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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Mini reflexão sobre o hábito da transferência de culpas - Paulo Roberto de Almeida

Mini reflexão sobre o hábito da transferência de culpas

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Um comportamento típico dos escapistas: quando se reclama de um ou outro aspecto das políticas e dos comportamentos atuais, não é difícil ouvir-se a arenga habitual:

 

“Ah, mas os tucanos também roubaram… Ah, mas os petistas também aparelharam o Estado… Ah, mas o STF proibiu doações empresariais… Ah, mas as emendas parlamentares são legítimas… Ah, mas isso e mais aquilo…”

 

Já repararam que, de “mas” em “mas”, o Brasil vem se degradando continuamente?

Persistirá esse tipo de escapismo até algum desenlace fatal?

 

Não cabe, nunca coube, desculpar o desgoverno atual por erros e traquinagens que possam ter sido perpetrados lá atrás, aliás até intermediados e parcialmente corrigidos por um governo de dois anos e meio que tentou, nas condições que se sabe, corrigir a herança maldita do PT.

Não, não se pode desculpar a horripilante degradação atual da politica, da cultura e da economia de um Brasil desgovernado por um genocida, mentecapto e psicopata perverso, por tudo o que se fez antes, inclusive porque não havia nenhum “comunismo” sendo construído.

 

Deve-se, sim, falar do que permitiu que essa deformação surgisse: a maior CRISE de toda nossa história, em 2015-16, por incompetência econômica, e a maior CORRUPÇÃO já conhecida, de caráter sistêmico, institucional, que se instalou nos governos petistas desde o início.

Hoje, na verdade, a corrupção se tornou legal: esquerda e direita se uniram para bloquear a luta contra a corrupção e para assaltar o Estado e todos nós. O Brasil e os brasileiros estão REFÉNS de um estamento político predatório, que não tem ideologia de direita ou de esquerda: a única intenção é rapinar o Estado, ou seja, todos nós.

Há exceções, eu sei, entre os políticos, mas são exceções, e vivem num ambiente contaminado irremediavelmente pelo patrimonialismo, pelo nepotismo, pelo fisiologismo, pelo prebendalismo e por vários outros ismos corruptores. 

 

Não existem desculpas escapistas a todos os horrores que foram sendo construídos ao longo do tempo: o escravismo no Império, o militarismo no surgimento da República, as oligarquias sempre presentes, o autoritarismo inerente às elites sempre medíocres, e mesmo às esquerdas supostamente redistributivas, a indiferença à miséria de grande parte da população por parte de todos os dirigentes, mesmo dos que viviam dessa miséria por objetivos populistas, e, sobretudo, sobretudo, o absoluto DESCASO de todos para com uma educação de massas de qualidade para qualificar produtivamente a população.

 

O Brasil é uma construção falha, estamos vendo agora, no momento de fazermos um balanço das realizações e frustrações em 200 anos de vida independente. Conseguimos construir um Estado até grandioso, para os padrões das antigas formações colonizadas pelos ibéricos, com palácios e até instituições respeitáveis, mas tudo isso sobre pés de barro, sobre o suor dos escravos, sobre o trabalho ingente dos imigrantes analfabetos, que muito fizeram para transformar este país, sobre a preservação da pobreza e da desigualdade que atinge a população mais humilde, que um contingente não desprezível da população total.

 

O Brasil, já se disse, não é um país pobre, mas é um país com muitos pobres. Correto: todos nós nascemos pobres, em conhecimento e capacitação para a vida, uma parte, com sorte, em lares mais ou menos bem dotados, outros, a grande maioria em lares pobres, muito até miseráveis. Esses precisam se alçar à custa de muito trabalho, como fizeram os meus avós imigrantes analfabetos e como fizeram meus pais sem educação primária completa. Esse é o Brasil real, o Brasil que foi construído depois de muita labuta, no Império e na República, infelizmente sem elites preparadas para enfrentar os reais desafios, que não estavam tanto na superestrutura das próprias elites, e sim na infraestrutura mal-acabada dos pobres.

O Brasil cresceu (muito pouco, no máximo 50 anos em 200) indiferente à situação da maioria do povo. Isso fez muito mal a um verdadeiro sentido de nação. 

 

Hoje pagamos o preço não só pela inação das elites — todas elas, não só os ricos e poderosos, mas sindicalistas e atores do “baixo clero” também—, mas sobretudo pelo CARÁTER PREDATÓRIO das elites que foram sendo forjadas ao longo do tempo.

Não cabe mais escapismo e transferência de culpas: todos somos responsáveis pelo país que criamos ou que deixamos “acontecer”. Não, não cabem mais desculpas: ou corrigimos o que está errado, começando pela infraestrutura das massas ou nunca seremos uma nação digna desse nome. 

Termino com uma nota “técnica”, dirigida aos distributivistas habituais (e existem muitos, não só nas esquerdas, mas também nas elites com remorsos) e aos ansiosos por corrigir nossas mazelas: a despeito de o Brasil ser um país horrivelmente desigual, a desigualdade NÃO É o nosso principal problema. Ela é, sobretudo, o resultado da não educação das massas, da baixíssima dotação do país em capital humano, o que responde por ganhos medíocres de produtividade e, portanto, por baixas taxas de crescimento econômico com transformação produtiva.

O Brasil é um país tremendamente assolado por muitos pobres ignorantes, e é isso que permite às elites predatórias (inclusive aquelas que vieram de baixo) manter um sistema expropriatório das riquezas, mesmo poucas, criadas poe essa massa de trabalhadores desqualificados (mas eleitores).

O Brasil é uma verdadeira democracia de massas, mas deformada e de baixíssima qualidade, devido à ação predatória de todas as nossas elites. Isso só vai mudar com a educação de massas de qualidade, com a qualificação do capita humano.

Por isso, sou contrário a essas políticas equivocadas de distributivismo demagógico, feito de quatro anos de supertaxação dos ricos para distribuição de esmolas populistas aos mais pobres.

O trabalho é mais duro e mais lento: o Brasil é um país desigual, mas a desigualdade só vai ser realmente resolvida pela redução da pobreza e eliminação da miséria. Soluções “pikettyanas” são falsa soluções, ainda que elas possam dar a ilusão momentânea de “correção” do problema, que seria a desigualdade. Não, não é; é a pobreza e a não educação. Constrange-me constatar a desinteligência das elites para esses fatos tão simples.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4059: 13 janeiro 2022, 3 p.

 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Economia tem pouco a comemorar no Bicentenário - Alexander Busch (Deutsche Welle)

Economia tem pouco a comemorar no Bicentenário

Alexander Busch

O Brasil teve forte crescimento em apenas 50 dos 200 anos que passaram desde que se declarou independente de Portugal. No resto do tempo, a economia ou estagnou, ou encolheu. Qual é o motivo para esse desempenho fraco? 


Este ano, em 7 de setembro, o Brasil comemora os 200 anos de sua independência. Do ponto de vista econômico, o balanço desses dois séculos é modesto. Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, demonstrou recentemente esse fato com uma análise estatística, segundo a qual o Produto Interno Bruto da população brasileira, de cerca de 5 milhões de pessoas em 1822, equivalia mais ou menos à metade do PIB dos americanos no mesmo ano. Um terço do povo brasileiro era escravizado.

Cem anos depois, a população cresceu para cerca de 30 milhões de pessoas. Com o café e a borracha, o Brasil viveu um boom de exportações. Mas a produção econômica havia encolhido para parcos 18% do PIB americano.

A partir de 1930, com o início da industrialização, começou a fase de crescimento mais longeva do Brasil até hoje. O país foi industrializado, aberto para a infraestrutura, cidades brotaram, também no interior. O Estado investiu maciçamente em megaprojetos como a Usina de Itaipu ou a fabricante de aeronaves Embraer. Alguns desses projetos tiveram sucesso. Muitos fracassaram.

Essa fase de crescimento durou meio século, até 1980, ano no qual foi registrado o pico do rendimento dos brasileiros em comparação com o dos americanos. Mesquita estima que o PIB per capita dos brasileiros era de 30 a 40% em comparação com o dos americanos. Desde então – principalmente nos últimos dez anos –, voltou a encolher para cerca de 25% do PIB americano.

O economista-chefe do Itaú Unibanco vê a abertura inexistente do país e o consequente protecionismo como motivo decisivo para o fraco desempenho do Brasil no contexto internacional.

No jornal Valor Econômico, Mesquita escreve que "o modelo de crescimento acelerado baseado em substituição de importações e liderado pelo Estado, que selecionava, protegia e financiava os chamados 'campeões nacionais'" é a razão para a estagnação econômica.

Eu vejo as coisas de maneira um pouco diferente.

Certamente, o isolamento de sua economia e a subvenção de empresas individuais é um motivo importante para explicar a falta de dinâmica na economia brasileira. Mas não é o motivo decisivo.

É que modelos similares já funcionaram relativamente bem na Ásia, a exemplo da Coreia do Sul. Com incentivos estatais direcionados a "campeões nacionais" e longos anos de substituição de importações, Seul criou uma indústria com capacidade para alto desempenho. O PIB per capita no país deixou o brasileiro para trás.

Mais decisivo, na minha visão, é que o Brasil sempre só incluiu uma pequena parte da população em sua economia. Isso começou nos tempos coloniais, com a escravidão. Até hoje, porém, a maioria da população é excluída ou participa da economia apenas marginalmente.

Há poucas possibilidades de ascensão para a maior parte dos brasileiros: a má qualidade do ensino público e do sistema de saúde, a segurança pública ausente e a infraestrutura fraca impedem que a maioria da população tenha chance de se integrar na produção econômica.

Isso vale principalmente para a grande fatia afrodescendente da população (56%) e também para os 30 milhões de brasileiros que têm apenas até um salário-mínimo à sua disposição. Quem não consegue obter uma educação também ganhará pouco dinheiro e nunca conseguirá consumir de forma a catalisar um salto de desenvolvimento na economia.

Enquanto a elite brasileira – ou seja, as classes média e alta – dividir entre si os cargos públicos administrativos e nas empresas estatais, além dos postos nos conselhos administrativos e cargos de diretoria nas empresas privadas, o Brasil continuará crescendo abaixo de seu potencial.

Apesar de todos os avanços e tentativas das últimas duas décadas, o Brasil está cada vez menos preparado para a transformação digital da sociedade e da economia que acontece atualmente no mundo todo.

Há pouco a comemorar nas celebrações do bicentenário da Independência.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.



How the Chinese Language Got Modernized; Jing Tsu: Kingdom of Characters: The Language Revolution That Made China Modern - Book review by Yan Buruma (New Yorker)

How the Chinese Language Got Modernized

Faced with technological and political upheaval, reformers decided that Chinese would need to change in order to survive.

 

Book review

Jing Tsu: 

Kingdom of Characters: The Language Revolution That Made China Modern

(Riverhead)

Reviewed by Ian Buruma

The New Yorker, January, 17, 2022



 The late, great sinologist Simon Leys once pointed out a peculiar paradox. China is the world’s oldest surviving civilization, and yet very little material of its past remains—far less than in Europe or India. Through the centuries, waves of revolutionary iconoclasts have tried to smash everything old; the Red Guards, in the nineteen-sixties, were following an ancient tradition. The Chinese seldom built anything for eternity, anyway, nothing like the cathedrals of Europe. And what survived from the past was often treated with neglect.

So what accounts for the longevity of Chinese civilization? Leys believed it was the written word, the richness of a language employing characters, partly ideographic, that have hardly changed over two thousand years. As Jing Tsu, a scholar of Chinese at Yale, observes in “Kingdom of Characters: The Language Revolution That Made China Modern” (Riverhead), China had long equated writing “with authority, a symbol of reverence for the past and a talisman of legitimacy.” This is why mastery of classical Chinese used to be so important. To become an official in imperial China, one had to compose precise scholarly essays on Confucian philosophy, an arduous task that very few could complete. Even Chairman Mao, who incited his followers to destroy every vestige of tradition, proudly displayed his prowess as a calligrapher, establishing himself as the bearer of Chinese civilization.

Leys was right about the continuity of the Chinese written word. But zealots, intent on erasing old incarnations of Chinese civilization in order to make way for new ones, have often targeted the written language, too. One of Mao’s models was the first Qin emperor (259-210 B.C.), a much reviled despot who ordered the construction of the Great Wall and was perhaps the first major book burner in history. He wanted to destroy all the Confucian classics, and supposedly buried Confucian scholars alive. Mao’s only criticism of his hated predecessor was that he had not been radical enough. It was under the Qin emperor that the Chinese script was standardized.

But, if the endurance of written Chinese is a civilizational achievement, it has not always been seen as an asset. In the late nineteenth and early twentieth centuries, many Chinese worried that the complexity of the language’s written characters would put China at a hopeless disadvantage in a world dominated by the Roman alphabet. How the Chinese language and its writing system have weathered the modern waves of iconoclasm and been renewed since the turn of the past century is the subject of Tsu’s book.

Chinese certainly presents unique difficulties. To be literate in the language, a person must be able to read and write at least three thousand characters. To enjoy a serious book, a reader must know several thousand more. Learning to write is a feat of memory and graphic skill: a Chinese character is composed of strokes, to be made in a particular sequence, following the movements of a brush, and quite a few characters involve eighteen or more strokes.

Tsu begins her story in the late nineteenth century, when China was deep in crisis. After bloody uprisings, humiliating defeats in the Opium Wars, and forced concessions—predatory foreign powers were grabbing what spoils they could from a poor, exhausted, divided continent—the last imperial dynasty was falling apart. Chinese intellectuals, influenced by then fashionable social-Darwinist ideas, saw China’s crisis in existential terms. Could the Chinese language, with its difficult writing system, survive? Would Chinese civilization itself survive? The two questions were, of course, inextricably linked.

In this cultural panic, many intellectuals were ashamed of the poverty and the illiteracy of the rural population, and of the weakness of a decadent and hidebound imperial élite. They hoped for a complete overhaul of Chinese tradition. Qing-dynasty rule was brought to an end in 1911, but reformers sought to cleanse imperial culture itself. The authority of a tradition based on various schools of Confucian philosophy had to be smashed before China could rise in the modern world. The classical style of the language, elliptical and complex, was practiced by only a small number of highly educated people, for whom it functioned rather like Latin in the Catholic Church, as a pathway to high office. Reformers saw it as an impediment both to mass literacy and to political progress. Before long, classical Chinese was supplanted by a more vernacular prose in official discourse, books, and newspapers. In fact, a more vernacular form of written Chinese, called baihua, had already been introduced, during the Ming dynasty (1368-1644). So there was a precedent for making written Chinese more accessible.

More radical modernizers hoped to do away with characters altogether and replace them with a phonetic script, either in Roman letters or in a character-derived adaptation, as had been the practice for many centuries in Japanese and Korean. A linguist, Qian Xuantong, famously argued that Confucian thought could be abolished only if Chinese characters were eradicated. “And if we wish to get rid of the average person’s childish, naive, and barbaric ways of thinking,” he went on, “the need to abolish characters becomes even greater.” Lu Xun, the most admired Chinese essayist and short-story writer of the twentieth century, offered a blunter prognosis in 1936: “If the Chinese script is not abolished, China will certainly perish!”

Many attempts have been made to transliterate Chinese in the Latin alphabet. These range from a system invented by two nineteenth-century British diplomats, Thomas Wade and Herbert Giles, to the “Pinyin” system, developed by linguists in the People’s Republic of China, which is different again from various forms of Romanization used in Taiwan.

Difficulties confront all such systems. The time-honored character-based writing system can readily accommodate different modes of pronunciation, even mutually unintelligible dialects. Chinese has a great many homonyms, which transliterations are bound to conflate. And Chinese, unlike Korean or Japanese, is a tonal language; some way of conveying tones is necessary. (Wade-Giles uses superscript numerals; a system developed by the linguist and inventor Lin Yutang uses spelling conventions; Pinyin uses diacritical marks.) The different efforts at Romanization, accordingly, yield very different results. The word for strength, say, is ch’iang2 in Wade-Giles, chyang in Lin’s script, and qiáng in Pinyin.

Characters never were abolished in the Chinese-speaking world, but serious problems remained. How to make a typewriter that could accommodate all these characters? How to create a telegraph system? Tsu details how solutions were found to such technical difficulties—encoding Chinese characters in a telegraph system geared to the alphabet, for example—and to political ones as well. Which characters or Romanized transliterations should prevail? The ones adopted by the People’s Republic of China or by Hong Kong or Taiwan?

Amid the ferment of the early twentieth century, reformers faced a broader question, too: once Chinese traditions were overthrown, what cultural norms should succeed them? Most of the people whom Tsu writes about looked to the United States. Many of them studied at American universities in the nineteen-tens, subsidized by money that the United States received from China as an indemnity after the anti-Western Boxer Rebellion was defeated. Zhou Houkun, who invented a Chinese typewriting machine, studied at M.I.T. Hu Shi, a scholar and a diplomat who helped elevate the vernacular into the national language, went to Cornell. Lin Yutang, who devised a Chinese typewriter, studied at Harvard. Wang Jingchun, who smoothed the way for Chinese telegraphy, said, with more ardor than accuracy, “Our government is American; our constitution is American; many of us feel like Americans.”

This focus on the U.S. might please American readers. But, in the last years of the Qing dynasty and during the early Republican period, Japan was a far more influential model of modern reform. Oddly, Tsu barely mentions this in her book. Japan—whose military victory against Russia in 1905 had been hailed all over Asia as a sign that a modern Asian nation could stand up to the West—was the main conduit for concepts that changed the social, political, cultural, and linguistic landscape in China. More than a thousand Chinese students joined Zhou and Hu as Boxer Indemnity Scholars in the U.S. between 1911 and 1929, but more than eight thousand Chinese were already studying in Japan by 1905. And many schools in China employed Japanese technical and scientific teachers.

It’s true that Japan’s industrial, military, and educational reforms since the Meiji Restoration of 1868 were themselves based on Western models, including artistic movements, such as Impressionism and Surrealism. But these ideas were transmitted to China by Chinese students, revolutionaries, and intellectuals in Japan, and had a direct and lasting impact on written and spoken Chinese. Many scientific and political terms in Chinese—such as “philosophy,” “democracy,” “electricity,” “telephone,” “socialism,” “capitalism,” and “communism”—were coined in Japanese by combining Chinese characters.

Demands for radical reform came to a head in 1919, with a student protest in Beijing, first against provisions in the Treaty of Versailles which allowed Japan to take possession of German territories in China, and then against the classical Confucian traditions that were believed to stand in the way of progress. A gamut of political orientations combined in the so-called New Culture movement, ranging from the John Dewey-inspired pragmatism of Hu Shi to early converts to socialism. Where New Culture protesters could agree, as Tsu notes, was on the critical importance of mass literacy.

Downgrading classical Chinese and promoting colloquial writing was a step in that direction, even if abolishing characters in Chinese remained too radical for many to contemplate. Still, as Tsu says, some Nationalists, who ruled China until 1949, were in favor of at least simplifying the characters, as were the Communists. Nationalist attempts at simplification ran into opposition from conservatives, who wanted to protect traditional Chinese written culture; the Communists were far more radical, and never gave up on the idea of switching to the Roman alphabet. In the Soviet Union, the Roman alphabet had been used in order to impose political uniformity on many different peoples, including Muslims who were used to Arabic script. The Soviets supported and subsidized Chinese efforts to follow their example. For the Communists, as Tsu notes, the goal was simple: “If the Chinese could read easily, they could be radicalized and converted to communism with the new script.”

The long conflict with Japan, from 1931 to 1945, put a temporary stop to language reform. The Nationalists, who did most of the fighting, were struggling simply to survive. The Communists spent more time thinking about ideological matters. Radical language reform began in earnest only after the Nationalists were defeated, in 1949, and forced to retreat to Taiwan. Mao, in the decade that followed, ushered in two linguistic revolutions: Pinyin, the Romanized transcription that became the standard all over China (and now pretty much everywhere else), and so-called simplified Chinese.

The Committee on Script Reform, created in 1952, started by releasing some eight hundred recast characters. More were released, and some were revised, in the ensuing decades. The new characters, made with many fewer strokes, were “true to the egalitarian principles of socialism,” Tsu says. The Communist cadres rejoiced in the fact that “the people’s voices were finally being heard.” Among the beneficiaries were “China’s workers and peasants.” After all, “Mao said that the masses were the true heroes and their opinions must be trusted.”

Tsu rightly credits the Communist government with raising the literacy level in China, which, she tells us, reached ninety-seven per cent in 2018. But we should take with a grain of salt the claim that these gains came from bottom-up agitation. “Nothing like it had ever been attempted in the history of the world,” she writes. The Japanese might beg to differ; ninety per cent of the Japanese population had attended elementary school in 1900. We can also wonder whether the simplified characters played as large a role in China’s high literacy rate as Tsu is inclined to think. In Taiwan and Hong Kong, traditional characters have been left largely intact; if there is proof that children there have much more difficulty in learning to read and write, it would be good to know. Simply being told that “the people’s voices were finally being heard” is not quite sufficient to make that case. And, even if there are benefits to learning a drastically revised script, there are losses, too. Not only are the new characters less elegant but books written in the old style become hard to understand.

That was part of the point. In 1956, Tao-Tai Hsia, then a professor at Yale, wrote that strengthening Communist propaganda was “the chief motivation” of language reform: “The thought of getting rid of parts of China’s cultural past which the Communists deem undesirable through the language process is ever present in the minds of the Communist cultural workers.” This was written during the Cold War, but Hsia was surely right. After all, as Tsu points out, “those who voiced their dissatisfaction with the pinyin reform would be swallowed up in the years of persecution that followed,” and those who grumbled about the simplified characters fared little better.

Tsu assiduously links the story of language reform to technology—we learn much about the heroic efforts to accommodate modern typesetting to the character-based system—and that story continues through the digital era. The speed with which these advances were accomplished is indeed impressive. In the seventies, more than seventy per cent of all circulated print information in China was set in hot-lead type. Today, as Tsu writes excitedly—at times, her style is redolent of Mao-period journals like China Reconstructs—information processing is “the tool that opened the door to the cutting-edge technology-driven future that China’s decades of linguistic reform and state planning at last pried open.”

Tsu celebrates these technical innovations by highlighting the personal stories of key individuals, which often read like traditional Confucian morality tales about terrible hardships overcome by sheer tenacity and hard work. Zhi Bingyi worked on his ideas about a Chinese computer language in a squalid prison cell during the Cultural Revolution, writing his calculations on a teacup after his guards took away even his toilet paper. Wang Xuan, a pioneer of laser typesetting systems, was so hungry during Mao’s disastrous Great Leap Forward campaign, in 1960, that “his body swelled under the fatigue, but he continued to work relentlessly.” Such anecdotes add welcome color to the technical explanations of phonetic scripts, typewriters, telegraphy, card-catalogue systems, and computers. Sentences like “Finally, through a reverse process of decompression, Wang converted the vector images to bitmaps of dots for digital output” can become wearying.

Today, in the era of standardized word processors and Chinese social-media apps like WeChat, Pinyin and characters are seamlessly connected. Users typically type Pinyin on their keyboards while the screen displays the simplified characters, offering an array of options to resolve homonyms. (Older users may draw the characters on their smartphones.) China will, as Tsu says, “at last have a shot at communicating with the world digitally.” The old struggles over written forms might seem redundant. But the politics of language persists, particularly in the way the government communicates with its citizens.

“Kingdom of Characters” mentions all the major political events, from the Boxer Rebellion to the rise of Xi Jinping. And yet one might get the impression that language development was largely a story of ingenious inventions devised by doughty individuals overcoming enormous technical obstacles. Her account ends on a triumphant note; she remarks that written Chinese is now “being ever more widely used, learned, propagated, studied, and accurately transformed into electronic data. It is about as immortal as a living script can hope to get.” Continuing in the same vein, she writes, “The Chinese script revolution has always been the true people’s revolution—not ‘the people’ as determined by Communist ideology but the wider multitude that powered it with innovators and foot soldiers.”

However much the modernization of language has been influenced by technology, though, it is also part of a much broader political story. Dictatorships shape the way we write and talk and, in many cases, think. (Victor Klemperer’s brilliant analysis of Nazi-speak in his book “LTI”—Lingua Tertii Imperii—remains an invaluable study of the phenomenon.) This, too, is part of the story of how Chinese changed in the modern age. I still shudder at the memory of reading, as a student in the early nineteen-seventies, Maoist publications in Chinese, with their deadwood language, heavy Soviet sarcasm, and endless sentences that sounded like literal translations from Marxist German—the exact opposite of the compressed poeticism of the classical style. But in Mao’s China mastery of this style was as important as writing Confucian essays had been in imperial times. When, back in the seventies, the official Chinese news agency, Xinhua, urged the government to speed up computer technology, its stated aim was to spread the Communist Party’s doctrines more efficiently.

These days, China’s geopolitical and technological status means that its political “narratives” have become global. China is advancing an alternative model to Western-style democracy. Soft power is being used to change the way China is perceived abroad, and the way business with China is to be conducted. Tsu says that China wants to have the ability to promote its “narrative as the master or universal narrative for the world to abide by.” This sounds ominous. Still, it isn’t always clear from her book whether she is talking about China as a civilization, as the Chinese-speaking peoples, or as the Chinese Communist Party. She writes that “the China story no doubt aims for a triumphant narrative.” But which China story? Does it include Taiwan, where citizens enjoy even more advanced information technology than their counterparts in the People’s Republic? Or is it vaguer than that, an entity that binds all Chinese cultures?

To Xi Jinping, of course, there is no distinction. At a Party meeting in November, something called Xi Jinping Thought was defined as “the essence of Chinese culture and China’s spirit.” The question is whether the Chinese Communist government will succeed in using its soft power to make its “narrative” universally triumphant. It already has its hands full imposing official dogma on its own people. China has enough gifted scientists, artists, writers, and thinkers to have a great influence on the world, but that influence will be limited if they cannot express themselves freely. These days, many written Chinese words cannot appear at all, in printed or digital form. In the aftermath of the Peng Shuai affair, even the word “tennis” has now become suspect in Chinese cyberspace.

In the last sentence of her book, Tsu writes, “Still unfolding, history will overtake China’s story.” I’m not sure what that means. But the story of the Chinese language under Communism is mostly one of repression and distortion, which only heroes and fools have defied. In an account of language, narratives, characters, and codes, the meaning of words still matters the most. Overemphasize the medium, and that message may get lost. 

Published in the print edition of the January 17, 2022, issue, with the headline “Character Arc.”

 

 

Um precedente relevante no Direito Internacional Comercial: a aplicação unilateral de retaliações - Assis Moreira (Valor)

 Brasil adotará retaliação unilateral tendo Índia e Indonésia como primeiros alvos


Por Assis Moreira, Valor — Genebra
Valor Econômico, 12/01/2022 13h37  Atualizado há 45 minutos

O governo brasileiro vai se dotar de arsenal para aplicar retaliação unilateral contra países que foram condenados por medidas ilegais sobre exportações brasileiras, mas usam artimanhas para manter as restrições, conforme o Valor apurou.

Uma medida provisória (MP), já aprovada em reuniões ministeriais, e atualmente na Casa Civil, autoriza o Poder Executivo a retaliar proporcionalmente e de forma unilateral, em casos de ganhos de contenciosos na OMC, quando o país perdedor fizer a chamada “apelação no vazio”.

Foi o que aconteceu nesta semana com a Índia, na disputa do açúcar, e com a Indonésia, no fim de 2020, num contencioso envolvendo barreiras à entrada de carne de frango. Os dois países recorreram ao Órgão de Apelação sabendo que o mecanismo está inoperante e não pode decidir; daí o termo “apelação no vazio”. Com isso, na prática, travam a vitória brasileira e mantêm as medidas julgadas ilegais pelo painel (comitê de investigação) que custam milhões de dólares de prejuízos a produtores brasileiros.

Índia e Indonésia são assim potencialmente os primeiros ameaçados quando a MP entrar em vigor. Uma retaliação ocorre na forma de sobretaxa sobre bens e serviços provenientes dos países alvejados ou também suspensão de direitos de propriedade intelectual.

O secretário de Comércio Exterior e de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Sarquis J. B. Sarquis, enfatizou que “a atual paralisia do Órgão de Apelação da OMC está na origem da iniciativa concebida pelo Itamaraty, que visa tanto proteger os interesses comerciais legítimos do País no marco do sistema multilateral do comércio, como promover o próprio funcionamento pleno do sistema baseado em regras e nos princípios fundamentais da OMC”.

Uma vez que o Órgão de Apelação da OMC volte a funcionar a contento, a iniciativa terá cumprido seu propósito”, completou.

Na mesma linha, o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, afirmou: “Entendemos que é um mecanismo muito importante para enfrentarmos a situação atual de apelações no vazio. O governo brasileiro está empenhado no processo de reformas da OMC, assim como no restabelecimento tempestivo do seu Órgão de Apelação. Não podemos compactuar com o uso oportunístico da situação atual, em claro prejuízo ao nosso setor produtivo.”

As regras atuais da OMC permitem que um país aplique retaliação comercial se o condenado não implementar as recomendações do Órgão de Apelação, espécie de corte suprema do comércio internacional.

Ocorre que o Órgão de Apelação está paralisado, sem nenhum dos sete juízes permanentes, porque Washington bloqueia a nomeação de novos árbitros. Enquanto perdurar esse fato jurídico, que ninguém tinha previsto, os membros da OMC têm a possibilidade de contornar as condenações estabelecidas por painel e evitar alterar as medidas consideradas ilegais.

O Brasil seguirá agora o exemplo da União Europeia, com o mecanismo de retaliação unilateral. Enquanto o Órgão de Apelação não funcionar, e o país condenado não participar de um mecanismo paralelo de arbitragem, Brasília vai impor o que negociadores chamam de princípio de precaução para proteger interesses dos produtores nacionais.

Um grupo de 25 membros da OMC, incluindo a União Europeia (27 países), tentou atenuar o problema do bloqueio do Órgão de Apelação criando um sistema de arbitragem paralelo plurilateral. Os contenciosos entre seus participantes têm assim decisão final. Por exemplo, a mais recente disputa aberta pelo Brasil, que é contra a UE envolvendo barreiras a carne de frango no mercado europeu, está assegurado que terá decisão implementada, porque ambos participam desse mecanismo plurilateral

Já a Índia e a Indonésia não participam desse mecanismo plurilateral. Em 2019, quando o Brasil denunciou a Índia por políticas ilegais de apoio ao setor açucareiro, que afetam os preços internacionais, o Itamaraty mencionou que estimativas de especialistas apontavam prejuízos de até US$ 1,3 bilhão para os exportadores brasileiros por ano.

No caso da Indonésia, os cálculos são de que o Brasil poderia vender até 3 mil toneladas de carne de frango por ano na fase inicial, se restrições condenadas fossem levantadas. Mas o governo indonésio resiste há anos.

O Brasil ganhou, sem realmente levar, uma disputa contra o país asiático em 2017. Um painel (comitê de investigação da OMC) deu razão ao Brasil naquele ano. A Indonésia teve prazo até julho de 2018 para implementar as recomendações dos juízes. Fez algumas modificações que o Brasil considerou insuficiente.

Um outro painel foi então aberto para examinar a implementação das recomendações dos juízes, e o Brasil ganhou de novo, ao comprovar que os indonésios mantiveram restrições às exportações brasileiras. A Indonésia então apelou ao vazio em dezembro de 2020, sabendo que o Órgão de Apelação da OMC não funciona.

Índia e Indonésia estão hoje entre os países que mais subsidiam a agricultura no mundo. E a paralisia do órgão de apelação da OMC acaba na prática por beneficiá-los. “O Brasil continua trabalhando ativamente para o restabelecimento do Órgão de Apelação e para o pleno desenvolvimento das regras e da reforma da OMC, inclusive em agricultura e disciplinas para subsídios, conforme termos e mandatos estabelecidos desde a Rodada Uruguai”, disse Sarquis.

A paralisia do Órgão de Apelação provocada pelos norte-americanos “é muito grave, dá a impressão de que os EUA não querem mais a OMC, no sentido de um sistema de regras e de disciplinas multilaterais, consentidas, aplicadas, com um processo de contencioso que obriga a parte perdedora a obedecer” a decisão, nota Pascal Lamy, ex-diretor-geral da OMC

Ele lembra que essa obrigação de respeitar as decisões, sob pena de retaliação, é que distinguia a OMC de outras organizações cujas regras são mais ou menos aplicadas e onde os Estados, quando eles perdem um caso diante da Corte de Justiça de Haia, por exemplo, guardam a soberania de aplicar ou não o resultado.

Lamy avalia que os EUA são obcecados pela China, querem poder bater unilateralmente sem estar ligados ao respeito de regras da OMC e a decisões de seu Órgão de Apelação. Essa ausência americana provoca uma degradação do sistema multilateral, e mais países buscam arsenais unilaterais.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/01/12/brasil-adota-retaliacao-unilateral-na-omc-tendo-india-e-indonesia-como-primeiros-alvos.ghtml

Homeric Epithets: Famous Titles From 'The Iliad' & 'The Odyssey' - Word Genius

 

Homeric Epithets: Famous Titles From 'The Iliad' & 'The Odyssey'

Direito Internacional no Brasil: pensamento e tradição - George Rodrigo Bandeira Galindo, 2 vols (Lumen Juris)


  O atual Consultor Jurídico do Itamaraty, jurista e professor George Rodrigo Bandeira Galindo, deu a partida, alguns anos atrás, a um ambicioso projeto de "garimpagem", ou escavação jurídico-histórica, no sentido de resgatar os grandes mestres do internacionalismo jurídico no Brasil, desde as origens, ainda na criação das primeiras faculdades de Direito no primeiro Reinado, até os dias atuais.


Depois de muita labuta, e com a colaboração de algumas dezenas de mestres do direito, internacionalistas, alguns diplomatas e outros batalhadores do Direito Internacional no e do Brasil, os dois primeiros volumes dessa magnífica coleção vieram a lume, justamente pela Editora Lumen Juris:

George Rodrigo Bandeira Galindo (organizador):

Direito Internacional no Brasil : pensamento e tradição, 2 vols.

(Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021, 460 e 444 p; 

ISBNs: 978-65-5510-741-8 e  978-65-5510-742-5 

Tenho o prazer de apresentar, acima, a capa do primeiro volume, que é similar,


 mas não semelhante, à do segundo volume, assim como, aqui ao lado, a gentil dedicatória que ele me fez ao encaminhar os dois primeiros volumes. 

Não figuro ainda nestes dois primeiros volumes, pois minha colaboração, feita já em 2019, relativa ao diplomata internacionalista Rubens Ferreira de Mello deverá constar de um terceiro volume: “Rubens Ferreira de Mello: o primeiro tratado brasileiro de direito diplomático”, Brasília, 3 março 2019, 20 p.

Transcrevo, por importante, mais abaixo, os sumários dos dois volumes já publicados, e aproveito para também inserir o trecho da Introdução no qual o Consultor Jurídico informa sobre os ausentes, grandes nomes do internacionalismo jurídico no Brasil cujas lacunas poderiam ser preenchidas por eventuais interessados em participar desta valiosa iniciativa. Também coloco, o trecho no qual o professor Galindo informa aos candidatos seus critérios metodológicos, ou seja, questões que poderiam ser respondidas por eventuais colaboradores a respeito do seu personagem, ainda faltante, e a respeito da obra por ele conduzida nesse terreno.

Termino por cumprimentar o professor Galindo por este brilhante empreendimento, ao mesmo tempo em que convido novos voluntários a escolherem alguns dos nomes carentes nesta bela homenagem recapitulativa aos grandes mestres do Direito Internacional no Brasil.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 de janeiro de 2022

Sumario do 1. volume:



Sumario do 2. volume:



Eis os grandes mestres ainda faltantes do empreendimento em curso atualmente: 


Finalmente, as questões colocadas, sugestivamente, aos colaboradores.


Introdução de George Galindo, neste arquivo: 

Direito Internacional no Brasil: pensamento e tradicao - George Galindo, 2 vols (2021)

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Inteligência Artificial e a Defesa Nacional - Rubens Barbosa (OESP)

 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A DEFESA NACIONAL

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 11/01/2022

 

            Quem quer se torne o Número Um na Inteligência Artificial (IA) será o líder do mundo (ruler of the world), previu, em 2017, o presidente da Rússia, Wladimir Putin. China e EUA estão hoje bem à frente do desenvolvimento da tecnologia cognitiva.

            Como todo avanço e inovação tecnológica, a IA pode ser utilizada para projetos voltados para o bem, mas também para o mal. Apresentam muitos aspectos positivos, mas também negativos. Pelo potencial de risco de sua utilização, não deixa de ser surpreendente que até aqui a incorporação da IA na indústria bélica tenha sido tão pouco discutida.

Na edição de janeiro, a revista Interesse Nacional (www.interessenacional.com.br ) traz dois artigos, de Dora Kaufman e Marcelo Tostes, que resumem as tratativas internacionais para regulamentar o “sistema de inteligência artificial, que pode ser entendido como um sistema baseado em máquina, projetado para operar com vários níveis de autonomia, e que pode também, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo ser humano, fazer previsões, recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais”, na definição da OCDE. A UNESCO (a Ética na IA), a União Europeia (IA Act), os EUA (FDA e Senado, com Projeto de Lei sobre Responsabilização Algorítmica) e a Administração da Cibernética Espacial, na China, apresentaram propostas que tratam de diversos aspectos desse sistema. Acrescento que o governo brasileiro divulgou, em 2021, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA, com fortes críticas por parte de especialistas por suas limitações técnicas e políticas. A Câmara dos Deputados aprovou, no ano passado, o Projeto de Lei 21/2020, que propõe a criação de uma base legislativa geral e vinculante para regular os sistemas de inteligência artificial no país.

               No campo militar, a IA representa o maior salto tecnológico qualitativo, desde o aparecimento da energia nuclear e da produção de armas nucleares, com a diferença do desenvolvimento e aplicação da IA ser substancialmente menos custoso e potencialmente mais fácil de ser empregado, inclusive por terroristas e por Estados Párias (Rogue States). A OTAN está desenvolvendo novas formas de guerra cognitiva, usando supostas ameaças da China e da Rússia para justificar travar batalha pelo cérebro, no domínio humano, para fazer de todos uma arma. Será a militarização da ciência do cérebro que envolve “hackear o individuo, explorando as vulnerabilidades do cérebro humano para implementar uma engenharia social mais sofisticada”. Apesar de as autoridades militares da China, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e diversos outros países terem anunciado, há algum tempo, que a criação de sistemas de combate integralmente autônomos não era seu objetivo, tais sistemas provavelmente já devem ter sido criados. Na percepção militar, apenas sistemas de combate com IA poderão, no caso de guerras, penetrar em áreas fechadas e operar com uma relativa liberdade. 
               A regulamentação da utilização da IA para fins militares, contudo, começou a ser discutida no âmbito das Nações Unidas, mas encontra resistência por parte das principais potências que procuram ganhar tempo para obter vantagens, antes da negociação de acordos que coloquem limites e cautelas ao seu uso. Como, aliás, foi o que aconteceu com as armas nucleares, cujo tratado de não proliferação só se materializou quando finalmente as potências nucleares deram seu assentimento.

O problema que desafia os organismos multilaterais é como controlar os “sistemas de armas autônomas letais” (Laws, na sigla em inglês), representados por qualquer plataforma móvel: drônes, androides, aviões que voam sozinhos. A IA pode substituir os recursos humanos em tudo, desde armas operacionais para coleta e análise de inteligência, sistemas de alerta antecipado, e de comando e controle. A utilização de drônes para fins militares (robôs assassinos) já está muito difundida e a guerra antissatélite vem esquentando.

A disputa entre os EUA e a China pela hegemonia global no século XXI passa pela corrida tecnológica em todos os segmentos, inclusive na utilização da IA para fins militares, com impactos que vão alterar a correlação de forças no mundo. Os EUA contam com seus aliados europeus na OTAN e a China com seus parceiros, inclusive a Rússia.

As rápidas transformações que ocorrem em decorrência desses avanços tecnológicos trarão impactos importantes sobre países, como o Brasil. Do ângulo da Politica Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa, se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar o sistema de inteligência artificial estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seja em seu território, seja na sua extensão marítima. Urge, pois, a expansão da capacidade de criação e de desenvolvimento para a utilização da IA pelo Ministério da Defesa. Nesse sentido, o Centro de Defesa Cibernética, no âmbito do Exército, deveria ser fortalecido com recursos humanos e financeiros para, com o apoio da base industrial de defesa, gerar produtos, inclusive de uso dual para o mercado doméstico e para exportação.   

               

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN) e membro da Academia Paulista de Letras

Nova edição da “Revista do IEB” (n. 80) celebra a história do instituto: 60 anos em 2022 da USP- Jornal da USP

 

Nova edição da “Revista do IEB” celebra a história do instituto

Em seu 80º número, publicação registra a trajetória do Instituto de Estudos Brasileiros da USP que completa 60 anos em 2022

 Publicado: 10/01/2022
Por 
Sessão solene de abertura do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e I Seminário de Estudos Brasileiros, em 13 de setembro de 1971. Da esquerda para a direita: José Aderaldo Castelo (diretor de 1966 a 1981); Orlando Marques de Paiva (vice-reitor à época; reitor de 1973 a 1977); Sérgio Buarque de Holanda (diretor de 1962-1964, fundador do IEB). Fotógrafo: Jorge Maruta – Arquivo IEB-USP – Foto: Reprodução/Revista do IEB

 

O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP é um centro multidisciplinar de pesquisas e documentação sobre a história e as culturas do Brasil e guarda muitos tesouros, como quadros de Tarsila do Amaral, cartas de Mário de Andrade e um dos livros mais antigos presentes no Brasil, Crônicas de Nuremberg (1493). A fim de celebrar os 60 anos do instituto em 2022, a 80ª edição da Revista do IEB, publicada em dezembro do ano passado, mostra fotos da antiga sede do centro, construções da nova sede, edições antigas da  publicação, entre outros registros que compõem a história do IEB. A revista tem por finalidade publicar artigos originais e inéditos de pesquisadores e autores visando a fomentar a pesquisa nacional, além de resenhas e documentos relacionados aos estudos brasileiros (história, literatura, artes, música, geografia, economia, direito, ciências sociais, arquitetura etc.). “Em tempos de constantes ataques à ciência, ao serviço público e ao patrimônio público, os textos que compõem este número reafirmam a missão de ‘promover uma reflexão crítica sobre o Brasil, a partir da prática da interdisciplinaridade e da pesquisa em acervos’ do Instituto de Estudos Brasileiros”, escrevem os editores e professores da USP Inês Gouveia, Luciana Suarez Galvão e Walter Garcia.

O primeiro artigo, As caravanas: racismo e novo racismo, de Adélia Bezerra de Meneses (USP), explora a ambiguidade da toponímia (estudo linguístico e histórico da origem dos nomes de lugar) carioca na música As Caravanas, de Chico Buarque. A autora faz um aprofundamento da crítica literária dos versos mostrando como o passado escravocrata permanece na zona sul do Rio de Janeiro. Lançada em 2017, a música expõe temas como a exclusão social, o racismo e a islamofobia. A fim de ilustrar essas questões, Adélia realiza um aprofundamento na análise com notícias. Segundo ela, essa canção não é uma crônica carioca, ela vai fundo no ethos do País.

Caravana de Escravos na África – Gravura do século 19 – Fonte: Redenbacher, 1890 – Foto: Reprodução/Revista do IEB

 

Braços nas argolas e sorrisos nos rostos: narrativas museais sobre a escravidão é o título do artigo de Vinícius Oliveira Pereira e Alexandra Lima da Silva, ambos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Trata-se do mapeamento e a identificação de museus dedicados ao temas sobre tráfico transatlântico de pessoas escravizadas e a escravidão. O texto se inicia com a cena de turistas tirando fotos e posando ao lado do Pelourinho de Mariana (MG), demonstrando insensibilidade com a memória que remete a anos de tortura e resistência. A partir daí os escritores se debruçam, entre outros temas, sobre “a insistência por parte das instituições museais em valorizar a dimensão da violência cometida contra escravizados” e “a desvinculação entre trauma e racismo”. O artigo examina imagens dos acervos disponíveis na internet e das postagens publicadas nas redes sociais dos museus identificados e a compreensão de narrativas sobre a escravidão visibilizada nesses espaços.

Itens diversos – Museu do Escravo – Fonte: Tripadvisor, 201 – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

 

Já no ensaio de Paulo Toledo Bio (UFRJ), Modos de conexão popular no cinema brasileiro pré-64: Considerações sobre Vidas Secas, Os fuzis e o inacabado Cabra marcado para morrer, explora três exemplos da tentativa de estabelecer laços “com as frações populares e marginais do País” naquele período. Os destaques nas produções são a geografia do sertão, a miséria extrema, a luta de classes e o messianismo. Nesse sentido, o texto promove uma reflexão sobre a conexão dos realizadores desses filmes da década de 1960 com a população marginalizada brasileira no nível temático, estético e político das obras.

Ainda na área do cinema, mas em conjunto com os campos literário e historiográfico, Do dois ao três, ou A reprodução da burrice paulista, de Victor Santos Vigneron (USP), traz uma revisão bibliográfica e se ampara em pesquisa no acervo da Cinemateca Brasileira para analisar a adaptação cinematográfica de Amar, verbo intransitivo, de Paulo Emílio Salles Gomes. Inspirado no romance de mesmo título de Mário de Andrade, publicado em 1927, a adaptação cinematográfica é objeto de análise em relação às escolhas formais e temáticas feitas pelo autor com outros aspectos significativos de sua trajetória.

Parte da obra epistolar de Mário de Andrade e de sua fortuna crítica é analisada em Cartas para Murilo Miranda, o amigo com quem envelheço, artigo de Monica Gomes da Silva (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) e Matildes Demétrio dos Santos (Universidade Federal Fluminense). As correspondências expõem o embate entre o funcionalismo público e a atividade artística que se refletiram em uma escrita que “transgride os limites convencionais do gênero […], pelo seu valor literário e histórico”. Nas cartas trocadas entre Mário de Andrade a Murilo Miranda entre 1934 e 1945, percebe-se um Mário muito distante da utopia vanguardista dos primeiros anos do Modernismo brasileiro.

As técnicas composicionais empregadas em Canções sem metro (1900), de Raul Pompeia, são objetos de estudo de Marconi Severo (Universidade Federal de Santa Maria). Em Literatura e filosofia em Raul Pompeia se observam as técnicas do “chiaroscuro” e da “circularidade interna” na obra de Pompeia que, para 0 autor, conseguiu, sob o preço da incompreensão crítica, abordar literariamente suas reflexões filosóficas. Para Severo, essas são mais reformistas do que revolucionárias; mais detidas no homem em si, apesar de considerá-lo como essencialmente mau, do que em aportes metafísicos. “Recorrendo a fontes originais, procuro destacar que a crítica corriqueiramente recaiu em um grande equívoco ao ressaltar um aspecto mais pessimista e sombrio de Raul Pompeia do que a análise de suas obras permite crer”, informa o autor.

A fim de estudar a interpretação de José Marianno Filho sobre a herança ibérica colonial brasileira, Ana Paula Koury (Universidade São Judas Tadeu) escreveu o artigo O Iberismo como primitivismo: a abordagem de José Marianno Filho. Nele, a autora expõe publicações da década de 1920, n’O Jornal, com a hipótese de que neles Marianno Filho incluiu a “herança ibérica como parte de um programa nacionalista, em sintonia com o quadro político do Brasil republicano”, acabando por fornecer elementos fundamentais para a “narrativa nacionalista do Modernismo”.

Recuando no tempo, Teatralidade e carnavalização. Zé Pereira no final do séc. XIX, de Marcelo Fecunde de Faria e Robson Corrêa de Camargo, ambos da Universidade Federal de Goiás (UFG), explora crônicas de Vieira Fazenda (1847-1917) e de Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa (1878-1961)” e busca compreender “a criação do personagem Zé Pereira” em meio a um período de “mudanças radicais” no Brasil e, sobretudo, no Rio de Janeiro, período do qual fez parte “o processo de higienização das festas de ruas”. O artigo faz parte de projeto de doutorado que investiga a carnavalização, as performances e as teatralidades luso-brasileiras nas manifestações que se intitulam Zé Pereiras.

José Malhoa – Volta da feira (Chegada do Zé Pereira à Romaria) – Óleo sobre tela, 1905 – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

 

O último artigo da seção, Entre Ciência e História: Brasil, um Jardim para a França, de Ana Beatriz Demarchi Barel (UEG), estuda as relações entre romances de José de Alencar e relatos de viagem de Ferdinand Denis e de Auguste de Saint-Hilaire. Essa literatura de viagens que diz respeito às relações entre França e Brasil remonta aos tempos pré-coloniais, quando, ao menos no século 17, narrativas míticas circulavam na Europa e descreviam, imaginando, o território que virá a ser chamado pelos portugueses de Brasil.

Outras seções

A seção Criação – publicada pela primeira vez na edição anterior da Revista do IEB, com o objetivo de publicar materiais inéditos de escritores e/ou artistas, fotógrafos, desenhistas, além de documentos inéditos encontrados no Arquivo do IEB-USP – reúne três Contos baldios, de Márcio Marciano. Dramaturgo e encenador, Marciano fundou a Companhia do Latão, em São Paulo e o Coletivo de Teatro Alfenim, em João Pessoa. Atualmente é consultor da Academia Paraibana de Cinema. Nas palavras do crítico José Antonio Pasta (2017, p. 22), seu trabalho artístico “tem o vezo de procurar resolver os problemas, não ao aliviá-los, obviando o que neles é obstáculo, mas, ao contrário, incrementando a sua dificuldade, extremando-a, até que ela passe no seu outro”.

Seção Documentação – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

Na seção Documentação é publicado o artigo Quando restos mortais tornam-se rastros: algumas reflexões sobre a organização do Fundo Alice Piffer Canabrava do Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), de Otávio Erbereli Júnior (USP). O texto é resultado de uma operação arquivística na qual fazer, sentir e refletir se entrelaçam, conforme o autor. Durante os anos de 2015 e 2016, Erbereli Júnior teve contato diário com a documentação de Alice Piffer Canabrava. Em um primeiro momento, o autor narra a operação arquivística relacionada ao tratamento da documentação. O segundo momento é fruto de um fazer-sentir a partir desse contato íntimo e diário com a documentação, ou seja, traz algumas reflexões sobre as práticas de autoarquivamento empreendidas por Canabrava.

Na última parte da revista, Fábio Alexandre dos Santos (Unifesp) analisa e interpreta História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por Guilherme Grandi e Rogério Naques Faleiros, no segundo volume da Coleção Novos Estudos em História Econômica do Brasil. No texto, Santos se dedica a pensar no complexo período que vai da Primeira República ao fim da Era Vargas. Seus artigos expressam essa complexidade dialogando com o conjunto das dinâmicas do sistema capitalista que marcaram a economia mundial no período, além de propor reflexões que inevitavelmente nos trazem para os problemas do presente. Da cultura cafeeira e dos efeitos dela decorrentes à proibição de as garçonetes trabalharem à noite, suas problemáticas nos convidam a pensar o processo de acumulação no Brasil, suas peculiaridades e o que somos.

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros número 80 pode ser baixada gratuitamente no Portal de Revistas da USP.