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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 18 de fevereiro de 2018

A falencia do RJ antecipa a do Brasil? - Felippe Hermes (Spotniks, 2016)

O Rio de Janeiro faliu. E o Brasil tem muito a aprender com essa história.

O ano é 2010. O Brasil é a bola da vez no mundo. Em meio a uma crise que assola os países mais desenvolvidos do planeta, ocupamos a capa da revista “The Economist”, uma das mais importantes publicações já criadas, com a imagem de um cristo redentor decolando. O Brasil vivia uma festa. O país iria sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas e apenas alguns meses depois descobriria seu maior crescimento econômico em 35 anos. Do outro lado do Atlântico, na Europa, o cenário era o exato oposto. Apenas seis anos após sediar uma olimpíada, a Grécia era o centro de um continente em crise, o símbolo de um modelo que deu errado. Passado o mesmo tempo, já em 2016, prestes a sediar as Olimpíadas, a cena se repete – o Rio de Janeiro acaba de declarar falência. Muito mais do que coincidência, a história é, no fundo, uma grande lição.
Do Caburaí ao Chuí, os governos estaduais estão quebrados (dez deles já parcelam salários). Todos, sem exceção, gastam mais do que o recomendado com pagamento de funcionalismo público. Em três deles, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, já se gasta mais com aposentadorias e pensões do que com educação e saúde. Para onde quer que se olhe, o cenário é quase sempre o mesmo.
Para muitos estados, como o Rio Grande do Sul, por exemplo, que convive há mais de quatro décadas com déficit nas contas públicas, a situação pode ser considerada dentro dos padrões normais, ou ao menos dentro do esperado. Em outros casos, como o do Rio, no entanto, a situação ainda parece difícil de acreditar. Trata-se do mesmo Rio de Janeiro que há 10 anos esperava crescer o dobro da média nacional e atingir até 20% de participação no PIB brasileiro em 2016. O motivo pra euforia? A descoberta da camada pré-sal lá em 2007. O otimismo não rolou à toa. Apenas entre 2014 e 2016 o estado recebeu nada menos do que R$ 235 bilhões em investimentos, boa parte deste valor destinado à indústria do petróleo e à infraestrutura necessária para sediar os jogos olímpicos.
No papel, o Rio estava bombando. Como em uma das famosas apresentações de Eike Batista, seu ilustre morador, tudo parecia ajustado e pronto para explodir. Na prática, porém, as coisas desandaram tão rápido quanto pareciam crescer.
Poucos meses antes de sediar as Olimpíadas para as quais vem se preparando há quase uma década, o Rio declarou “estado de calamidade pública”. A medida emergencial significa que na prática o governo estadual terá acesso mais rápido à liberação de recursos por parte do governo federal (estimados em R$ 3 bilhões), permitindo pagar salários e horas extras, além de continuar investindo nas obras fundamentais para a realização dos jogos olímpicos.
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Com um déficit estimado para este ano em R$ 19 bilhões, ou quase metade do total arrecadado em 2015, o governo do estado não chegou até esse patamar sem nenhum motivo. Disfarçado por muito otimismo, algumas partidas marcantes de Copa do Mundo e uma enxurrada de investimentos por parte de estatais como a Petrobras, há alguns fatores que levaram o estado à situação atual. Entender estes motivos significa na prática se adiantar em alguns meses, ou na melhor das hipóteses, poucos anos, aquilo que tem boas chances de ocorrer ao governo federal. Abaixo, oferecemos um manual completo de como não evitar estes problemas.

Gaste mais com aposentados do que com estudantes

Falar que há problemas na previdência brasileira pode parecer chover no molhado. Há anos a reforma no setor vem sendo debatida e discutida. Evitar um déficit que pode alcançar a casa dos trilhões é provavelmente uma das mais urgentes medidas que qualquer governo poderia tomar. Apenas para este ano, por exemplo, o governo federal estima que o déficit dos 28 milhões de beneficiários do INSS deve atingir R$ 146 bilhões, valor próximo daquilo que deve ser alcançado pelos 1,2 milhão de aposentados e pensionistas do serviço público. Dizendo de outra forma, nada menos do que R$ 700 bilhões serão gastos em 2016 para pagar benefícios sociais (mais do que a arrecadação de todos os estados brasileiros).
Escondida em meio a esse debate nacional, a previdência dos estados chega a apresentar dados ainda mais assustadores. Para este ano, o déficit programado deve atingir R$ 51 bilhões. E quase 25% deste valor deve-se a um único estado: o Rio de Janeiro.
Em todo o país, apenas dois estados possuem mais aposentados do que trabalhadores na ativa: o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Em outras palavras, para cada médico, policial ou professor que lhe presta um serviço público, você precisa pagar por pelo menos dois.
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Como nos demais estados brasileiros, o Rio de Janeiro se especializou em um sistema no qual cada funcionário na ativa paga uma contribuição sobre seu salário, que é destinada a cobrir o salário daqueles que estão aposentados. A diminuição do número de funcionários na ativa em relação aos inativos tem se agravado nos últimos anos – e com ela a necessidade de aportes do Tesouro.
Ao contrário dos demais estados, porém, o Rio criou uma fonte específica e complementar de financiamento da sua previdência estadual: os royalties do petróleo. Em 2014, nada menos do que 55% dos pagamentos de aposentadorias e pensões tinham como origem os royalties aos quais o estado tinha direito. Cerca de 95% de todos dos royalties do estado se destinavam a cobrir gastos com previdência. Com a queda no preço do barril de petróleo, no entanto, a situação tornou-se insustentável. Royalties hoje bancam apenas 28% dos gastos com previdência. Cabe ao governo do estado complementar. Em 2015, isso significou aportar R$ 7 bilhões na “RioPrevidência”.
Entre 2007 e 2015, os gastos com previdência no Estado saltaram de R$ 5,7 bilhões para R$ 17 bilhões. Graças à receita abundante dos royalties, em especial quando o petróleo atingiu US$ 145 por barril, o estado pode reajustar pensões, elevando o gasto médio de R$ 900 para R$ 4 mil no período. Atualmente, cerca de 66 em cada 100 funcionários na ativa possuem a chamada “aposentadoria especial”, podendo se aposentar mais cedo do que as demais categorias (em especial, bombeiros, policiais e professores), o que contribui significativamente para elevar o déficit da previdência. O socorro ao fundo de previdência fez os gastos do governo estadual com aposentados e pensionistas saltar nada menos do que 118% apenas em 2015.
Juntos, os estados brasileiros possuem uma conta a ser paga de R$ 2,4 trilhões na previdência. Ao contrário do Rio, no entanto, a maioria deles não pode contar com a sorte de ter as maiores reservas de petróleo no país. Sozinhos, os gastos com previdência no Rio atingem mais do que aquilo que é gasto em saúde (R$ 3,96 bilhões), educação (R$ 4,04 bilhões) e segurança (R$ 5,18 bilhões), somados.

Uma repartição pública a céu aberto

Pouco mais de um século e meio como capital do país fizeram do Rio um estado onde se respira funcionalismo público. Nem mesmo cinco décadas de mudança da capital para Brasília foram capazes de apagar isso. Ainda hoje, inúmeras empresas estatais, bancos públicos e repartições das mais variadas possuem o Rio de Janeiro como sede. 
Não por acaso, há mais funcionários públicos federais no Rio de Janeiro hoje do que em Brasília. São cerca de 258,5 mil contra 178,5 mil funcionários públicos na atual capital federal. Em termos de salários, o Rio é destino de R$ 22 bilhões anuais contra R$ 10,3 bilhões de Brasília (incluindo aí apenas funcionários do Executivo).
Cerca de 1 em cada 5 trabalhadores no estado tem como empregador o setor público. São 18,64%, acima da média nacional. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal não obriga os estados a contabilizarem gastos com previdência como sendo “gastos com pessoal”, a situação do estado passou anos como sendo aparentemente uma das mais positivas do país.
Toda maquiagem contábil, porém, não impediu que o Rio fosse o segundo estado do país a começar a parcelar salários. Mesmo sendo em teoria o estado que menos gasta com pessoal em todo o país (apesar de ser um dos que mais emprega), o Rio está oficialmente “incapacitado de pagar o funcionalismo”, nas palavras do próprio governador em exercício.
Justamente por não ferir o que manda a LRF (gastar no máximo 44% da sua receita corrente líquido com funcionalismo), o Rio se viu livre para elevar salários e amenizar o fato de que seus policiais e professores se encontram entre os cinco mais mal pagos do país.
Quando somado ao aporte que o Estado teve de fazer para pagar aposentados e pensionistas, a folha de pessoal teve custos de R$ 24,5 bilhões em 2015, sendo R$ 10,84 bilhões com inativos. A receita do estado, porém, teve queda, atingindo R$ 39 bilhões. Quando incluídos aí todo os gastos com funcionalismo inativo, o Rio de Janeiro gastou R$ 31,6 bilhões no ano, um crescimento de 146% desde 2009. No mesmo período a inflação medida pelo IPCA atingiu 57,29%.

Distribua benefícios e socialize o prejuízo

R$ 138 bilhões.
O valor, quase oito vezes o déficit que o governo estadual deve atingir em 2016, representa aquilo que, de boa vontade, os governadores do estado abriram mão de arrecadar em ICMS entre 2008 e 2013.
Para atrair empresas da área de petróleo, infraestrutura, siderurgia e bebidas, o governo do estado não se fez de rogado – botou a mão no bolso dos pagadores de impostos e distribuiu as benesses. Ao mesmo tempo em que elevava a distribuição de isenções fiscais, o governo fluminense aumentava também a sua já preocupante dívida. Ao final de 2013, o Rio devia R$ 107 bilhões, quase o dobro dos R$ 59,2 bilhões devidos em 2008.
A escolha de quem receberia os benefícios ficou a cargo do governo estadual. No meio de tantos bilhões, casos como a indústria de jóias, que recebeu isenções de R$ 230 milhões, chamam a atenção. Enquanto obrigava toda a população a bancar uma máquina pública cada vez mais pesada, o governo concedeu benefícios a uma indústria cuja base de consumidores é essencialmente a camada mais rica dos moradores do estado.
Dentro deste valor, há ainda casos mais curiosos, como o da montadora Nissan, que recebeu R$ 353 milhões em isenções, além de ter tido sua fábrica no estado financiada pelo próprio governo, ao custo de R$ 5,9 bilhões, com carência e prazo para pagamento em 30 anos.
Outros R$ 760 milhões via crédito de ICMS foram destinados a financiar a expansão da AMBEV em Piraí, onde o governador Pezão foi prefeito por dois mandatos. Menos de um ano antes, a empresa havia recebido R$ 850 milhões para financiar uma de suas sedes. A montadora alemã Volkswagen foi outra das beneficiadas, recebendo R$ 2,1 bilhões para se instalar no estado.
Para o governo, a prática estimula a geração de empregos. No acordo com a AMBEV, por exemplo, foram criadas 73 vagas de empregos. Somando os dois contratos, a empresa recebeu nada menos do que R$ 7 milhões por emprego gerado.

Use o cartão de crédito para bancar as festas

Reformado para os jogos Panamericanos, para a Copa do Mundo e agora para as Olimpíadas, o Maracanã já demandou sozinho R$ 1,2 bilhão do governo do Estado – quase 5 vezes o valor investido em sua construção na década de 40 (com valores são atualizados). Hoje sob concessão da empreiteira Odebrecht, o estádio é apenas um dos exemplos da festa que foi o Rio de Janeiro na última década. A expectativa das Olimpíadas, a final da Copa do Mundo e tudo que gira ao redor disso, fizeram o estado entrar em uma onda de gastos que pode chegar a R$ 39,1 bilhões, ou mais de duas vezes o valor estimado para o déficit deste ano.
O decreto emitido pelo governo em exercício é parte do plano para impedir que os serviços públicos no estado entrem em colapso antes das olimpíadas. Quase R$ 3 bilhões devem ser liberados. Após a festa, a conta ainda deve perdurar por algumas décadas.
Apenas a dívida do governo do estado com a União atinge mais de R$ 75 bilhões, ao custo de R$ 6,5 bilhões por ano – ou mais do que o valor gasto com a segurança no estado. O serviço total da dívida, no entanto, atinge R$ 10 bilhõeseste ano, mais do que os valores de saúde e educação somados. Como resultado, o estado investe menos da metade do que a lei determina em saúde.
O resultado da farra de gastos, porém, não deve se limitar ao próprio estado. Impedido por lei de dar calote na União (caso deixe de repassar a parcela da dívida, a União pode legalmente bloquear as contas do estado e impedir repasses), o governo do estado já aplicou calotes em outras dívidas. A Agência Francesa de Fomento, por exemplo, deixou de receber o que lhe era devido pelo estado ainda em junho deste ano. Para compensar, a União teve de arcar com o prejuízo. Cerca de 90% da divida já foi paga. Pagamentos futuros ainda são incertos.
O calote é parte de uma tragédia anunciada. Em maio deste ano, a agência Fitch já havia rebaixado a nota de crédito do Rio para BB-, ou “mau pagador”.
De fato, a situação do Rio de Janeiro não é alheia aos demais estados e muito menos ao próprio país. Ao longo das últimas duas décadas, governos estaduais têm se convertido a cada dia que passa em pagadores de salários, relegando investimentos. Enquanto o investimento público total no país saltou de 0,8% para 1,1% nos últimos 20 anos, os gastos públicos totais saíram de 25% para 36% – e ao que tudo indica, não deve haver nenhuma reversão deste cenário em um futuro próximo.
Para qualquer turista, o samba, o futebol, as praias, a caipirinha, o Corcovado e o Cristo Redentor são a cara do Brasil. Um olhar mais atento, porém, identificaria que a verdadeira coincidência entre o Brasil e o Rio nesse momento são os seus problemas econômicos. Evitá-los é o grande desafio das próximas décadas a qualquer liderança política que se preze.

Oliveira Lima: reabertura da Biblioteca em Washington - JConline

http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2018/02/17/com-raridades-brasileiras-biblioteca-oliveira-lima-reabre-nos-eua-328109.php

Com raridades brasileiras, Biblioteca Oliveira Lima reabre nos EUA

Criada pelo diplomata pernambucano, a biblioteca tem mais de 58 mil títulos, dos quais 6 mil são obras raras

Uma das salas da Biblioteca Oliveira Lima
Leandro Mockdece/Divulgação
Diogo Guedes
JConline, Publicado em 17/02/2018, às 18h00

Na lápide do historiador e diplomata pernambucano Oliveira Lima (1867-1928), em Washington, não aparece o seu nome, mas, sim, uma frase: “Aqui jaz um amigo dos livros”. Para quem não o conhece, pode parecer um exagero, afinal, é difícil imaginar algum embaixador que não tenha algum apreço pela leitura. O caso de Oliveira Lima, no entanto, foi de uma paixão e dedicação bem mais extensa: junto com sua esposa, Flora de Oliveira Lima (1863-1940), ele foi responsável por reunir pelo menos 58 mil títulos.
Depois de uma vida a serviço da diplomacia, Oliveira Lima se estabeleceu em Washington, nos Estados Unidos. Lá, começou a juntar os seus livros, espalhados por Recife, Lisboa e Bruxelas, em um processo que durou anos – e impressionou o casal, assustado com o tamanho do próprio acervo. Antes de morrer, os dois oficializaram a doação que criaria a Biblioteca Oliveira Lima dentro da Universidade Católica de Washington, formando o maior acervo sobre o Brasil no exterior.
Nos últimos dois anos, desde a saída do último curador e a aposentadoria da bibliotecária responsável, o espaço esteve fechado. Agora, reabriu suas portas, esperando receber pedidos de consulta e residências de pesquisadores brasilianistas. São cerca de 6 mil títulos raros, além de incontáveis (e inestimáveis) correspondências com intelectuais, políticos e escritores, quadros e panfletos históricos.
“É essencial divulgar esse acervo, que cobre muito bem os períodos da história do Brasil. A biblioteca esteve fechada porque não havia fundos suficientes para a contratação de pessoal”, conta Nathalia Henrich, que atualmente faz o seu pós-doutorado no local. “Queremos transformar o espaço em um centro de estudos brasileiros, pois a biblioteca está muito além das possibilidades físicas da sua sede.”
O acervo ocupa atualmente quatro salas, que não dão conta da função de biblioteca, centro de estudos e museu. Um dos planos é captar recursos para ganhar um edifício próprio, além de criar bolsas para pesquisadores em parceria com outras instituições. “Ela sempre foi muito procurada e é bem conhecida entre os acadêmicos e pesquisadores. Nos últimos anos, ela não podia recebê-los, só realizava atendimento por e-mail. E, antes, para receber alguém, era preciso um horário marcado, ou seja, ela não tem um horário aberto para o público. A demanda e o potencial existem, mas sempre esbarram na falta de recursos”, comenta a pesquisadora.

ACERVO

É um trabalho complexo definir a importância do acervo reunido por Oliveira Lima. Alguns livros, como o Rervm per Octennivm in Brasilia (História dos Feitos Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil, de 1647), de Gaspar Barleus, que narra os feitos de Maurício de Nassau em Pernambuco, só possuem uma cópia além da adquirida pelo diplomata. É o mesmo caso do Relaçam Verdadeira de Tvdo o Svçcedido na Restauração da Bahia de todos os Sanctos, de 1625, documento que descreve a reconquista portuguesa da Bahia.
Nas obras raras, ainda se destacam edições iniciais de Camões e uma das principais coleções de narrativas de exploradores sobre a América do Sul. Ainda está lá um panfleto essencial para a história pernambucana: O Preciso, de 1817, que divulgava os acontecimentos da Revolução Pernambucana.
Nem tudo de mais valioso que pertence à biblioteca pode ficar no espaço. Brazilian Landscape, Probably Pernambuco (Índios na Floresta), de 1669, quadro feito pelo holandês Frans Post, está atualmente emprestado para a National Gallery of Art, em Washington, porque não há como exibi-lo ao público na Biblioteca Oliveira Lima. “Temos várias obras de artistas brasileiros do século 19, mas precisamos de um lugar adequado para elas”, explica Nathalia.
As correspondências ainda merecem destaque. Ali, é possível entender a extensão da rede de diálogos de Oliveira Lima no Brasil, na Europa e nas Américas. O diplomata trocou cartas com mais de 1,4 mil destinatários, muitos deles ilustres, como Machado de Assis, José Verissimo, Euclides da Cunha, Barão do Rio Branco e Olavo Bilac – vários deles colegas de Academia Brasileira de Letras (ABL). Nas correspondências, é possível ver como o colecionador pernambucano foi um dos grandes incentivadores da literatura de Lima Barreto.
O acervo também dá uma visão panorâmica dos debates da diplomacia brasileira. A longa troca de missivas (e os intensos debates) com Joaquim Nabuco são o melhor exemplo disso. Por discordâncias de visões, os dois acabaram por romper a amizade através de uma carta. “Oliveira Lima achava Nabuco demasiadamente pró-Estados Unidos. Nabuco se sentiu atacado por um amigo, e terminou a conversa entre eles por escrito”, relata Nathalia, que estudou o Pan-Americanismo na obra de Oliveira Lima no seu doutorado.

BIBLIOTECÁRIO

Quando começou a organizar sua biblioteca, o diplomata recebeu em Washington a ajuda de um jovem pernambucano que havia, quando tinha 17 anos, batido na porta da casa em que estava com Flora para se apresentar. Era Gilberto Freyre, que via em Oliveira Lima uma espécie de figura paterna. “Oliveira Lima deu dicas a Freyre quando ele foi viajar pela Europa e o aconselhou quando partiu para fazer o mestrado em Columbia. Eles chegam a discutir o tema juntos”, aponta Nathalia.
Apesar de nascido em Pernambuco, Oliveira Lima foi criado em Lisboa – seu pai era português e sua mãe pernambucana. “Ele deixava clara a sua ligação com Pernambuco, pois sempre cresceu com as memórias afetivas da sua cidade natal. Oliveira Lima tem artigos muito bonitos da volta dele ao Brasil. Com Flora, ele voltou várias vezes a Pernambuco. Eles ficavam no Engenho Cachoeirinha, que era de amigos. Passaram longos períodos, mas nunca moraram no Brasil em definitivo”, conta a pesquisadora.
Aliás, é o papel de Flora na construção desse acervo que Nathalia destaca. “Ela morreu depois dele e não só ficou cuidando da biblioteca, como a ampliou. Flora editou as memórias dele e sempre teve um papel fundamental na carreira e vida de Oliveira Lima. Eles eram um casal atípico para a época, porque ela participava da vida profissional dele. Tanto que faço questão de frisar que a doação do acervo foi um gesto do dois”, ressalta a pesquisadora.

Miseria da diplomacia: apogeu e declínio do lulopetismo diplomatico - Paulo Roberto de Almeida

Minha mais recente coletânea de textos sobre a política externa e a diplomacia brasileira, em especial sua deformação nos anos bizarros do lulopetismo: 

3247. Miséria da diplomacia: apogeu e declínio do lulopetismo diplomático, Brasília, 18 fevereiro 2018, 188 p. Coleção de ensaios, artigos, entrevistas e comentários produzidos nos últimos dois anos, para divulgação (trabalhos n. 2969, 2977, 2982, 2983, 2985, 2988, 2999, 3032, 3061, 3098, 3116, 3126, 3197, 3221 e 3245). 
Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/e421c22bd9/miseria-da-diplomacia-apogeu-e-declinio-do-lulopetismo-diplomatico).


Treze anos de misérias diplomáticas: estaria o Brasil vacinado? ,  9

1.     Epitáfio do lulopetismo diplomático ,  15
2.     O Itamaraty e a diplomacia em tempos não convencionais ,  19
3.     Do lulopetismo diplomático a uma política externa profissional ,  29
4.     O renascimento da política externa  , 37
5.     Política externa e política econômica no Brasil pós-PT ,   51
6.     O que faria o Barão hoje, se vivo fosse?  , 57
7.     Auge e declínio do lulopetismo diplomático  ,    65
8.     O lulopetismo diplomático: um experimento exótico , 85
9.     O Itamaraty e a nova política externa brasileira ,  91
10.   A política externa e a diplomacia no século XXI , 109
11.   Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa ,  123
12.   Uma visão crítica da política externa: a da SAE-SG/PR ,  131
13.   Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente? , 153
14.   A diplomacia na construção da nação: qual o seu papel? , 157
15. Política externa brasileira recente: algumas questões tópicas , 167

Relação cronológica dos trabalhos recentes sobre diplomacia brasileira , 179
Livros de Paulo Roberto de Almeida , 181
Nota sobre o autor , 185



Paulo Roberto de Almeida

Esta nova compilação de trabalhos sobre a política externa e a diplomacia brasileira pode ser vista como dando continuidade a uma assemblagem anterior, que eu havia feito apressadamente para apoiar um curso sobre esses temas no primeiro semestre de 2017: Quinze anos de política externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017 (Brasília: Edição do Autor, 2017, 366 p.; blog Diplomatizzando: (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html). Essa coletânea, por sua vez, já incorporava uma relação preliminar feita ao final de 2016: “Uma seleção de trabalhos sobre a política externa brasileira na era Lula, 2002-2016” (Brasília, 6 junho 2016, 13 p.; também disponível no blog Diplomatizzando: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/a-politica-externa-brasileira-na-era.html). Ambas se ocupavam, basicamente, da política externa e da diplomacia nos primeiros três lustros do século XXI, quando vigorou aquilo que eu logo chamei de “lulopetismo diplomático”, uma das principais facetas do lulopetismo em geral, que havia literalmente atropelado o país durante todo aquele período.
Tanto a política lulopetista em geral, quanto sua vertente externa foram por mim acompanhadas atentamente, a cada passo, a cada medida, a cada iniciativa do bizarro regime, que no entanto dispunha de amplo apoio na sociedade, nos meios políticos e especialmente na academia, sem esquecer a própria diplomacia. Na postagem dessa relação de junho de 2016 eu dizia que os trabalhos possuíam um “caráter geralmente acadêmico, mas não posso recusar certa orientação opinativa (e portanto subjetiva, mas bem informada, pela minha condição de diplomata) sobre esses tempos não convencionais nas relações exteriores do Brasil, um período no qual a diplomacia brasileira esteve associada ao Foro de São Paulo (uma organização controlada pelos comunistas cubanos) e aos chamados bolivarianos. Agora que isso passou, posso ser mais crítico, e incisivo, sobre esses anos de chumbo da diplomacia brasileira.”
Mas, antes mesmo de ser enterrado o bizarro regime, e sem ter certeza de que a sociedade conseguiria superar a fraude e a mistificação daqueles anos excepcionais, eu já tinha publicado um livro inteiro sobre o “rabo diplomático” do “cachorro lulista”, este aqui: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Esse livro não foi feito pensando nas eleições presidenciais daquele ano, mas não deixou de ser surpreendente que, consideradas todas as informações já disponíveis sobre os descalabros econômicos, as fraudes políticas, e o espetáculo de corrupção desvendado desde o início daquele ano, os companheiros obtivessem mais um mandato para arruinar o país. Por uma dessas ironias da história, a continuidade das investigações revelou que o candidato da oposição também estava profundamente envolvido numa gigantesca teia de corrupção, que unia as grandes empresas do país aos principais partidos políticos e seus líderes.
Seria inevitável que o ativismo lulopetista em todas as direções, por quaisquer meios disponíveis, não poupasse tampouco o lado internacional das políticas públicas. Aliás, o “rabo” da diplomacia chegou mesmo a abanar o “cachorro” do lulopetismo, tal a importância dada a essa política pelo chefe da “organização criminosa” – segundo o ministro Celso Melo, do STF – que dominou o país desde o início de 2003, como já tinha sido evidenciado por ocasião do Mensalão, em 2005. Essa importância foi bastante ressaltada pelas investigações de um jornalista, Fabio Zanini, cujo livro foi objeto de uma resenha aqui inserida; mas, à diferença do Mensalão, não haviam sido detectadas até recentemente todas as manobras criminosas empregadas pela tropa de meliantes políticos que desviou recursos de fontes brasileiras e estrangeiras.
Minha relação de trabalhos cobrindo essas áreas é bem superior, mas coletei neste volume apenas aqueles que já tinham sido publicados ou divulgados pelos canais habituais que utilizo. Alguns outros serão divulgados oportunamente, o que permitirá justificar plenamente o título escolhido para este volume e esta apresentação: “miséria da diplomacia”, o que me parece muito evidente, sobretudo a partir de uma visão interna, portanto bem informada e “prevenida”, sobre as iniciativas tomadas na vertente externa do Brasil. Essa visão precede, inclusive, a própria diplomacia e o regime dos companheiros, pois se estende, originalmente, às organizações da esquerda armada que provocaram a radicalização do regime militar desde meados dos anos 1960 até o final do período autoritário. Um conhecimento sobre os métodos de atuação dos militantes neobolcheviques que se integraram ao partido hegemônico da esquerda, aqueles que eu chamei de “guerrilheiros reciclados”, permitiu retirar elementos de convicção quanto à ação deletéria, em grande medida encoberta, desenvolvida por eles igualmente na frente externa, o que entretanto é difícil de ser evidenciado, em virtude, precisamente, da falta de provas documentais de muitas dessas ações nessa vertente (sobretudo aquelas feitas em direção, e em acordo com regimes vinculados ao Foro de São Paulo).
Esse lado da “miséria diplomática” talvez não possa ser exposta em toda a sua extensão, pois, à diferença daquilo que ocorreu com os papeis da Stasi, no momento da queda do muro de Berlim e da incorporação relativamente rápida da RDA à República Federal da Alemanha, os companheiros e seus aliados externos tomaram as devidas precauções para “neutralizar” possíveis evidências da diplomacia paralela conduzida de modo obscuro durante toda a duração do regime companheiro. Em alguns dos meus escritos aqui coletados eu abordo esse aspecto da “miséria diplomática”, que é o seu lado obscuro, mas que ainda não foi objeto de estudos mais detalhados.
Como conhecedor de longa data do movimento comunista internacional, e de seus “derivativos” nacionais, surpreende-me que doutrinas, práticas e argumentos já devidamente denunciados e expostos claramente desde os estertores do regime stalinista nos anos 1950 – objeto de inúmeros livros esclarecedores a esse respeito, entre eles um dos mais famosos, O Ópio dos Intelectuais, de Raymond Aron, prefaciado no Brasil por Roberto Campos, o Aron brasileiro –, ainda tenham plena vigência nos meios políticos e acadêmicos do Brasil, e encontrem bastante aceitação em camadas mais amplas da opinião pública. Mais surpreendente ainda é que, a despeito de todas as denúncias e condenações já oficializadas quanto aos atos criminosos perpetrados pelos principais chefes do partido hegemônico da esquerda, várias dessas pessoas bem informadas ainda insistam em apoiar os personagens. Não é preciso lembrar aqui que o próprio chefe da chancelaria brasileira durante boa parte do regime lulopetista, diplomata de carreira, figura nessa tropa de choque constituída para uma defesa quase impossível, de certo modo desesperada, do grande responsável pela corrupção avassaladora a que assistimos durante todos esses anos de euforia, de fraudes e de mistificações.
Meus textos não se ocupam de tais crimes comuns, mas várias das ações externas conduzidas pelo poder petista, com base em recursos nacionais, podem configurar o que eu chamaria de “crimes econômicos” (talvez não muito diferentes de crimes comuns), uma vez que diversas “intervenções” externas pelo então chefe de Estado, depois ex-presidente, foram precipuamente conduzidas para se integrar a essa cadeia de corrupção montada deliberadamente por esses líderes políticos em pleno acordo com os dirigentes de grandes empresas geneticamente corruptas. Por outro lado, pontos obscuros da ação externa dessa diplomacia lulopetista foram diversas vezes detectados em determinados episódios – nacionalização de ativos brasileiros no exterior, apoio financeiro a aliados ideológicos, por exemplo – também poderiam ser catalogados sob a rubrica de “crimes diplomáticos”, ou seja, mais um aditivo definidor da “miséria da diplomacia” que legitima a opção pelo título deste compêndio. Continua a existir uma imensa zona de sombras sobre o desenvolvimento de toda a diplomacia lulopetista.
Ainda assim, e a despeito de todas as evidências e sinais “precursores” de que coisas estranhas estavam acontecendo na diplomacia brasileira durante esses anos de euforia do lulopetismo, sua vertente diplomática continuou a dispor de amplo apoio entre os principais formadores de opinião no Brasil, notadamente nos meios acadêmicos e jornalísticos, com ampla capacidade de convencimento dos “corações e mentes” dos brasileiros comuns, simples eleitores ou até membros das chamadas elites. Nisso, a esquerda em geral e o lulopetismo em particularmente foram particularmente eficientes – sobretudo usando recursos do Estado para divulgar sua versão deformada da realidade e sustentar propaganda mentirosa por diversos canais de comunicação – na veiculação e na disseminação de uma visão do mundo conforme a seus princípios ideológicos, que encontram, por isso mesmo, grande aceitação em diversos meios.
Tenho plena consciência de que meus escritos destoam, em grande medida, das análises acadêmicas e dos próprios argumentos diplomáticos normalmente encontrados nos diferentes veículos que se dedicam à discussão e análise da política externa, das relações internacionais e da diplomacia brasileira. Talvez porque eu me dedique não só a uma exposição descritiva do que é feito na vertente externa das políticas públicas do Brasil, mas também por que é feito, e por quem é conduzido, e com quais motivações. Começo, aliás, por discordar frontalmente da terminologia geralmente empregada nas exposições e análises “normais”, que tendem a caracterizar as ações diplomáticas como sendo “do Brasil”, quando eu me inclino a falar diretamente da “diplomacia lulopetista” como sendo diferente, específica e peculiar às forças que controlaram o poder do Estado durante os anos de seu controle dos executivos federais (e até de outros poderes).
Meus artigos – os aqui compilados, os demais em livros ou periódicos, inclusive os ainda não divulgados  – não esgotam, obviamente, a análise de todos os aspectos conceituais e operacionais daquilo que eu chamei de “miséria da diplomacia” no Brasil. Isso que vai requerer ainda certa pesquisa (mas existem muitos fatos sem documentação adequada) e acesso adequado a atores envolvidos em vários episódios não devidamente documentados ao longo desses anos de fraudes, mentiras, de mistificações e de crimes, de diversas ordens. De minha parte não tenho nenhuma hesitação em expressar minha opinião fundamentada sobre esses anos pouco gloriosos de nossa trajetória política. Só não tenho certeza de que o Brasil e os brasileiros estejam devidamente vacinados contra essa “doença de pele”, que representou o lulopetismo, a despeito de todos os crimes desvendados e de todos os processos concluídos ou em curso. Talvez ele seja mais do que uma simples “doença de pele”, e conforme uma predisposição “genética” na incorporação de concepções políticas e econômicas absolutamente nefastas e prejudiciais à boa governança do país, e nisso se confunda com outras “epidemias” muito comuns no Brasil: patrimonialismo tradicional, corporativismo entranhado, protecionismo exacerbado, nepotismo e fisiologismo extensivos, nacionalismo primário e ingênuo, estatismo atávico e outros “ismos” desde longe presentes em nossa cultura e no sistema político.
Na diplomacia, no entanto, vigorava, um profissionalismo meritocrático – ainda que contaminado por diversos resquícios “feudais” – e uma excelente capacitação dos recursos humanos, o que sempre distinguiu o serviço exterior no conjunto das carreiras de Estado e das instituições de boa qualidade a serviço do Estado e dos governos. O período lulopetista afetou apenas superficialmente o serviço diplomático em si, ainda que tenha contaminado mais amplamente a orientação da política externa e da atuação do Estado brasileiro em escala regional e internacional. Esperemos que ao menos o serviço diplomático tenha sido vacinado contra o exotismo e a bizarrice dessa presença deformadora em nossa diplomacia, com um mínimo de efeitos colaterais sobre suas ações futuras. É o que posso esperar como participante e analista – relativamente objetivo e independente – de nossa política externa e de nossa diplomacia nos últimos 40 anos de atividades e de reflexões nesse campo especializado da ação estatal.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018 


Coletânea disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/e421c22bd9/miseria-da-diplomacia-apogeu-e-declinio-do-lulopetismo-diplomatico).