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segunda-feira, 7 de março de 2022

Uma renúncia infame: o abandono do Direito Internacional pelo Brasil - Paulo Roberto de Almeida (International Law Agendas)

Meu mais recente artigo, publicado no boletim eletrônico do ramo brasileiro da International Law Association (link: http://ila-brasil.org.br/blog/uma-renuncia-infame/).

Paulo Roberto de Almeida

Uma renúncia infame: o abandono 

do Direito Internacional pelo Brasil

Quando se fala em Direito Internacional, a primeira conexão a ser feita seria aquela que vincula o Itamaraty a essa outra ferramenta das relações internacionais, o que, entretanto, seria parcialmente inexato. Não foi o Itamaraty que abandonou o Direito Internacional, ato que eu chamei de renúncia infame, até uma acusação bastante grave quando se pensa que a ordem internacional do sistema onusiano, sobretudo do pós-Guerra Fria, está efetivamente organizada em função da adesão comum dos Estados membros da ONU à Carta fundadora e aos demais rituais que são observados em todos os seus órgãos e agências, ou seja, a moderna diplomacia multilateral. Mas, tampouco, seria justo acusar o Brasil, como Estado ou como nação, por esse ato infame em conexão com a agressão militar da Rússia contra um Estado soberano, o que nos desqualificaria como país membro dessa ordem que ajudamos a fundar nos estertores da Segunda Guerra Mundial, inclusive nos campos de batalha da Itália, que aliás apressou nosso retorno à democracia depois de oito anos da ditadura do Estado Novo.

Desde 1945, a despeito de altos e baixos, a diplomacia brasileira exibiu, manteve e desenvolveu uma notável adesão às bases conceituais e práticas de um dos princípios centrais do multilateralismo contemporâneo, que é a igualdade soberana dos Estados. Esse princípio foi expresso de maneira clara, em 1907, por Rui Barbosa, chefe da delegação brasileira à segunda conferência internacional da paz, realizada na Haia: ele defendeu praticamente sozinho esse eixo fundamental da ordem internacional, contra a vontade das grandes potências, que pretendiam criar, ou preservar, um sistema oligárquico de solução de controvérsias, no qual elas manteriam juízes permanentes, ao passo que as potências menores teriam apenas direito a cadeiras temporárias e rotativas. Esse princípio foi desenvolvido e defendido por todos os diplomatas brasileiros ao longo de décadas, notadamente por Oswaldo Aranha, no curso da Segunda Guerra Mundial, e, entre outras ocasiões, por San Tiago Dantas, na conferência interamericana de 1962 que decidiu, contra o voto do Brasil, pela suspensão de Cuba do sistema interamericano.

O abandono pelo Brasil de sua adesão inviolável aos grandes princípios do Direito Internacional foi extremamente raro, tão raro que as poucas ocasiões podem ser identificadas precisamente. Ocorreu, por exemplo, logo no primeiro ano da ditadura militar, quando apoiamos os Estados Unidos em sua intervenção na guerra civil da República Dominicana, em 1965. Ainda assim, nossa diplomacia, contra a pressa dos militares em “pagar” o apoio recebido quando do golpe de 1964, exigiu que essa intervenção tivesse pelo menos uma cobertura multilateral, em função do que se aprovou uma resolução da OEA criando uma Força Interamericana de Paz, ao abrigo da qual nossos militares seguiram para a ilha do Caribe. Depois, durante a ditadura, e confirmando as paranoias da Guerra Fria, exibimos uma espécie de “diplomacia blindada” – apenas parcialmente conduzida pelo Itamaraty –, através da qual manobras foram feitas para sufocar ou claramente derrubar governos esquerdistas ou ameaças guerrilheiras na região. Independentemente da famosa Operação Condor – um esquema de informação e de coordenação entre órgãos repressivos da América do Sul –, militares e diplomatas brasileiros estiveram ativamente envolvidos em manobras golpistas ou diretamente em golpes de Estado em países do Cone Sul, notadamente na Bolívia e no Chile.

O retorno à redemocratização eliminou por completo esse tipo de atitude que os vizinhos chamavam de “subimperialista”, mas também levou a um maior envolvimento, pelo menos pelo lado da integração, com todos os países da América do Sul, conceito que, em substituição ao de América Latina, passou a ser privilegiado pela diplomacia brasileira a partir dos governos de Fernando Henrique Cardoso (que promoveu uma reunião de todos os chefes de Estado e de governo em Brasília, em 2000, quando se criou a Iniciativa de integração Regional Sul-Americana, destinada a nos integrar fisicamente com todos os nossos vizinhos). Os governos seguintes, dominados pelo PT e pela figura de Lula, ainda que recusando uma suposta “herança maldita” da administração anterior, se apropriou das várias políticas internas e externas que estavam sendo conduzidas, as ampliou, sob novos rótulos, mas introduziu um elemento indesejável em nossa política externa, uma característica que já tinha sido denunciada pelo Barão do Rio Branco desde 1902, e que sempre recusamos ao longo de todo o século: a “diplomacia partidária”, que no caso do PT significou uma aliança, parcialmente administrada pelo Foro de São Paulo, com todas as forças de esquerdas da América Latina, sob o escrutínio cerrado e a direção firme dos comunistas cubanos.

Pois foi nesse contexto que ocorreu uma grave violação do Direito Internacional, aceita de forma submissa, e até colaborativa, pelo governo petista, quando da nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia de Morales, um aliado do PT. Esse ato, que poderia ter sido conduzido perfeitamente em consonância com normas do Direito Internacional e até com pleno respeito a dispositivos do tratado bilateral Brasil-Bolívia regulando a cooperação nessa área, foi feito com violência – invasão de instalações da Petrobras no país vizinho – e rasgando esse tratado, assim como um acordo entre a empresa brasileira de petróleo e o governo boliviano. Tal ato violador das boas normas do Direito Internacional ocorreu no dia 1º de maio de 2006; pois no dia seguinte, uma nota do governo petista – felizmente não do Itamaraty – não apenas não repudiou a violação da legalidade nesse caso, como a apoiou explicitamente, trazendo sérios prejuízos à Petrobras (que de resto foi também impedida, pelo governo brasileiro, de recorrer aos dispositivos de garantia de investimentos previstos num acordo de proteção de investimentos estrangeiros então acatados, depois denunciados, pela Bolívia). Tratou-se, portanto, de uma renúncia infame, um abandono completo de nossa adesão aos princípios do Direito Internacional, que também estavam sendo violados, como também os da própria Constituição brasileira, no capítulo da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, em vista da contínua, recorrente, abusiva “torcida” do chefe de Estado em favor de seus amigos e aliados quando de campanhas eleitorais nos países vizinhos: Lula não apenas apoiou, politicamente, como praticamente fez campanha por alguns desses líderes, entre eles Hugo Chávez, da Venezuela, aliás violador serial da própria Constituição que vigorava após manobras por seu governo iliberal.

Ainda no terceiro governo petista, em 2014, assistiu-se a mais uma violação do Direito Internacional que ficou impune, pelo menos do ponto de vista moral, ao não se ter nenhuma nota, nenhuma denúncia, sequer um pronunciamento do governo brasileiro a respeito da invasão ilegal efetuada pelo governo de Vladimir Putin, ao sequestrar a península da Crimeia da soberania da Ucrânia, em total descumprimento de acordos efetuados quando da implosão da ex-União Soviética em 1991, seguida do surgimento de mais de uma dezena de repúblicas independentes, no lugar das antigas repúblicas federadas do finado império. Enquanto os membros da União Europeia e outros países ocidentais denunciavam a violação, e introduziam sanções contra a Rússia, o governo petista ficou silente a esse respeito. A razão aparente foi a existência do Brics, de toda forma um grupo informal, não dotado de qualquer instrumento definidor de seus princípios e objetivos de atuação, constituído justamente como uma espécie de espelho opositor ao G7 e aos países “hegemônicos” do Norte.

O governo Temer, em 2016-2018, representou um breve retorno aos princípios e valores da diplomacia brasileira, tal como defendidos historicamente pelo Itamaraty, tanto que, em acordo com os demais três membros do bloco, decidiu suspender a Venezuela do Mercosul, alegadamente porque ele não tinha conseguido honrar nenhum dos dispositivos de política comercial que decidiu aceitar quando foi nele admitida – aliás ilegalmente – em 2012. A Venezuela não foi suspensa por se tratar de uma ditadura, o que em 2017 já estava claramente configurado – uma vez que o Protocolo de Ushuaia, que regula o princípio democrático no bloco e extremamente débil, no confronto, por exemplo, com o compromisso democrático da OEA –, mas por não cumprir normas básicas de funcionamento do Mercosul. O PT conduziu uma mentirosa campanha internacional contra o governo Temer, acusando-o de “golpe”, dando início a uma fase de rebaixamento de nossa imagem no mundo, mas que ficou muito aquém da verdadeira demolição da credibilidade da diplomacia brasileira a que assistimos a partir de 2019, quando teve início o governo que, mais do que qualquer outro em toda a nossa história, violou e desrespeitou cláusulas de nossa Constituição e princípios consagrados do Direito Internacional.

Independentemente e em acréscimo a violações de ambos os instrumentos em várias ocasiões – notadamente em relação à Venezuela chavista, quando o chanceler desrespeitou tradições consagradas em nossa diplomacia desde Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha e San Tiago Dantas –, o caso da invasão da Ucrânia pela Rússia configura um grave desrespeito, pelo governo Bolsonaro, de normas basilares do Direito Internacional, sendo que o Itamaraty atuou mais pelo silêncio e omissão do que pelo desrespeito claro a princípios e normas da Carta da ONU. Para todos os efeitos, o mundo em geral, as democracias do Ocidente em particular, já não consideram como legítima expressão do Brasil palavras incoerentes do presidente com respeito a uma suposta “solidariedade” à Rússia, antes da invasão e agressão à Ucrânia, depois uma ainda mais bizarra “neutralidade” em face do conflito, finalmente substituída, pelo novo chanceler, pela noção de “imparcialidade”. Tais contorcionismos verbais não são sequer considerados pelas democracias consolidadas como representando uma postura política aceitável por parte da diplomacia brasileira. O mundo já não presta atenção a Bolsonaro, já incorporado à categoria risível dos dirigentes bizarros.

Em contrapartida, o mundo presta atenção ao que diz nosso representante nas Nações Unidas, suposto expressar a palavra e a postura oficial do Brasil no contexto das sérias discussões e tomadas de posição que são levadas a efeito no âmbito do seu Conselho de Segurança e no seio da Assembleia Geral. E o que vem dizendo esse representante ao longo da mais grave violação dos princípios do Direito Internacional e dos dispositivos da Carta da ONU desde o final da Segunda Guerra Mundial e da aprovação da Carta de San Francisco? Em nenhum momento se identificou e se qualificou o agressor, como tampouco se apontou a clara transgressão de artigos, quando não de capítulos inteiros da Carta da ONU, assim como o desrespeito mais brutal a normas consagradas do Direito Internacional, ou as condutas mais agressivas e desumanas registradas pela ofensiva guerreira, que de resto ferem as leis da guerra e até adentram no domínio dos crimes contra a humanidade. Em seu lugar, quais foram os posicionamentos mais comuns?

O que se pode ler, nas burocráticas leituras do representante na ONU, certamente instruído por Brasília, foram banalidades patéticas, do tipo “cessação de hostilidades” – como se elas fosse recíprocas e igualmente conduzidas – ou “legítimas preocupações de segurança das partes” – como se ambas estivessem em pé de igualdade nessas “preocupações”, ou então desconformidade com a “aplicação de sanções” – pois que elas complicariam a busca de uma “solução pacífica”, ou ainda a contrariedade com o fornecimento de armas defensivas à parte agredida, sob a alegação absolutamente patética de que elas agravariam o sofrimento da população, como se a parte agredida devesse ser isolada de qualquer ajuda externa, pelo simples desejo de se defender. São várias as expressões tortuosas e torturadas que confirmam o total abandono, não pelo Itamaraty ou pelo Brasil, pelo governo Bolsonaro de nossa velha e atualmente enterrada adesão ao Direito Internacional.

Trata-se de um momento de vergonha, para a nação, quando o seu governo, no seu círculo decisório mais relevante – que não compreende a diplomacia – resolve desrespeitar o Direito Internacional e cobrir com um véu de desprezo nossas mais caras tradições na área externa, os valores e princípios que foram defendidos durante décadas por estadistas que honraram a dignidade do Brasil. A renúncia infame ao Direito Internacional não foi feita pelo Brasil, nem pelo Itamaraty, mas pelo governo Bolsonaro, enxovalhando, cobrindo de opróbio a nossa diplomacia; em algum momento do futuro, estadistas terão de empreender enormes esforços para limpar as estrebarias da presidência desse tipo de degradação tão vexaminosa.

“Começou a Terceira Guerra Mundial” - Ricardo Dantas

 

Não sei você, meu amigo leitor, mas, eu não durmo bem uma noite desde que Vladimir Putin ordenou que as tropas russas invadissem a Ucrânia, no último dia 23/02/2022. Depois de ficar dizendo por meses que faria apenas um “exercício militar” com duas centenas de milhares de soldados nas fronteiras ucranianas, bem como depois de ter taxado as declarações dos EUA e da Europa como “histeria”, Putin simplesmente deliberou invadir um país vizinho, soberano.

Conforme se verifica em qualquer consulta básica de história na internet[1], Rússia e Ucrânia compartilham um ancestral cultural comum: a “Rússia de Kyiv”, uma confederação de tribos eslavas da idade média que se estabeleceu no leste europeu. Após subsequente invasão mongol no século 13 e a conquista polonesa-lituana do território da atual Ucrânia, os dois povos passaram séculos separados até serem unificados pelo Império Russo entre os séculos XVI e XVIII. Com o colapso do Império Russo na revolução de 1917 e a ascensão da União Soviética em 1922, foram criadas uma série de repúblicas para subdividir o país; entre elas, a da Ucrânia.

Em 1991, com o fim da União Soviética, cada ex-república se tornou um estado independente. Então, depois de alguns séculos sob o jugo russo, os ucranianos puderam finalmente constituir seu próprio estado soberano a partir de um referendo, com 90% dos ucranianos votando pela independência. Depois, em 1994, a Ucrânia entregou as mais de 1.600 (mil e seiscentas) ogivas nucleares soviéticas em seu solo à Rússia, o que só foi feito mediante a garantia de que suas fronteiras seriam respeitadas – constituindo o Memorando de Budapeste.

Ocorre que, nos anos posteriores, a Ucrânia iniciou um movimento de aproximação com o ocidente. O sucesso de países vizinhos que ingressaram na União Europeiadespertou em boa parte da população o desejo de seguir o mesmo caminho. Tanto que, em 2013, após um recuo nas negociações com o bloco europeu, ocorreram enormes protestos que levaram à deposição do presidente Víktor Yanukóvytch e à ascensão de um governo mais pró-ocidente. Entretanto isso deixou Putin furioso! Então, em 2014, grupos separatistas armados e financiados pela Rússia tomaram o controle territorial de partes das regiões de Donetsk e Luhansk, ambas pertencentes à Ucrânia. Ademais, Putin invadiu e anexou à Rússia a península da Crimeia (que integrava a Ucrânia desde 1954, por deliberação do ex-líder da URSS, Nikita Khrushchov).

Veja bem, caro leitor, não vou ficar aqui explicando a fundo o que seja a OTAN(Organização do Tratado do Atlântico Norte) – isso também está disponível na internet[2]. Basta dizer que é um tratado militar de autodefesa constituído por uma aliança que abarca 30 países, incluindo EUA, Canadá, Reino Unido e diversas outras nações do continente europeu. A organização foi criada em 1949, no período da chamada “Guerra Fria”, sob a liderança dos EUA, em oposição à extinta União Soviética. Com o fim do bloco comunista em 1991, alguns dizem que o papel da OTAN teria “perdido seu sentido”… Entretanto, como a Rússia seguiu sendo um país de dimensões continentais (o maior em território no planeta[3]), bem como seguiu detendo mais de 6 mil ogivas nucleares[4](cerca de 4 mil em arsenal ativo e o restante em “desmantelamento”), além do fato de ter no seu governo um tirano que já está no Poder há mais de 20 anos e atende pelo nome de Vladimir Putin[5] (que pode inclusive superar Stálin), os membros da OTAN não só mantiveram sua aliança como a expandiram, com novas adesões, especialmente no leste europeu, onde os países têm justamente o fundado receio de uma intervenção russa – seja por meio da desestabilização política e a subsequente eleição de “biônicos” de Putin, como na Belarus[6]; seja por meio da invasão pura e simples de seu território, como ocorreu na Ucrânia.

A questão é que, uma vez que a Ucrânia iniciou conversas no sentido de passar a integrar a OTAN, Vladimir Putin principiou a ameaçar a soberania daquele país. E agora, como sabemos, deu início a uma invasão militar total do seu território, sob o pretexto de que iria “desnazificar” e “desmilitarizar” a Ucrânia (lembrando que o presidente eleito Volodymyr Zelensky é judeu[7]). Enfim, Putin utilizou-se dessas desculpas esfarrapadas para por em curso sua grande ideia.

Fiona Hill, uma das maiores experts em Rússia no continente americano, pessoa que trabalhou tanto para o governo Republicano quanto para o Democrata (nos EUA), e que estudou a carreira e a biografia de Vladimir Putin por décadas, disse em entrevista à Politico Magazine[8], que a “grande ideia” de Putin hoje é reestabelecer o Império Russo, cujas dimensões são inclusive maiores do que as terras que compuseram a antiga União Soviética. Segundo ela, o líder russo estou mapas antigos, revisitou tratados e desenhos territoriais e, agora, está querendo redefinir toda a geopolítica mundial, o que vem fazendo de modo “passional” e “progressivo” – e isso com um grande arsenal atômico a seu dispor. Segundo Fiona Hill, “toda vez que você pensar ‘não, ele não faria, faria?’” (o uso de armas atômicas) – “bem, sim ele faria!”. Para ela nós precisamos nos preparar para esse cenário, pois será algo que vamos ter que encarar… A pesquisadora ainda concluiu a longa entrevista concedida dizendo que: “nós já estamos no curso da 3ª Guerra Mundial, independentemente de termos ou não compreensão total disso”.

Yuval Noah Harari, professor israelense de História e autor de diversos livros best-sellers, complementa a ideia exposta por Fiona Hill, em artigo recente, publicado no periódico The Guardian, intitulado: “Porque Vladimir Putin já perdeu esta guerra”[9]Ali ele explica que o sonho de Putin é “reconstruir o Império Russo” e, para tanto, tem repetido incessantemente a mentira de que “a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um verdadeiro povo, e de que os habitantes de Kyiv, Kharkiv and Lviv anseiam por viver sob as regras/ordens de Moscou”. Harari esclarece, em seguida, que “a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história, e Kyiv já era uma grande metrópole quando Moscou ainda não era sequer uma vila”. Ele ainda finaliza dizendo: “o déspota russo tem dito essas mentiras tantas vezes que aparentemente passou a acreditar nelas”. É algo triste, mas, é uma constatação empírica!

Não se iluda, amigo leitor, Putin vai vencer essa batalha na Ucrânia, afinal, detém um arsenal bélico extraordinariamente superior àquele com o qual conta o país invadido, para se defender. Porém, já está experimentando custos muito maiores do que os inicialmente projetados. E, de acordo com Harari, apesar de ganhar a batalha, Moscou perderá a guerra que iniciou. De toda sorte, como principiou a guerra, seguramente Putin vai conduzir a batalha na Ucrânia até o fim. Ele inclusive parou os ataques à capital Kyiv por alguns dias porque, antes, pretende dar cabo de seu plano de constituir um país autônomo (“independente”), no sul da Ucrânia, que já tem até nome “Novarrossia” (ou Nova Rússia). A tomada militar das cidades ucranianas de Odessa, Kherson, Melitopol e Mariupol formará uma espécie de “ponte terrestre”, ligando as regiões de Donetsk e Lugansk à península da Crimeia (veja mapano link da reportagem da Folha[10]). Ou seja, a tomada territorial da Ucrânia, iniciada em 2014, terá sido concluída agora em 2022, o que ensejará um novo país marionete de Moscou ao sul da Ucrânia. Em seguida, Putin derrubará o regime democrático neste último e colocará no governo um “biônico” de seu agrado. Isso vai impedir, de uma vez por todas, que a Ucrânia se levante no futuro. Dividi-la é parte do plano.

Acontece que Vladimir Putin, apesar de hábil e inteligente, não controla o restante do mundo civilizado, livre e democrático. E nem possui bola de cristal, de modo a saber, de antemão, todo e cada passo que as demais nações podem adotar. E foi justamente por isso que, mesmo tendo empregado seu poder de “veto” no Conselho de Segurança da ONU, acabou sendo condenado.

A Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução contra a invasão da Ucrânia pela Rússia, pelo placar de 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções, no dia 02/03/2022[11]. Aliás, diga-se de passagem, os únicos países que deram seu aval à invasão praticada pela Rússia foram a própria Rússia, além de Belarus (cujo ditador é uma marionete de Putin), Síria(onde a Rússia banca o ditador local há anos), Coreia do Norte (a ditadura comunista mais fechada do mundo) e Eritreia (um Estado de partido único no qual eleições legislativas nacionais nunca foram realizadas desde a independência). Enfim, basicamente a Rússia ficou sozinhanessa…

Não foi só isso! Dezenas de países pelo mundo aplicaram pesadíssimas sanções econômicas[12] contra a Rússia em virtude da absurda invasão da Ucrânia, assim como o fizeram centenas de empresas multinacionais – tudo por livre deliberação de cada qual. Quer dizer, o país que é governado por Vladimir Putin foi alijado do mercado financeiro global (não consegue pagar nem receber em suas relações econômicas, sejam públicas ou privadas); suas aeronaves civis e seus navios mercantes (próprios ou alugados) sequer podem sobrevoar ou navegar/aportar no território de diversas nações mundo afora; seus cidadãos não terão mais acesso a uma infinidade de mercadorias vendidas globalmente, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos, além de serviços variados, como os prestados por NetflixApple e Google, p.ex.; as empresas locais não terão acesso a uma plêiade de matérias-primas, bem como não conseguirão comprar peças de reposição. Enfim, a Rússia se tornou o maior pária global, cuja economia será severamente afetada. E isso implicará num rápido empobrecimento de sua população, especialmente a classe média. Mas, mesmo Putin e os magnatas que o apoiam tiveram bens bloqueados no exterior.

O próprio povo russo aparenta estar contra essa guerra desvairada principiada por Putin. Há dezenas de relatos de manifestações contrárias dentro do território Russo. Estima-se que mais de dez mil cidadãos russos tenham sido presos em razão de terem tomado parte em tais protestos nas ruas. Dentre eles há a prosaica e triste história de Elena Osipova[13], de 77 anos, ativista e sobrevivente do Cerco a Leningrado (praticado pelos nazistas contra os soviéticos na 2ª Guerra Mundial). Ela foi presa em um protesto em São Petersburgo contra a invasão russa à Ucrânia. Quer dizer, esta senhora sobreviveu ao pior ditador-invasor externo e, agora, luta para combater um ditador-invasor interno, que pode acabar com a Rússia em razão de sua postura lunática.

O líder oposicionista a Putin, Alexei Navalny, disse em uma rede social[14]“Estou conclamando todo mundo a ir para as ruas e lutar pela paz” (…) “Se, para impedir a guerra, nós precisarmos encher as prisões e as viaturas da polícia, vamos encher as prisões e as viaturas da polícia. Nós, a Rússia, queremos ser uma nação de paz. Infelizmente, poucos nos chamariam assim agora. Mas pelo menos não vamos nos tornar uma nação de silêncio assustado, covardes que fingem não notar a guerra de agressão desencadeada por nosso czar, obviamente insano”.

Enfim, não há como defender a invasão russa à Ucrânia, amigo leitor. E não é apenas este colunista quem diz isto, mas, o mundo todo: nações, empresas e pessoas (inclusive as russas!). Então, não fique do lado de Putin, JAMAIS!! Não há lugar sequer para “neutralidade” ou “abstenção” num cenário como o que vivemos hoje. A China comunista ficou em cima do muro[15]porque tem muito a ganhar com a dependência russa, que advirá com o embargo econômico acima descrito. Quer dizer, a China será a grande “vencedora” nesta sórdida guerra iniciada por Putin – vai ter os maiores benefícios sem precisar dar um tiro! Todo o restante do planeta sairá perdendo (inclusive você). A começar pelo fato de que, como eu, muitos serão obrigados a servir no grande combate que se avizinha, nessa 3ª Guerra Mundial já iniciada.

Segundo excelente artigo de Thomas Friedman para o Estadão[16], a batalha travada na Ucrânia pode ser o evento mais transformador na Europa desde a 2ª Guerra Mundial e o confronto mais perigoso para o mundo desde a crise dos mísseis cubanos. Ele projeta três cenários possíveis para o final desta história: um “desastre total”, “compromissos sujos” ou “salvação”. O cenário de desastre é o que se desenrola agora – a menos que Vladimir Putin mude de ideia ou seja dissuadido, ele parece disposto a matar quantas pessoas forem necessárias, obliterar a Ucrânia como um estado e cultura independentes e erradicar sua liderança – tal cenário poderia desencadear crimes de guerra em uma escala não vista na Europa desde os nazistas; O segundo cenário é aquele em que, de alguma forma, os militares e o povo da Ucrânia são capazes de resistir à blitzkrieg – e as sanções econômicas começam a afetar a economia de Putin, de modo que ambos os lados se sentem compelidos a aceitar concessões sujas – em troca de um cessar-fogo e da retirada das tropas russas, os enclaves no leste da Ucrânia, atualmente sob controle russo, poderiam ser formalmente cedidos à Rússia (ou, como dito, transformados num novo “país”), enquanto a Ucrânia se comprometeria a nunca se juntar à OTAN; Finalmente, o cenário menos provável, mas o de melhor resultado: talvez o povo russo mostre bravura e compromisso com sua liberdade e traga a salvação mundialdepondo Putin – muitos russos devem estar começando a se preocupar que, enquanto Putin for seu líder, eles não terão futuro.

Perceba, caro leitor, que o cenário da “salvação” é quase impossível. Já aquele que preconiza o fim da batalha mediante “concessões sujas” é o mais provável (Putin já está quase lá, aliás). Porém, ele não acaba com a guerra em si, afinal, as sansões contra a Rússia seguirão valendo. Além disso, a batalha da Ucrânia levará a uma nova corrida armamentista mundial (inclusive Alemanha e Japão irão se rearmar, já a partir deste ano de 2022 – PESQUISE!!). A OTAN, ao contrário do que pretendia Putin, ganhou novo impulso e terá novas adesões em breve, como a Suécia e Finlândia. E o clima de “Guerra Fria” turbinada vai forçar a tomada de posição mundo afora (até mesmo a Suíça saiu da neutralidade, caro leitor), numa nova configuração geopolítica na qual qualquer fagulha poderá desencadear o armagedom. Lembre-se: a 2ª Guerra Mundial foi uma sequência de eventos, como em qualquer outra. Levou-se anos para a carnificina total se instaurar, mas, as sementes do mal começaram a ser plantadas muito antes, com invasões nazistas. De certa forma, o cenário atual é um assustador flashback, como frisou Fiona Hill.

Então, hoje, o que temos de mais concreto é que estamos firmes a caminho do “desastre total”, ou seja, a grande batalha da 3ª Guerra Mundial.Tanto é assim que a Rússia não deu a mínima quando bombardeou bairros residenciais inteiros para sitiar cidades ucranianas, ou quando furou o bloqueio civil e passou por cima do povo que pretendia impedir o avanço das tropas[17], ou quando bombardeou a maior usina nuclear do continente europeu[18] – o que poderia causar um desastre dez vezes maior do que aquele ocorrido em 1986 em Chernobyl[19]. Há inclusive relatos da utilização de bombas termobáricas[20]pelos russos em solo ucraniano, o que é de uma vileza poucas vezes vistas na história da humanidade. Aliás, o presidente francês, Emmanuel Macron, chegou à conclusão de que “o pior ainda está por vir”[21], após ter conversado ontem, por uma hora e meia, com Vladimir Putin em ligação telefônica.

“Talvez isso seja o inferno”, resumiu o ucraniano Oleg Rubak[22], que perdeu a esposa Katia num bombardeio russo realizado na cidade de Jitomir, a 150 km ao oeste de Kyiv. Ele brincava com a filha de um ano e meio no quarto de casa quando uma bomba caiu na parte dos fundos, matando sua esposa de 29 anos. O jovem viúvo disse à reportagem: “Preciso ser forte! Quero apenas que todo o mundo saiba o que aconteceu comigo”Isso é o que aguarda a todos nós…

Lendo essas palavras tristes, caro leitor, me recordei de duas coisas assustadoras, que no atual estágio das coisas, por alguma razão, me parecerem totalmente linkadas entre si, vejamos:

1) “Inverno nuclear”[23] foi uma expressão criada por um grupo de pesquisadores que relataram um suposto cenário climático da Terra depois de uma possível guerra nuclear em nível mundial. Mesmo no verão, as temperaturas tenderiam a uma redução para níveis muito abaixo do ponto de congelamento da água. A luz do dia seria drasticamente reduzida e essas condições poderiam durar vários meses, além de se espalharem para regiões muito distantes das atacadas, inclusive no Hemisfério Sul. Com a luz do sol bloqueada, a agricultura ficaria comprometida, dando origem a uma grande crise de abastecimento em todo o mundo que poderia durar alguns anos. Além disso, os ecossistemas do planeta seriam abalados, com um impacto inestimável sobre toda a diversidade de seres vivos. Graves prejuízos à saúde da população sobrevivente poderiam trazer doenças e mortes. Então, aqueles que não sucumbirem às armas nucleares em si, terão enormes chances de sucumbir às suas consequências.

2) “Helheim”[24], na mitologia nórdica, representa a casa dos mortos desonestos, ladrões, assassinos e aqueles que os deuses e deusas entendem que não são corajosos o suficiente para ir a Valhalla ou Folkvangr. Helheim é governado pelas malvadas Godhas Hel e representa um lugar muito sombrio e frio – qualquer pessoa que ali chegar nunca mais sentirá alegria ou felicidade. Hel usará todos os mortos em seu reino em Ragnarök para atacar deuses e deusas, num evento que implicará no fim do mundo.

Enfim, caro leitor, espero que não endosse a atitude de Putin. Há um inferno de gelo à frente!

Referências:

[1]https://novo.org.br/explica/russia-e-ucrania-um-resumo-da-historia-e-do-conflito/?utm_campaign=jornal_-_25022022_-_filiados&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

[2]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/24/o-que-e-a-otan.ghtml

[3]https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/os-maiores-paises-mundo.htm

[4]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60564958

[5]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53259155

[6]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60587864

[7] https://exame.com/mundo/de-comediante-a-alvo-no-1-quem-e-zelensky-presidente-da-ucrania/

[8]https://www.politico.com/news/magazine/2022/02/28/world-war-iii-already-there-00012340

[9]https://www.theguardian.com/commentisfree/2022/feb/28/vladimir-putin-war-russia-ukraine

[10]https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/03/putin-ja-redesenha-o-mapa-da-ucrania-enquanto-kiev-espera-assalto.shtml

[11]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/03/02/assembleia-geral-da-onu-aprova-resolucao-contra-invasao-da-russia-pela-ucrania.ghtml

[12]https://www.cnnbrasil.com.br/business/a-aposta-de-us-1-trilhao-do-ocidente-para-acabar-com-a-economia-russa/

[13]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/03/02/policia-russa-prende-sobrevivente-do-cerco-a-leningrado-durante-protesto-contra-a-guerra-na-ucrania-veja-video.ghtml

[14]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/03/02/policia-russa-prende-sobrevivente-do-cerco-a-leningrado-durante-protesto-contra-a-guerra-na-ucrania-veja-video.ghtml

[15]https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/02/china-nao-vai-aderir-a-sancoes-contra-russia-diz-orgao-regulador-bancario.ghtml

[16]https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,ha-tres-cenarios-para-o-fim-da-guerra-na-ucrania-leia-o-artigo-de-thomas-friedman,70003996053

[17]https://g1.globo.com/globonews/jornal-globonews-edicao-das-18/video/nyt-ucranianos-formam-barricada-para-bloquear-tropas-russas-e-video-mostra-ataque-aereo-na-ucrania-10351047.ghtml

[18]https://g1.globo.com/mundo/ao-vivo/guerra-ucrania-russia-putin-invasao.ghtml

[19]https://br.noticias.yahoo.com/negocia%C3%A7%C3%B5es-sobre-cessar-fogo-terminam-172012494.html

[20]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60581680.amp

[21]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/03/03/macron-acredita-que-o-pior-ainda-esta-por-vir-na-ucrania-apos-ligacao-com-putin.htm

[22]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/03/03/sob-as-bombas-na-ucrania-oleg-lamenta-a-morte-de-sua-esposa-e-deseja-inferno-a-putin.htm

[23]https://www.infoescola.com/geografia/inverno-nuclear/#:~:text=%22Inverno%20nuclear%22%20foi%20uma%20express%C3%A3o,do%20mundo%20bipolar%20de%20ent%C3%A3o.

[24] https://mitologia-nordica.net/cosmologia-nordica/os-nove-mundos-na-mitologia-nordica/

FOTO: https://www.google.com/search?q=hitler+e+putin+ucr%C3%A2nia&rlz=1C1GCEA_enBR918BR918&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwikzv-B96z2AhUaHrkGHaiDBLYQ_AUoAXoECAEQAw&biw=1366&bih=657&dpr=1#imgrc=yIB8gALj9llBuM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado