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quinta-feira, 4 de junho de 2020

A Política Externa e a Diplomacia Brasileira em tempos de Pandemia Global - Palestra online Paulo Roberto de Almeida

https://www.youtube.com/watch?v=g-Jr7xxIphQ&feature=youtu.be

Aula com o Professor Dr. Paulo Roberto de Almeida organizada pelo curso de RI da UniEvangélica

3 de jun. de 2020

Aula ministrada pelo professor Dr. Paulo Roberto de Almeida, através da plataforma do ZOOM, no dia 03 de junho de 2020, sobre "A Política Externa e a Diplomacia Brasileira em tempos de Pandemia Global". Participaram da aula os alunos do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Anápolis - UniEvangélica, bem como convidados externos. O professor disponibilizou um texto para leitura prévia antes da aula, que está no link abaixo:


Ou aqui: 

3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio opinativo sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online para alunos dos cursos de Direito e de Relações Internacionais da IES de Anápolis, em 3/06, via Zoom. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-politica-externa-e-diplomacia.html).

domingo, 31 de maio de 2020

A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global - Paulo Roberto de Almeida

Um dos meus trabalhos recentes, feito para responder a convite de palestra para alunos de Direito e de Relações Internacionais, mas que não será lido, razão pela qual, como sempre faço, já o enviei preliminarmente, para conhecimento dos alunos e professores. Como sempre, farei uma pequena digressão sobre os temas selecionados, e depois deixarei o máximo de tempo para as perguntas da audiência.
Paulo Roberto de Almeida 

3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio opinativo sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online para alunos dos cursos de Direito e de Relações Internacionais da IES de Anápolis, em 3/06/2020. 
Disponível na plataforma Academia.edu (link:
 https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_).

A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global


Paulo Roberto de Almeida
  
Sumário: 
Considerações gerais sobre a política externa e a diplomacia dos Estados soberanos
Política externa e diplomacia do Brasil em padrões tradicionais e em tempos normais
A política externa e a diplomacia em tempos excepcionais: sem qualquer programa
A política externa e a diplomacia em tempos de anormalidade pré-pandêmica
A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de anormalidade pandêmica
A restauração da política externa e da diplomacia segundo ex-chanceleres

Considerações gerais sobre a política externa e a diplomacia dos Estados soberanos
Um Estado se organiza institucionalmente em torno de seus três poderes principais, à la Montesquieu, e estes se articulam sobre a base das disposições constitucionais que regulam, de modo lato, o seu funcionamento. Os agentes públicos eleitos ou mandatados nos três poderes exercem suas funções a partir dos mesmos dispositivos constitucionais e a partir dos impulsos e iniciativas tomados pelos governos eleitos em alternância, pelo menos nas democracias representativas. No caso do Brasil, tínhamos, no Império, uma inovação à la Benjamin Constant (o franco-suíço, não o brasileiro), um quarto poder, o Moderador, usado pelo Imperador para se livrar do gabinete de turno, e convidar o líder do partido opositor (só havia dois, o Liberal e o Conservador, ambos escravistas).
O Executivo, principal poder nos governos, exerce suas funções por meio de políticas públicas, sendo que estas se dividem em macroeconômicas – fiscal, monetária, cambial – e em políticas setoriais: industrial, comercial, agrícola, educacional, científica, etc. Algumas destas possuem maior abrangência, perpassando diferentes setores da vida pública, como a Justiça, a Defesa e as Relações Exteriores. Esta última, objeto deste ensaio, toma apoio em outras políticas setoriais: de comércio exterior, da indústria, da agricultura, assim como das demais que possuem uma interface internacional, o que acaba sendo o caso de quase todas elas, pois mesmo as políticas que têm a ver com a segurança interna, com a previdência, ou as populações indígenas, por exemplo, podem receber insumos e lições comparativas extraídas de outras experiências de base nacional. Um foro de coordenação de políticas como a OCDE, ao qual o Brasil pretende ingressar, é uma espécie de gabinete ministerial incorporando todas as vertentes das políticas governamentais, macroeconômicas e setoriais. 
A política externa de um país é o conjunto de diretrizes e prioridades que um país determinado escolhe, de acordo com a sua forma de governo – parlamentarista ou de cunho presidencial, como é o nosso caso –, para se relacionar com outros Estados soberanos da comunidade internacional e no âmbito das organizações regionais ou intergovernamentais de caráter universal ou mundial, cenário no qual exercem preeminência a Organização das Nações Unidas e suas agências especializadas. Nos regimes presidencialistas, como é o caso do Brasil, cabe ao presidente determinar as diretrizes básicas da política externa, com a eventual tutela do poder legislativo no controle de suas ações e iniciativas e na designação de representantes diplomáticos junto a essas organizações internacionais ou demais países com os quais se tenham relações diplomáticas. Raramente a política externa aparece com destaque ou prioridade nos debates eleitorais, uma vez que as questões principais em cada escrutínio eleitoral tocam mais diretamente nas políticas econômicas – emprego, renda, habitação, gastos em saúde e educação, transportes, segurança, etc. –, daí uma grande latitude deixada ao chefe de governo, e de Estado (no caso dos regimes presidencialistas), na definição das linhas básicas dessa política setorial abrangente. 
A diplomacia, por sua vez, nada mais é senão a ferramenta pela qual um Estado constituído exerce a sua política externa, mobilizando agentes enviados ao exterior e o corpo profissional do Serviço Exterior para a implementação das diretrizes do presidente, com a atuação paralela dos demais poderes e dos agentes econômicos e sociais de uma nação que mantém relações normais com os demais Estados da comunidade internacional. Esse corpo profissional pode ser mais ou menos aberto à participação de especialistas recrutados em outras áreas de governo (Defesa, Economia, Agricultura, por exemplo) ou na própria sociedade civil (empresas, academia, organizações não governamentais). No caso do Brasil, existe certo insulamento do ministério das Relações Exteriores dessa “osmose” que outras chancelarias mantêm com esses agentes “externos” ao próprio Serviço Exterior oficial, ou seja, recrutado por concurso e dotado de estabilidade funcional. Essas características podem representar tanto uma garantia de alta qualidade no desempenho das funções e atividades tipicamente diplomáticas – pelo constante treinamento do pessoal habilitado –, quanto certo risco de autismo burocrático ou insulamento da sociedade e das demais agências públicas. 

Política externa e diplomacia do Brasil em padrões tradicionais e em tempos normais
(...)

Ler a íntegra neste link: 


segunda-feira, 25 de maio de 2020

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres - Paulo Roberto de Almeida

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres 

Paulo Roberto de Almeida
Rascunho para debate público online para o Livres, no dia 25/05/2020
na companhia do embaixador Rubens Ricupero e da economista Sandra Rios. 

A presente nota se dedica, numa primeira parte, a resumir o trabalho já elaborado para este debate e ao qual se pode recorrer para maiores detalhes: “O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais” – disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43123473/O_mundo_pos-pandemia_contextos_politicos_e_tendencias_internacionais_2020_) –, a que se seguem mais alguns comentários sobre a questão selecionada para debate, bem como sobre a situação recente da diplomacia do Brasil, o atual “homem doente da América do Sul”. 

Adivinhos, oráculos e previsões
Debates online: fadiga pós-pandêmica, ou então substituirão os encontros físicos;
Minhas previsões imprevidentes...; companheiros ajudavam (ética na política...); os atuais fazem besteiras previsíveis;

Mudanças e continuidades, com pandemias que vão e que voltam
A verdade é que não sabemos como será o mundo pós-pandêmico;
Emb. Ricupero alerta que não será muito diferente; pandemias não mudam estruturas longas, à la Braudel;
Depois do terremoto de 14-18, o mundo continuou mais ou menos como antes;
Pacto Briand-Kellog, 1928; Japão invade a Manchúria em 1931; rearmamento alemão em 1933; Itália inicia guerra contra a Abissínia em 1937; 

Contextos nacionais e forças transnacionais
Mudanças já estavam em curso desde antes, entre elas o nacionalismo e os retrocessos protecionistas, que aliás antecedem Trump;
Ou seja, já estávamos em mundo novo antes da pandemia; só o Brasil desapareceu do mundo, e isso também antes da pandemia; agora, então, simplesmente não existimos, ou apenas existimos como mau exemplo;

Globalização micro e macro: qual avança, qual recua?
A verdadeira globalização, a micro;
A antigloblização, a macro;

Da Guerra Fria geopolítica a Guerra Fria econômica: quem perde, quem ganha?
Uma das coisas mais impactantes que constatei nos tempos recentes – e isso não está em meu paper – foi a rendição dos acadêmicos americanos à paranoia do Pentágono
Isso já estava um pouco visível nos debates sobre a Grande Estratégia nos EUA, até em Yale, com o biógrafo de Kennan, John Lewis Gaddis, e em Harvard, Graham Ellison, autor do famoso livro sobre a Essência da Decisão (Cuba, 1962)
John Lewis Gaddis tem aliás um livrinho sobre o fim da Guerra Fria: o Ocidente venceu
Bem, agora saímos da Guerra Fria Geopolítica e estamos na Guerra Fria Econômica.\

Como será, então, o mundo pós-pandemia: muito diferente do atual?
Para ser sincero, não tenho a menor ideia de como será o mundo pós-pandemia
A Grande Depressão pode ser agora uma Super Depressão; Chimerica de Ferguson
Infelizmente, para o Brasil, dada a má qualidade de nossas elites dirigentes, assim como devido à péssima qualidade daqueles que ocupam o poder político no presente momento, esse futuro é o mais incerto possível, oscilando entre o precário e o desastroso. Não consigo detectar governo tão medíocre, tão miserável, tão prejudicial à nação, ao Estado, ao país, quanto o atual desgoverno que teve início em 1º de janeiro de 2019: não sabemos ainda quando terminará...

Mundo pós-pandemia: não muito diferente do atual
O mundo não mudará muito, em suas estruturas fundamentais, mas mudanças tópicas podem ser relevantes;
A pandemia traz desemprego, sofrimento e pobreza, mas não provocará nem uma revolução social, nem grandes rupturas políticas;
Se houver mudanças de governos será mais como resultado do desgaste do existentes, por ineficácia em lidar com as consequências da pandemia;
As mudanças econômicas serão adaptativas aos impactos trazidos pela doença com algumas inovações importantes, em produtos e métodos (todas as guerras fazem isso);
Lideranças medíocres, como a nossa, atrasarão essas mudanças adaptativas no campo econômico e retardarão ainda mais suas sociedades do que o mero impacto da doença.

O “Homem Doente da América do Sul”? 
Esse conceito de “homem doente” foi empregado pela primeira vez para o caso da China, na última década do século XIX, e esse “homem doente” era o Império Qing, decadente, tanto que veio a termo apenas três anos depois que a Imperatriz Cixi morreu, em 1908. Contemporaneamente, o outro “homem doente” da Ásia, ou da Europa, pele menos parcialmente, era o Império Otomano, que se desfez nos muitos desastres da Grande Guerra, que também desmantelaram três outros grandes impérios europeus: o dos Habsburgos, na Áustria-Hungria, o dos Romanov, na Rússia czarista, e o dos Hoenzollerns, do Reich alemão, prussiano de origem. 
Mas não se pense que o termo possa ser exclusivo dessas situações-limite, decaindo como resultado de grandes conflitos bélicos, de guerras civis, de revoluções ou de ataques de potências estrangeiras, como também no caso da China imperial, e da própria República presidida por Sun Yat-Sen. Lembro-me que no começo deste século a Economist dedicou um editorial, artigos e uma ilustração de capa, para no novo “homem doente da Europa”, a Alemanha, antes que ela começasse as reformas que reforçariam a sua taxa de crescimento, o seu desemprego, o crescimento indesejado do já alto custo do trabalho, impactando sua competitividade internacional. Ou seja, ninguém escapa de cair no qualificativo desonroso, por razões geralmente vinculados a uma fase de declínio.
Pois agora chegou a vez do Brasil. Creio que já se pode chamar o Brasil de o “homem doente da América do Sul”, e não apenas por causa da nossa evolução trágica nos números cumulativos de infectados pelo Covid-19 e pelo volume de mortos. Nossos vizinhos já tinham percebido isso, e por isso mesmo declarado o fechamento de suas fronteiras e outras comunicações com o Brasil. Nosso país se tornou o “homem doente da América do Sul” a mais de um título, sobretudo no plano diplomático, na esfera dos direitos humanos, no respeito às liberdades fundamentais e no respeito à imprensa, assim como no terreno do meio ambiente e do cumprimento de compromissos assumidos no âmbito de acordos internacionais nessa área. Já dizia o embaixador Ricupero, ainda no governo de transição presidido pelo vice-presidente Michel Temer, que ninguém quer tirar foto ao lado do Brasil. Se isso era verdade em 2017, é bem mais atualmente. Como ele também disse, o Brasil virou um “pária internacional”, um verdadeiro proscrito da diplomacia mundial, um personagem anômalo nos foros internacionais e regionais. 
Essa não é, evidentemente, a opinião do chanceler, expressa na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto. Em meio aos muitos palavrões do presidente, o chanceler declarou que o Brasil poderia fazer parte de uma espécie de novo Conselho de Segurança que seria formado em um mundo pós-pandemia. Ele disse o seguinte, de acordo com a transcrição autorizada pelo ministro Celso de Mello:
Eu  [sic] cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial. (...)
Eu acho que é verdade e assim como houve um Conselho de Segurança que definiu a ordem mundial, cinco países depois da... da segunda guerra, vai haver uma espécie de novo é ... [sic] Conselho de Segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de  [sic] nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar e forma... ajudar a formatar um novo é ... cenário. (...)
E esse cenário é, ... eu acho que ele tem que levar em conta o seguinte é ... tamos [sic] aí revendo os últimos trinta anos de globalização. Vai haver uma nova globalização.
Que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente  [sic] vendo agora, criou é ... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., ? [sic]

Tanto quanto o ainda presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o filho 02 do presidente, o chanceler também acredita que o momento do Brasil inspira grande confiança e pode se refletir em prestígio internacional. Não se pode, evidentemente, evitar que determinadas pessoas entretenham ilusões sobre a imagem do Brasil no mundo, ou sobre sua capacidade de influenciar temas e políticas da agenda internacional. O que se pode fazer é manter uma visão realista, sóbria, sobre a inserção atual do Brasil no sistema internacional, e constatar, ou melhor, indagar com quais países, ou em quais áreas, o Brasil poderia manter relações estreitas, assinar novos acordos bilaterais ou plurilaterais, ter confirmadas as suas duas principais ambições do momento – a entrada em vigor do acordo Mercosul-UE e o ingresso na OCDE – ou receber convites e aceitar visitas, de trabalho ou de Estado, com quais chefes de governo ou de Estado dispostos a cultivar relações com o Brasil atual. Numa recente reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para marcar os 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial e a vitória das Nações Aliadas contra o nazifascismo, o chanceler aproveitou para lançar um novo ataque a propósito dos riscos do comunismo, tendo ainda recomendado que se evitasse a palavra multilateralismo, uma vez que todos os conceitos terminados em “ismo” poderiam denotar fenômenos essencialmente negativos. 
Registre-se que nas áreas de meio ambiente, de direitos humanos, de luta contra a corrupção, de relações bilaterais com boa parte de importantes países da Europa ocidental, ou até no âmbito do Brics, mas sobretudo no campo das relações regionais, o leque de possibilidades abertas ao engenho e arte da diplomacia profissional tem se reduzido de maneira substantiva desde o início do governo Bolsonaro. Já tendo, de partida, anunciado sua oposição ao multilateralismo – em nome de um difuso e nunca explicado antiglobalismo –, as relações do governo com o sistema da ONU – em especial com a OMS, em plena pandemia – são as piores possíveis, a ponto de obstar a convites para determinados encontros, em vista das críticas do presidente e do chanceler às posturas adotadas nesses organismos, e não apenas em relação à luta contra o Covid-19. 
Sintetizando, como diplomata profissional, posso testemunhar que nunca, em minhas quatro décadas a serviço do Itamaraty – com alguns intervalos, como durante toda a duração dos governos petistas, e atualmente, quando também me encontrei afastado do trabalho executivo –, mas também com base na leitura da história, deparei-me com tal desprestígio do Brasil no plano internacional, com um tal rebaixamento dos padrões profissionais do Itamaraty e com um abandono inédito de teses, posturas e dos métodos de trabalho da diplomacia brasileira e da política externa brasileira: trata-se, seguramente, de uma era deprimente da política externa e das relações internacionais do Brasil, uma fase a que eu não hesito em chamar de EA, a Era dos Absurdos. 
Se olharmos para trás, na longa evolução do Serviço Exterior do Brasil, desde a sua independência, e a dois anos de comemorarmos, em 2022, os primeiros dois séculos da existência da nação independente, podemos certamente constatar, como afirmou o embaixador Rubens Ricupero, em seu livro A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016(2017), que nossa política externa e o pessoal profissional e os estadistas nela envolvidos participaram efetivamente da consolidação de um Estado atuante, um dos mais sofisticados dentre as nações que surgiram do colonialismo ibérico, caracterizado por uma atuação de alta qualidade, de excelência mesmo, como reconhecido inclusive por parceiros de nações avançadas e com diplomacias bem mais longevas. Infelizmente, essa tradição admirável vem sendo deliberadamente constrangida, sabotada, deformada e diminuída desde o início do governo atual. Haverá um trabalho de reconstrução a ser feito como já registrado no chamado “manifesto dos chanceleres”, publicado nos grandes jornais brasileiros no dia 8 de maio de 2020 (ler a versão em português neste link: https://www.academia.edu/43153794/A_reconstrucao_da_politica_externa_brasileira_2020_; a versão em inglês, encontra-se disponível aqui: https://www.academia.edu/43042244/The_Reconstruction_of_Brazilian_Foreign_Policy_-_Former_Ministers).
Uma transcrição de seus principais parágrafos traz algumas evidências quanto à lamentável situação atual da política externa e da diplomacia brasileira: 
É suficiente cotejar os ditames da Constituição com as ações da política externa para verificar que a diplomacia atual contraria esses princípios na letra e no espírito. Não se pode conciliar independência nacional com a subordinação a um governo estrangeiro cujo confessado programa político é a promoção do seu interesse acima de qualquer outra consideração. Aliena a independência governo que se declara aliado desse país, assumindo como própria uma agenda que ameaça arrastar o Brasil a conflitos com nações com as quais mantemos relações de amizade e mútuo interesse. Afasta-se, ademais, da vocação universalista da política externa brasileira e de sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em benefício de nossos interesses.
Outros exemplos de contradição com os dispositivos da Constituição consistem no apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção; o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, à igualdade dos Estados e à solução pacífica dos conflitos; o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança da ONU; a aprovação oficial de assassinato político e o voto contra resoluções no Conselho de Direitos Humanos em Genebra de condenação de violação desses direitos; a defesa da política de negação aos povos autóctones dos direitos que lhes são garantidos na Constituição, o desapreço por questões como a discriminação por motivo de raça e de gênero. 
Além de transgredir a Constituição Federal, a atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos. (...)
Na América Latina, de indutores do processo de integração, passamos a apoiar aventuras intervencionistas, cedendo terreno a potências extrarregionais. Abrimos mão da capacidade de defender nossos interesses, ao colaborarmos para a deportação dos Estados Unidos em condições desumanas de trabalhadores brasileiros ou ao decidir por razões ideológicas a retirada da Venezuela, país limítrofe, de todo o pessoal diplomático e consular brasileiro, deixando ao desamparo nossos nacionais que lá residem. (..)
A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro.

O trabalho de reconstrução será efetivamente duro e demorado. Assim faremos.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 25/05/2020

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Uma palestra sobre duas pandemias, a global e a nacional - Paulo Roberto de Almeida

Pandemia global e pandemia nacional: 
um futuro pior que o passado


Paulo Roberto de Almeida
Texto auxiliar para palestra online
Universidade Salvador (Unifacs)
Curso de Relações Internacionais – NERI
Quinta-feira, 23/04/2020, 20hs, via Instagram.


Pandemia global e pandemia nacional: cada qual no seu contexto
Todos sabem o que é a pandemia global do Covid-19; ela não necessita de mais apresentações. Cabe certa dúvida, contudo, quanto ao que seria a “pandemia nacional” da segunda parte do título: ela não tem nada a ver com o Covid-19, ainda que conviva com ele, mas apenas casualmente, como elemento paralelo, ou ator coadjuvante na outra tragédia que o Brasil enfrenta no momento presente: a falência da governança nacional, atingindo um pouco todas as instituições, adicionalmente ao esgotamento da inteligência e a descoordenação de várias instâncias da federação, com conflitos entre poderes e acrimônia entre seus principais personagens. Essa pandemia nacional é representada pela incompetência total da chefia do executivo, não apenas em exercer liderança para fazer face ao desafio da pandemia global, mas sobretudo em atuar, ao que parece deliberadamente, a contrário senso de toda e qualquer noção de responsabilidade no cumprimento de suas funções intransferíveis como chefe de governo, como dirigente da nação. A pandemia nacional possui nome e sobrenome, mas a sua nova designação também poderia ser algo como o “coveiro da democracia brasileira”. 
Venho agora ao subtítulo, “um futuro pior que o passado”. Eu o copio da palestra feita na Academia Brasileira de Letras, em 29 de agosto de 2019, pelo embaixador Rubens Ricupero, no 6º ciclo de conferências “O que falta ao Brasil?”, cujo título completo era exatamente este: “Um futuro pior que o passado? Reflexões na antevéspera do bicentenário da Independência” (disponível em formato de vídeo no site da Academia, neste link: http://www.academia.org.br/eventos/um-futuro-pior-que-o-passado-reflexoes-na-antevespera-do-bicentenario-da-independencia). Meu subtítulo apenas retirou o ponto de interrogação, uma vez que, no momento em que escrevo, tanto a pandemia global, quanto a nacional permitem confirmar amplamente que, sim, nosso futuro será pior do que o passado. Quanto pior ainda não sabemos, mas pressentimos.
Bem entendido, essa deterioração das condições globais sob o impacto do Covid-19 não é exclusiva ao Brasil: todos os países, todas as economias, grandes e pequenas, todas as nações, desenvolvidas e em desenvolvimento sofrem e sofrerão o impacto, não apenas das mortes – que podem até ser limitadas em comparação com a pandemia precedente, a chamada “gripe espanhola”, que pode ter vitimado entre 50 e 100 milhões de pessoas em diferentes países, entre os anos de 1917 e 1919 –, mas sobretudo o impacto devastador de seus efeitos econômicos e no terreno social, numa escala provavelmente maior do que aqueles provocados pela Grande Depressão dos anos 1930 (bem mais grave do que a mera crise da bolsa de Nova York em outubro de 1930, praticamente reabsorvida em meados de 1930). 
Mas é no Brasil que as duas pandemias prometem causar uma destruição tão maciça ou ainda mais importante quanto as crises econômicas que já enfrentamos em nossa história, sendo que a última, à qual eu chamo de Grande Destruição do final do regime lulopetista, foi bem mais ampla e recessiva do que os dois anos de recessão vividos pelo Brasil em 1930 e 1931. Como já disse um humorista, o “macaco Simão”, todos os países enfrentam um poderoso inimigo; só o Brasil enfrenta dois: o Covid-19 e o Bolsovirus, especialmente destruidor das instituições democráticas e potencialmente genocidário, igualmente, ao se contrapor, pelo exemplo e pelos dizeres, às medidas de contenção repetidamente recomendadas pelas autoridades sanitárias e até pela maioria do seu próprio governo, que ele se empenha impavidamente em desacreditar.
Não creio ser necessário retomar, neste momento e neste espaço, os impactos mais gerais, inclusive geopolíticos, do Covid-19 em escala mundial, inclusive porque a pandemia ainda não cessou de produzir os seus efeitos; aliás, um sem número de organizações internacionais, think tanks, entidades oficiais nacionais, acadêmicos e pesquisadores de todas as especialidades vêm oferecendo um número incrivelmente alto de dados, estudos prospectivos, simulações sobre a evolução da epidemia global e todos os tipos de informações e especulações sobre o que será o mundo sob o impacto do evento mais devastador desde as duas guerras globais do século XX. Eu mesmo já ofereci, em meados de março passado, um pequeno estudo contendo minha visão sobre as “Consequências geopolíticas da pandemia Covid-19”, consolidando comentários pessoais sobre as mudanças em curso no cenário global sob o impacto do surto pandêmico, em especial no que se refere aos papeis dos EUA e da China (ver blog Diplomatizzando; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/03/consequencias-geopoliticas-da-pandemia.html). Não pretendo, portanto, voltar a discutir esses aspectos geopolíticos da primeira grande pandemia do século XXI (mas certamente outras virão, não se sabe se tão devastadoras quanto a atual).
Vou retornar, portanto, à “pandemia nacional”, uma epidemia de natureza basicamente política, que se caracteriza por uma deterioração sensível nas condições de governança, cujo vetor, um vírus ou um bacilo (segundo o que poderão detectar os analistas da área) que invadiu os tecidos e os pulmões do sistema político. Ele se espalhou pela sociedade, transmitido sobretudo por uma tribo de fanáticos, sectários e fundamentalistas – o que é uma tripla redundância –, colocadas a serviço de um candidato a ditador, que jamais terá chances de confirmar qualquer monopólio de poder, mas que paralisa o funcionamento normal das instituições, e dificulta o próprio processo de ajustes econômicos que se encontrava em curso desde o governo anterior. 
A pandemia nacional provocada pelo “Bolsovirus” ameaça provocar um real colapso no âmbito da outra pandemia, a do Coronavirus global, empilhando mortos e mais mortos em diversas capitais do país. Tal se dá em vista dos exemplos criminosos oferecidos pelo chefe de Estado, um irresponsável que carrega justamente o ônus humano pela sua total falta de responsabilidade no sentido de se conformar às recomendações sensatas, e absolutamente necessárias, das autoridades sanitárias, que ele se encarregou de jogar no descrédito todas as vezes que insistiu em contrariar os protocolos epidemiológicos e até o simples bom senso. Numa área específica, porém, a “pandemia nacional bolsonariana” já acarretou um desgaste sensível para o país, a sua imagem internacional, em função de uma política externa tresloucada – que sequer existe como programa formalizado – e de uma diplomacia ainda mais esquizofrênica. 

Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty
Já dediquei a essa política externa e a essa diplomacia um primeiro livro, escrito muito rapidamente, em meados de 2019, apenas como reação aos primeiros episódios, absolutamente surpreendentes, de uma condução canhestra, amadora, mal informada, inadequada, desastrosa para os padrões usualmente de grande qualidade substantiva da diplomacia profissional. Este livro – Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty – encontra-se livremente disponível, em duas edições, no mesmo blog Diplomatizzando, e deve preceder uma outra obra, com análises mais focadas em questões concretas da agenda diplomática, e menos nos textos e discursos do chanceler acidental, que não parece ter muita importância doutrinal ou operacional, seja na determinação conceitual (se tal existe, o que é altamente duvidoso) da política externa, ou na condução efetiva da diplomacia, que não cessa de surpreender diplomatas e observadores externos. 
O que está ocorrendo atualmente no Itamaraty é absolutamente inédito em sua história quase bissecular: não existem registros, em quaisquer épocas, de um chanceler que tenha antagonizado tanto a Casa de Rio Branco, e a própria política externa, quanto o faz atualmente aquele a quem eu chamo de chanceler acidental, Ernesto Araújo. Eu o chamo assim pois que ele conquistou esse cargo não por ter se distinguido, ao longo da carreira, por eminentes serviços prestados ao Itamaraty ou à política internacional do Brasil, tornando-o uma personalidade conhecida, capaz, portanto, de reunir ao apoio da maioria dos diplomatas ou de conhecidos especialistas em relações internacionais. Não; ninguém o conhecia fora do ambiente restrito em que circulou na diplomacia. Tanto é verdade que, assim que ele foi anunciado, na tarde do dia 14 de novembro de 2018, era virtualmente desconhecido da maior parte dos jornalistas, analistas acadêmicos, e até dos próprios colegas. Apenas naquele momento foi conhecido o blog que ele havia criado para apoiar a candidatura do capitão: Metapolítica 17: contra o globalismo
Muitos dos que leram suas postagens pré-eleitorais, assim com várias outras, escritas nos dias e semanas seguintes, ficaram estarrecidos ao ler as invectivas saídas da mente perturbada do desconhecido colega: carregadas do olavismo mais exacerbado, de um pensamento de extrema direta, bastante agressivo contra o suposto marxismo, do esquerdismo inaceitável que parecia grassar e abundar no Itamaraty, essas postagens já antecipavam a intenção até então secreta daquela turma. O objetivo, finalmente exposto, era o de extirpar tudo o que representasse esquerdismo no cenário político nacional. Foi só aí, também, que os jornalistas especializados puderam, finalmente, ler o artigo que ele havia publicado um ano antes na revista do IPRI, os Cadernos de Política Exterior: “Trump e o Ocidente”: tratava-se de um ajuntamento heteróclito de ideias confusas, em nada condizente com o espírito e os objetivos da revista, misturando religião e política, história e filosofia, mas que em resumo anunciava o salvamento do Ocidente cristão por ninguém menos que o presidente dos Estados Unidos.  
Foi a partir dali, ou seja, nas semanas finais de 2018, que os colegas diplomatas e os observadores externos se deram conta de que muita coisa iria mudar no Itamaraty, mas ninguém antecipava, sequer imaginava, a extensão e a profundidade das mudanças introduzidas a partir de janeiro de 2019, a começar pela guilhotina geracional que ceifou as chefias mais antigas (que a do próprio chanceler) das nove subsecretarias até então existentes: foram todas substituídas, com uma única exceção, por ministros de segunda classe, que passaram a chefiar embaixadores mais antigos, numa reprodução daquela inversão de hierarquias que os militares chamam de “coronéis mandando em generais”. Toda a estrutura da Secretaria de Estado foi também alterada, mas secretamente, sem qualquer consulta aos diplomatas, feita com um pequeno grupo de amadores no bunker do Centro Cultural do Banco do Brasil, que serviu de escritório para a equipe de apoio ao novo governo, nas semanas finais de 2018. 

O papel do Itamaraty no âmbito de um governo altamente disfuncional
A política externa tem, realisticamente, um papel secundário em face dos grandes problemas nacionais. A maior parte desses problemas são “made in Brazil”, e devem receber respostas e soluções puramente nacionais. O ambiente externo tem sido, na verdade, favorável ao crescimento dos países que souberam aproveitar os impulsos e as oportunidades externas para alavancar avanços internos. A política externa poderia ter um papel relevante na agenda nacional se o Brasil fosse mais aberto ao comércio internacional e bem mais receptivo aos investimentos estrangeiros e associações com os países mais avançados tecnologicamente, fatores relevantes para projetos nacionais de desenvolvimento. Uma comparação entre os países de mais alta renda per capita e seus respectivos coeficientes de abertura externa comprovam esta assertiva. 
Este deveria ser um argumento suficientemente convincente para justificar um processo de abertura comercial e de maior aproximação aos países líderes do desenvolvimento tecnológico e cultural no mundo. Uma política externa compatível com os interesses nacionais precisaria se concentrar numa agenda desse tipo. Mas pode o Brasil encarar, internamente, a ampliação de facilidades no comércio exterior, com o desmantelamento de entraves administrativos e sistêmicos a uma elevação dos fluxos de exportações e de importações? Tal processo teria de ser paralelo e coincidente com um processo de diminuição da carga tributária sobre as empresas, insuportável sob qualquer critério que se examine. 
Paralelamente seria iniciado um esforço de revisão completa das bases de funcionamento da união aduaneira do Mercosul, a começar pela alternativa entre: (a) unificação de suas regras de aplicação; ou (b) negociação de um protocolo adicional ao Protocolo de Ouro Preto (POP), introduzindo a possibilidade de negociação externa individual de novos acordos de liberalização, com preservação da cláusula de nação-mais-favorecida para dentro. Sob a segunda hipótese, o Brasil poderia negociar outros acordos comerciais, com a Aliança do Pacífico e até com os EUA, prevendo redução de tarifas, abertura a comércio de serviços, defesa de propriedade intelectual e regras estáveis para investimentos, abertos aos membros do Mercosul, se estes o desejassem. 
O acordo com a UE, concluído em junho de 2019, não deve entrar em vigor, não apenas devido aos problemas da pandemia, mas também em função da postura anti-ambientalista do próprio presidente: na época, o parlamento da Áustria, e o próprio executivo francês, sinalizaram que teriam dificuldades em apoiar um acordo com um país que não cumpre o mínimo estabelecido no Acordo de Paris sobre aquecimento global, ou que não respeita outros padrões ambientais e humanitários condizentes com o que se tem estabelecido como normas mínimas no contexto multilateral.
Por outro lado, não há muito que o Brasil possa fazer no plano das negociações comerciais multilaterais, seja no âmbito da Rodada Doha (paralisada e provavelmente moribunda). O que cabe, sim, é examinar os demais acordos plurilaterais existentes no sistema multilateral de comércio, verificar a compatibilidade com o processo (a ser conduzido) de reforma na política comercial nacional, e considerar a hipótese de aderir a esses outros instrumentos de abertura e facilitação.
A política industrial está intimamente relacionada à política comercial, e, na sua vertente externa, deveria dedicar-se a atrair o máximo possível de investimentos estrangeiros e incentivar associações com o que há de mais tecnologicamente avançado no mundo. Independentemente de o Brasil ser ou não membro da OCDE, caberia associar-se ao Comitê de Indústria dessa organização e passar a examinar todos os protocolos, códigos e demais normas voluntárias estabelecidas naquele âmbito, de maneira a colocar a indústria brasileira num contexto de plena conformidade com os padrões internacionais nessa área. 
A política externa precisa retornar aos padrões habituais de profissionalismo e de isenção na análise técnica dos problemas que sempre estiveram afetos ao Itamaraty. Ambos, a política e a instituição, foram bastante deformados nos anos de lulopetismo diplomático, quando uma e outra foram submetidas e ficaram ao sabor das preferências e alucinações partidárias, quando não a serviço de outras causas que não o interesse nacional. A mesma realidade parece se reproduzir atualmente, sob o olavo-bolsonarismo diplomático, que possui muito mais deformações do que jamais tínhamos visto sob o lulismo. A ideologia é muito mais explicita, desde a origem e atualmente, o que torna a nossa política externa errática e altamente instável, pois as expressões equivocadas das políticas nessa área têm de ser corrigidas posteriormente pelos setores prejudicados, como o agronegócio, por exemplo. O Itamaraty não teria nenhum problema em cumprir uma nova pauta na política externa, pois sempre foi muito disciplinado no cumprimento das diretrizes do chefe do executivo, mas ele necessitaria de uma exposição coerente e abrangente sobre quais são as prioridades na frente externa, o que até o presente momento nunca ocorreu. 

Qual a atuação do chanceler acidental no contexto do governo atual?
Desde antes da posse do governo Bolsonaro, a partir de sua participação clandestina na campanha eleitoral presidencial no segundo semestre de 2018 (contra recomendações da Comissão de Ética da Presidência da República), assim como por suas declarações agressivas contra os diplomatas do corpo profissional do Itamaraty e contra a política externa do governo Temer e as dos governos anteriores, amplamente divulgadas pela imprensa, nos dois últimos meses do ano, ficou meridianamente claro que o escolhido pelo presidente eleito para chefiar o Itamaraty não possuía condições políticas e o necessário equilíbrio pessoal para se desempenhar em tão importante cargo na estrutura governamental do Brasil, inclusive por sua interface externa, colocando o Brasil no âmago das relações internacionais em todas as quais categorias (bilateral, regional, multilateral e em foros especializados).
A revelação chocante da existência de seu blog (não identificado com seu nome pessoal), “Metapolítica 17: contra o globalismo”, com postagens altamente controversas sobre a política internacional, mas também com críticas acerbas aos seus próprios colegas, chocou os diplomatas e observadores externos, ao evidenciar uma agressividade verbal só encontrada, até aquela época, no guru presidencial, um autoproclamado filósofo, mas que na verdade é um sofista expatriado nos Estados Unidos, de onde dispara invectivas contra todos aqueles que não partilham de suas poucas ideias políticas, ou de seus imensos equívocos em matéria de política internacional. Desde então, declarações, postagens, discursos e entrevistas se mantêm na mesma linha, com agressões aos supostos inimigos do Brasil, que seriam todos comunistas, ou no mínimo esquerdistas.
O fato é que o, até junho de 2018, simples ministro de segunda classe Ernesto Araújo enveredou pela construção de um perfil político que jamais tinha sido revelado em seus 30 anos precedentes de carreira na diplomacia profissional. Pode-se dizer, sem margem de erro, que a despeito de opiniões pessoais presumivelmente de direita – mantidas cautelosamente sob reserva até então –, o diplomata em questão construiu artificialmente uma personalidade que nunca tinha exibido anteriormente: a de um cruzado da extrema-direita, um inimigo do multilateralismo (que é a base principal da atividade diplomática desde o nascimento da ONU e de suas agências especializadas), um opositor das causas mais comuns na agenda mundial de negociações em grandes temas, que ele desdenhosamente passou a chamar de globalismo, climatismo, comercialismo, marxismo cultural, ideologia do gênero, afastamento da religião e vários outros ismos combatidos por um dos patronos à sua candidatura à chancelaria – o guru expatriado –, assim como pelos áulicos mais próximos, sobretudo da família Bolsonaro.
Depois dos artigos no blog, o seu discurso de posse, no dia 2 de janeiro, chocou colegas diplomatas e observadores dos meios políticos e da mídia, por destoar daquilo que normalmente se esperaria de um chanceler. O choque, aliás, ocorreu no dia anterior, na posse do próprio presidente, quando o chanceler, secundado pelo chefe de Estado, disse, na presença do Secretário de Estado dos EUA, presente à cerimônia, ser a favor da instalação de uma base americana no Brasil, no que foi imediatamente rechaçado por todos os ministros militares e outros altos oficiais trabalhando para o governo. Logo em seguida, demonstrou explícito apoio aos planos do presidente americano para forçar uma mudança de regime na Venezuela, no que teve, mais uma vez, de ser contido pelos mesmos altos responsáveis das FFAA.
Diversos outros episódios se sucederam, absolutamente inéditos para os padrões da diplomacia brasileira profissional, sempre aderente aos valores e princípios da Carta constitucional e às normas do Direito Internacional e resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O caso da Venezuela talvez seja o mais emblemático da falta de rumos e da trágica esquizofrenia da atuação do chanceler e de seus mentores na presidência e na CREDN-CD. Chegou-se a uma decisão inexplicável, tomada ao início de março de 2020, no sentido de fechar todas as representações brasileira no país e retirada total do pessoal diplomático e consular (inclusive descredenciamento de cônsules honorários e dispensa de todo o pessoal de apoio), ademais dos adidos das FFAA, da ABIN e da Receita, deixando as centenas, talvez milhares, de brasileiros residente totalmente desassistidos e sem qualquer contato com representação terceira.
O caso da China é diferente, na natureza e na forma, mas não se distingue no que se refere à gravidade das afrontas feitas ao nosso principal parceiro comercial. Desde antes da posse do chanceler, ele acusava uma suposta “China maoísta” – que não existe há mais de 40 anos – de pretender estender o comunismo no mundo. Mais graves foram as ofensas gratuitas lançadas contra a China pelo presidente da CREDN-CD, objeto de uma deplorável troca de notas e tweets entre o chanceler e o embaixador da China, depois dirimidas por telefonema entre os dois chefes de governo. Mas elas foram seguidas, pouco depois, por uma lamentável postagem do ministro da Educação, sem quaisquer desculpas que deveriam ter sido apresentadas pelo governo brasileiro ou por sua chancelaria, como solicitado pelo embaixador chinês.
Existem outras graves questões de direito internacional que estão sendo confrontadas constantemente pela atual chefia da chancelaria– ou seus mandatários efetivos –, em total afronta a compromissos assumidos pela diplomacia brasileira em decisões formais do sistema da ONU ou inscritas em normas consagradas do multilateralismo contemporâneo. As raras notas expedidas pelo Itamaraty – que não devem ter sido redigidas por diplomatas, em vista do Português sofrível e da ausência quase completa de conceitos diplomáticos – por ocasião da morte do general iraniano Suleimani, no Iraque, quando da apresentação do “plano para a paz na Palestina” do presidente Trump – sequer endossada por qualquer outro aliado americano na OTAN –, por ocasião do voto a propósito das sanções unilaterais americanas contra Cuba, bem como em diversos outros episódios setoriais (direitos humanos, questões de gênero ou de minorias, temas ambientais ou sociais e laborais, etc.), não se conformam a nenhum padrão conhecido de nossas tradições diplomáticas quase bisseculares. Essas notas, assim como outras tomadas de posição da chancelaria atual, constituem uma vergonha para o corpo profissional; elas atuam, ainda mais decisivamente do que as intervenções orais, para diminuir o prestígio e a imagem do Brasil no plano mundial.
Independentemente de questões propriamente diplomáticas, ou seja, integrando a agenda mundial de questões que devem ser tratadas nos seus canais próprios, as tomadas de posição pessoais do chanceler, sobre questões filosóficas, políticas ou religiosas, evidenciam uma personalidade altamente problemática, sem o necessário equilíbrio emocional para representar o Brasil nas esferas internacionais. Basta lembrar as agressões feitas por ele, em algumas secundando o presidente, contra mandatários de países vizinhos – o então candidato à presidência argentina, depois eleito presidente –, ou então, os esforços dispendidos em direção de líderes de extrema direita de determinados países, alienando relações tradicionais mantidas com democracias de mercado com fortes interfaces bilaterais com o Brasil. O auge dessas tomadas de posição profundamente repulsivas para o histórico de autonomia sempre exibido pelo Brasil no plano externo é representado por uma adesão gratuita, unilateral, em direção, não apenas dos Estados Unidos, mas ao seu atual presidente, o que é profundamente perturbador para o futuro das relações bilaterais, regionais e hemisféricas do Brasil.
Outras questões, altamente problemáticas, não têm tanto a ver tanto com a política externa e sim com o funcionamento da chancelaria, ou seja, com o ambiente próprio à diplomacia profissional. Nesse âmbito, existem diversos problemas, atinentes bem mais ao direito administrativo, em conexão com os métodos de trabalho e normas de funcionamento do próprio Itamaraty, atualmente vivendo sob certo stress funcional e alta tensão interna, dadas as já referidas inversões de hierarquia e várias reformas perturbadoras para os padrões tradicionais de trabalho da Casa. Aparentemente, o Itamaraty se encontra politicamente paralisado, por falta de governança racional, no plano interno, e por indevidas e amadoras intromissões externas, que são as de quem realmente decide as principais orientações da política externa.
Em face dessas constatações – válidas não apenas para a política externa, no sentido estrito, mas possivelmente aplicáveis também a outros aspectos das políticas públicas –, pode-se tranquilamente confirmar o sentido implícito ao subtítulo do presente ensaio: sim, tudo indica que o futuro do Brasil, de curto e de médio prazo, será bem pior do que aquele conhecido no passado relativamente recente. Tal se dá quase exclusivamente em função da grave pandemia política que aflige atualmente o país, sem que se possa prescrever quaisquer vacinas ou métodos curativos apropriados, uma vez que tal pandemia nacional se apresenta sob formas e conteúdos inéditos em toda a nossa história política. Tinha razão o embaixador Rubens Ricupero em sua conferência de 2019 na ABL, bastando retirar a interrogação do título: recomendo que todos a assistam. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de abril de 2020