanation. On this front, the book is largely silent.
On this, I admit to being biased: understanding why this equilibrium occurred and why it persisted is central to my own book. On the one hand, Kuru is very good at showing this was not always an equilibrium in the Islamic world (my terminology, not his): for centuries following the spread of Islam, the alliance was weak at best, and merchants were not marginalized. Kuru and I agree on this point (although he does not believe so, as he incorrectly claims that I argue the alliance existed from the inception of Islam; we have some disagreement on details, but my views are largely aligned with his that this alliance emerged sometime around the tenth or eleventh century, after the religious establishment consolidated along with the four major schools of Sunni Islam). On the other hand, it is unclear from Kuru’s theory why this arrangement persisted for so long. A comparison to Europe makes this issue all the more apparent. As Kuru notes, such a cleric-state alliance also pervaded medieval Europe at certain times and places. What were the mechanisms that broke Europe out of this equilibrium? Kuru claims that the rise of the intellectuals, helped by universities and, eventually, the spread of printing facilitated the rise of Europe. But this is not enough. These events were not exogenous. They were part of a larger process through which religion became less important over time in European politics.
Finally, despite the fact that the book’s subtitle is “A Global and Historical Comparison,” this is not really a global theory. Almost nowhere outside of the Islamic world and Western Europe is mentioned in depth. And where Kuru attempts to explain the rise of Western Europe, there is much left wanting. As I read it, Kuru places significant weight on the rise of the European intellectual class (along with merchants) in the late medieval and early modern periods. While it is undoubtedly true that this class superseded its Islamic counterparts by the eve of industrialization, it is big leap to connect this to the rise of the modern economy, as well as why its locus was in northwestern Europe and not elsewhere. Kuru does (correctly) mention the importance of the printing revolution, Reformation, geographical discoveries, and the scientific revolution, but his emphasis remains on the role of intellectuals in making these events happen. This is not necessarily wrong — Joel Mokyr (2010, 2016) convincingly makes the case for an “Enlightened Economy” being central to England’s rise. But Mokyr’s argument is based on England in particular having numerous other, complementary factors such as a large base of highly-skilled workers. Nothing like this comes through in Kuru’s argument. In short, while Kuru’s argument regarding economic stagnation in the Islamic world is a deep one that is a real contribution to the literature, the arguments regarding the rise of Europe are less fleshed out.
If the latter half of this review seems negative, I urge you not to take that as indicative of my overall feelings towards Islam, Authoritarianism, and Underdevelopment. I believe it is the duty of any reviewer to highlight both their perceived positives and negatives in the book they are reviewing, and this is what I have attempted to do. In this case, I believe the positives well outweigh the negatives, and anyone interested in early Islamic history will get much from reading this book. The detailed history of early Islamic philosophy, science, and mathematics are a real treat to read, and are a great reminder that societies and economies ebb and flow.
References:
Blaydes, Lisa and Eric Chaney. 2013. “The Feudal Revolution and Europe’s Rise: Political Divergence of the Christian West and the Muslim World before 1500 CE.” American Political Science Review 107(1): 16-34.
Greif, Avner. 2006. Institutions and the Path to the Modern Economy: Lessons from Medieval Trade. New York: Cambridge University Press.
Kuran, Timur. 2011. The Long Divergence: How Islamic Law Held Back the Middle East. Princeton: Princeton University Press.
Mokyr, Joel. 2010. The Enlightened Economy an Economic History of Britain, 1700-1850. New Haven, CT: Yale University Press.
Mokyr, Joel. 2016. A Culture of Growth: The Origins of the Modern Economy. Princeton, NJ: Princeton University Press.
Rubin, Jared. 2017. Rulers, Religion, and Riches: Why the West Got Rich and the Middle East Did Not. New York: Cambridge University Press.
Jared Rubin is a professor of economics at Chapman University. His most recent book, Rulers, Religion, and Riches: Why the West Got Rich and the Middle East Did Not, was published by Cambridge University Press in 2017.

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Comment by: Bernhard Benedikt KOEHLER

The decline of Islamic economies in the latter Middle Ages often is ascribed to dynamics internal to Islam. But had factors specific to Islam been the only cause, then leading economies that were not Islamic should have continued to thrive. Yet this logic fails. 

For, from the time Islamic economies declined, so did those of Constantinople and Venice. May I suggest the inference that the decline of Islamic economies resulted from a cause common to Islam and Christendom alike.

In 1497, the discovery of the sea route from Europe to India circumvented overland trade routes from Asia to Europe, and the business model of the Eastern Mediterranean was obsolete. This was true of Islamic as well as of Christian economies. 

This suggestion is supported by contrasting the relative position of Venice and Genoa. Venice, that had close ties with Constantinople and the Islamic East, lost her edge; Genoa, whose son Christopher Columbus discovered new trade routes in the West and who were bankers to Spain, continued to thrive.

The Italian economic historian Amintore Fanfani observed that Europe’s economic history can be divided into two eras, the Mediterranean and the Atlantic. Once trade travelled around Africa and across the Atlantic, the economies bordering the Mediterranean slipped behind the economies bordering the Atlantic.

A cloroquina da insensatez - Sergio Bivar (Livres)

A cloroquina da insensatez

Por:
 
LIVRES, 18/05/2020

Ernesto Araujo, ministro das Relações Exteriores, ao invés de fazer diplomacia, aproveitou seu tempo ocioso para estapear Slavoj Zizek, num texto entitulado ‘Chegou o Comunavírus’.
Zizek é um controverso pensador esloveno, mestre em inverter o senso comum, ao ponto de simultaneamente abraçar a esquerda e atacar o politicamente correto.
Em meio a pandemia, Zizek, no recém publicado livreto ‘Vírus’, diz que a ocasião é oportuna para o ressurgimento de idílicos sentimentos coletivistas. Afinal, como se percebe, estamos todos na mesma tempestade, mas em barcos diferentes.
Invocar a práxis comunista é fazer operações de resgate, acolher os mais desafortunados, é ultrapassar as fronteiras nacionais, é a união de todos contra um inimigo comum (ao invés do salve-se-quem-puder anarco-capitalista).
Mas, como toda fé exige seu dízimo, esse preço é pago com a exacerbação dos aparatos de controle social, ao modo neo-orweliano chinês. Sobre esse último ponto, como bem observa Araújo, Zizek revela-se ambiguamente omisso.
De fato, não se pode perder do horizonte que a pandemia vai, mas o Estado mutante ficará. Por outro lado, é incessibilidade volver-se, nesse instante, contra sentimentos que inspiram a solidariedade.
Araújo, em seu blog, Metapolítica Brasil, deita seu fígado contra Zizek. O ataque, com pitadas de histerismo, mostra o embaixador, um homem reprimido pelo pragmatismo que a diplomacia exige, tendo que despejar em Zizek a hostilidade que gostaria de manifestar contra a China.
O desespero tem suas causas. A pandemia é um dos poucos exemplos, assim como a causa ecológica, onde as soluções puramente liberais (no sentido clássico) parecem insuficientes: Quem pode ver-se contra uma OMS, ou SUS forte? Quem pode ver-se contra um mínimo de medidas restritivas coordenadas por um agente público centralizado de vigilância sanitária? Quem pode ver-se contra medidas econômicas contra-cíclicas e a suspensão momentânea da rigidez fiscal? Além do mais, tudo o que não queremos ver no momento são expressões do egoísmo.
Se nosso momento econômico, antes, permitia a reconstrução, agora voltamos a terra arrasada, e a arrogância terá seu preço.
O presidente eleito, que teve a oportunidade de unir o país, preferiu expandir a fissura de onde brotou sua candidatura, e fazer dessa caverna um poderoso bunker, a fim de acomodar sua crescente família.
Ao invés de encarnar a solução, agora acuado, a cada dia que passa, dobra sua aposta na divisão, assim como fez o PT.
O covid-19, por contraste, acabou revelando esse outro mal, a genese problemática de um governo, agora reduzido a puro ressentimento, em estado de choque e negação profunda, limitado a enxergar apenas seu próprio drama e cego para as mortes que avançam.
Contudo, o efeito placebo da patológica fé messiânica não atuará sem limites. O vírus do comunismo não pode ser combatido com a cloroquina da sociopatia. Como bem deve saber Zizek, os movimentos dialéticos exigem a internalização dos opostos, enquanto a foraclusão é mecanismo das psicoses.
A negação e a demência não são caminhos possíveis. Assim, tampouco, a liberdade restringida hoje não pode perpetuar-se, fazendo deste estado de emergência um eterno estado de exceção.
O custo de parar essa pandemia não pode ser a servidão eterna num Estado policialesco. Nossas únicas opções não podem estar entre a rendição aos mecanismos de controle social, desejáveis dos sistemas autoritários, e a sociopatia.

Elogio da Exploração (1990) - Paulo Roberto de Almeida

Trinta anos depois que escrevi esse texto provocador – que depois foi incorporado a meu livro de quase uma década após; in: Paulo Roberto de Almeida, Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999) – alguém me lembrou dele, no Academia.edu. Vou transcrever novamente, na forma em que foi originalmente escrito.
Paulo Roberto de Almeida


ELOGIO DA EXPLORAÇÃO

Paulo Roberto de Almeida

Cinco séculos depois de Erasmo ter ousado proceder a um elogio da loucura (Encomium moriae) e cem anos após Paul Lafargue ter defendido o direito à preguiça (Le Droit à la Paresse), não deveria haver nada de muito surpreendente no fato de se pretender encontrar aspectos positivos na Exploração. Antes de ser mal interpretado, esclareço que estou referindo-me efetivamente à velha e abominável “exploração do homem pelo homem”.
Se existe algum elemento de verdade no conhecido apotegma, segundo o qual “existe apenas uma coisa pior do que ser explorado, que é a de não ser explorado”, a exploração deveria ter lugar assegurado no panteão das realizações humanas. Com efeito, ela se apresenta como um dos elementos de organização social de maior força agregadora e de maior vitalidade institucional. No entanto, a legitimidade da exploração sempre foi expurgada da memória social, constituindo-se numa espécie de mito fundador rejeitado universalmente pelo inconsciente coletivo. Apesar disso, ela parece ser estruturalmente necessária enquanto sustentáculo da vida social, surgindo historicamente como um verdadeiro requisito de civilização e como um componente indispensável de toda e qualquer sociedade dinâmica. 
Ao lado da Dominação, a Exploração é uma das forças mais poderosas que motivam o progresso social e o avanço material das civilizações, ao organizar a sociedade para o crescimento do produto em bases mais racionais e ao permitir, contraditoriamente, o surgimento de condições sociais favoráveis ao estabelecimento de uma maior igualdade de chances no conjunto da sociedade. 
Mas, antes de que se tome este exercício de crítica intelectual como uma mera provocação — o que ele, de certo modo, o é, efetivamente — devo esclarecer que pretendo tão somente oferecer algumas notas sobre os condicionantes históricos do desenvolvimento social como forma de sustentar um novo tipo de discurso sobre essa relação social tão execrada e no entanto tão generalizada, a ponto de ser verdadeiramente universal nas sociedades complexas. 
Mais do que um simples elogio, a Exploração requer explicação e compreensão, ou aquilo que em termos metodológicos weberianos se chamaria de Verstehen. Minha intenção é, sucintamente, de proceder ao alinhamento de uma série de proposições relativamente diretas — mas de cunho geralmente abstrato — e pedir a meus leitores que tentem encontrar contra-proposições historicamente credíveis e empiricamente sustentáveis. 
É evidente que os partidários da vulgata unilinear marxista sobre a sucessão dos “modos de produção” poderão desde logo argumentar com exemplos retirados da chamadas “sociedades primitivas”. A estes devo, no entanto, advertir que estou referindo-me a sociedades históricas, isto é, dotadas da mola do Progresso e aptas a retirar da atividade produtiva um excedente para investimento futuro e incremento das oportunidades de consumo. Apesar de que este modesto ensaio possa ser também considerado como um exercício de antropologia cultural, ele não pretende circunscrever seus argumentos a um determinado tipo de formação social, mas sim generalizá-los em função da categoria mais comum de sociedade histórica, que é aquela dividida em classes (incluídas neste conceito igualmente as que algum dia tiveram a pretensão de se considerar “socialistas”).
Sem pretender oferecer aqui a teoria e a prática da Exploração, as proposições de caráter abstrato que faço — procurando aproximar-me das categorias universais que Weber chamaria de Ideal-typus — são as seguintes:

1) Todas as sociedades organizam-se estruturalmente segundo uma relação mais ou menos estreita com o seu meio ambiente, mas é nas chamadas sociedades primitivas que a “ditadura da natureza” é mais marcada. Nas sociedades relativamente complexas, isto é, dotadas de meios técnicos suscetíveis de transformar o meio ambiente, a emancipação do Homem vis-à-vis a Natureza acarreta igualmente uma divisão sexual e social do trabalho, base ulterior da divisão da sociedade em classes. 
2) Todas as sociedades históricas são, ou foram, sociedades divididas em classes sociais, ou seja, sociedades organizadas com base em relações de dominação política e de exploração do trabalho produtivo. Não há exemplos, na antropologia ou na história comparadas, de sociedades históricas que não tenham sido, ao mesmo tempo, sociedades desiguais: nessas sociedades, uma determinada categoria de pessoas detém a capacidade de comandar outras pessoas (de fato, a maioria) e delas extrair recursos excedentes em termos de produção econômica.
3) A apropriação de excedentes econômicos produzidos pelas classes trabalhadoras (exploração), e a imposição de uma forma qualquer de comando autoritário sobre o conjunto da população (dominação), parecem obedecer a uma mesma lógica social: a monopolização, por parte de uma categoria de pessoas, de determinados bens raros, nesse caso representados pela Propriedade e pelo Poder. O conceito econômico de “raridade” — ou “escassez relativa” — parece apropriado para caracterizar tanto essa concentração do excedente disponível na esfera econômica como a monopolização do poder político em mãos de uma elite social.
4) A concentração e a centralização desses bens raros nas mãos de uma elite dominante são normalmente legitimadas por algum tipo de racionalização, já que aqueles processos não podem ser mantidos unicamente através do emprego constante (ou da ameaça de uso) da violência institucionalizada. Uma “ideologia da dominação” — que é, ao mesmo tempo, uma justificativa da exploração — tende assim a acompanhar todas as situações de desigualdade estrutural.
5) Nas sociedades de classe modernas e contemporâneas, a exploração assume principalmente a forma do desenvolvimento econômico, cuja característica essencial é a capacidade da sociedade de produzir inovações tecnológicas. Nas civilizações materiais organizadas com base na propriedade privada e no livre comércio (mercado), o desenvolvimento contínuo das forças produtivas deu origem a um verdadeiro “modo de produção inventivo”, transformando o progresso tecnológico em rationale da vida econômica e social.
6) A exploração nem sempre pode ser qualitativamente aferível: em todo caso sua percepção é, mais bem, de ordem subjetiva. Tampouco ela parece ser quantitativamente mensurável, embora exercícios marxianos tenham tentado medir tal indicador através da “taxa de mais valia”. Todas as avaliações estimativas no sentido de traduzir esse conceito na prática econômica corrente se viram, no entanto, frustrados por sérias dificuldades metodológicas e por barreiras empíricas não menos importantes.
 7) O sucesso relativo de uma nova forma de organização social da produção material significa, concretamente, uma maior disponibilidade de bens e serviços anteriormente raros ou de alto custo unitário; ele se traduz, igualmente, numa maior capacidade em exercer um controle ampliado sobre o meio ambiente societal. O modo de produção é tanto mais inventivo quanto ele conseguir transformar um maior número de bens raros em produtos e serviços de consumo corrente: sua funcionalidade social, em termos históricos, está precisamente nessa capacidade em atribuir um valor de troca a uma gama relativamente ampla de necessidades humanas.
8) Ao disseminar mercadorias e transformar ecossistemas, o progresso tecnológico cria desigualdades econômicas e sociais suplementares àquelas ordinariamente existentes, mas que são em grande parte o resultado de uma maior divisão social do trabalho e de uma crescente especialização de funções produtivas. A transformação criativa que deriva do modo de produção inventivo gera, igualmente, desequilíbrios sociais e regionais, que se traduzem não apenas em termos de obsolescência de meios de produção e de subutilização de recursos humanos, mas também na marginalização de regiões inteiras e sua subordinação econômica a centros mais desenvolvidos. Enquanto novos espaços sociais são incorporados aos circuitos da exploração, outros deixam de ser funcionalmente rentáveis na cadeia de expropriação de excedentes, ou seja, sua exploração já não é mais compatível com os custos marginais.
9) As relações desiguais de apropriação de bens raros não ocorrem apenas num âmbito puramente interclassista ou intra-societal, mas prevalecem igualmente num nível inter-societal, confrontando formações nacionais desigualmente dotadas em recursos e diversamente inseridas num mesmo sistema global. A exploração e a dominação não têm, assim, um caráter nacional exclusivo, mas a aplicação desses dois princípios a nível transnacional confunde-se, em muitos casos, com as relações desiguais que prevalecem internamente entre classes sociais.
10) A racionalização conceitual do desenvolvimento histórico e social, ao coincidir no tempo com a formação e o fortalecimento dos Estados-nacionais (séculos XVI-XVIII), impôs, a estes últimos, encargos e responsabilidades muito precisas em relação ao desenvolvimento concreto de suas sociedades respectivas. O estado do Progresso passou a exigir, cada vez mais, o progresso do Estado, tendência apenas minimizada nas formações sociais que atravessaram um processo relativamente completo de Nation making antes de ingressarem numa fase de State building.
11) Na época do Iluminismo, foram criadas legitimações doutrinárias e filosóficas à prática da exploração. Essas formulações ideológicas consubstanciaram-se, posteriormente, no pensamento liberal clássico, de que são exemplos, no plano econômico, os conceitos de “equilíbrio dos mercados”, da “mão invisível”, de “vantagens comparativas” ou de “laissez-faire”. A força doutrinária do pensamento liberal contaminou também as elites dominantes dos próprios países submetidos a alguma forma de exploração e de dominação, a tal ponto que a expropriação direta de recursos (espoliação colonial) ou a apropriação indireta de trabalho materializado (intercâmbio desigual) puderam ser justificadas pela sua funcionalidade em relação ao princípio do desenvolvimento material das sociedades envolvidas. Mas, mesmo um igualitarista radical como Marx viu na instituição colonial, ou seja, na incorporação de novas áreas à exploração capitalista, um grande fator de desenvolvimento material em sociedades mais atrasadas.
12) O debate contemporâneo sobre as origens do atraso de sociedades outrora colonizadas tendeu a ver na exploração e na dominação dessas sociedades uma das molas propulsoras do desenvolvimento nas formações dominantes e, inversamente, naqueles dois fenômenos os principais fatores de subdesenvolvimento nas primeiras. Em que pese a contribuição adicional desses fatores, ao lado da exportação de excedentes demográficos, para o avanço material das sociedades mais poderosas, as alavancas mais significativas no processo de desenvolvimento econômico e social dessas sociedades foram, e são, de ordem propriamente interna. Essas alavancas, que constituem condições prévias ao desenvolvimento sustentado, derivam de um conjunto de relações sociais condizentes com o modo inventivo de produção e situam-se, por assim dizer, na própria raiz da organização social da produção nessas sociedades. Inovação tecnológica e poder econômico constituem requisitos necessários ao - e não efeitos do - exercício da vontade imperial. 
13) A espoliação colonial e a dominação mundial não podem ser implementadas sem a capacitação intrínseca do pretendente, o que significa a existência de uma estrutura social e de recursos materiais e humanos compatíveis com a voluntas dominadora. Embora uma das fontes de “acumulação primitiva” possa ser constituída pela exploração de sociedades dominadas, esta não é nem o mais importante fator de avanço material das sociedades centrais, nem o requisito suficiente para o desenvolvimento contínuo destas últimas. A chamada “aventura colonial” foi antes uma busca de prestígio político do que um empreendimento econômico, envolvendo, na maior parte dos casos, custos superiores aos benefícios incorridos. 
14) A única forma de subtrair-se à exploração e à dominação de outrem, tanto no plano nacional como no das relações inter-societais, parece assim situar-se na auto-capacitação tecnológica e humana, o que vale dizer, dotar-se de seu próprio modo inventivo de produção, base material e fonte primária de poder econômico e político. A soberania, seja a individual ou a coletiva, deriva da faculdade de organizar a exploração e a dominação em bases propriamente autônomas, ou seja, criar o seu próprio fulcro de poder social. Em outros termos, a internalização dos efeitos sociais e econômicos da exploração e da dominação só pode ser obtida por meio da conversão de uma formação social em centro de seu próprio sistema nacional, dotando esta última de sua respectiva periferia.
15) As sociedades que conheceram rupturas violentas da ordem política, durante seu processo de modernização econômica e social, eram, via de regra, as menos desenvolvidas materialmente em relação a seu entorno geográfico, em suma, sociedades onde a exploração menos tinha feito progressos. Em termos históricos concretos, é a insuficiência de desenvolvimento capitalista, e não uma pretendida “super-exploração capitalista”, que abre as portas a revoluções burguesas e anti-burguesas. Isto é válido tanto para as revoluções burguesas “clássicas”, de que a francesa constitui o paradigma par excellence, como para as revoluções sociais na Rússia, na China e, mais perto de nós, no México.
16) As tentativas de superar a “democracia formal”, de caráter burguês, e de eliminar radicalmente a exploração de tipo capitalista, substituindo-as pela “democracia real” e pelo igualitarismo social, não conseguiram, nem mesmo no caso das experiências de cunho auto-gestionário, sequer arranhar o sólido edifício da exploração, logrando apenas destruir toda e qualquer possibilidade de governo democrático, sem adjetivos. Como diz a conhecida anedota, se o capitalismo é um sistema de exploração do homem pelo homem, sob o socialismo ocorre exatamente o inverso.
17) Da mesma forma, não se conseguiu até agora conceber, colocar em prática e fazer funcionar, efetivamente, qualquer sistema de organização social da produção que combinasse eficiência produtiva e equidade social, eliminando, total ou parcialmente, qualquer vestígio de exploração, isto é, que não fosse baseado num sistema de alocação de recursos e de redistribuição de excedentes caracterizado por um processo decisório autoritário e mesmo antidemocrático, em escala microeconômica. A propriedade coletiva dos meios de produção, que, junto com o “planejamento democrático” da produção, deveria garantir o desaparecimento definitivo de qualquer tipo de exploração social, não apenas deu início a formas disfarçadas (quando não abertas) de exploração dos trabalhadores diretos, como conduziu a um sistema eminentemente caracterizado pelo desperdício de recursos materiais e humanos (e, portanto, a uma maior exploração da sociedade, em seu conjunto) e marcado pelo florescimento de práticas políticas antidemocráticas, em escala macrossocial.
18) A experiência histórica indica que a difusão do desenvolvimento, em suas diversas formas materiais (incluindo suas manifestações culturais), emana sempre dos diversos centros de poder econômico e político. Os benefícios da acumulação revertem inevitavelmente aos mesmos centros, após ter o processo global de exploração cumprido sua missão histórica de amealhar recursos adicionais para a sociedade originalmente dominante. 
19) Não parece haver, pelo menos no horizonte histórico do sistema interestatal contemporâneo, alternativas válidas de afirmação nacional que logrem superar a assimetria estrutural da relação centro-periferia: ou as sociedades e nações dominadas conseguem transformar a exploração e a dominação em alavancas autônomas do seu próprio progresso econômico ou elas estão condenadas (num sentido propriamente hegeliano) a continuarem como meros objetos da História. 
20) No entanto, como todo processo histórico, a relação centro-periferia é eminentemente instável e perfeitamente mutável, tanto em seu contorno como em sua composição, podendo substituir atores, transformar cenários e ocupar novos palcos sociais. A História, absolutamente indeterminada, sempre oferece uma margem de liberdade, tanto aos homens quanto às nações.

As proposições alinhadas acima, deliberadamente provocativas, deveriam incitar sua contestação, tanto no plano lógico como no terreno histórico. É, aliás, desejo de seu autor que o presente “elogio da exploração” não seja simplesmente visto como um mero divertissement acadêmico, mas como uma tentativa de engajar a responsabilidade do intelectual na discussão de um tema essencialmente incômodo e altamente propenso a considerações de natureza ideológica. Tanto a crença liberal como a imaginação dialética deveriam se sentir desafiadas a descer na arena conceitual para expor seus próprios argumentos sobre a legitimidade histórica ou a inaceitabilidade moral desta realidade social que constitui a exploração. Pelo menos até aqui, ela parece estar empiricamente validada pelos laboratórios da história.
Deve-se finalmente acrescentar que, o “discurso realista”, de que estas notas constituem um simples exercício, encontra sérias objeções morais a nível da praxis política e social - num contexto nacional ou internacional - razão pela qual ele deve ser freado por princípios éticos suscetíveis de serem defendidos por lideranças político-partidárias e estadistas responsáveis. Não se deve esquecer, porém, de que a realidade subjacente a ele - ou seja, a estrutura das relações de exploração e de dominação - constitui o fundamento último e a razão imanente que sustentam a atuação dos Estados e elites dominantes em todas as épocas históricas.

Paulo Roberto de Almeida é Mestre em Economia Internacional, Doutor em Ciências Sociais e ex-Professor de Sociologia Política na UnB.
[Montevideo, 15/08/90]
[Relação de Trabalhos nº 194]
Inédito
Publicado in Paulo Roberto de Almeida, Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999).