quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

1681) Estudantes, estudai! (acho que é isso)

Cui prodest? (Ou, para quem escrevo?)

De vez em quando eu perpetro a ousadia de escrever para o Mundorama. Ou melhor, seus responsáveis é que cometem a ousadia de me publicar, posto que eu não escrevo especialmente para o Mundorama, em todo caso muito raramente, ou quase jamais, pensando em Mundorama, que é um boletim muito simpático e variado de relações internacionais, animado por esse gigante (stricto et lato sensi) da didática internacionalista que é o professor Antonio Carlos Lessa.
Estudantes, leiam, visitem, eu recomendo: http://mundorama.net/

Pois bem, meu último coup pervers foi um post sobre o inacreditável Fórum Social Mundial. Digo inacreditável, pois que nem mesmo seus promotores desonestos acreditam de fato nas bobagens que eles dizem (se o fizessem, além de desonestos, seriam ingênuos, o que talvez seja muito pior). Eles apenas vivem daquilo, de preferência sem trabalhar, com dinheiro público, ou melhor, com o meu, o seu, o nosso dinheiro. Como eu tenho alergia a burrice, mas ojeriza absoluta à desonestidade intelectual (se a palavra se aplica), eu não deixo passar uma oportunidade para cobrar um pouco, só um pouco, de coerência nas ideias (if any), como se isso fosse possível (mas, não custa cobrar, e eles deveriam pelo menos tentar).

Meu último post foi este aqui:

Triste Fim de Policarpo Social Mundial, por Paulo Roberto de Almeida
2010 fevereiro 2

Recebi, como seria de se esperar sendo tão provocador (confesso que deliberadamente), muitos comentários, alguns sorrindo comigo ante tantas inconsequencias desse bando de malucos que são os antiglobalizadores, outros indagando questões específicas (que respondo quando consigo entender, o que nem sempre é o caso), e um ou dois, finalmente, me criticando, o que é sempre bem-vindo (e agradeço sinceramente, não hipocritamente; tenho vários defeitos, mas não o dom da hipocrisia).

As criticas são de dois gêneros, e já descarto a primeira por inepta, incompetente ou descartável:

1) Eu seria um apologista do capitalismo, do neoliberalismo, seja lá o que for isso, e meus argumentos estariam errados, pois o capitalismo é de fato perverso, etc, etc, etc. Bem, digo que é inepta pois as pessoas que fazem esse tipo de rejeição de minhas críticas às posições dos antiglobalizadores, nunca, NUNCA dizem em que as propostas dos maluquetes do FSM teriam alguma coerência intrínseca (ou até extrínseca, vá lá). Por outro lado, eu não sei porque ainda ando de carro velho e de baixa potência sendo um defensor tão acirrado do capitalismo: Wall Street certamente ainda não ouviu falar de mim, e ainda não me colocou no seu contracheque. Bem, não quero me estender, mas essas pessoas não distinguem racionalidade econômica e raciocínio lógico da simples peroração ideológica: elas devem estar com o parafuso dos modos de produção um pouco desajustados, e a cada momento de distração, soltam um capitalismo para variar. Elas talvez não saibam a diferença entre capitalismo e economia de mercado, ao que eu diria: minha gente, leiam Max Weber, leiam Fernand Braudel, leiam Albert Hirschmann, Jean Baechler (não confundir com o Jean Ziegler, por favor, pois este é do bando de perfeitos idiotas).

2) A segunda crítica é aparentmente mais "séria", mas ela se engana totalmente de foco. Diz um desses jovens afoitos que se o FSM não fosse importante, eu não estaria escrevendo tanto sobre ele. Se eu insisto em voltar ao assunto, repetidamente diz ele, é porque suas ideias (sic, tres vezes) sao relevantes.
Bem, esse jovem ainda não percebeu uma coisa: eu escrevo justamente para ele, não para o bando de velhacos desocupados que animam e promovem esses piqueniques anuais sem qualquer relevância para o mundo real.
Repitam comigo: nada do que se diz ou se aprova, unanimemente (comme il faut, quando se trata de pensamento único) nesses encontros regados a slogans vazios tem a mínima importância para o mundo real. Nada, nadica, necas de pitibiribas. Quem quiser me provar o contrário, ou seja, que alguma nova e relevante proposta emergiu desses jamborees, eu posso oferecer um livro ou dois. Precisando: que tenha emergido do FSM, não que já exista nas faculdades de humanidades -- que também produzem uma tonelada de ideias inuteis -- ou que circule na sociedade como produção, digamos, intelectual.

Pois eu escrevo justamente para esses jovens idealistas que querem salvar o mundo dele mesmo, ou melhor, salvá-lo do capitalismo globalizador (ou vice-versa), mas que ainda leram pouco, estudaram menos ainda, e aprenderam só um tiquinho (e, no que depender de certos professores, vão aprender menos ainda, no que lhes resta de diversão universitária).

Como eu sou uma pessoa que aprendeu nos livros ou com pessoas mais espertas, considero ser assim meu dever, digamos, espiritual, transmitir um pouco do que aprendi a esses jovens sedentos de sabedoria globalizante, mas que acabam encontrando apenas essas fontes barrentas da pilantragem universitária e das imposturas intelectuais desses velhacos da antiglobalização.
Que posso fazer? Tenho essa vocação didática voluntária -- e já vou avisando que não é dela que retiro meu sustento, nem faço desse hobby minha ocupação principal -- e por isso fico assim de noite escrevendo para esses moços -- como diria o Lupiscínio Rodrigues -- que não sabem o que eu sei. Não por qualquer virtude extraordinária, ou inteligência excepcional, longe disso. Eu sou apenas um gajo esforçado, que lê muito, que pensa muito sobre o que leu, observou e retirou de sua experiência de vida, e que coloca essas reflexões à disposição dos mais jovens, posto que eu também já fui jovem e tive professores honestos e outros desonestos (talvez involuntariamente, concedamo-lhes essa dúvida).

Finalizando, meu jovem, você que me acusa de bater em "cachorro morto" (talvez seja bem o caso), não é para o cachorro que estou escrevendo, nem para os "donos" dos cachorros, pois estes já incorporaram o cérebro dos cachorros.
Estou escrevendo para você mesmo, e apenas aconselhando-o a abrir os olhos, ler e se informar um pouco mais, viajar pelo mundo (Davos é uma excelente estação de esqui, mas talvez você ainda não tenha dinheiro para ir lá), enfim aprenderem, de preferência de maneira autodidata, pois sempre se deve desconfiar de professores (inclusive deste que aqui escreve).

Ser cético é um dever, mas deve-se sempre cultivar um ceticismo sadio, ou seja, opor ideias melhores, e mais coerentes, a ideias más, que são estas que não se conformam à realidade empírico, que não seguem os mínimos preceitos da lógica formal, enfim, que ficam no slogan vazio em lugar de ir para a pesquisa e confrontar os números. Ou seja, exatamente essas que estão no centro (e nas bordas também) do FSM.

Eu, na verdade, estou pouco preocupado com os velhacos do FSM, meu objeto próprio são os jovens. Como observo com certa preocupação a marcha da mediocrização na universidade brasileira, e como constato que os jovens que me escrevem cada vez escrevem mais mal, sem uma exposição coerente das ideias, sem se fazer entender direito, eu me sinto, como dizer?, compelido a escrever estas bobagens que escrevo noite adentro, para ver se evito um pouco da mediocrização em curso e contribuo, minimamente que seja, com a tarefa da elevação intelectual de jovens como esse que me escreve me acusando de apologista do capitalismo.

Acho que ele não encontrou argumentos para me rebater, e aí foi logo sacando o capitalismo e o neoliberalismo. Puxa vida, está ficando aborrecido debater assim...

Paulo Roberto de Almeida (18.02.2010)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

1680) De volta a um grande negocio (estrategico, il semble): Rafale...

Agora que o Carnaval passou, é hora de esclarecer um grande negócio muito mal explicado
Coluna do Augusto Nunes
16 de fevereiro de 2010

Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido.

Nos quatro primeiros parágrafos do discurso de posse, Nelson Jobim tratou de justificar a fama de gaúcho sabido com a evocação de episódios protagonizados por Dom Pedro II, Zacharias de Goes e Vasconcellos, Benjamin Constant e outras placas de ruas, praças ou avenidas. No quinto, o novo ministro da Defesa encerrou a aula de História com uma frase de Benjamin Disraeli, duas vezes primeiro-ministro do império britânico no fim do século 19. “Never complain, never explain, never apologise”, falou bonito o novo ministro da Defesa.

Caridoso com os muitos monoglotas presentes, traduziu a citação: “Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe”. Fez então uma pausa, armou a carranca no rosto de glutão sem remorso e rugiu: “Aja ou saia, faça ou vá embora!”. Como quem age faz alguma coisa, como quem sai vai embora, uma das duas frases já estaria de bom tamanho. Jobim deve ter embarcado na redundância para mostrar que não estava para brincadeiras. Estava lá para liquidar o apagão aéreo que acabara de festejar o primeiro aniversário. Os culpados que se cuidassem.

A ameaça causaria forte impressão mesmo se gaguejada por um vereador de grotão. Produzida pela figura com mais de 100 quilos esparramados por quase 2 metros, a trovoada no coração do poder ultrapassou os limites do Palácio do Planalto. Andorinhas voaram de costas, urubus ficaram brancos de medo, aviões de carreira enveredaram por loopings involuntários, helicópteros flutuaram na estratosfera. Não demoraram a descobrir que o ultimato não passaria do falatório.

Jobim não agiu, mas não saiu. Não fez, mas não foi embora. Fez que conta que esqueceu o grande momento do discurso de posse. Até que o apagão morreu de morte natural e o ministro resolveu começar a agir. Acabou demonstrando que a lição de Disraeli nem sempre dá certo. Por ter feito tudo errado, o que fez causou mais estragos que o que deixou de fazer. A última do Jobim foi convencer o presidente Lula de que a compra dos 36 caças franceses Rafale é um grande negócio para o Brasil.

Antes do Aerolula, a milhagem aérea do Primeiro Passageiro era inferior à de uma abelha. Jobim só aprendeu, em viagens internacionais, que não cabe na poltrona. Pois os dois se acharam qualificados para decidir qual fábrica seria contemplada com uma fabulosa bolada extraída dos bolsos dos pagadores de impostos. Acabaram por desmoralizar os chefes da Aeronáutica e os técnicos incumbidos de produzir o relatório que classificou os três concorrentes.

O documento recomendou a escolha dos caças suecos Gripen, que custariam US$ 4,5 bilhões. A segunda opção foi o americano F-18, fabricado pela Boeing (US$ 5,7 bilhões). Para desconforto dos especialistas, e para alegria dos acionistas da Dassault, Lula e Jobim preferiram o lanterninha Rafale. Os brasileiros vão desembolsar US$ 6,2 bilhões (ou R$ 11,4 bilhões) para que os pilotos da FAB voem nos caças que não desejaram. A justificativa para o injustificável foi uma misteriosa “parceria estratégica” com a França.

Agora que o Carnaval passou, os responsáveis pela escolha precisam deixar de conversa fiada e buscarem explicações mais convincentes para a transação bilionária. O país que presta está exausto de eufemismos espertos. A novilíngua da Era Lula já transformou ladroagem em “recursos não-contabilizados” e fez dinheiro sujo virar “caixa 2″. Os dois truques tentaram camuflar negociações suspeitíssimas entre os partidos que hoje compõem a base parlamentar do Planalto. Para quem enxerga, é uma base alugada. Para o governo, é uma parceria estratégica.

1679) A revolucao de 1817 pelo angulo diplomatico


Recomendo fortemente este livro, e não apenas para os que apreciam história regional, ou movimentos políticos e sociais durante o Império:

Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão:
A Revolução de 1817 e a História do Brasil: um estudo de história diplomática
(Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 352 p.; ISBN: 978-85-7631-171-3)

Trata-se da segunda edição de uma obra relevante na historiografia da revolução de 1817 em Pernambuco, cujos vínculos internacionais foram pesquisados com uma competência raramente vista nos anais da diplomacia brasileira.
Em duas partes, a obra analisa a correspondência diplomática portuguesa e estrangeira a partir de capitais européias, de Washington e do Prata, para reconstituir as ligações internacionais dos revoltosos do Recife; na segunda parte, a obra discute a opção pela monarquia no Brasil, a partir do impacto dessa revolução talvez mais federalista do que republicana, bem como a repercussão do precedente haitiano no Brasil do começo do século 19: a imagem de escravos eliminando seus senhores brancos deve ter assustado as elites do Império.
Poderia o Brasil ter sido um grande Haiti?
Questão para uma história virtual...

1678) Um removedor de mofo do Itamaraty

Estou lendo, atualmente, o livro seguinte:

Ovídio de Andrade Melo:
Recordações de um Removedor de mofo no Itamaraty: relatos de política externa de 1948 à atualidade
(Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 192 p.; ISBN: 978-85-7631-175-5)

Em três partes, o depoimento do primeiro "embaixador" em Angola, trata da política nuclear e da recusa ao TNP, do reconhecimento de Angola (com telegramas secretos revelados) e dos périplos afro-asiáticos do embaixador aposentado. As aspas se devem a que ele era um encarregado de negócios, em serviço provisório, num escritório de representação criado para a transição política da antiga colônia portugues para a Republica Democrática e Popular de Angola, tendo permanecido na capital durante a fase da luta entre os três movimentos de libertação contra o colonialismo português.
Na quarta parte, Ovídio diz que fez a sua parte ao tentar remover do Itamaraty ideias antiquadas e desajustadas, entre elas a decisão de se assinar o TNP. Um dos fantasmas do passado é o imperialismo dos EUA na América Latina, um mofo muito pegajoso, a crer no embaixador.
Cabem elogios ao “simpático casal Kirchner”, referências a “explosões nucleares pacíficas” e certa nostalgia pelas posições que o Brasil exibia no passado.
O livro é importante pelo depoimento em si, menos talvez pela mensagem que pretende transmitir aos atuais removedores de mofo, pois caberia distinguir qual camada, exatamente, remover...

Paulo Roberto de Almeida (17.02.2010)

1677) Relacoes Brasil-Argentina: sao dois pra la, dois...

Parece que se está falando de países e governos muito diferentes, no caso destas duas matérias abaixo reproduzidas.

Argentina abre investigação sobre dumping do Brasil
Folha de S. Paulo, 17.02.2010

O governo argentino determinou ontem a abertura de investigação por suposto dumping (venda por preço inferior ao do mercado) praticado pelo Brasil na exportação de fios de polipropileno, usados na fabricação de lonas e colchões.
De acordo com a Secretaria de Indústria e Comércio argentina, que assina a decisão, atendendo à solicitação feita por três empresas do país, a produção nacional de fios de polipropileno vem caindo, enquanto as importações procedentes do Brasil aumentaram sua participação no mercado.
O governo brasileiro foi previamente informado da investigação, durante encontro entre ministros em Buenos Aires, no dia 5. Ontem, ninguém da equipe econômica foi encontrado para comentar a decisão.
Após a reunião, em que se avaliou o sistema de licenciamento não automático imposto pela Argentina a aproximadamente 14% da pauta exportadora brasileira, o ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento) disse reconhecer enorme avanço na liberação das licenças. Em outubro, o Brasil havia adotado medida de retaliação, episódio que Jorge afirmou que não voltará a ocorrer.
Em novembro, Lula e a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, acertaram a realização de reuniões presidenciais bilaterais a cada três meses e entre os ministérios a cada 45 dias, como forma de arrefecer a tensão na relação comercial.
As equipes do Ministério da Indústria argentino e do Desenvolvimento se reúnem amanhã e sexta, em Buenos Aires, para outra rodada de revisão do sistema de licenciamento não automático.

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Brasil e Argentina discutem política industrial
Sergio Leo
Valor Econômico, 17.02.2010

Menos de um mês após o encontro de ministros do Brasil e Argentina, autoridades dos dois países voltarão a se reunir, amanhã, em Buenos Aires, com a intenção de elaborar uma política industrial conjunta. Velho projeto bilateral (consta do Pice, acordo que antecedeu o Mercosul, na década de 80), a interligação das cadeias produtivas nas indústrias e serviços argentinos e brasileiros voltou à pauta como proposta dos governos Lula e Cristina Kirchner para reduzir as tensões e barreiras comerciais entre os dois vizinhos.

Vamos discutir como trabalhar juntos para sermos mais competitivos, comenta o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Reginaldo Arcuri, designado para coordenar a equipe brasileira, que inclui o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, e representantes do BNDES, do ministério de Relações Exteriores e da Câmara de Comércio Exterior (Camex), entre outros órgãos do governo. Ele reconhece que a iniciativa, bem recebida no governo argentino, é uma maneira de contornar as resistências protecionistas naquele país. Estamos tentando avançar na outra ponta, a dos investimentos, comenta.

Arcuri informa que, após a reunião de amanhã e sexta, deve convidar representantes do setor privado para elaborar propostas de investimentos conjuntos baseados na integração dos dois parques produtivos. Essa integração já ocorre em setores como o automotivo e o grande fluxo de investimentos brasileiros na Argentina permite, na avaliação dos técnicos do governo, imaginar uma estratégia baseada no incentivo à exploração, na Argentina, de vantagens competitivas que favoreçam o país vizinho nos planos de expansão de firmas sediadas no Brasil.

Arcuri defende que, diferentemente de tentativas anteriores inspiradas pelo tradicional discurso de integração produtiva, os governos, desta vez, terão uma espécie de mapa de orientação, criado a partir de pesquisas da consultoria argentina Abeceb e do Instituto de Economia da Unicamp. Os estudos apontaram pelo menos treze setores em que já existe apoio oficial e investimentos por parte do Brasil, mas pouca atuação na Argentina. Essa baixa atuação indicaria, para os técnicos, alto potencial de atração de investimentos.

Nem o Brasil nem a Argentina contam ainda com políticas sofisticadas para apoiar a internacionalização de suas empresas, aponta um dos estudos preparados a pedido da ABDI. O apoio à realização de investimentos bilaterais poderia ser o embrião do desenho de uma política desse tipo, sugere o documento. Os técnicos argumentam que a realização de investimentos conjuntos poderia minimizar as tensões que geram pressões empresariais por barreiras entre os vizinhos, e neutralizar as assimetrias de competitividade em alguns setores.

Um exemplo destacado nos estudos encomendados pela ABDI é o do setor de lácteos, em que a Argentina exporta 10,5 vezes mais que o Brasil, e há um comércio bilateral no qual os argentinos têm um saldo positivo superior a US$ 137 milhões. Setor pulverizado no início da cadeia produtiva e muito concentrado no processamento industrial, é um alvo constante de pressões protecionistas por parte dos produtores brasileiros - uma estratégia competitiva que estimulasse a associação de capitais brasileiros para a produção na Argentina teria chances de aumentar a competitividade internacional do setor, indica o estudo.

A reunião de autoridades dos dois países, amanhã e depois, se destina a analisar os resultados das análises técnicas e eleger, se possível, os setores em que os governos concentrarão esforços para estimular associações e investimentos bilaterais. Com base nos setores onde, apesar da importância e da dimensão das empresas há pouca integração, a Abeceb apontou pelo menos 13 setores onde uma ação de política governamental poderia estimular o aumento da competitividade internacional.

Além dos lácteos e dos moinhos de farinha e derivados de amido, onde as vantagens de localização estão do lado argentino, os especialistas veem oportunidades no setor de bebidas (especialmente sucos) e de aeronaves e veículos espaciais (com óbvia vantagem brasileira). O setor de autopartes e autopeças é outra escolha óbvia, que teria, no entanto, de vencer as resistências à maior penetração de capital brasileiro.

Subsetores da indústria de madeira, como o de aparelhamento de peças, também são fortes candidatos à uma ação bilateral, assim como a fabricação de papel e produtos de papel. A Abeceb lista, entre os setores prioritários, três subsetores da mineração: extração de minério de ferro, extração de areia, argila e pedra, e de lignite. A fabricação de biodiesel e a de máquinas agrícolas também revela vantagens para projetos conjuntos.

O estudo aponta também setores em que a força e o interesse do Brasil, como investidor, poderia se aproveitar da mão de obra qualificada e do mercado argentino, em serviços. Nessa área, a construção civil, o setor de software e o de transporte e logística têm condições de receber atenção dos governos, na política industrial bilateral desejada pelas autoridades.

Os técnicos dos dois lados sabem que as diferenças de gestão macroeconômica e de situação política dificultam a ideia de juntar esforços para uma incerta cooperação em políticas industriais. Há entusiasmo da parte argentina, porém, pela avaliação de que a existência do BNDES, o tamanho da economia e a estabilidade alcançada pelo Brasil tornam o país um forte competidor na atração de investimentos.

1676) Diplomas: por que pedi-los, e por que nao pedi-los...

Primeiro esta noticia, que retirei de uma newsletter política:

Direito do empregador
A Universidade Federal do Paraná abriu concurso e quem tirou o primeiro lugar foi um jornalista sem diploma. Como o edital exigia diploma, a Universidade não quis contratá-lo. E sua decisão foi confirmada pela Justiça. OK: o empregador tem direito de exigir títulos ou habilidades acima dos obrigatórios por lei. Pode pedir, por exemplo, um jornalista que fale ucraniano. Este colunista acha que, ao exigir diploma, a Universidade fez bobagem - até porque o melhor dos concorrentes não o tinha. Mas era seu direito fazer bobagem.
Só uma dúvida: se o edital exigia diploma, como admitiram no concurso um candidato que não o tinha?


Agora meu comentário (PRA):
Todo empregador, sobretudo os do setor privado, tem o direito de fazer bobagens, inclusive a de fazer concurso para recrutar pessoal sem sequer exigir qualquer tipo de diploma, inclusive o do curso primário (aliás, muita gente que o tem, talvez até o do curso médio, parece ser analfabeto funcional; eu já encontrei gente em Mestrado que não sabia escrever).

Acho que a decisão de não exigir qualquer diploma, sobretudo para essas profissões que não "matam" ninguém (como a de jornalista, onde basta saber escrever), é sábia, com perdão da contradição, posto que amplia muito a escolha.
De repente, sem esperar, se pode tropeçar com um gênio, sem qualquer diploma.

Eu, pessoalmente, acho que o Itamaraty deveria fazer assim: parar de se preocupar com diplomas e só recrutar que é muito bom, o que obviamente não depende de diploma.
Mas, acho que tem gente que não concorda comigo...
Paulo Roberto de Almeida (17.02.2010)

1675) Petrobras, de volta ao noticiario (por boas e más razoes)

A Petrobras é uma empresa de sucesso! Bem, quase todas as empresas de petróleo o são, pois se trata de um bem dito estratégico, pelo qual os governos se movimentam (por vezes arrogantemente) e os cidadãos acabam pagando qualquer preço (quase como no caso dos remédios).
Sendo uma empresa de sucesso, monopolista de fato, e sentada, por isso mesmo, num imenso lençol de petróleo que lhe é atribuído quase ilegalmente pelo governo, ela poderia se capitalizar diretamente no mercado acionário ou se financiar no mercado de capitais privado, pois seu rating é, supostamente, melhor do que o do Brasil.
Paradoxalmente, o governo está despejando um volume absurdo de recursos na companhia, via BNDES, que por sua vez se abastece diretamente (e vergonhosamente) no Tesouro, e que por isso mesmo viu aumentar a dívida interna total do Brasil em mais (pelo menos) 180 bilhões de reais (atenção: eu, você, todos nós, vamos pagar essa bolada, sob a forma de mais juros, e portanto mais impostos, ou então com mais inflação ou desvalorização da moeda no futuro).
Se isso já não bastasse, o governo vem agindo de forma criminosa, ao continuar a sustentar obras da companhia mesmo quando manchadas por suspeitas de irregularidades ou corrupção, num desprezo claro pela legalidade e normas de probidade administrativa.
A Petrobras, nesse sentido, parece um Império, dentro do Estado do Brasil, fazendo o que bem entende, sem prestar contas a ninguém. O seu grau de manipulação da informação é enorme, e ela é também capaz de "comprar" (o termo se aplica, lato et stricto sensi) apoios em diversos setores, inclusive no Congresso, que deveria ser o vigilante dos orçamentos públicos e da moralidade nacional (acho que é o contrário).
Pois bem, um dos posts mais acessados neste blog foi um que tratava dos honorários aparentemente exagerados dos "conselheiros" (as aspas são de rigor) da Petrobras, bombardeado com comentários extraordinariamente agressivos (provavelmente dos interessado em manter a falta de transparência da companhia).
Assim, decidi postar mais um artigo, de um economista conhecido, que trata do nosso maior, talvez único, dinossauro estatal.
Paulo Roberto de Almeida (17.02.2010)
PS. Provavelmente haverá menos comentários desta vez, pois poucos poderão constestar argumentos econômicos...

O custo político da Petrobrás
Rodrigo Constantino
Valor Econômico, 17.02.2010

Normalmente, uma empresa estatal apresenta um risco maior que outra privada para seus acionistas minoritários. Isso se deve ao risco de uso político da empresa, além da falta de escrutínio adequado dos principais sócios no uso dos recursos escassos. A Petrobrás é um caso sintomático deste perigo. Várias vezes no passado a empresa foi utilizada para objetivos políticos dos governantes, levando pouco em conta os interesses dos acionistas. O melhor retorno possível sobre o capital sempre foi colocado em segundo plano, atrás das metas políticas do momento. Com a descoberta do pré-sal, esse fantasma está de volta.

Para que a enorme quantidade de recursos naturais no solo se transforme em riqueza efetiva, a empresa terá que realizar um programa gigantesco de investimentos: para os próximos cinco anos, são previstos 175 bilhões de dólares. A geração própria de fluxo de caixa da empresa não será suficiente para suprir todo este montante. O grau de alavancagem da Petrobrás já não está em patamares tão confortáveis. Resta, portanto, a opção de emitir novas ações para levantar capital. Mas o governo não pode ser diluído e perder o controle da empresa. Surge, então, um problema: como capitalizar a Petrobrás sem que o governo perca o controle ou precise desviar dezenas de bilhões para a estatal?

A resposta veio por meio de uma engenhosa arquitetura financeira. O próprio ativo sob o solo, que pertence à União, será usado como capital pelo governo. Desta maneira, ele não precisa desviar dinheiro de outros setores. Entretanto, uma grande incerteza paira no ar: qual será o valor atribuído a este ativo? O fluxo de caixa gerado pelas reservas pré-sal será altamente dependente do preço futuro do petróleo, sem falar dos enormes riscos operacionais da atividade. Além disso, o valor presente deste fluxo dependerá da velocidade no uso do pré-sal, que custa mais caro para ser extraído do que o óleo em menor profundidade e em campos já mais maduros. Dependendo das premissas usadas, o valor presente do pré-sal poderá ser elevado, sacrificando-se, porém, as margens da Petrobrás, que faria uso melhor de seu capital focando em outras reservas mais baratas.

O risco de o governo supervalorizar esses ativos de alguma forma, para aumentar o capital da Petrobrás sem diluir sua participação, não é nada irrelevante. Há um claro conflito de interesses entre o acionista controlador – o governo, e os acionistas minoritários. E o mercado de ações acusa o golpe. Desde meados de 2009, as ações da Petrobrás já perderam cerca de 30% de valor em relação ao Ibovespa. Isso não pode ser explicado pela mudança no cenário de commodities, pois o petróleo continuou no mesmo patamar nesse período, sem falar do bom desempenho da OGX. Além disso, as ações da Petrobrás perderam bastante valor em relação às ações da mineradora Vale também, o que mostra claramente que o problema é específico da Petrobrás.

As incertezas quanto ao modelo de capitalização estão no cerne do problema, agravado pelo “overhang” de ações (bilhões de dólares serão vendidos em forma de novas ações aos minoritários, inundando o mercado com mais oferta de papel). O valor de mercado da Petrobrás tem oscilado entre 300 e 350 bilhões de reais. Esses 30% de perda no valor relativo ao índice de ações brasileiras representa quase 100 bilhões de reais. Pode-se afirmar que este foi o custo, até agora, de se colocar a política acima dos interesses dos acionistas no que diz respeito somente ao pré-sal.

Se todos os demais custos, pelo fato de a Petrobrás ser ainda uma estatal, fossem computados, o resultado seria assustador. Quantos bilhões a mais a empresa poderia valer se tivesse uma gestão privada, focada no melhor retorno sobre o capital, sem a influência dos interesses políticos? Infelizmente, nas eleições que se aproximam, não há um único partido com a bandeira de retomar as privatizações no país. Os acionistas minoritários da maior das estatais continuarão arcando com um pesado custo enquanto tiverem que pagar pelo jogo político dentro da empresa.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...