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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Brasil: o momento destruidor - Oliver Stuenkel, Paulo Roberto de Almeida

Parece que voltamos no tempo: em lugar de embarcar numa viagem em direção do futuro, como queria H. G. Wells em Time Machine, recuamos em direção ao passado, com o pior engenheiro que poderiamos ter: um fabricante de mitos, um disseminador de paranoias regressistas. Oliver Stuenkel faz uma análise basicamente correta do que significa esse impulso de irracionalidade que representa Bolsonaro, mas evita as palavras mais contundentes que eu não hesito em utilizar: estamos em face de uma possível catástrofe de governança, que se traduz, em primeiro lugar, por uma grave crise de governança (como já ocorreu em alguns momentos do lulopetismo), mas desta vez a dose de loucura, a carga de irracionalismo, o grau de paranoia pode ser maior, uma vez que os aloprados dizem não ser ideologia o que de fato é a ideologia que professam, sem qualquer conteúdo  doutrinal, puro vazio mental feito de invectivas, slogans, instintos primitivos e agressivos.
Se eu fosse religioso, eu diria “Deus tenha piedade do Brasil”. Como não sou, só posso dizer: preparem-se para o pior!
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 26 de setembro de 2019



ANÁLISE
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China, uma insuspeita beneficiada do discurso radical de Bolsonaro

Com discurso agressivo, presidente brasileiro reproduz retórica de quando era deputado e aponta para guinada arriscada na política externa brasileira

Jair Bolsonaro aguarda o momento de discursar na Assembleia Geral da ONU, nesta terça.
Jair Bolsonaro aguarda o momento de discursar na Assembleia Geral da ONU, nesta terça.DREW ANGERER (AFP)

MAIS INFORMAÇÕES

Em sua estreia na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro seguiu a orientação dos seus assessores da ala ideológica e partiu para o ataque contra o socialismo, ambientalistas, cientistas, indígenas, o PT, o 'globalismo', a mídia internacional, a França, Venezuela e Cuba, entre tantos outros. Dessa maneira, Bolsonaro reproduziu o papel de radical e 'politicamente incorreto' que desempenhou, por décadas, como deputado no Congresso Nacional e se consagrou como vilão global dos movimentos ambientalistas, que ganham força política ao redor do mundo.
Sobretudo na Europa, onde diplomatas e políticos estão divididos sobre como reagir ao mandatário brasileiro, o discurso fortalecerá aqueles que defendem uma postura mais dura contra o Brasil, incluindo punições econômicas. O discurso, recebido com uma mistura de perplexidade e fascínio por observadores internacionais por seu teor conspiratório, é uma ótima notícia para o presidente francês, que decidiu aproveitar dos incêndios na Amazônia para se projetar como líder ambientalista e para inviabilizar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, postura que agrada aos agricultores franceses. Como Bolsonaro é visto de maneira negativa por significativa parte da sociedade europeia, Macron só tem a ganhar ao se posicionar contra o presidente brasileiro.
O grande perdedor é a Alemanha, que seria o maior beneficiado do acordo comercial. Ao longo das últimas semanas, o governo alemão buscou oferecer uma alternativa à estratégia da França, e reiterou sua disposição em manter o diálogo com o Governo brasileiro sobre temas ambientais. O discurso de Bolsonaro fortalece a tese daqueles na Alemanha, liderados pelo Partido Verde, de que será impossível moderar a postura brasileira sem ameaças concretas. A primeira vítima da situação provavelmente será o pleito brasileiro de se tornar país membro da OCDE, o qual será empurrado pela barriga por países europeus. Afinal, permitir o ingresso do país nas atuais condições poderia ser visto como uma aprovação indireta de suas políticas internas.
Outro país que ganhará com o discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU é a China. Com o Brasil cada vez mais rejeitado no Ocidente, o Governo de Pequim deixou claro que em hipótese alguma permitirá que assuntos ambientais afetem a relação bilateral. Apesar da retórica anti-China utilizada durante a campanha, a relação bilateral com o gigante asiático inevitavelmente alcançará um novo patamar sob Bolsonaro.
Na política interna, o discurso representa uma vitória acachapante da ala ideológica, liderada por Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, sobre o grupo neoliberal, liderado pelo ministro Paulo Guedes e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. A escolha de Bolsonaro atinge em cheio o projeto de Guedes de projetar a narrativa de um governo tecnocrata, comprometido em tornar o país um destino mais atraente para investidores internacionais. Os observadores internacionais devem estar se perguntando agora por quanto tempo o ministro da Economia aceitará fazer parte de um governo cujo presidente parece se importar pouco com o projeto liberalizante. Afinal, é impossível não perceber que Bolsonaro parece ter um gosto pessoal pelo confronto permanente, algo que fortalece sua narrativa de que a comunidade internacional busca enfraquecer o Brasil. Desse ponto de vista, mesmo a não-ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia e os possíveis boicotes que virão contra os produtos brasileiros dificilmente terão efeito moderador sobre o presidente brasileiro. Pelo contrário, a ameaça do isolamento diplomático e o risco de consequências negativas na área comercial parecem fortalecer a convicção do presidente de dobrar a aposta e garantir a radicalização de sua base de apoio. O discurso representa, assim, a maior guinada na política externa brasileira em décadas.

China inaugura a maior ponte do mundo sobre o mar: depois da Grande Muralha...

Nunca houve nada igual no mundo, depois da construção da Grande Muralha da China. Nunca hove nada igual, depois da Muralha da China, senão esta ponte, a mais longa do mundo sobre o mar, e ela ficará durante muito tempo insuperável, até que os próprios chineses façam uma obra ainda mais impressionante. O que pode ser? Não sei, mas aposto no mais longo túnel ou submarino ou atravessando montanhas.
A engenharia chinesa não tem competidores no mundo.
Paulo Roberto de Almeida

China completes world's longest cross-sea road-rail bridge

China completes world's longest cross-sea road-rail bridge
Xinhua
Shanghai Daily, September 26, 2019

An aerial photo taken on September 21 shows the construction site of the Pingtan Strait Road-rail Bridge in China's southeastern Fujian Province.
China on Wednesday completed the main structure of the world's longest cross-sea road-rail bridge in its southeastern province of Fujian.
The last steel truss girder, weighing 473 tonnes, was bolted on the Pingtan Strait Road-rail Bridge, another mega project in China, on Wednesday morning.
Hundreds of bridge builders clad in orange overalls, as well as government officials, hailed the completion on the bridge deck, with several rounds of fireworks being set off to celebrate the moment.
With a staggering span of 16.34 km, the bridge connects Pingtan Island and four nearby islets to the mainland of Fujian Province.
The bridge, which is expected to open to traffic next year, can help shorten travel time from two hours to half an hour between Fuzhou, capital city of Fujian Province and Pingtan, a pilot zone set up to facilitate trade and cultural exchanges across the Taiwan Strait.
"Of all the bridges being built across the world, this is no doubt the most challenging," said Wang Donghui, chief engineer of the project, adding that it is China's first and the world's longest cross-sea road-rail bridge.
The project has attracted worldwide attention from the start of construction in 2013 as it spans an area off the coast of southeast China long seen as a "no-go zone" for bridge-building.
The region has strong gales and high waves for most of the year and is known as one of the world's three most perilous seas along with Bermuda and the Cape of Good Hope.
Workers had to battle the notoriously strong winds, choppy waters and rugged seabed in the region to drill 1,895 piles into the ocean.

More than mega project

The road-rail bridge has a six-lane highway on the top and a high-speed railway at the bottom, which is designed to support bullet trains traveling as fast as 200 km per hour. It is a part of the 88-km Fuzhou-Pingtan railway.
In the past, Pingtan was a backwater island of humble fisheries. It did not even have a bridge connecting it to the mainland until 2010 when the Strait Bridge began operating for cars only.
In 2010, China established the Pingtan Comprehensive Pilot Zone to facilitate cross-Strait exchange and cooperation, ramping up its efforts to improve the island's infrastructure.
Today, skyscrapers are popping up all along the shoreline, with the glow of construction work filling the night sky. Meanwhile, thousands of Taiwan residents swarm into the booming island to live and start businesses.
The island has accommodated more than 1,000 shops and companies set up by Taiwan residents, according to government statistics.
Chen Chien-hsiang, a 29-year-old man who moved from Taiwan to Pingtan two years ago, believes that the new bridge will help attract more businesses to the island and further boost its economic development.
"The new bridge means more than a mere mega project," Chen said. "It also promises a brighter future for people from Taiwan who chose to live and work here."

Infrastructure maniac

Huang Zhiwei, 22, found himself making history by lifting the last piece of the bridge girder from a ship about 80 meters below the bridge deck, an undertaking that he had never expected when he joined the project a year ago as an intern.
His parents, unhappy about their son's career choice, felt relieved after several video chats during which their son showed them his working and living conditions at the construction site.
"With so many advanced technologies and safety measures, I am convinced that we will accomplish the mission, and I am very proud of my contribution," said the young operator.
More than 1.24 million tonnes of steel have been used for the bridge, enough to build 190 Eiffel Towers, and 2.97 million cubic meters of cement, nine times the amount of cement used to build the Burj Khalifa towers in Dubai, the world's tallest skyscraper.
"We could not possibly have realized the construction 15 years ago for lack of advanced construction technologies and equipment such as the drilling machine and ship cranes we have developed today," said Xiao Shibo, an engineer of the China Railway Major Bridge Engineering Group Co., Ltd. The bridge has made history in many aspects, Xiao added.
China is dubbed as an "infrastructure maniac" for countless dazzling megaprojects, with the Chinese builders breaking their own world records.
China is home to the world's highest bridge, longest cross-sea bridge and 90 out of the 100 highest bridges built this century.
From 2015 to 2020, China's transportation investment is expected to exceed 15 trillion yuan (US$2.1 trillion), with a substantial portion reserved for bridge construction. 

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Bolsonaro "enterra" o Brasil na ONU e para o mundo - Rubens Ricupero (Terra)

"Discurso mais desastroso de todos", diz ex-embaixador

Para embaixador, presidente visa consolidar apoio de segmento que lhe deu vitória e ignora ótica internacional

Embaixador aposentado com mais de quatro décadas de carreira no Itamaraty, o diplomata Rubens Ricupero acredita que o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da Nações Unidas (ONU) pode ter reflexos negativos em acordos comerciais e na relação com investidores estrangeiros.
Rubens Ricupero, professor e pesquisador da FAAP e ex-embaixador do Brasil (12/09/2018)
Rubens Ricupero, professor e pesquisador da FAAP e ex-embaixador do Brasil (12/09/2018) 
Foto: WERTHER SANTANA / Estadão Conteúdo

Subsecretário da ONU entre 1995 e 2004, quando comandou a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), ele diz que a negação do desmatamento na Amazônia desperdiça o que, para ele, foi o "único trunfo" do Brasil na cena internacional: o prestígio pela condução de sua diplomacia do meio ambiente. Ricupero classificou o discurso como "desastroso" e disse que não há paralelo com a participação de outros representantes do País na Assembleia-Geral.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Qual a impressão do senhor do discurso feito pelo presidente Jair Bolsonaro?
Antes do discurso, eu já achava que o presidente iria a Nova York sobretudo em função do público interno, e não do público internacional. Ele fez exatamente isso, tanto que não sou só eu que estou dizendo. Se você tiver o cuidado de ler o tuíte do Flávio Bolsonaro, senador e filho dele, vai ver que ele diz exatamente a mesma coisa que eu digo: que o presidente fez, na ONU, o discurso vitorioso nas eleições aqui no Brasil, e por isso os derrotados estão protestando.
Ele mostra claramente que esse é um episódio que não se compreende pela ótica internacional, como seria natural. A chave para a compreensão do discurso dele é a política doméstica brasileira. Bolsonaro é um presidente obcecado pela perda de popularidade, que já está se lançando candidato à reeleição, e já está disputando com rivais como (o governador de São Paulo, João) Doria e outros. Ele radicaliza o discurso para consolidar o seu apoio naquele segmento que deu a vitória a ele.
Nenhum presidente brasileiro jamais fez um discurso desse tipo fora do Brasil. É como lavar a roupa suja fora de casa, de maneira escancarada. O discurso, às vezes, parece mais se dirigir contra os opositores internos do que externos. Mas sobrou para todo mundo: Cuba, Venezuela, França, Alemanha, ONU. Ele atacou todos.
Qual a consequência de ele fazer um discurso desses na principal tribuna do mundo? 
Eu considero que é o discurso mais desastroso de todos os discursos feitos pelo Brasil desde que existe o debate da Assembleia-Geral. Conheço bem os discursos feitos por todos os antecessores porque escrevi um livro sobre a história da diplomacia brasileira (A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016, Versa Editores). É um discurso agressivo e belicoso no fundo, na forma e no tom. Bolsonaro estava claramente desconfortável naquele ambiente, sentia que era um auditório hostil. Não teve amenidades. Em diplomacia, às vezes a forma é mais importante do que o conteúdo. Nesse caso, tanto o conteúdo quanto a forma são muito duros. Ele confirma o que há de pior.
E como isso se reflete nas relações do Brasil com os países?
Os acordos que o Mercosul tinha assinado com a União Europeia e a Área de Livre Comércio Europeu já estavam praticamente mortos. Agora, ele coloca vários pregos no caixão. Ele inviabiliza, no futuro previsível, qualquer esforço de boa vontade para apresentar esses acordos à aprovação dos diversos parlamentos europeus. Isso vai afetar muito as perspectivas do agronegócio brasileiro, da exportação do Brasil em geral.
Aquilo que o Brasil tinha, uma imagem positiva em meio ambiente, ele jogou fora, no lixo. Ele desperdiçou o único trunfo que o Brasil tinha. Nós não temos poder militar, não temos bomba atômica, nem poder econômico. Mas tinha aquele prestígio da sua diplomacia proativa em matéria ambiental. Agora, nós perdemos isso. Acho que isso vai alimentar essa onda contra nós. Antes de ir a Nova York, eu achava que era difícil piorar a situação. Eu me enganei. Ele conseguiu piorar.
O Brasil já tinha protagonizado embates com outros países. É uma oportunidade perdida? Era possível usar esse discurso como uma tentativa de reiniciar essas relações?
Se ele fosse uma pessoa diferente, acho que sim. Você se lembra que, pouco antes de ele sair daqui, houve aquele documento assinado por 230 fundos de investimento (em defesa da Amazônia). Eram fundos de mais de 30 países que manejam trilhões de dólares. Utilizando isso, ele poderia ter feito um discurso muito mais conciliador. Poderia dizer que tinha sido mal compreendido, que o Brasil quer atrair investimentos, que o País quer ter uma política de desenvolvimento sustentável. Ele poderia ter feito algo muito mais construtivo, como seria do interesse até do agronegócio, por exemplo. É uma oportunidade perdida e não sei se haverá outra.
Há muitos apoiadores do presidente que esperavam que o tom fosse justamente esse, e concordam com essa posição. Ainda existe espaço para essa retórica na comunidade internacional, uma vez que ele está alinhado a líderes como Donald Trump, Boris Johnson e Viktor Orbán?
Não, não existe. Esses exemplos mesmo que você mencionou mostram claramente que isso é antidiplomacia. É querer desafiar aquilo que antigamente se chamava de "a opinião honesta da humanidade". Esses homens são indivíduos criticados, despreparados. Quem é que admira Boris Johnson, à exceção daqueles poucos partidários dele? Ninguém. O Trump tem aquele núcleo de apoiadores fiéis, mas agora ele está lutando pela própria sobrevivência. Se você levar em conta que o Matteo Salvini (ex-ministro da Itália) já saiu de cena, que Binyamin Netanyahu já não tem mais nenhuma posição proeminente em Israel, e que Trump está salvando a própria pele, você vê que esse, aparentemente, não é o caminho do sucesso.

O que a imprensa mundial achou do discurso do presidente - AFP

Os bolsonaristas fanáticos vão achar, como o próprio presidente, aliás, que a "mídia internacional MENTE", contra ele, claro.
Só desvairados acham isso. Leio toda a imprensa internacional, da mais conservadora até a mais esquerdista, e todo mundo achou um HORROR esse discurso, agressivo, descortês, antidiplomático.
"Ferozmente" não é postura de estadista. Os bolsominions que por acaso me leem aqui estão dispensados de comentar e de defender o agressivo discurso do presidente, pois se o fizerem serão imediatamente DELETADOS e BLOQUEADOS.
Quem suporta ignorância e vulgaridade não tem nada a fazer aqui.
Também dispenso comentários apenas de apoio. Esta postagem é apenas uma amostra do que já li na imprensa internacional, e posso confirmar, sem precisar agregar meus próprios comentários, que 90 POR CENTO são de artigos e opiniões NEGATIVAS sobre tal discurso.
Fim de papo!

Paulo Roberto de Almeida

Brasil defiende ferozmente su soberanía en la ONU: La Amazonia es "nuestra"

En su discurso ante la Asamblea General anual de las Naciones Unidas, el presidente ultraderechista Jair Bolsonaro negó que los incendios estén devastando la Amazonia brasileña.

El presidente brasileño Jair Bolsonaro durante la Asamblea General anual de las Naciones Unidas. | Fuente: Foto: EFE 
El presidente ultraderechista Jair Bolsonaro hizo una feroz defensa de la soberanía de Brasil este martes en su primer discurso en la ONU: negó que los incendios estén devastando la Amazonia y afirmó que la mayor selva tropical del mundo no es "un patrimonio de la humanidad" sino de su país.
"La Amazonia no está siendo devastada ni consumida por el fuego como dice mentirosamente la prensa", aseguró Bolsonaro en su discurso de más de 30 minutos -el doble de lo permitido- y que, como es tradición, fue el primero de la Asamblea General anual de las Naciones Unidas.
El presidente brasileño, quien asegura que existe una "psicosis ambiental" y defiende la explotación comercial en áreas de preservación ambiental e indígena, denunció que hay gobiernos extranjeros que utilizan a líderes indígenas como el cacique Raoni, de la tribu kayapó de la Amazonia, "para avanzar sus intereses económicos".
Sin mencionar a Francia o a su presidente, Emmanuel Macron, Bolsonarodeploró también que "otro país" basado en "las mentiras de la prensa (...) se portó de forma irrespetuosa y colonialista, atacando nuestra soberanía".
Macron propuso durante la reciente cumbre del G7 en Biarritz, Francia, conceder a la Amazonia un "estatuto internacional", una idea que indignó a Bolsonaro, que le acusó de querer restringir la soberanía de Brasil.
Durante la reunión del G7 se planteó también la idea de aplicar sanciones a Brasil por no proteger la Amazonia, recordó Bolsonaro. Esa fue "una propuesta absurda", afirmó, y agradeció al presidente estadounidense Donald Trump por haberla rechazado.
Macron respondió el martes que Bolsonaro no puede "negar la realidad". "Los incendios son una realidad, los científicos establecieron de manera objetiva y científica lo que está pasando en la selva amazónica", dijo Macron a periodistas.
"Yo nunca apoyaría a un dirigente que pone en duda los hechos científicos, los informes de expertos, que decide separarse de sus expertos cuando éstos no escriben lo que él quiere. Pienso que eso no es serio" ni "responsable", afirmó. La Amazonia "es de interés común lo queramos o no".

Ataque contra el cacique Raoni

"A veces algunos líderes indígenas, como el cacique Raoni, son usados por gobiernos extranjeros en su guerra de información para avanzar sus intereses económicos en la Amazonia", dijo Bolsonaro en referencia al jefe indígena nominado al Nobel de la Paz para 2020, y a quien Macron recibió tras el G7. "El monopolio del Raoni se acabó", aseguró.
"Bolsonaro nos trata hoy de animales de las cavernas y es irrespetuoso con nuestro gran jefe" Raoni, dijo el martes a periodistas en Nueva York Sonia Guajajara, coordinadora ejecutiva de la Coalición de Pueblos Indígenas de Brasil (APIB), que representa a 305 etnias.
"¡Nosotros no somos usados por nadie! Estamos respondiendo al llamado de la Madre Tierra", añadió la líder indígena, quien acusó a Bolsonaro de ser "el portavoz del agronegocio".
Guajajara precisó asimismo que la indígena xingú Ysani Kalapalo, invitada por Bolsonaro a la ONU, no representa a ninguna de las 16 tribus de su región, como señaló en una carta la Asociación Tierra Indígena Xingú.
El cacique Raoni dijo el lunes que Bolsonaro "está abriendo la Amazonia a un abanico de actores que están permitiendo su destrucción".
El mandatario dijo a los líderes mundiales que algunos insisten en tratar a los indígenas "como verdaderos hombres de las cavernas", impidiendo que exploten la riqueza de sus tierras, donde "existe una gran abundancia de oro, diamantes, uranio".
Y aseguró que no extenderá las áreas de protección indígenas de 14% a 20% del territorio brasileño, "como algunos jefes de Estado desean".
Años antes de ser electo, Bolsonaro, excapitán del ejército, lamentó que no se haya exterminado a los indígenas en Brasil.
AFP

Dez grandes derrotados de nossa história - Paulo Roberto de Almeida

Dez grandes "derrotados" de nossa história

Paulo Roberto de Almeida

Spotniks, 14 de fevereiro de 2016

 O Brasil, já disse alguém, não é para principiantes. Vamos admitir que a frase expresse a realidade, ainda que ela seja uma mera banalidade conceitual. A verdade é que nenhuma sociedade urbanizada, industrializada, conectada, ou seja, complexa, como são quase todas as nações contemporâneas, é de fácil manejo para amadores da vida política ou para iniciantes no campo da gestão econômica. Não deveria haver nada de surpreendente, portanto, em que o Brasil, de fato, não seja para principiantes, como dito nesse slogan tão folcloricamente simpático quanto sociologicamente inócuo.

Mas atenção: a frase é, sim, relevante pelo lado do seu exato contrário. O mais surpreendente, no caso do Brasil, está em que o país não é de rápida explicação ou de fácil interpretação nem mesmo para pensadores distinguidos e intelectuais de primeira linha (eles o são, de verdade?). Ele tampouco parece ser de simples manejo mesmo para estadistas da velha guarda (nós os temos?), para políticos experientes (parece que ainda existem), sem esquecer os empresários inovadores (quantos são, alguém sabe dizer?) ou para economistas sensatos (seria uma espécie rara?). O Brasil já destruiu mais de uma reputação política, como continua desafiando as melhores vocações de “explicadores sociais” (inclusive brasilianistas), com o seu jeito sui-generis de ser. Existe, por exemplo, alguma explicação sensata para o fato de que “o país do futuro”, o “gigante inzoneiro”, a terra dos recursos infinitos, seja ainda uma sociedade desigual, ricamente dotada pela natureza, mas com muitos pobres, milhões deles, uma nação até materialmente avançada, mas (aparentemente, pelo menos) mentalmente atrasada? O que é que nos retém na rota do desenvolvimento social integrado? Quais são os formidáveis obstáculos, quantas e quais são as barreiras intransponíveis?
Não foram poucos os espíritos corajosos que tentaram vencer essas dificuldades e nos colocar num itinerário de progresso sustentado. A maior parte acabou derrotada por um conjunto variado de circunstâncias cuja identificação exata requereria um batalhão de sociólogos, dos melhores. Vamos repassar, ainda que brevemente, o itinerário de dez grandes personalidades que, em momentos decisivos da história do Brasil, viram seus projetos e propostas de reformas ou de melhorias para o país totalmente frustrados em função das condições ambientes, por força da oposição de outros personagens ou de grupos poderosos, ou pelo fato de que eles mesmos não souberam, ou não puderam, obter apoios suficientes para que suas propostas de políticas públicas fossem, em primeiro lugar, aceitas por outros dirigentes, ou pela opinião pública, depois seguidas pela coalizão dominante a cada momento e, finalmente, implementadas na forma por eles concebida inicialmente. A maior parte desses homens não foi sequer consolada, em vida, por aquele famoso dístico de bandeira estadual: “ainda que tardia”.

1) Hipólito José da Costa



Nascido na Colônia do Sacramento, criado em Rio Grande, espírito iluminista, liberal econômico, assessor, durante algum tempo, do grande estadista português da passagem do século 19, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, para quem investigou as inovações econômicas e melhoramentos agrícolas da jovem República americana nos anos finais do século 18, e por quem foi enviado à Inglaterra para adquirir equipamentos gráficos, para modernizar a imprensa do Reino, e onde se tornou maçom, foi preso e torturado pela Inquisição ao retornar a Portugal, tendo conseguido fugir após alguns anos de cárcere. Estabelecido na Inglaterra desde então, Hipólito deu início ao primeiro jornal independente brasileiro, o Correio Braziliense, que editou sozinho em Londres desde a transmigração da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, até que fosse confirmada a independência e a separação do, até então, Reino Unido, no final de 1822. Nomeado cônsul do Brasil em Londres, por José Bonifácio, Hipólito ainda teve tempo de enviar-lhe, em fevereiro de 1823, um ofício propondo reformas nos correios, nos transportes e na colonização, mas não para tomar posse do cargo para o qual estava preparado como nenhum outro brasileiro.
Seu Correio Braziliense forneceu, durante exatos quatorze anos e sete meses ininterruptos, material de informação, de reflexão e de críticas a todos os dirigentes portugueses (que o liam à sorrelfa) e aos brasileiros ilustrados, constituindo o maior repositório de dados e análises fiáveis sobre o estado do reino de Portugal, sobre a situação da Europa napoleônica e pós-napoleônica, sobre as Américas em geral e sobre o Brasil em particular. Seu “armazém literário” constitui o mais completo manual de políticas públicas e de economia política – no sentido de estadismo para a prosperidade dos povos, como a definia Adam Smith – cujo grande objetivo era o de ajudar o Brasil e os “brazilienses” a enriquecer rapidamente, como ocorria então na Inglaterra. Muitos ministros do reino, em Portugal e no Brasil, concordavam com ele, mas às escondidas, pois não o podiam revelar, ainda que um ou outro mais ousado tentasse convencer o príncipe regente, depois D. João VI, do acertado daqueles críticas e propostas de políticas, inclusive no que se referia aos tratados desiguais com a própria Inglaterra. Infelizmente seus conselhos foram raramente seguidos e ele veio a morrer antes de poder servir de forma mais efetiva ao país que era o seu, mas que tinha abandonado ainda muito jovem para nunca mais voltar.

2) José Bonifácio de Andrada e Silva


As mesmas ideias defendidas por Hipólito, de monarquia constitucional e de fim da escravidão, foram esposadas por José Bonifácio, grande intelectual nascido em Santos, SP, homem de ciência e de grandes luzes, membro de diversas academias europeias, combatente contra as tropas napoleônicas em Portugal, antes de retornar ao Brasil para servir ao Reino Unido e se converter no verdadeiro artífice da independência do Brasil. Proclamada esta, ele pretendia, já na Assembleia Constituinte, libertar o Brasil da mácula do tráfico escravo e, assim que possível, da nódoa da escravidão, conseguindo braços para a lavoura e para a formação de uma sólida economia agrícola entre camponeses imigrados europeus. Como Hipólito, e como tantos outros abolicionistas, José Bonifácio foi derrotado pela coalizão de mercadores de escravos e de grandes proprietários de terras, abandonado, aliás, pelo próprio Imperador, que aproveitou-se do recrudescer das turbulências políticas na Assembleia Constituinte e das divisões políticas entre os maçons para decretar o encerramento do breve exercício de ordenamento constitucional, “cassar” os seus membros e exilar ou prender toda a família dos Andradas. Bonifácio foi mais uma vez para a Europa, e só retornou ao Brasil para ser preceptor, por breve tempo, do menino Pedro de Alcântara, mas já sem condições de influenciar a política no período regencial. Foi um dos grandes derrotados de nossa lista de estadistas-idealistas.

3) Irineu Evangelista de Souza


O gaúcho de nascimento e self-made man só adquiriu o título nobiliárquico de Barão de Mauá (depois Visconde, em 1875) na data da inauguração, em 1854, do primeiro trecho da ferrovia Rio-Petrópolis, entre o porto de Mauá, na baía da Guanabara, e o pé da serra de Petrópolis. Antes disso ele já tinha amealhado fortuna com seus empreendimentos industriais (sobretudo estaleiros) e comerciais (em especial seus bancos, no Brasil e em diversas capitais estrangeiras). Homem possuidor do mesmo espírito empreendedor e liberal de seus tutores ingleses (primeiro numa casa de importação no Rio, depois mediante viagem à Inglaterra, em 1840), ele enfrentou inúmeras dificuldades num país escravocrata e caracterizado pela mão pesada do Estado em todo e qualquer setor da economia (o governo tinha de autorizar qualquer novo empreendimento que ele desejasse fazer), e teve vários atritos com ministros de sucessivos gabinetes do Segundo Império; essas desavenças o levaram à ruina comercial e financeira, e obstaram a que suas ideias progressistas pudessem ser reconhecidas como válidas e implementadas num país em que o status de senhor de escravos ainda era sinal de distinção.
O historiador Nathaniel Leff, heterodoxo entre os intérpretes de nossa história econômica, afirma que o atraso do Brasil não se situa tanto na colônia, como afirmam vários historiadores consagrados, mesmo os da vertente marxista, mas precisamente no período do Segundo Império, quando o Brasil perde a oportunidade de implementar as reformas preconizadas por Mauá, seja no terreno da força-de-trabalho, seja na política monetária, ou no ambiente de negócios e no da infraestrutura. Não há nenhuma dúvida que, ao final do Império, o Brasil teria sido um país muito diferente se as ideias (não só econômicas) de Mauá tivessem sido implementadas como políticas públicas. Ele foi, provavelmente, o primeiro empresário derrotado de nossa história.

4) Joaquim Nabuco


O “aristocrata” da zona da mata de Pernambuco é mais um derrotado de nossa lista, não exatamente enquanto publicista – terreno no qual ele foi brilhante – ou como diplomata do Império e da República, mas enquanto abolicionista, a despeito de suas raízes nos engenhos de açúcar do Nordeste. Intelectual blasé, ele bateu-se com denodo pela causa da emancipação, e seu livro sobre o abolicionismo (publicado em Londres em 1883) foi decisivo na intensificação da campanha, nessa mesma década. Mas ele já tinha sido derrotado antes, pois que não conseguiu reeleger-se para sua primeira cadeira de deputado, conquistada em 1878, assim como viu frustrada sua campanha pela laicização do Estado Imperial, que tinha a religião católica como oficial. Mesmo quando da abolição, por decreto imperial, suas propostas para que a emancipação dos escravos fosse acompanhada de um grande programa de reforma agrária e da universalização da educação pública, compulsória e gratuita, com vistas à elevação do padrão educacional de milhões de brasileiros pobres, e não apenas dos negros libertos, jamais foram seriamente consideradas pela República oligárquica.
Ele afastou-se da política, como monarquista que era, e dedicou-se aos livros e à história. Só retornou à vida pública para novamente dedicar-se à diplomacia, não para defender o regime, mas para servir ao país. O retorno lhe deu ainda mais desgosto, no caso da arbitragem italiana sobre a questão da Guiana, fronteira com a colônia britânica: a Grã-Bretanha abocanhou quase 50% a mais do território disputado do que foi concedido ao Brasil, nascendo aí seu acentuado monroismo, ou americanismo, ao considerar que das potências europeias o Brasil não deveria esperar nada. Do nosso ponto de vista, entretanto, o Nabuco “derrotado” que interessa registrar é o das nunca implementadas propostas de reforma agrária e de educação pública em favor de negros libertos e dos brancos pobres, na verdade para todos.
O Brasil republicano, desde o início, e provavelmente até hoje, continua a pagar muito caro pela ausência de medidas desse tipo, para elevar a capacidade produtiva do seu povo. A reforma agrária, na verdade, na prática se tornou inócua pela modernização capitalista da economia rural, mas no campo da educação continuamos a exibir atrasos, se não quantitativamente (a taxa de escolarização, no início do primário, alcançou, por fim, a dos países avançados, mas 150 anos depois), certamente em qualidade do ensino.

5) Rui Barbosa


Conselheiro do Império, primeiro ministro da Fazenda do novo regime, no governo provisório de Deodoro, quando empreendeu algumas boas reformas e outras menos boas, o homem mais inteligente do Brasil (segundo os baianos), foi, antes de tudo, um pensador, um doutrinário e um publicista (e um dos mais prolíficos do Brasil, que nunca publicou um livro sequer, mas que tem obras completas em dezenas de volumes). Ele é usualmente definido como um polímata, pois suas atividades e escritos abrangiam os mais diversos domínios do conhecimento humano, com especial predileção pelo direito. Logrou sucesso em muitos dos empreendimentos que lhe foram oferecidos ou para os quais ele se voluntariou, em virtude de seus vastos conhecimentos jurídicos; voltou da Segunda Conferência Internacional da Paz da Haia, em 1907, como um herói, o “Águia de Haia”, como exageradamente seus conterrâneos chamaram-no.
Mas também acumulou vários insucessos, entre eles a mal concebida reforma bancária do início da República, que acabou resultando numa violenta especulação, o chamado Encilhamento. Opôs-se a Rio Branco na compra do Acre à Bolívia, e saiu ruidosamente da delegação negociadora. Sua maior derrota, porém, não para ele, mas para o Brasil, foi ter perdido o pleito presidencial de 1910 para o Marechal Hermes da Fonseca, militarista como seria de se esperar, mas sobretudo prepotente, mandando submeter a golpes de canhão os governadores recalcitrantes dos estados que não o obedeciam. Por isso mesmo, o chanceler Rio Branco, angustiado, pensou em se demitir do seu cargo, sucessivamente renovado em quatro governos: coitado, morreu logo após.
A derrota para Hermes da Fonseca foi uma derrota para o Brasil, no sentido em que representou a consolidação do arbítrio como norma de governo, um golpe de Estado permanente contra vários princípios constitucionais, a ofensa aos adversários políticos (considerados inimigos) como coisa corriqueira, o despotismo do Executivo sobre os demais poderes. Rui se exasperava em face do desprezo que o governo exibia contra os mais comezinhos valores da democracia, entre eles as liberdades individuais e o pleno vigor do Estado de direito. Seus artigos, conferências e palestras dos últimos anos revelam justamente sua revolta contra o desrespeito demonstrado pela maior parte dos políticos – e dos militares – às normas mais elementares do sistema democrático. Como seu amigo Nabuco, ele faria um excelente ministro – talvez até primeiro – de um sistema parlamentar ao estilo inglês (se possível de uma monarquia constitucional, pois a despeito do seu republicanismo, Rui, a exemplo de Oliveira Lima, se decepcionou rapidamente com aquela república), ou de um governo congressual ao estilo americano, como preconizado pelo professor de Princeton Woodrow Wilson, mais tarde presidente. Como os anteriores, Rui também foi um derrotado, não apenas nos seus princípios e convicções, mas também em suas tentativas práticas de democratizar plenamente e de enquadrar o Brasil num Estado de direito efetivo.

6) Monteiro Lobato


O filho de fazendeiros do Vale do Paraíba se espantou desde cedo com a inacreditável miséria dos caboclos do interior, que ele imortalizou na figura emblemática do Jeca Tatu. Ele constatou as condições sanitárias abomináveis dos matutos do interior e, sobretudo, a ignorância abismal desses homens que sequer tinham consciência de sua condição ou da existência de um país chamado Brasil. Seus muitos artigos de imprensa, sua atividade de editor, seus diálogos imaginários sobre nossos problemas com um inglês da Tijuca – Mister Slang e o Brasil –, todos eles batem na mesma tecla: o Brasil é um país profundamente atrasado, tão arcaico a ponto de ser derrotado pelas saúvas e por endemias eternas, e só teria salvação se empreendesse um vigoroso esforço de modernização, de preferência modelado no exemplo americano.
O fordismo lhe parecia a solução ideal para nossa débil industrialização, e o petróleo seria o combustível indispensável à redenção da nação. Lobato está na origem do “petróleo é nosso”, mas ele não era um chauvinista, um patriota rústico que queria afastar o capital estrangeiro do esforço de capacitação industrial e tecnológica. Ele se batia contra os “trustes estrangeiros” não porque fossem estrangeiros, mas porque via neles uma conspiração contra a prospecção de poços no Brasil, ao preferirem as jazidas mais fáceis do Oriente Médio. Achava que o governo não fazia esforços suficientes nessa direção, e denunciou o “entreguismo” da ditadura Vargas: por isso foi processado e preso. Mas a sua concepção de progresso era indiscutivelmente americana: ele foi mais um derrotado pelo nacionalismo rastaquera e pelo estatismo arraigado nos corações e mentes das elites políticas e industriais. Só o fato de proclamar o valor dos livros na construção da nação já lhe valeria a entrada num panteão da pátria. Pena…

7) Oswaldo Aranha


Paradoxalmente, só foi derrotado quando finalmente chegou ao momento de maior glória, e pelo próprio homem que ajudou a colocar no poder. A “estrela da revolução liberal” de 1930, foi de fato o homem que “liquidou” a República Velha, ante as hesitações e dúvidas de Getúlio Vargas quanto às chances de vitória do movimento contra Washington Luís e seu presidente eleito do bolso do colete. Não fossem os esforços decididos de Aranha, no sentido de unir gaúchos e mineiros, e de aliciar forças decisivas no Exército e nas tropas estaduais militarizadas, a revolução de 1930 não seria o marco da modernização do Brasil e da construção de um Estado moderno, não mais a “República carcomida” das oligarquias do café-com-leite. Sucessivamente ministro da Justiça, da Fazenda (quando ele encaminha os problemas da dívida externa e dos estoques de café) e embaixador em Washington, Aranha estava no auge de sua glória quando decide abandonar, por desgosto, seu posto diplomático, na sequência do Estado Novo, em novembro de 1937, que repudiou imediatamente.
Foi apenas sua amizade com Vargas, e a necessidade que este tinha de manter as melhores relações possíveis com os americanos – a despeito de suas notórias simpatias pelos regimes fascistas da Europa – que explicam seu retorno à política, como chanceler do Estado Novo, de março de 1938 a agosto de 1944. Sua ação à frente do Itamaraty foi decisiva para conter a inclinação de muitos dos expoentes do regime por uma aliança com as potências nazifascistas, aparentemente invencíveis no início dos anos 1940, e para ancorar vigorosamente o Brasil no grupo das Nações Aliadas.
Aranha sempre foi um candidato natural das forças democráticas à presidência da República: hipoteticamente em 1934, numa eventual escolha alternativa pela Constituinte (e provavelmente por isso, Vargas decidiu manda-lo para Washington); talvez em 1938, se as eleições previstas não tivessem sido cortadas pelo golpe de Estado; possivelmente ao final do Estado Novo, quando Vargas ainda manobrava para continuar, depois indicando um sucessor de sua escolha; em 1950, quando foi sondado, mas preferiu deixar o terreno livre para o ex-ditador; ou ainda, e finalmente, à morte deste, nas eleições de 1955, disputadas por muitos candidatos bem menos qualificados do que ele. Foi uma pena que sua falta de ambição, e sua fidelidade irrestrita ao “irmão maior” que era Vargas, obstaram que ele galgasse o posto mais alto da República.
Para se ter uma ideia de como o Brasil poderia ter sido diferente, se ele tivesse ascendido ao comando da nação, basta ler a carta que Aranha enviou a Vargas para que este discutisse os assuntos da guerra e da paz no encontro que o ditador teria em Natal com Franklin Roosevelt, em janeiro de 1943. O maquiavélico ditador não só o afastou traiçoeiramente dessas conversações, mas também impediu um encontro especial que se realizaria em Washington com o presidente americano no mesmo mês em que Aranha foi humilhado pela polícia política do regime, no triste episódio da Sociedade das Américas, em agosto de 1944, o que acabou determinando sua saída da chancelaria.
Naquela carta, Aranha delineou não apenas um esquema de aliança com os EUA, para ganhar a guerra, mas também uma estreita cooperação para participar da nova ordem mundial a partir da restauração da paz; ele incluiu, sobretudo, um programa inteiro de modernização industrial e de capacitação do Brasil, com ajuda americana, de molde a realmente impulsionar o grande deslanche do país à condição de potência regional (num esquema não muito diferente da aliança não escrita defendida por Rio Branco, e mais enfaticamente por Nabuco, no começo do século). O Brasil teria sido um país muito diferente do que foi o caso, e certamente melhor, se Oswaldo Aranha tivesse ascendido à presidência e imprimido um estilo de governança e de políticas econômicas bem mais abertas e propensas à integração na política e na economia mundiais.

8) Eugênio Gudin

Eugenio Gudin e Roberto Simonsen
 

Um personagem nascido no século 19, que quase atravessou todo o século 20, pregando sempre as mesmas ideias liberais em economia e de simples sensatez na gestão pública. Formado em engenharia, mas economista por gosto, Gudin foi um aderente da escola neoclássica, mas de fato um eclético, e o responsável pela institucionalização dos cursos de economia nas faculdades brasileiras de humanidades e de ciências sociais em 1944. No mesmo ano, e no seguinte, foi protagonista do mais importante debate jamais ocorrido na história intelectual do Brasil; este representou, na verdade, um anticlímax, no sentido em que sua importância tanto teórica quanto prática foi deixada de lado pelo “curso natural das coisas”, ou seja, pela continuidade, em nossa governança, das mesmas inclinações e tendências estatizantes e intervencionistas que caracterizam o universo conceitual das lideranças políticas e empresariais do país.
O debate ocorreu quando se discutia abandonar os mecanismos intervencionistas em vigor durante o período bélico para adotar novos instrumentos capazes de guiar a ação do Estado no apoio ao processo de industrialização (sinônimo de desenvolvimento na concepção da época). Gudin, que naturalmente defendia princípios liberais e mecanismos de mercado para guiar a ação do Estado no fomento desse processo, teve como contendor no debate o industrial e intelectual – professor na Escola Paulista de Sociologia e Política – Roberto Simonsen. Em 1930, fez traduzir e publicar pelo CIESP, o Centro da Indústria do Estado de São Paulo, que ele tinha criado em oposição à FIESP, o livro do economista romeno Mihail Manoilescu, Teoria do Intercâmbio Desigual e do Protecionismo, uma atualização “científica” das ideias de Friedrich List. Simonsen, obviamente, se bateu pelo planejamento estatal, pelo protecionismo tarifário e pelos subsídios oficiais à “indústria infante”, enfim, todo o contrário do que pensava e preconizava Gudin, que era pela adesão do Brasil aos princípios das vantagens comparativas, que recomendavam incrementar o esforço de modernização agrícola, melhorar a infraestrutura e o capital humano, e manter uma governança econômica em bases sólidas e fiscalmente equilibradas.
O resultado do debate foi mais uma vez paradoxal: Gudin saiu-se como o seu vencedor teórico, ao demonstrar a inconsistência lógica e a escassa solidez prática dos argumentos de Simonsen. Mas este foi, ao fim e ao cabo, o vencedor efetivo do debate, uma vez que, no decurso das décadas seguintes, todos os governos, apoiados pelos industriais e pelos empresários em geral, seguiram as recomendações dos estatizantes, dos nacionalistas primários, dos protecionistas declarados, que sempre foram legião em todas as esferas da administração pública e na vida civil do país. Mais uma vez, o derrotado foi o Brasil, único país no mundo a ter conhecido oito (OITO) moedas sucessivas no espaço de pouco mais de meio século: mil-réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real, real. Não é preciso referir-se aos números astronômicos dos nossos processos inflacionários para constatar os desastres criados pelos êmulos de Roberto Simonsen, que eliminaram na prática as receitas mais equilibradas e ponderadas do longevo Gudin. Ele continuou, até o final de sua vida secular, a preconizar as mesmas receitas, sempre para ser derrotado pela realidade.

9) Roberto Campos


O ex-seminarista que se fez diplomata às vésperas da Segunda Guerra, teve a chance de servir em Washington quando se realizou a célebre conferência de Bretton Woods, em 1944, na qual ele era um simples assessor, e não um delegado. O mesmo ocorreu na conferência de Havana, sobre comércio e emprego, em 1947-48, quando ele continuou a aperfeiçoar seu conhecimento prático de economia, ao mesmo tempo em que fazia um mestrado nessa área na George Washington University, quando defendeu uma tese sobre os ciclos econômicos, de tinturas tanto neoclássicas quanto precocemente keynesianas. Ele ainda era um partidário do Estado promotor do desenvolvimento econômico, quando exerceu o cargo de diretor no BNDE, nos anos 1950, quando colaborou na arrancada dos “cinquenta anos em cinco” do governo JK, que também elevou a inflação a patamares nunca antes vistos no Brasil, inclusive com a construção de Brasília (que foi feita sem orçamento, à margem do orçamento e contra o orçamento, à razão de 1,5% de déficit fiscal durante quatro anos).
Não surpreende, assim, que o Brasil fosse levado a uma situação de grave desequilíbrio orçamentário e de enormes problemas de balanço de pagamentos no início dos anos 1960, quando ele foi, durante três anos, embaixador em Washington. Ele se demitiu do posto, exasperado com a inépcia de Jango, três meses antes do golpe de 31 de março de 1964, cujos líderes o guindaram à função de ministro do planejamento, em dobradinha com o ministro da Fazenda Octávio Gouveia de Bulhões. Ambos, entre 1964 e 1967, conduziram o mais importante processo de reformas econômicas e administrativas jamais empreendido no Brasil, um conjunto ambicioso de mudanças constitucionais e de medidas infraconstitucionais que abriram o caminho para o mais vigoroso ciclo de crescimento de nossa história econômica.
Paradoxalmente, porém, os dois, ainda que liberais em espírito e em intenção, foram também os responsáveis pelo início da mais imponente escalada econômica estatal jamais vista nessa mesma história. Não só eles, pois que seus sucessores, em especial os acadêmicos Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen, impulsionaram, com o apoio entusiasta dos militares reformistas, esse engrandecimento inédito do ogro estatal, elevando enormemente a carga fiscal – a pretexto de aumentar o investimento público –, criando dezenas de estatais em todos os setores considerados “estratégicos”, não apenas para a economia, mas também para a “segurança nacional”. De certa forma, o Brasil do regime militar conduziu uma espécie de “stalinismo para os ricos”, uma industrialização “num só país” que respeitava inteiramente o vezo nacionalista rústico dos militares e sua preferência pela mais acabada autarquia produtiva, essa introversão míope que tinha sido a marca dos regimes fascistas da Europa dos anos 1930 (por acaso, um período no qual muitos dos líderes da “revolução de 1964” estavam estudando nas academias militares e aprendendo rudimentos econômicos de “independência e de soberania nacional”).
Roberto Campos detectou desde muito cedo essa deriva do Estado reformista-modernizador dos militares para um “complexo industrial-militar” orientado mais pelos princípios da “segurança nacional” do que pelos saudáveis valores da economia de mercado; passou o resto de sua vida tentando reverter o intervencionismo exacerbado do regime militar e o nacionalismo tosco dos políticos da redemocratização. Sem sucesso, porém: como Raymond Aron, na França, que durante anos lutou contra os instintos socialistas da intelectualidade parisiense, Campos lutou contra a indigência mental de nossos políticos e a ignorância econômica da maior parte da intelligentsia nacional (que Millor Fernandes chamava de “burritsia” acadêmica). Como Aron, igualmente, só foi reconhecido como visionário ao final da vida, e ainda assim, nem um, nem outro, conseguiu recolocar os respectivos países no caminho das reformas liberais e pró-mercado. A despeito de ter acertado em praticamente 90% do que escreveu durante toda a sua vida, Campos foi ironicamente derrotado por uma de suas mais conhecidas ironias: “o Brasil é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades”.

10) Gustavo Franco


Um dos mais jovens expoentes da equipe que idealizou, montou e administrou o lançamento do Plano Real, o mais bem sucedido esforço de estabilização macroeconômica conhecido em nossa história econômica – hoje, infelizmente, ameaçado pela Grande Destruição lulopetista –, que exibe a distinção adicional de ter concebido o regime de transição da antiga e desvalorizada sétima moeda de nossa história monetária para o Real, mediante a indexação monetária via URV, cuja inspiração lhe tinha sido dada ao estudar a experiência alemã de saída da inflação, em 1923. Ele também foi o defensor de uma política de capitais e de câmbio bem mais livre do que o normalmente admitido tradicionalmente, não apenas nas faculdades de economia, mas sobretudo nos escalões governamentais, não obtendo inteiro sucesso nessa área, em razão, como sempre, dos azares da política.
A primeira versão do Plano Real previa um esforço de ajuste fiscal bem mais severo do que o efetivamente realizado, não implementado porque o presidente Itamar Franco queria uma “estabilização sem recessão”. Foi preciso, assim, manter os juros num patamar bem mais elevado do que o adequado, pois que a âncora fiscal, que deveria ter sido implantada, foi substituída por uma âncora cambial, que redundou, contra a vontade de muitos economistas, numa excessiva valorização do Real (daí os desequilíbrios de transações correntes acumulados na segunda metade dos anos 1990). O resultado foi a crise de 1998-99, ainda assim provocada por fatores externos: as crises asiáticas de 1997 e a moratória russa de agosto de 1998, que impactou diretamente o Brasil; a situação foi enfrentada mediante um programa de apoio financeiro das instituições de Bretton Woods e de países credores, com sucesso relativo até a década seguinte, quando a crise argentina, o apagão elétrico e as eleições de 2002 (e os efeitos econômicos do PT) agravaram o quadro de turbulências no Brasil.
Gustavo Franco, que tinha sido secretário de política econômica na gestão Itamar e depois diretor de assuntos internacionais do Banco Central, ao iniciar-se a gestão FHC, foi elevado à condição de presidente do BC em meio às turbulências financeiras da crise asiática; conduziu um meticuloso programa de ajustes cambiais que, teoricamente pelo menos, permitiriam ao Brasil compensar a valorização por etapas, para evitar uma grave crise e mais inflação. A pressão dos mercados, e do próprio jogo político, foi entretanto mais forte, e Gustavo se viu constrangido a sair do BC no auge da desvalorização cambial do início de 1999, e antes do estabelecimento dos regimes de metas de inflação e de flutuação cambial, finalmente adotados por Armínio Fraga, levado à presidência do BC pouco depois. Uma história completa desses episódios, do ponto de vista da política cambial, ainda está para ser escrita e o próprio Gustavo é um bom candidato para empreender a tarefa. Mas esse é apenas um detalhe num itinerário de reformas tentativas que Gustavo Franco tentou impulsionar e que aguardam ainda hoje para serem continuadas e completadas.
A importância de Gustavo Franco, como economista e intelectual, está em sua condição de debatedor, de publicista, ao defender em seus muitos artigos, entrevistas e palestras, e em diversos livros, o Plano Real como apenas o início de um processo de reformas e de mudanças estruturais no Estado e na economia do Brasil que o levariam da condição de adepto eterno de um keynesianismo de botequim e de um cepalianismo tosco ao status de “país normal”, ou seja, simplesmente aderente de regras claras, estáveis e transparentes de gestão econômica, como compete a qualquer país dotado de uma economia de mercado digna desse nome. Infelizmente, a gestão econômica companheira fez o Brasil retroceder pelo menos vinte anos economicamente, e muito mais ainda moralmente falando. Gustavo Franco também foi um derrotado, ainda que temporariamente, uma vez que as reformas que ele preconizava não foram, senão minimamente, implementadas nos anos seguintes, e muitas delas revertidas na gestão irresponsável dos lulopetistas. Seus escritos e declarações indicam o que está aberto nessa agenda de “work in progress” (na verdade, evoluindo para trás, atualmente).

Os “derrotados” do desenvolvimento brasileiro: um balanço frustrante

Todas as personalidades brevemente referidas aqui foram, em primeiro lugar, pensadores, intelectuais com distintas formações acadêmicas – ou na vida prática, como Irineu Evangelista de Souza – e com diferentes situações sociais, de atuação no setor público e de responsabilidade nos governos aos quais serviram ou com os quais trabalharam – ou não, caso de Hipólito e Monteiro Lobato. Vários conceberam planos mais ou menos arrojados para o futuro do Brasil, alguns com projetos ambiciosos de mudanças estruturais, outros – como Gudin – com um cuidado mais prosaico com uma gestão simplesmente responsável da coisa pública. Todos eles preconizaram reformas corajosas para eliminar obstáculos e enfrentar os problemas e desafios que constatavam existir no itinerário do desenvolvimento brasileiro.
De certa forma, muitos deles foram visionários, mas sensatos, no sentido em que nenhum deles concebeu qualquer projeto utópico de reforma integral, revolucionária, da sociedade brasileira. Nenhum deles foi um “engenheiro social”, no sentido várias vezes criticado por um pensador liberal como Isaiah Berlin: todos eles preconizaram atuar nos quadros dos regimes constitucionais em vigor, respeitando as mais amplas liberdades – sobretudo a de empreender – e os princípios e valores dos regimes democráticos. Não por acaso, as propostas por eles formuladas se aproximavam do modelo constitucional e de governança de corte britânico, de amplo sucesso prático nos Estados Unidos e nos países que institucionalmente e culturalmente pertencem ao mesmo arco civilizatório.
Nenhum deles teve sucesso – no máximo parcial – nas reformas e nas medidas preconizadas para levar o Brasil a um patamar mais alto de desenvolvimento político, econômico e social, num processo de total respeito às regras elementares do jogo democrático, como diria Norberto Bobbio. Aliás, o jurista e filósofo italiano, a despeito de seu imenso sucesso intelectual e do prestigio cívico alcançado, foi outro derrotado em seu próprio país, por acaso caracterizado por uma governança quase tão corrupta quanto a brasileira.
Todos os brasileiros, se tivessem logrado sucesso na implementação das medidas propostas – se tivessem sido por acaso guindados a posições de mais alta responsabilidade governativa, o que ocorreu unicamente com José Bonifácio, mas ele foi rapidamente “podado” pelo seu soberano – teriam provavelmente mudado o Brasil de uma forma mais profunda, mais intensa, e mais positiva do que efetivamente ocorreu nos dois séculos que levam de Hipólito José da Costa a Gustavo Franco. Este último continua um batalhador incansável pelas reformas necessárias, e o único “sobrevivente” (com perdão pela palavra) nesta nossa seleção: a ele cabe manter a tocha das reformas, em primeiro lugar como publicista, eventualmente, e novamente, como reformador.
No momento em que o Brasil enfrenta a mais grave crise de sua história – certamente na esfera econômica, mas também, e sobretudo, no plano moral – é útil refletir sobre todas essas oportunidades perdidas, sobre a ação, em grande medida frustrada, de todos esses “derrotados” na prática. Do meu ponto de vista, eles são vitoriosos morais, gigantes intelectuais da modernização e do progresso brasileiro, que, por um conjunto variado de circunstâncias, não puderam conduzir suas propostas a bom termo, ou que não tiveram a oportunidade, em virtude de um ambiente particularmente negativo para os reformistas de qualquer quilate, de vê-las implementadas pelos tomadores de decisões de cada momento. A “agenda conjunta” de reformas modernizadoras – e corretoras de nossos grandes defeitos sociais –, que todos eles preconizavam, permanece inconclusa: na verdade, ela só existe no papel, num exercício como este de levantamento das nossas lacunas e omissões, uma vez que não pudemos contar, ainda, com estadistas que as implementassem verdadeiramente, com base num consenso necessário e no respeito das liberdades democráticas.
A pergunta final é inevitável: quando vamos contar com personalidades que se apoiem nas propostas desses gigantes intelectuais para arregaçar as mangas e “civilizar o Brasil”, na linguagem dos próceres da independência? Não sabemos ainda. Mas seria útil retomar cada uma das propostas desses pioneiros, para ver o que ainda falta fazer no Brasil. Mãos à obra, pesquisadores e ativistas: a agenda já existe. Cabe agora debater os meios de implementá-la, para passarmos da condição de “derrotados” à de vencedores.
Que tal começar pelo levantamento do que falta fazer?

**Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas. Foi ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington (1999-2003). Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

[Texto PRA:  Brasília 7 fevereiro 2016, 14 p.]