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segunda-feira, 22 de abril de 2024

As ideias da esquerda sempre foram velhas: os militantes não mudaram de ideias, mesmo envelhecendo - Frei Betto

 Frei Betto se engana: as ideias não envelheceram com o tempo: elas sempre foram velhas, mas os jovens militantes não se deram conta disso. Então, eles foram envelhecendo e as mesmas ideias velhas, foram ficando caquéticas e eles nem percebersm. Agora, se descobrem velhos entre outros velhos, pois os jovens estão em outra… (PRA)


CABELOS BRANCOS

Frei Betto

      Participei em Belo Horizonte, no início de abril, do 12º encontro nacional do Movimento Fé e Politica. Quase duas mil pessoas. Ao contrário dos encontros anteriores à pandemia, poucos jovens. A maioria de cabelos brancos ou tingidos. 

      Minha geração envelhece. Chego este ano aos 80. Nossas ideias, propostas e utopias, também envelhecem?

      É muito preocupante constatar que as forças progressistas não logram renovar seus quadros. Para vice de Boulos, na disputa pela prefeitura de São Paulo, em outubro próximo, o PT precisou importar uma mulher filiada a outro partido: Marta Suplicy, que fará 80 anos em março de 2025.

      No Rio, o PT parece não ter quem indicar para possível vice na chapa do prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição. Tende a importar  Anielle Franco, do PSOL. 

      Tenho proferido conferências pelo Brasil afora e assessorado movimentos populares. Os cabelos brancos predominam na plateia. As poucas manifestações públicas convocadas pela esquerda reúnem número inexpressivo de pessoas e, em geral, a turma dos cabelos brancos.

      Nós, da esquerda, estamos acuados. Como diz a canção de Belchior, “minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos (...) como os nossos pais”. “Nossos ídolos ainda são os mesmos”. E não vemos que “o novo sempre vem”. 

      A queda do Muro de Berlim abalou as nossas esperanças em um mundo onde todos teriam a sua existência dignamente assegurada. E o capitalismo, gato de sete fôlegos, inovou-se pelos avanços da ciência e da tecnologia e, sobretudo, do neoliberalismo. 

      Primeiro, a privatização do patrimônio público; em seguida, das instituições sociais, reduzidas a duas por Margaret Tchatcher: o Estado e a família. E, por fim, o cidadão foi despido de seu manto aristotélico e condenado a ser mero consumista, inclusive de si mesmo ao passar horas a se mirar no espelho narcísico das redes digitais. 

      Há uma progressiva despolitização da sociedade. A direita é como uma maré que sobe e ameaça afogar o que nos resta de democracia liberal. Basta dizer que um dos três programas de maior audiência da TV Globo e, portanto, de faturamento, é o BBB, que bem espelha os tempos em que vivemos: ali são explícitas as regras do sistema capitalista. O único objetivo é competir. Todos sabem que, ao final, apenas uma pessoa haverá de amealhar o pote de ouro. E a missão dos concorrentes é cada um fazer tudo para que seus pares sejam eliminados. É o que milhões de adolescentes aprendem ao perder horas assistindo àquele simulacro de “O anjo exterminador”, de Buñuel.

      Na esquerda “ainda somos os mesmos”. Não semeamos a safra de novos militantes com medo de que eles se destacassem e ocupassem as nossas instâncias de poder. Abandonamos as favelas, as zonas rurais de pobreza, os movimentos de bairros. E não aprendemos a atuar nas trincheiras digitais, monopolizadas pela direita como armas virtuais da ascensão neofascista. 

      Não sabemos como reagir diante do fundamentalismo religioso que mobiliza multidões, abastece urnas, elege inclusive bandidos notórios. Fundamentalismo que apaga as desigualdades sociais e as contradições de classe e ressalta que tudo se reduz à disputa entre Deus e o diabo. Todo sofrimento decorre do pecado. Eliminado o pecado, irrompe a prosperidade, que empodera e favorece o domínio: a confessionalização das instituições públicas; a deslaicização do Estado; a neocristandade que condena à fogueira da difamação e do cancelamento todos que não abraçam “a moral e os bons costumes” dos que clamam contra o aborto e homenageiam torturadores e milicianos assassinos.

      Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos brancos denunciam o inverno que nos acomete. É hora de uma nova e florida primavera!

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

Demolição e reconstrução da política externa, 2 - Paulo Roberto de Almeida

 Demolição e reconstrução da política externa, 2


Efetuei uma postagem, nesta madrugada, com esse mesmo título, sem o número 2, sobre texto escrito dois meses atrás, este aqui:

Reproduzo agora, comentários recebidos e postados no seguimento de uma chamada dessa postagem no X, pois isso poderá me induzir a acelerar a produção de um novo livro, sobre o final da “demolição” da diplomacia brasileira pelo bolsonarismo e sobre a nova incursão do lulopetismo sobre a diplomacia profissional, como abaixo:

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4580, 11 fevereiro 2024, 7 p.


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O texto acima foi escrito em fevereiro último, mas só divulgado neste meu “quilombo de resistência intelectual”, que é este blog Diplomatizzando, em 22/04/2024, tendo eu postado uma pequena chamada no X, que reproduzo a seguir, tendo recebido um comentário dd um leitor, que agrego abaixo, juntamente com minha resposta a este:


1) Minha “chamada” no X:

“ Demolição e reconstrução da política externa  -  Paulo Roberto de Almeida - diplomatizzando.blogspot.com/2024/04/demoli… - Já fui chamado, por um brasilianista, de "Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual’". Traduziria por "o mais independente dos intelectuais do Itamaraty", o que muito me honra.”


2) Comentário feito no X por Carlos (@carlosdinizsilv):

“E, com o passar do tempo, o brasilianista não foi desmentido. Considero que você tem realmente posições independentes dos modismos atuais e passados. Que continue assim.”


            3) Minha resposta esta data (22/04/2024):

“Grato pelo comentário. Tento apenas ser objetivo na avaliação de políticas públicas, sobretudo a externa, e ser honesto comigo mesmo, ao expressar uma visão própria sobre a diplomacia. Nem sempre isso é bem recebido pela burocracia ou pelos “barões” da Casa. Continuo no quilombo!”


PS: Faltou, ao inicio da nota “semi-biográfica” de fevereiro, objeto da postagem agora feita, um esclarecimento sobre o autor da resenha de vários livros sobre a política externa brasileira, de autoria de um conhecido brasilianista canadense, publicada poucos anos atrás na Latin American Research Review, o órgão oficial da LASA. Vou procurar o review- article e informar devidamente neste espaço.

PS2: A postagem acima deveria servir de introdução a uma nova coletânea minha, um possível novo livro, com alguns inéditos e vários textos e postagens dispersas sobre o objeto preferencial de minhas análises nas últimas quatro décadas: a política externa e a diplomacia brasileira no periodo recente. Cabe reconhecer que meu livro mais recente sobre o assunto, “Apogeu e Demolição da Política Externa” (Appris, 2021), já se tornou relativamente “perempto”.

Já passamos pela “demolição” da diplomacia brasileira pelo bolsolavismo, e entramos numa nova fase, a de Lula 3, a de um novo esforço de “desconstrução” da política externa do Itamaraty pelo lulopetismo diplomático, desta vez ainda mais personalista e megalomaníaco do que durante os dois primeiros mandatos 2003-2010). Tenho muito a dizer sobre essa nova fase, lamentavelmente mais colada ainda às duas grandes autocracias do Brics, que tentam implantar uma suposta “nova ordem global”, que seria “mais democrática” e redundantemente “multipolar” do que a ordem atual, que é obviamente ocidental é caracteristicamente democrática, capitalista, humanista e iluminista, o que incomoda ditadores (de direita e de esquerda) ao redor do mundo, entre eles um candidato a líder de um diáfano “Sul Global”, como pretende ser Lula (sem conseguir).


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/04/2024, 10:25hs


Demolição e reconstrução da política externa (1) - Paulo Roberto de Almeida

 Demolição e reconstrução da política externa (1) 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Apresentação a volume síntese da era bolsolavista na diplomacia brasileira. 

 

Lendo certa vez, na Latin American Research Review – uma publicação da Latin American Studies Association, LASA – uma resenha sobre diversos livros e capítulos de livros sobre a política externa brasileira, por um conhecido brasilianista, deparei-me com esta minha descrição, a propósito de um dos capítulos sobre a política externa lulopetista, num livro coletivo publicado em 2010, ou seja, o último ano do segundo mandato de Lula; para o resenhista, eu seria Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual

A tradução literal seria “o principal intelectual desapegado do Itamaraty”; preferiria, na minha percepção, “o principal intelectual independente” do Itamaraty, o que registraria mais objetivamente o que sempre fui, em minhas análises da política externa e da diplomacia do Brasil. O “desapegado” do brasilianista indicaria, talvez, que eu poderia ser considerado um analista “desvinculado” da versão oficial da política externa e da diplomacia, o que também pode representar, mais adequadamente, minha postura básica nas abordagens que sempre fiz em torno de uma e outra, a política externa e sua ferramenta operacional. 

No entanto, minha formação básica, na vertente acadêmica (toda ela feita no exterior, ao me autoexilar nos anos mais duros da ditadura militar), não se deu no campo da análise da política externa, e sim numa sequência de especializações interdisciplinares, sempre centradas no Brasil, nos terrenos da sociologia política (graduação, 1974), no das relações econômicas internacionais (mestrado, 1976) e na sociologia do desenvolvimento econômico e político (minha tese de doutoramento, iniciada naquele mesmo ano, concluída em 1984), todas elas fortemente impregnadas por uma leitura histórica de todos os processos conectados ao itinerário do Brasil pós-1945. Meus primeiros trabalhos publicados estavam situados no campo dos movimentos políticos e do desenvolvimento econômico do Brasil dos anos 1950 aos 70. Só fui me interessar mais de perto pela política externa e pela diplomacia do Brasil a partir do final dos anos 1970, quando ingressei por concurso direto na carreira diplomática, ao mesmo tempo em que me engajava de volta na resistência à ditadura militar, a partir de 1978.

Posso deixar registrado, não sem certo orgulho e passados muitos anos, que, naquele mesmo ano, fui “fichado” como “diplomata subversivo” ao ter colaborado com um texto sobre uma política externa alternativa à do regime militar, oferecido à candidatura oposicionista, a do general Euler Bentes Monteiro, na eleição indireta do último general da ditadura, João Figueiredo. Descobri esse registro poucos anos atrás no diretório do Serviço Nacional de Informações (SNI), no Arquivo Nacional de Brasília, e cabe-me agora agradecer aos zelosos “arapongas” do regime o fato de terem preservado um texto que de outra forma estaria perdido para mim (ainda não integrado à minha lista geral de trabalhos). Meus escritos sobre política externa e diplomacia do Brasil datam, portanto, a partir dessa época, mas de maneira mais consistente apenas a partir da redemocratização, em 1985; eles guardam um espírito acadêmico razoavelmente conforme às interpretações gerais dos analistas universitários, e dos próprios diplomatas, os quais passei a ler e anotar de forma sistemática, servindo-me dessas análises para escrever meus primeiros trabalhos mais densos.

O primeiro livro que publiquei, em 1993, no imediato seguimento de minha missão como conselheiro na Delegação do Brasil junto à Aladi, em Montevidéu, sob o embaixador Rubens Barbosa, tratou do Mercosul, “no contexto regional e internacional”, isto é, situando-o no âmbito da integração latino-americana e comparativamente ao experimento europeu do mercado comum e da Comunidade Econômica. Quero deixar registrado, também dentro do mesmo espírito independente que sempre marcou minhas análises, que alguns parágrafos do texto original foram devidamente “podados” do texto autorizado para publicação pela Secretaria Geral das Relações Exteriores, pois que, provavelmente, não se conformavam com a visão oficial do processo integracionista, no entendimento dos zelosos funcionários do Itamaraty. Entendi, a partir de algumas hesitações dos colegas encarregados do nihil obstat da Casa em relação a meus textos – certa delonga nas autorizações, ou ausência completa de resposta aos textos submetidos –, que os escritos não correspondiam perfeitamente à versão que o Itamaraty sempre procurou defender no tocante à política externa oficial e à sua diplomacia. A partir de certo momento, ainda como conselheiro e já como ministro de segunda classe, parei de submeter todos os textos – muitos deles dirigidos a veículos de escasso alcance público – à anuência dos guardiões da ortodoxia diplomática, mas continuei seguindo as disposições estatutárias em relação aos livros. 

Uma nova obra, feita a partir de artigos elaborados entre 1993 e 1997, foi publicada em 1998, como primeiro volume de uma coleção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul dedicada à política externa: Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: Editora da UFRGS). Não me lembro de ter recebido o nihil obstat da Secretaria Geral, assim como ocorreu com outro livro, nesse mesmo ano: Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: LTr), ambos rapidamente esgotados, o da UFRGS objeto de uma segunda edição em 2004. Seguiram-se vários outros livros, mais voltados para a história diplomática e as relações econômicas internacionais do que propriamente para a política externa do Brasil e sua diplomacia: O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999); O estudo das relações internacionais do Brasil (São Paulo: Universidade São Marcos, 1999); Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Paz e Terra, 2002), inclusive alguns que não tinham nada a ver com a diplomacia brasileira, e sim com o fenômeno do marxismo e do comunismo – Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999) – ou com a história do Brasil: Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain (com a historiadora Katia de Queiroz Mattoso; Paris: L’Harmattan, 2002); A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex, 2003), este, escrito ainda antes das eleições de outubro de 2002, mas já antecipando o que viriam a ser os governos progressistas que vigoraram no Brasil entre 2003 e 2016. 

Um trabalho de corte acadêmico e diplomático permaneceu inédito – Brasil e OCDE: uma interação necessária– pois que não recebeu aprovação como tese apresentada no âmbito do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco em 1996. Eu o divulguei, mais adiante, como simples arquivo digital, em minha página na plataforma de interação acadêmica Academia.edu. A tese de CAE foi substituída por uma pesquisa histórica sobre a diplomacia econômica do Brasil no século XIX, que, ela sim, recebeu aprovação para ser publicada: Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (1997). Objetei, entretanto, a que ela fosse publicada na versão reduzida apresentada à banca, uma vez que a pesquisa era bem mais ampla e minuciosa; ela acabou sendo publicada conjuntamente pela Senac-SP e pela Funag em 2001, merecedora de uma segunda edição em 2005; uma terceira edição, em dois volumes, ampliada e revista, saiu em 2017, exclusivamente pela Funag. Essa obra consiste na produção mais academicamente elaborada a partir de fontes primárias e de uma leitura de vasta literatura no campo da história econômica do Brasil, mas carente de continuidade do mesmo trabalho para o século XX. 

Não me lembro, por outro lado, de ter solicitado autorização para os livros seguintes, enquadrados razoavelmente no contexto da política externa e da diplomacia do Brasil: O Estudo das Relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia (Brasília: LGE, 2006); Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012); Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013). A razão da não solicitação se deve simplesmente ao fato de que, desde o início dos governos progressistas, em 2003, e até o seu término, em 2016, eu jamais fui contemplado com um cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, provavelmente devido ao fato de eu já ter escrito artigos e capítulos de livros justamente independentes em relação à política externa do lulopetismo diplomático.

Essa minha visão crítica em relação às posturas do PT, que passaram a influenciar de modo nítido a política externa oficial e sua diplomacia – a ponto de algumas decisões terem sido tomadas, como se sabe, no Palácio do Planalto, contrariando pareceres técnicos do corpo profissional da diplomacia –, esteve provavelmente na origem de minha exclusão de qualquer trabalho executivo no Itamaraty durante todo o primeiro longo “reinado” lulopetista, o que por si só configurou uma irregularidade administrativa (a qual procurei não contornar por qualquer procedimento ou petição no âmbito burocrático). Adotei a biblioteca do Itamaraty como meu escritório de trabalho e passei a produzir uma gama variada de trabalhos, a maior parte sob a forma de artigos acadêmicos, mas também alguns livros que me deram grande satisfação intelectual em sua elaboração – O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (Brasília: Senado Federal, 2010); Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010) –, assim como muitos outros, coletando artigos dispersos em diferentes veículos acadêmicos, mas publicados unicamente em formato digital, mais comumente em base Kindle. 

O livro que formalmente consolidou minha postura crítica vis-à-vis as escolhas petistas nos terrenos da política externa e da diplomacia prática foi este, por acaso de título diretamente conectado ao slogan adotado pelo chefe de Estado para representar sua pretendida originalidade na história do Brasil: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editora Appris, 2014). Esse livro, que conforma uma abordagem abrangente das peculiaridades petistas no terreno da política regional e internacional do PT, recebeu uma versão reduzida, traduzida em alemão e publicada na Europa: Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015). Pela mesma editora universitária acabei publicando minha tese de doutoramento na Universidade de Bruxelas, defendida em 1984, que tinha permanecido inédita desde então: Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: démocratie et autoritarisme au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015). 

Em 2016, finalmente, com o impeachment da presidente do quarto mandato do PT, fui reintegrado ao serviço exterior, passando a desempenhar o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) da Funag, no qual desenvolvi dois anos e meio de um intenso programa de atividades intelectuais e de debate público em torno dos grandes temas da política externa, da diplomacia do Brasil e das relações internacionais, de maneira ampla. Nesse período ocorreu um fenômeno interessante, com respeito à minha produção, e talvez projeção, no terreno da diplomacia e da própria política econômica: supostos liberais, opositores da esquerda e do PT, passaram a me considerar, equivocadamente, como um representante do neoliberalismo, do conservadorismo, talvez até da direita. 

Recebi, então, muitos convites para escrever ou falar em foros dessas vertentes, o que não recusei fazer, mas nunca deixando de lado minha postura crítica em relação a políticas públicas, econômicas ou diplomáticas, segundo minhas próprias concepções quanto aos interesses nacionais. Até mesmo os militares, ignorantes quanto aos meus sete anos de exílio europeu durante a ditadura, em especial de meus escritos sob outros nomes contra o regime, passaram a me convidar para palestras e seminários na ESG e para escrever artigos para algumas de suas revistas corporativas. Nenhum problema tive em expressar minhas ideias, a despeito de algumas fortes declarações contra o protecionismo e o nacionalismo extremados, defendidos tanto pelos militares, quanto pela esquerda anacrônica. Muitas dessas ideias foram expostas, direta ou indiretamente, nos dois livros que publiquei em 2017 e 2018: O homem que pensou o Brasiltrajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris)A Constituição contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM). 

Ao adentrarmos no ano eleitoral de 2018, pressenti que minha postura independente, certamente crítica, no tocante às políticas oficiais, tanto da direita, quanto da esquerda, estaria chegando a seu termo com o escrutínio do mês de outubro; assim, alertei meus colaboradores no IPRI a que buscassem algum outro trabalho no âmbito da política externa. De minha parte, não cogitei solicitar qualquer posto no exterior, enquanto aguardava uma exoneração nos primeiros dias de 2019, tanto de um lado, quanto do outro, dos dois extremos em disputa naquele pleito. O que se seguiu ao segundo turno da eleição presidencial foi um prenúncio surpreendente das mudanças bizarras que se seguiriam na política externa, com as declarações grandiloquentes em torno do antiglobalismo esquizofrênico das seitas lunáticas da extrema direita. Elaborei um relatório completo, listando todas as atividades empreendidas desde agosto de 2016, finalizado pouco antes do Natal de 2018, e viajei durante duas semanas ao sul do país. A exoneração não interveio no começo de 2019, mas ainda fora de Brasília recebi o alerta de que o programa elaborado no final de 2018 para ser desenvolvido já nas primeiras semanas do ano seguinte estava sob revisão atenta dos novos donos do poder. 

Não preciso estender-me sobre as loucuras literais que desabaram sobre o Itamaraty em consequência da ascensão dos neófitos bolsolavistas no âmbito da política externa e da diplomacia, desde a posse do chanceler acidental no dia 2 de janeiro de 2019, algumas delas já antecipadas nas semanas anteriores pelo chefe de Estado ou pelo próprio diplomata designado para a função. Como sempre faço, tomei nota das declarações esquizofrênicas que estavam sendo enunciadas e aguardei o desfecho inevitável, que ocorreu, finalmente, no Carnaval de 2019, imediatamente após eu ter publicado no meu quilombo de resistência intelectual, o blog Diplomatizzando, uma palestra do embaixador Rubens Ricupero, um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e uma virulenta resposta a ambos por parte do desequilibrado júnior chanceler, sugerindo um debate em torno das principais ideias.

Voltei à biblioteca do Itamaraty, apenas para compor, rapidamente, uma sequela ao meu livro de 2014, Nunca Antes na Diplomacia, publicado pela mesma editora ainda no primeiro semestre do ano: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018) (Curitiba: Appris, 2019). Ele examinava os dois anos terminais do lulopetismo diplomático e o retorno a uma diplomacia mais conforme aos padrões tradicionais do Itamaraty sob a gestão dos dois chanceleres do governo Temer: José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, dois senadores pelo PSDB de São Paulo. Minha pretensão inicial, no novo ostracismo, que eu antecipava em mais alguns anos na biblioteca do Itamaraty, era a de retomar as pesquisas de “arqueologia” diplomática em torno das relações econômicas do Brasil desde o início da República até a conferência de Bretton Woods, para depois escrever um terceiro volume sobre o período contemporâneo, completando assim a missão autoatribuída de historiador da diplomacia econômica do Brasil.

Mal imaginava eu, nas primeiras semanas de 2019, que as loucuras e bizarrices do bolsolavismo diplomático seriam tamanhas, e tão escandalosamente escabrosas, que passei a deixar de lado a história do passado republicano para ocupar-me do presente do amadorismo vergonhoso escancarado pelos assessores destrambelhados do presidente, por ele próprio e pelo chanceler acidental, nesta exata ordem, no campo da política externa e da diplomacia do país. O material comprobatório era farto, pois todos os dias tínhamos declarações, entrevistas, notas oficiais do Itamaraty – redigidas numa linguagem estranha ao linguajar diplomático, ignorante do Direito Internacional – todas apoiadas em emissões alucinantes do polemista que servia de guru presidencial e de guia absoluto do chanceler submisso à franja lunática que passou a dominar o Itamaraty. Liberto que estava de qualquer adesão aos novos donos do poder, como também de simpatia pelas posições igualmente equivocadas do lulopetismo diplomático, passei a redigir minhas notas e observações a respeito do mais tenebroso intervalo esquizofrênico jamais conhecido na história do Itamaraty.

Assim, em lugar do projetado livro de pesquisa sobre A Ordem Econômica Internacional e o Progresso da Nação: as relações econômicas internacionais do Brasil na primeira era republicana, em grande medida já elaborado nos principais capítulos, o que emergiu, numa série de cinco livros polêmicos, elaborados sucessivamente, entre 2019 e 2021, foram: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (2020); Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (2020); O Itamaraty sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 (2021); Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021), os quatro primeiros publicados em formato digital, o quinto pela mesma editora que já tinha publicado meus livros anteriores. 

Com exceção deste último, que teve edição comercial, e deve ser encontrado nos canais usuais de distribuição, os demais tiveram escassa circulação e ficaram praticamente desconhecidos do grande público, dado o formato eletrônico e nenhuma publicidade. Esta é a razão de minha decisão de reuni-los num único volume, com alguma redução seletiva dos materiais dotados de “prazos de validade” inadequados à atualidade, e de oferecer, assim, aos interessados, uma visão ampla, quase completa, dos “anos loucos” do bolsolavismo pouco diplomático; os quatro anos constituíram, na verdade, uma anomalia total em relação aos paradigmas amplamente identificados com a história bissecular, conceitual e prática, de nossa diplomacia. O que ocorreu, entre 2019 e 2022, foi, realmente, uma destruição da inteligência no e do Itamaraty, um intervalo obscuro no itinerário de nossa presença internacional e um sequestro da política externa e da diplomacia por amadores ignorantes e partidários das mais alucinantes teorias conspiratórias importadas da extrema direita americana. Esperando que tenhamos dado um fim à demolição de nossa ferramenta diplomática, ofereço esta obra aos novos integrantes da carreira do Serviço Exterior brasileiro, como forma de nos precavermos contra novas e bizarras aventuras num itinerário normalmente respeitado pela cidadania brasileira e admirado pela comunidade internacional. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4580, 11 fevereiro 2024, 7 p.


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O texto acima foi escrito em fevereiro último, mas só divulgado neste meu “quilombo de resistência intelectual”, que é este blog Diplomatizzando, em 22/04/2024, tendo eu postado uma pequena chamada no X, que reproduzo a seguir, tendo recebido um comentário dd um leitor, que agrego abaixo, juntamente com minha resposta a este:


1) Minha “chamada” no X:

“ Demolição e reconstrução da política externa  -  Paulo Roberto de Almeida - diplomatizzando.blogspot.com/2024/04/demoli… - Já fui chamado, por um brasilianista, de "Itamaraty’s foremost ‘detached intellectual’". Traduziria por "o mais independente dos intelectuais do Itamaraty", o que muito me honra.”



2) Comentário feito no X por Carlos (@carlosdinizsilv):

“E, com o passar do tempo, o brasilianista não foi desmentido. Considero que você tem realmente posições independentes dos modismos atuais e passados. Que continue assim.”


            3) Minha resposta esta data (22/04/2024):

“Grato pelo comentário. Tento apenas ser objetivo na avaliação de políticas públicas, sobretudo a externa, e ser honesto comigo mesmo, ao expressar uma visão própria sobre a diplomacia. Nem sempre isso é bem recebido pela burocracia ou pelos “barões” da Casa. Continuo no quilombo!”


PS1: Faltou, ao inicio da nota “semi-biográfica” de fevereiro, objeto da postagem agora feita, um esclarecimento sobre o autor da resenha de vários livros sobre a política externa brasileira, de autoria de um conhecido brasilianista canadense, publicada poucos anos atrás na Latin American Research Review, o órgão oficial da LASA. Vou procurar o review- article e informar devidamente neste espaço.


PS2: A postagem acima deveria servir de introdução a uma nova coletânea minha, um possível novo livro, com alguns inéditos e vários textos e postagens dispersas sobre o objeto preferencial de minhas análises nas últimas quatro décadas: a política externa e a diplomacia brasileira no periodo recente. Cabe reconhecer que meu livro mais recente sobre o assunto, “Apogeu e Demolição da Política Externa” (Appris, 2021), já se tornou relativamente “perempto”.


Já passamos pela “demolição” da diplomacia brasileira pelo bolsolavismo, e entramos numa nova fase, a de Lula 3, a de um novo esforço de “desconstrução” da política externa do Itamaraty pelo lulopetismo diplomático, desta vez ainda mais personalista e megalomaníaco do que durante os dois primeiros mandatos 2003-2010). Tenho muito a dizer sobre essa nova fase, lamentavelmente mais colada ainda às duas grandes autocracias do Brics, que tentam implantar uma suposta “nova ordem global”, que seria “mais democrática” e redundantemente “multipolar” do que a ordem atual, que é obviamente ocidental é caracteristicamente democrática, capitalista, humanista e iluminista, o que incomoda ditadores (de direita e de esquerda) ao redor do mundo, entre eles um candidato a líder de um diáfano “Sul Global”, como pretende ser Lula (sem conseguir).


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/04/2024, 10:25hs

O que aguarda o Brasil em 2024? (2023) - Paulo Roberto de Almeida

 O que aguarda o Brasil em 2024? 


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Prognósticos para o novo ano.

1543. “O que aguarda o Brasil em 2024?”, revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Divulgado no blog Diplomatizzando (22/04/2024; link: ).Relação de Originais n. 4531. 

  

Os prognósticos eram quase todos promissores ao início de 2023, quando Lula iniciou seu terceiro mandato. Logo em seguida ocorreu o 8 de janeiro, a tentativa golpista dos adeptos do ex-presidente fugido, o que chocou o Brasil e o mundo, inclusive vários dirigentes estrangeiros que tinham vindo para a posse. Os economistas, por sua vez, faziam estimativas sombrias para o crescimento econômico, menos de 1% do PIB, com inflação e juros ainda nas alturas. A maioria conservadora do Congresso, do seu lado, se encarregou de reduzir as expectativas do governo quanto às grandes mudanças propostas pelo presidente eleito. A grande revelação foi o ministro da Fazenda, que conseguiu arrancar, a trancos e barrancos, algumas das medidas econômicas mais relevantes para o futuro do Brasil. 

O ano de 1924 será, portanto, dominado pela regulamentação da reforma tributária e pelo continuado esforço do ministro da Fazenda de fazer cumprir sua meta de déficit zero, a despeito das intenções do presidente de continuar gastando – ou “investindo”, como ele prefere – como se o Brasil estivesse ainda navegando na bonança econômica do início do século (metade pelas reformas “neoliberais” do tucanato, a outra metade pela demanda da China por nossos produtos de exportação). O crescimento pode voltar a surpreender, apesar das estimativas modestas dos economistas e dos organismos internacionais. Em todo caso, os principais desafios do Brasil não estão principalmente na economia.

A política doméstica continuará dominada pela divisão do país, mesmo quando o próprio governo optou pelo slogan “união e reconstrução”. A luta política, voltada em 2024 para as eleições locais, parece cristalizar uma polarização que só interessa aos dois blocos opositores nas eleições de 2022. A “solução”, para o governo, parece situar-se nos mesmos métodos empregados nos dois primeiros mandatos, isto é, a mobilização, pela via de cargos e recursos, de partidos e parlamentares individuais para cada uma das medidas a serem votadas. Com uma diferença, porém: o poder do parlamento cresceu de modo significativo, no modelo completamente distorcido das emendas individuais, de bancada e de comissão, que passaram a desfigurar completamente a noção de aplicação racional dos recursos disponíveis. 

O grande ativo do terceiro mandato, no plano interno e no externo, deveria ser a política ambiental, mais proclamada do que efetivamente implementada, sobretudo se as promessas de preservação do meio ambiente e de transição energética se chocarem com os projetos e veleidades petrolíferas do presidente, inclusive na região amazônica. Durante a conferência das partes sobre mudanças climáticas em 2023, o governo resolveu associar o Brasil ao cartel dos produtores de petróleo, como se Lula pudesse cumprir sua promessa de convencer os líderes da OPEP a dar início à conversão para energias renováveis. Esse tipo de contradição também está presente em outras posturas de política externa do governo, nas quais pretende intermediar negociações de paz entre partes em confronto, ao mesmo tempo em que coloca num mesmo plano agressores e agredidos (em função das simpatias ideológicas do partido do poder). Nessa vertente, o Brics não é tanto um ativo diplomático como se pretende, quanto é um passivo geopolítico, sobretudo em função de sua recente ampliação a novos membros peculiares. Enquanto isso, a OCDE permanece no limbo.

Os mais relevantes problemas brasileiros – além e à margem dos quase eternos desequilíbrios regionais e desigualdades sociais – estão na educação e na segurança cidadã, áreas na quais o governo ainda não apresentou propostas abrangentes e integradas para reduzir deficiências notórias, que se agravaram nos últimos anos. A criminalidade tornou-se igualmente abrangente, nas grandes metrópoles e nas regiões recuadas, assim como mais sofisticada, alcançando as novas tecnologias de informação e de comunicação. Um dos grandes problemas econômicos é justamente a falta de competitividade da produção manufatureira do Brasil, resultado dos níveis medíocres de produtividade do capital humano, o que deriva da baixa qualidade da educação brasileira (como refletida nos exames do PISA).

A miséria residual e a pobreza mais extensiva poderão ser reduzidas por meio dos canais existentes de distribuição de renda e de auxílio focalizado, mas não parece haver hipótese de mudança estrutural nesse perfil iníquo da sociedade brasileira apenas através de programas governamentais. O subsídio ao consumo dos mais pobres deveria ter como objetivo principal a redução dos beneficiários pela via do mercado de trabalho, não o aumento quantitativo da população assistida. A reforma tributária ficou concentrada apenas no consumo, não na renda e no patrimônio, sendo que a regressividade impositiva poderá ainda ser agravada por um nível anormalmente alto da taxação pelo valor agregado (dados os subsídios remanescentes ou as exclusões e regimes preferenciais criados). Os novos poderes do parlamento, assim como do mandarinato estatal (a começar pela aristocracia do judiciário) não facilitarão a correção das principais desigualdades distributivas. 

Alguns dos principais desafios do terceiro mandato de Lula se situam no âmbito da política externa, uma vez que o Brasil estará, em 2004, no comando do G20, com propostas até bem-vindas no campo social e ambiental, mas também com a ilusória pretensão de uma grande reforma na estrutura da governança global, o que parece impossível, dado o aumento das tensões mundiais já identificadas a uma nova “Guerra Fria”. Nesse terreno, as opções de Lula se chocam com o seu tratamento leniente dos grandes violadores da paz e da segurança internacionais, por acaso proponentes de uma “ordem global não ocidental”, pela qual o presidente já manifestou diversas vezes sua predileção. Mais adiante virá a organização da conferência sobre aquecimento global na própria Amazônia, onde estarão em curso os novos projetos da Petrobras de exploração dos recursos eventualmente detectados in e off shore. No intervalo, continuarão as discussões com os parceiros do Mercosul e da União Europeia em torno dos projetos de reforma do bloco – no qual o Brasil estará relativamente isolado, em face de governos bem mais liberais – e da possibilidade de concluir um acordo que se arrasta penosamente em face dos protecionistas dos dois lados há mais de duas décadas. 

Surpresas certamente advirão no decorrer de 2024, tanto no plano interno, quando no cenário externo, para as quais o presidente e seu governo precisam estar preparados, pois sucessos e insucessos de alternarão ao longo dos próximos meses. Ainda não se tem um documento de governo claramente definido em função dos seus grandes objetivos, inclusive porque, tanto na arena da política doméstica quanto no teatro da política externa, o Executivo não dispõe de comandos suficientes para controlar a marcha e o conteúdo de suas propostas e reações aos desafios que inevitavelmente surgirão. O personalismo no ambiente interno e a diplomacia excessivamente presidencial no cenário internacional podem não ser as alavancas adequadas para uma governança efetiva em face da complexidade dos problemas que marcam o Brasil e o mundo na presente conjuntura histórica de transformação geopolítica. 

Os paradoxos de uma globalização fragmentada – crescimento, crise e concentração ao mesmo tempo – afetaram o funcionamento do multilateralismo contemporâneo e os grandes Estados (com a possível exceção da União Europeia) apresentam visível tendência a atuar unilateralmente, inclusive porque suas políticas internas também se encontram divididas em grupos ou lideranças mais radicais que disputam o poder. A atmosfera política e econômica do mundo é mais de névoa e de sombras do que de céu claro e caminhos desimpedidos. Lula terá algumas difíceis escolhas a fazer, num e noutro ambiente, daí a importância de se cercar de boas assessorias: econômicas, políticas e diplomáticas.

 

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 4531, 26 dezembro 2023, 3 p.

Publicado na revista Crusoé (n. 297; 12/01/2024; link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Publicados n. 1543.

 

O Brasil em 2023: avanços e retrocessos - Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil em 2023: avanços e retrocessos 

Paulo Roberto de Almeida

diplomata, professor, membro do Conselho Acadêmico do Livres.

Revista Crusoé (22/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/295/o-brasil-em-2023-avancos-e-retrocessos/)

 

O ano começou sob os melhores auspícios: uma festa de posse com diversidade social, assistida e saudada por número apreciável de convidados estrangeiros e de milhares de entusiastas na Praça dos Três Poderes. O Itamaraty comprovou sua expertise nessas grandes recepções e tudo parecia augurar uma saudável inversão de tendências e posturas depois de quatro anos de rebaixamento internacional, tensão golpista pairando no ar de Brasília e uma pesada herança fiscal, fruto do populismo econômico praticado expressamente por razões eleitorais. Nada empanava o início de um ano que se anunciava tão triunfal quanto o slogan escolhido naquele momento: “O Brasil voltou!” 

Algumas políticas teimavam, porém, numa insistente continuidade com o governo recém findo: a teimosia em dividir o país entre “nós” – os que aderiram ao líder carismático em seu terceiro mandato – e “eles”, os bolsonaristas, e todos os derrotados de outubro; uma chocante atitude objetivamente favorável ao ditador agressor da Ucrânia, a despeito da neutralidade formal proclamada na ONU; a mesma propensão ao gasto público infinito, apesar das promessas de reforma tributária e de despesas orçamentárias controladas. O ano avançou e as contrariedades começaram a se acumular na agenda interna e na externa. 

A política doméstica começou a refletir exatamente o que outubro havia reservado em termos de maioria congressual. A exiguidade de votos consolidou uma mudança já antevista desde o governo anterior: seria o Legislativo a determinar o que seria ou não seria aprovado, e o Executivo teve de se conformar ao novo parlamentarismo informal. O preço, prolongado ao longo do ano, foi a cessão de cargos ministeriais e a continuidade do estupro orçamentário sob a forma de emendas impositivas em volume e valores crescentes. Sem qualquer pudor ou contenção, os congressistas passaram a determinar o que eles precisariam receber em troca dos projetos de lei que o Executivo buscava fazer aprovar.

Na política externa, o brilho da antecipada liderança do Sul Global começou a ser empanado justamente em função da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, para cuja solução o presidente chegou até a sugerir cessão de território por parte da nação agredida. A recepção dessas ideias no G7 de Hiroshima foi a pior possível e um esperado encontro com o presidente Zelensky foi sorrateiramente evitado. Os resultados de duas reuniões regionais sul-americanas, ainda no primeiro semestre, fugiram completamente ao projetado inicialmente: nem o retorno da Unasul, nem a promessas de redução da devastação florestal amazônica ou a prometida transição energética figuraram nas declarações finais das cúpulas integracionista e amazônica. Lula recebeu objeções dos próprios presidentes de esquerda, em especial devido a fato de ter recebido o estimado ditador venezuelano com honras de visita de Estado.

Ainda na frente externa, uma outra cúpula, a dos companheiros e aliados do Brics em Joanesburgo, terminou com um “bolinho da sorte chinês”: a ampliação a 120% dos membros, com seis novos países admitidos, todos eles do clube dos autoritários e antiocidentais, com exceção da Argentina, que acabou por rechaçar o convite de adesão desde a eleição do novo mandatário em novembro. O curioso é que, junto com a Índia, o Brasil afirmava que primeiro era necessário “definir os critérios de adesão” antes de acolher novos membros, ao passo que o chanceler oficioso se pronunciou em favor da adesão sem qualquer critério explícito. A agenda apresentada para a presidência do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, no mês de outubro tinha começado com todo o otimismo das causas sociais e da “reforma da governança global” para logo se chocar com a barbárie dos ataques terroristas do Hamas contra a população civil de Israel, sem que Lula e o PT fizessem, no início, qualquer alusão aos perpetradores das atrocidades, como se tudo fosse reação palestina à opressão do Estado de Israel. Pouco adiante, em face das reações dos aliados de Israel, Lula concedeu em identificar o agressor primeiro, designando os seus atos como terroristas, mas passando a condenar Israel como “genocida” de mulheres e crianças palestinas.

A postura do governo em relação ao drama terrível seguiu o mesmo padrão adotado no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: equiparar agressor e agredido, como se Putin não tivesse violado deliberadamente a Carta da ONU e as normas mais elementares do Direito Internacional, ou como se o Hamas representasse a legítima resposta do povo palestino contra o “apartheid israelense”. A mesma atitude prevaleceu no novo foco de tensão criado pela Venezuela contra a vizinha Guiana, recomendando “bom senso” aos dois lados, como se eles fossem equivalentes na solução dos problemas legados pelas antigas potências coloniais na região. Trata-se de um padrão costumeiro do lulopetismo: os aliados ideológicos podem atentar contra os direitos humanos, o que não é permitido aos ocidentais.

Na última reunião internacional do ano, a COP-28, Lula conseguiu ser reiteradamente contraditório: aceitou o convite para ser um associado na OPEP ao mesmo tempo em que preconizava a transição energética para combustíveis renováveis. Confrontado, finalmente, à esperada oposição da França ao acordo com a União Europeia, conformou-se ao fracasso de vinte anos de negociações – em parte provocadas pelo projeto americano da Alca, implodida por ele com a ajuda dos amigos Chávez e Kirchner – para retomar um aparente interesse, ao visitar o socialdemocrata Olaf Scholz, da Alemanha, a principal interessada na associação. Na verdade, não só os agricultores franceses tinham enormes restrições à abertura dos mercados aos competitivos produtores do Mercosul, mas outros protecionistas europeus também, sobretudo no setor das carnes; os próprios brasileiros e argentinos mantinham seu tradicional protecionismo industrial e Lula externou diversas vezes sua objeção à abertura das compras governamentais.

Entre avanços e retrocessos, o Brasil conheceu alguma estabilidade: na mediocridade do ensino, por exemplo, como refletido nos testes do PISA – programa de avaliação de jovens do ciclo médio, organizado pela OCDE e cobrindo seis dezenas de países – nos quais os estudantes brasileiros ficam sistematicamente nos últimos lugares, em matemáticas e ciências elementares e língua pátria, desde o início de nossa participação no exercício. Uma outra estabilidade das menos desejáveis situou-se num cenário bem conhecido desde a década perdida dos anos 1980: as taxas muito modestas de crescimento, numa estagnação de meio século, apenas moderadamente mais vigorosas na primeira década deste século, puxadas pela extraordinária demanda chinesa por nossos produtos de exportação.

Um outro tipo de retrocesso ocorreu na política externa. Depois da alegada autonomia pelo distanciamento da era militar, o país experimentou a chamada autonomia pela integração ao abrir-se relativamente ao mundo na redemocratização; um breve intervalo de submissão com desintegração seguiu-se no modelo “pária” antimultilateralista de Bolsonaro. Qualquer política externa mais ou menos normal depois disso seria saudada dentro em fora do país. O que se observou, no entanto, foi um ativismo seletivo caracterizado pela divisão do mundo entre um Ocidente supostamente declinante e um inexistente Sul global, por acaso incluindo duas grandes autocracias interessadas numa “nova ordem global” antiocidental.

Lula escolheu ser contraditório em várias frentes: uma reforma tributária que trará novo aumento da carga fiscal, uma duvidosa liderança ambiental associada a um cartel de produtores de petróleo, o entusiasta da transição energética quando o Brasil continua sendo um dos maiores responsáveis pelo aquecimento global, um defensor da democracia contra autoritários de direita, mas que apoia ditaduras de esquerda, enfim, a mesma metamorfose ambulante bem conhecida desde os anos 1980. Nos avanços, o golpismo foi vencido, embora a divisão do país tenha persistido. Nos retrocessos, o estatismo de retorno e uma diplomacia abertamente revisionista da atual ordem internacional. Finalmente, numa síntese sobre o ano de 2023 na frente externa, o chanceler, em discurso na CREDN-CD, conseguiu realizar a proeza de “esquecer” completamente da Ucrânia, inclusive do encontro Lula-Zelensky em Nova York, por ocasião da Assembleia Geral da ONU. Um “esquecimento” sintomático...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4523, 5 dezembro 2023, 3 p.; revisão em 27/12/2023.

Publicado em 22/12/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/295/o-brasil-em-2023-avancos-e-retrocessos/). Relação de Publicados n. 1537. 

Política externa e diplomacia brasileira na redemocratização, 1985-2010 (2023) - Paulo Roberto de Almeida

Política externa e diplomacia brasileira na redemocratização, 1985-2010

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

  

Sumário: 

1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo

2. A restauração constitucional e os erros econômicos

3. Os anos turbulentos das revisões radicais do momento neoliberal

4. Estabilização macroeconômica e nova presença internacional

5. A primeira era do Nunca Antes: a diplomacia personalista de Lula

Bibliografia e referências

 

 

1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo 

O ano de 1985 é o ponto de partida de um período marcado pela reconstrução constitucional do país, depois de mais de duas décadas de regime autoritário militar. Ele foi seguido pelos anos turbulentos de reformas econômicas e sociais, com a chamada ruptura do “neoliberalismo” – um termo profundamente equivocado, mas que pode contentar os mais estatizantes, ao risco de descontentar os verdadeiramente liberais. O período de constitucionalização foi marcado por algumas importantes mudanças conceituais e práticas nas relações internacionais do Brasil. 

Essa fase da era contemporâneo na história do Brasil foi especialmente conturbada em todas as frentes das políticas públicas, mas ela desembocou no processo de estabilização macroeconômica comandada por FHC – primeiro como ministro econômico, depois em dois mandatos como presidente –, ela mesma profundamente perturbada pelas crises financeiras dos anos 1994 a 2002, com todos os ajustes adicionais que o país teve de fazer para superar essas conjunturas difíceis nos contextos econômicos nacional e internacional. A partir de 2003, o país entrou numa fase bem diferente das precedentes, e que se prolongou com a sucessão de seu promotor e patrono, com políticas na área externa bastante distintas daquelas seguidas nos períodos anteriores da era lulopetista, mas que serão examinadas na segunda fase da Nova República, a do declínio e crise dos governos do PT.

Pode-se distinguir, metodologicamente, várias fases da vida política e econômica nacional, desde o final do regime militar, às quais não caberia, por enquanto, atribuir qualquer novo rótulo simplista, o que aliás denotaria uma falsa identidade entre, de um lado, os processos em curso nos terrenos da política e da economia, na frente doméstica e no plano internacional, e, de outro lado, nas relações internacionais do país, uma área que por vezes apresenta um comportamento de certa forma autônomo em relação aos desdobramentos que ocorrem no cenário interno no período contemporâneo imediato. 

Essa relativa autonomia das relações exteriores do país, em relação às duras realidades da conjuntura interna, pode ser vista como algo relativamente natural, considerando-se as distintas modalidades de tomada de decisões em cada frente, ou os procedimentos adotados na condução das relações exteriores, mais autocentrados, em face, por exemplo, das intensas pressões que se exercem em qualquer área das políticas públicas na frente interna. Ela também depende da personalidade e do engajamento do presidente, que dispõe de ampla margem de manobra nessa área, mas que também pode escolher para liderá-la um aliado político ou um profissional da própria diplomacia, casos nos quais se apresentam agendas e resultados eventualmente diferentes, em função das próprias personalidades e suas perspectivas políticas. Não se pode tampouco negligenciar os influxos ou demandas externas, já que a agenda internacional se faz, ou se constrói, a partir de outras forças e outras dinâmicas, às quais o país nem sempre consegue influenciar ou se adaptar de modo adequado, sem falar de crises externas, ou de desequilíbrios internos que se transformam em crises de transações correntes ou em outros desafios do gênero. 

Em qualquer hipótese, uma característica distingue profundamente as três primeiras fases deste exercício de periodização – Sarney, Collor e FHC – de uma das fases mais emblemáticas, a que se desenvolveu entre 2003 e 2010, enfeixada sob um rótulo puramente figurativo, o de “lulopetismo”. Nos três primeiros períodos – chamemo-los, simplificadamente de “redemocratização”, de “ruptura neoliberal” e de “reformas globalizadoras” – as relações exteriores do Brasil, no plano estritamente diplomático, estiveram enfeixadas, talvez dominadas, pelo staff diplomático, ou seja, o próprio corpo de profissionais do Itamaraty, que forneceu alguns ministros, conselheiros presidenciais e, mais importante, determinou grande parte da agenda externa, senão toda ela; ocorreu, também, o fato relativamente inédito, desde a ditadura do Estado Novo, de uma grande estabilidade na condução da política econômica sob o governo Fernando Henrique Cardoso, com um único ministro da Fazenda a permanecer durante dois mandatos presidenciais no comando da pasta. O período do “lulopetismo”, por sua vez, foi caracterizado por muitos observadores como sendo o de uma diplomacia partidária, o que parece evidente em muitas opções de política externa, com claro distanciamento em relação às linhas tradicionais de ação do Itamaraty, e também pelo fato de que o conselheiro presidencial era um funcionário do partido, bem menos identificado com as posturas relativamente neutras do corpo diplomático em diversas matérias da política internacional e regional (Almeida, 2014). 

Cabe agora examinar, na sequência, os padrões e as características das relações internacionais do Brasil no período em questão, ou seja, na fase da redemocratização estrito senso, na fase da ruptura “neoliberal” e dos ajustes reformistas, ambos dos anos 1990, e, finalmente, na fase da diplomacia partidária iniciada com o “lulopetismo”, em seus dois primeiros mandatos. Serão igualmente sugeridos alguns elementos interpretativos sobre as grandes tendências da diplomacia brasileira em cada uma dessas fases, com considerações finais sobre as características do desenvolvimento brasileiro e seus desafios mais importantes. Uma recomendação factual e interpretativa essencial para acompanhar, em detalhe, as diferentes configurações da política externa e da diplomacia brasileira no período de cinco presidentes, em sete mandatos sucessivos no período de 1985 a 2010, é a obra em dois volumes de Fernando Paulo de Melo Barreto Filho: A Política Externa Após a Redemocratização; tomo 1: 1985-2002; tomo 2: 2003-2010 (2012), que se encontra inteiramente disponível na Biblioteca Digital da Funag.

 (...)


Ler a íntegra nestes links: 

Disponibilizado em Research Gate (3/11/2023); link: https://www.researchgate.net/publication/375236186_Politica_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratizacao_1985-2010 

na plataforma Academia.edu (22/04/2024); link: https://www.academia.edu/117850764/4503_Política_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratização_1985_2010_2023_

domingo, 21 de abril de 2024

Política externa e diplomacia brasileira na era militar, 1964-1985 - Paulo Roberto de Almeida

  • Política externa e diplomacia brasileira na era militar, 1964-1985 
  •  

Paulo Roberto de Almeida

Doutor em Ciências Sociais, diplomata professor 

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

Disponível na plataforma acadêmica Academia.edu (link: https://www.academia.edu/117848745/4498_Política_externa_e_diplomacia_brasileira_na_era_militar_1964_1985_2023_) e em Research Gate (27/10/2023; link: https://www.researchgate.net/publication/375002356_As_relacoes_internacionais_do_Brasil_na_era_militar_1964-1985).

 


Sumário:

1. Visão geral da diplomacia e das políticas externas do regime militar

2. A diplomacia dos círculos concêntricos: governo Castello Branco (1964-1967)

3. A diplomacia da prosperidade: governo Costa e Silva (1967-1969)

4. A diplomacia do interesse nacional: governo Garrastazu Médici (1969-1974)

5. A diplomacia do pragmatismo responsável: dupla Geisel-Silveira (1974-1979)

6. A diplomacia do universalismo: governo Figueiredo (1979-1985)

7. Balanço global das diplomacias do regime militar (1964-1985)

Referências bibliográficas

 

 

As relações internacionais do Brasil durante o regime militar brasileiro podem ser analisadas, por uma parte, do lado das políticas mantidas pelos diferentes governos dos cinco generais presidentes que se sucederam ao longo do período – e, a despeito do que se crê habitualmente, elas diferiram bastante entre si – e, de outra parte, através das reações e interações mantidas por esses governos como respostas a questões da agenda internacional (dos órgãos das Nações Unidas, por exemplo), a pressões de parceiros (conflitos com os Estados Unidos sobre temas comerciais ou de propriedade intelectual, sobre a proliferação nuclear, entre outros contenciosos) ou, objetivamente, a partir de eventos ou processos dotados de grande impacto na economia do país (os dois choques do petróleo, em 1973 e 1979, ou o aumento dos juros americanos, que resultou na crise da dívida externa a partir de 1982). Vários elementos importantes dessas diplomacias resultaram, no entanto, de iniciativas dos próprios dirigentes, militares ou diplomatas, em função da percepção que mantinham sobre os interesses fundamentais do Brasil.

A literatura acumulada na área já possui diversas obras de referência obrigatória (Vizentini, 1998; Barreto, 2006; Cravo, 2016, entre muitas outras), mas uma tentativa de síntese abrangente, sobre um período especialmente problemático, do ponto de vista político, na vida do país, talvez tenha de ser efetuada por meio de uma obra coletiva que possa recolher textos expositivos de diplomatas, que disponham de um conhecimento direto das políticas praticadas ao longo do período, assim como ensaios analítico-explicativos de acadêmicos com independência em relação aos formuladores-executores dessas políticas. Aguardando que uma iniciativa desse tipo possa ser tomada, o ensaio que segue pode ser visto como uma combinação tentativa nessas duas vertentes, já que elaborada por um diplomata de carreira que também se exerce desde longos anos nas lides acadêmicas, com a independência intelectual que se requer nessas circunstâncias.

A metodologia adotada é linear, dividindo a cobertura das diplomacias praticadas em cada uma das presidências militares, mas iniciando e terminando por considerações gerais sobre o contexto externo e os problemas enfrentados pelo Brasil ao longo do período, concluindo por uma avaliação sobre a própria instituição diplomática.

 

1. Visão geral da diplomacia e das políticas externas do regime militar


(...)


Íntegra disponível nos links acima.