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segunda-feira, 22 de abril de 2024

O Brasil em 2023: avanços e retrocessos - Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil em 2023: avanços e retrocessos 

Paulo Roberto de Almeida

diplomata, professor, membro do Conselho Acadêmico do Livres.

Revista Crusoé (22/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/295/o-brasil-em-2023-avancos-e-retrocessos/)

 

O ano começou sob os melhores auspícios: uma festa de posse com diversidade social, assistida e saudada por número apreciável de convidados estrangeiros e de milhares de entusiastas na Praça dos Três Poderes. O Itamaraty comprovou sua expertise nessas grandes recepções e tudo parecia augurar uma saudável inversão de tendências e posturas depois de quatro anos de rebaixamento internacional, tensão golpista pairando no ar de Brasília e uma pesada herança fiscal, fruto do populismo econômico praticado expressamente por razões eleitorais. Nada empanava o início de um ano que se anunciava tão triunfal quanto o slogan escolhido naquele momento: “O Brasil voltou!” 

Algumas políticas teimavam, porém, numa insistente continuidade com o governo recém findo: a teimosia em dividir o país entre “nós” – os que aderiram ao líder carismático em seu terceiro mandato – e “eles”, os bolsonaristas, e todos os derrotados de outubro; uma chocante atitude objetivamente favorável ao ditador agressor da Ucrânia, a despeito da neutralidade formal proclamada na ONU; a mesma propensão ao gasto público infinito, apesar das promessas de reforma tributária e de despesas orçamentárias controladas. O ano avançou e as contrariedades começaram a se acumular na agenda interna e na externa. 

A política doméstica começou a refletir exatamente o que outubro havia reservado em termos de maioria congressual. A exiguidade de votos consolidou uma mudança já antevista desde o governo anterior: seria o Legislativo a determinar o que seria ou não seria aprovado, e o Executivo teve de se conformar ao novo parlamentarismo informal. O preço, prolongado ao longo do ano, foi a cessão de cargos ministeriais e a continuidade do estupro orçamentário sob a forma de emendas impositivas em volume e valores crescentes. Sem qualquer pudor ou contenção, os congressistas passaram a determinar o que eles precisariam receber em troca dos projetos de lei que o Executivo buscava fazer aprovar.

Na política externa, o brilho da antecipada liderança do Sul Global começou a ser empanado justamente em função da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, para cuja solução o presidente chegou até a sugerir cessão de território por parte da nação agredida. A recepção dessas ideias no G7 de Hiroshima foi a pior possível e um esperado encontro com o presidente Zelensky foi sorrateiramente evitado. Os resultados de duas reuniões regionais sul-americanas, ainda no primeiro semestre, fugiram completamente ao projetado inicialmente: nem o retorno da Unasul, nem a promessas de redução da devastação florestal amazônica ou a prometida transição energética figuraram nas declarações finais das cúpulas integracionista e amazônica. Lula recebeu objeções dos próprios presidentes de esquerda, em especial devido a fato de ter recebido o estimado ditador venezuelano com honras de visita de Estado.

Ainda na frente externa, uma outra cúpula, a dos companheiros e aliados do Brics em Joanesburgo, terminou com um “bolinho da sorte chinês”: a ampliação a 120% dos membros, com seis novos países admitidos, todos eles do clube dos autoritários e antiocidentais, com exceção da Argentina, que acabou por rechaçar o convite de adesão desde a eleição do novo mandatário em novembro. O curioso é que, junto com a Índia, o Brasil afirmava que primeiro era necessário “definir os critérios de adesão” antes de acolher novos membros, ao passo que o chanceler oficioso se pronunciou em favor da adesão sem qualquer critério explícito. A agenda apresentada para a presidência do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, no mês de outubro tinha começado com todo o otimismo das causas sociais e da “reforma da governança global” para logo se chocar com a barbárie dos ataques terroristas do Hamas contra a população civil de Israel, sem que Lula e o PT fizessem, no início, qualquer alusão aos perpetradores das atrocidades, como se tudo fosse reação palestina à opressão do Estado de Israel. Pouco adiante, em face das reações dos aliados de Israel, Lula concedeu em identificar o agressor primeiro, designando os seus atos como terroristas, mas passando a condenar Israel como “genocida” de mulheres e crianças palestinas.

A postura do governo em relação ao drama terrível seguiu o mesmo padrão adotado no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: equiparar agressor e agredido, como se Putin não tivesse violado deliberadamente a Carta da ONU e as normas mais elementares do Direito Internacional, ou como se o Hamas representasse a legítima resposta do povo palestino contra o “apartheid israelense”. A mesma atitude prevaleceu no novo foco de tensão criado pela Venezuela contra a vizinha Guiana, recomendando “bom senso” aos dois lados, como se eles fossem equivalentes na solução dos problemas legados pelas antigas potências coloniais na região. Trata-se de um padrão costumeiro do lulopetismo: os aliados ideológicos podem atentar contra os direitos humanos, o que não é permitido aos ocidentais.

Na última reunião internacional do ano, a COP-28, Lula conseguiu ser reiteradamente contraditório: aceitou o convite para ser um associado na OPEP ao mesmo tempo em que preconizava a transição energética para combustíveis renováveis. Confrontado, finalmente, à esperada oposição da França ao acordo com a União Europeia, conformou-se ao fracasso de vinte anos de negociações – em parte provocadas pelo projeto americano da Alca, implodida por ele com a ajuda dos amigos Chávez e Kirchner – para retomar um aparente interesse, ao visitar o socialdemocrata Olaf Scholz, da Alemanha, a principal interessada na associação. Na verdade, não só os agricultores franceses tinham enormes restrições à abertura dos mercados aos competitivos produtores do Mercosul, mas outros protecionistas europeus também, sobretudo no setor das carnes; os próprios brasileiros e argentinos mantinham seu tradicional protecionismo industrial e Lula externou diversas vezes sua objeção à abertura das compras governamentais.

Entre avanços e retrocessos, o Brasil conheceu alguma estabilidade: na mediocridade do ensino, por exemplo, como refletido nos testes do PISA – programa de avaliação de jovens do ciclo médio, organizado pela OCDE e cobrindo seis dezenas de países – nos quais os estudantes brasileiros ficam sistematicamente nos últimos lugares, em matemáticas e ciências elementares e língua pátria, desde o início de nossa participação no exercício. Uma outra estabilidade das menos desejáveis situou-se num cenário bem conhecido desde a década perdida dos anos 1980: as taxas muito modestas de crescimento, numa estagnação de meio século, apenas moderadamente mais vigorosas na primeira década deste século, puxadas pela extraordinária demanda chinesa por nossos produtos de exportação.

Um outro tipo de retrocesso ocorreu na política externa. Depois da alegada autonomia pelo distanciamento da era militar, o país experimentou a chamada autonomia pela integração ao abrir-se relativamente ao mundo na redemocratização; um breve intervalo de submissão com desintegração seguiu-se no modelo “pária” antimultilateralista de Bolsonaro. Qualquer política externa mais ou menos normal depois disso seria saudada dentro em fora do país. O que se observou, no entanto, foi um ativismo seletivo caracterizado pela divisão do mundo entre um Ocidente supostamente declinante e um inexistente Sul global, por acaso incluindo duas grandes autocracias interessadas numa “nova ordem global” antiocidental.

Lula escolheu ser contraditório em várias frentes: uma reforma tributária que trará novo aumento da carga fiscal, uma duvidosa liderança ambiental associada a um cartel de produtores de petróleo, o entusiasta da transição energética quando o Brasil continua sendo um dos maiores responsáveis pelo aquecimento global, um defensor da democracia contra autoritários de direita, mas que apoia ditaduras de esquerda, enfim, a mesma metamorfose ambulante bem conhecida desde os anos 1980. Nos avanços, o golpismo foi vencido, embora a divisão do país tenha persistido. Nos retrocessos, o estatismo de retorno e uma diplomacia abertamente revisionista da atual ordem internacional. Finalmente, numa síntese sobre o ano de 2023 na frente externa, o chanceler, em discurso na CREDN-CD, conseguiu realizar a proeza de “esquecer” completamente da Ucrânia, inclusive do encontro Lula-Zelensky em Nova York, por ocasião da Assembleia Geral da ONU. Um “esquecimento” sintomático...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4523, 5 dezembro 2023, 3 p.; revisão em 27/12/2023.

Publicado em 22/12/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/295/o-brasil-em-2023-avancos-e-retrocessos/). Relação de Publicados n. 1537. 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Balanço do Diplomatizzando em 2019 - Paulo Roberto de Almeida

Blog Diplomatizzando (inaugurado em 2006)

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Política Externa: balanço do primeiro ano da Bolsodiplomacia - Janina Onuki (Nexo)

Política externa brasileira: só ventos do norte não movem moinhos

Janina Onuki

No Brasil, o início de novas gestões governamentais coincide com o ano novo, momento em que é comum que as esperanças sejam renovadas. Essa época geralmente vinha sendo marcada por expectativas positivas, por mais competitivo que fosse o processo eleitoral. O começo de 2019, no entanto, gerou expectativas incomuns e apreensão, derivadas do período de campanha, onde já se destacavam discursos que usavam a polarização como recurso e nos faziam desconfiar que parte das instituições não seria capaz de absorver mudanças possivelmente disruptivas.
Ao longo do primeiro ano do governo Bolsonaro, no que se refere à política externa, vivenciamos um conjunto de episódios desorganizados, decorrente da falta de planejamento estratégico que levou a idas e vindas nessa agenda. Dois aspectos marcam um processo que pode ser considerado como uma ruptura da política externa: a centralização do processo decisório e a mudança de perfil do país no cenário internacional.
Uma frase, conhecida na literatura especializada de análise de política externa, justificaria o baixo comprometimento dos gestores em apresentar um planejamento para essa área, justificada pelo desinteresse da população: “política externa não dá votos”. Diferentemente de outras políticas públicas, a política externa foi tradicionalmente considerada distante dos cidadãos por várias razões: (i) temas externos não interessariam aos cidadãos comuns, mais preocupados com políticas domésticas, como saúde, educação e segurança pública; (ii) os efeitos distributivos das decisões em política externa seriam diluídos e difíceis de serem identificados por diferentes grupos de interesse; (iii) o Itamaraty exerceria papel central para garantir a estabilidade do processo decisório e da própria política externa.
Mudanças significativas na conjuntura internacional e doméstica no início dos anos 1990 impactaram a política externa brasileira e, consequentemente, a percepção da opinião pública sobre as ações externas. A combinação da despolarização do sistema internacional, a volta do regime democrático e a abertura comercial levaram o Brasil a ampliar suas relações com outros países e a participar mais ativamente de regimes e instituições internacionais em diferentes áreas.
Passando por governos de distintos matizes ideológicos, a política externa brasileira foi marcada pelo multilateralismo e pela liderança em diversas organizações internacionais, mas demorou para que o processo de democratização chegasse a ela.
À medida em que o país passou a participar de mais processos de negociações internacionais, a percepção dos efeitos distributivos aumentou, assim como o interesse por influenciar as decisões, demandando uma política externa mais democrática. O que preocupa é que a centralização do processo decisório no último ano fez evidenciar uma agenda mais personalista e menos preocupada em consolidar uma posição mais autônoma do Brasil no mundo.
Ao longo das décadas de 1990-2000 também o Mercosul (Mercado Comum do Sul) levou a avanços na cooperação no âmbito regional. Isso fez consolidar a liderança do Brasil em vários processos internacionais, tanto no âmbito de organismos internacionais, quanto sua atuação em coalizões como Brics e Ibas
Em todos esses espaços, havia uma estratégia coordenada que combinava consolidação da liderança como país emergente, ampliação dos níveis de accountability (responsabilidade e transparência) das decisões externas para os cidadãos e maior inclusão de atores não-governamentais na política externa, sobretudo em temas relacionados aos direitos humanos e meio ambiente, nos quais a sensibilidade da cidadania é mais apurada.
Observando o discurso que predominou nesse primeiro ano, e com o processo decisório em bases menos institucionalizadas, o risco do Brasil será sacramentar o perfil de “potência submergente” e perder espaço no plano global
Pesquisas de opinião recentes, como o survey Las Américas y el Mundo, coordenado pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e IRI/USP (Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo), mostram o aumento do interesse e da compreensão da população por temas de política externa. Resultados do questionário, aplicado em três momentos desde 2010, mostram que tem aumentado o interesse por temas de política internacional e esse interesse tem se aproximado do percentual que se verifica em outras áreas. Isso mostra também o avanço do entendimento da política externa como uma política pública.
Do ponto de vista da posição relativa do Brasil no sistema internacional, esses surveys vinham registrando a consolidação da percepção do país como uma potência emergente e com influência crescente no campo global.
Ainda que menos abruptas do que anunciadas no plano do discurso, as mudanças substantivas da política externa do governo Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato foram significativas. A começar pela desarticulação de dois pilares fundamentais, o multilateralismo e o regionalismo, concebidos precisamente como instrumentos de contrapeso à preponderância das grandes potências. A afinidade com os Estados Unidos introduziu o unilateralismo como eixo articulador da política externa brasileira.
Embora o redirecionamento tenha sido claro, o alinhamento aos EUA não foi nem tão automático nem tão pleno. Reservas de autonomia expressaram-se na relação ambivalente adotada pelo governo com relação à China — certamente em função do choque de realidade ao se tomar conhecimento da importância comercial e dos investimentos desse parceiro — e na contenção a uma intervenção militar na Venezuela, fomentada por alas mais radicais de núcleos próximos ao presidente.
As mudanças no campo regional seguiram a tônica das conduzidas no campo global. Não foram tão intensas quanto as anunciadas, mas vale registrar a derrocada da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), a criação do Prosul (Foro para o Progresso e Integração da América do Sul), e a mudança de postura com os regimes de esquerda, em especial a Venezuela.
A relação do Brasil com o Mercosul é, no outro extremo, um exemplo de mudança anunciada, mas não implementada, no primeiro ano de governo. A saída do Brasil do bloco chegou a ser cogitada, mas nenhuma medida concreta foi tomada nessa direção. A assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, ainda pendente de ratificação nos âmbitos dos legislativos nacionais dos dois blocos, também relativiza o alinhamento pleno do Brasil aos Estados Unidos.
O desprestígio da arena multilateral não ficou restrito à retórica crítica ao dito “globalismo marxista”. A posição brasileira na última conferência sobre mudanças climáticas reforçou a ênfase na abordagem unilateral — essa, sim, em clara convergência com o governo norte-americano.
A percepção externa sobre o país tem dado sinais claros de mudança. O Brasil perdeu status de potência emergente, conquistado depois de longos anos de investimento para consolidar posição de liderança em regimes internacionais de destaque. Na área ambiental, em que o país vinha sendo reconhecido como uma potência, o rebaixamento foi ainda mais acentuado.
O principal ativo futuro da política externa parece estar na área econômica. Embora nem só de economia se faça a política, um melhor desempenho nessa área poderia ajudar a reativar, em outras bases, a marca de “potência emergente”. Entretanto, observando o discurso que predominou nesse primeiro ano, e com o processo decisório em bases menos institucionalizadas, o risco será sacramentar o perfil de “potência submergente” e perder espaço no plano global, tão caro aos países em desenvolvimento
.
Janina Onuki é professora titular e diretora do Instituto de Relações Internacionais da USP, coordenadora adjunta da Área Temática Política Internacional da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), coordenadora do Grupo de Pesquisa de Relações Internacionais da Alacip (Associação Latino-Americana de Ciência Política) e pesquisadora do Caeni-USP (Centro de Estudos das Negociações Internacionais).

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Integracao latino-americana: uma avaliacao em 2008 - Paulo Roberto de Almeida

Mais de oito anos atrás, eu traçava um balanço das experiências de integração na América Latina, com uma seção especificamente dedicada ao projeto frustrado da Alca, e ensaiava uma prospectiva no que acreditava devesse ser o caminho futuro desses processos. Parece que nem com boa-vontade, a realidade dobrou-se às melhores expectativas. Atualmente, a região encontra-se mais fragmentada do que nunca.
Recentemente, um leitor de meus trabalhos chamou-me a atenção para esse trabalho analítico e prospectivo. Esta é a única razão pela qual eu fui verificar o que tinha escrito na década passada.
Eis, em todo caso, o meu balanço e as minhas previsões elaborados entre 2007 e 2008, para o que possa servir como acerto da avaliação então feita e das expectativas esperadas, talvez inutilmente.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de agosto de 2017

O link para o trabalho completo é este aqui: https://www.academia.edu/5794555/084_Evolu%C3%A7%C3%A3o_do_regionalismo_econ%C3%B4mico_e_pol%C3%ADtico_da_Am%C3%A9rica_do_Sul_dilemas_atuais_e_perspectivas_futuras_2009_


Evolução do regionalismo econômico e político da América do Sul: dilemas atuais e perspectivas futuras

Paulo Roberto de Almeida
In: Danilo Nolasco Cortes Marinho (org.).
Brasil e América Latina: colaboração e conflito
(São Paulo: Francis, 2009, 152 p.;
ISBN: 978-85-89362-98-6; p. 35-94).
Relação de Originais n. 1927. Publicados n. 932.

Sumário:
Introdução à problemática da integração regional
1. Breve síntese histórica sobre a evolução do regionalismo político e comercial na região
2. Balanço dos experimentos de integração mais importantes realizados na América do Sul
3. Conquistas e limitações dos esquemas existentes: causas e conseqüências dos principais casos
4. Impacto de recentes mudanças globais sobre os processos de integração e nos países da região
5. Estratégias nacionais adotadas em relação à integração econômica e à inserção internacional
6. Problemas do sub-regionalismo e da liberalização hemisférica: o caso frustrado da Alca
7. Dilemas e problemas da integração: consolidação ou fuga para a frente de tipo político?
8. Fragmentação política e econômica dos processos?: os desafios dos países ‘bolivarianos’
9. Perspectivas da integração sul-americana no atual contexto internacional: para além da crise?
10. Visões e estratégias possíveis: estarão as lideranças à altura dos desafios internos e externos?
11. Caminhos da integração: menos retórica, mais engajamento nas reformas

(...)

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Seis meses de IPRI: que balanço fazer? - Paulo Roberto de Almeida

Pouco mais de seis meses atrás, eu tomava posse, finalmente, como Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag, depois de longos 13 anos e meio de ostracismo, durante toda a duração do regime lulopetista (o dobro do que tinha durando meu primeiro exílio, sob a ditadura militar).
Como não houve posse formal, inclusive porque não se tratava de um cargo na Secretaria de Estado, e sim numa autarquia formalmente autônoma, ainda que não independente do Ministério das Relações Exteriores, não tive oportunidade de fazer nenhum discurso, nem de apresentar meus planos de trabalho. Mas, como sempre registro atos e fatos de minha vida, sobretudo as grandes etapas intelectuais de uma trajetória de vida toda ela dedicada aos livros, às leituras, às reflexões e escritos intermediando cada fase de um percurso rigorosamente voltado para o estudo e atividades didáticas, e como o IPRI é teoricamente um think tank (ainda que tenha pouco think e quase nenhum tank), resolvi redigir, naquele momento, minhas reflexões pessoais sobre esse "episódio", inclusive porque andava lendo as Mémoires d'outre tombe, de François-René de Chateaubriand.
Como estou ainda pensando em que tipo de balanço fazer, mas estando totalmente dedicado, no momento, à redação de um longo ensaio intelectual, resolvi postar novamente, para releitura, aquilo que eu tinha escrito no momento dessa "saída do deserto", antes de fazer propriamente um balanço, o que prometo fazer assim que possível.
Paulo Roberto de Almeida 


Considerações sobre o caráter efêmero das memórias, e das funções públicas (inspiradas em Chateaubriand)

Paulo Roberto de Almeida
Divulgado no blog Diplomatizzando (03/08/2016, link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/nomeacao-para-ipri-in-lieu-of.html).

Andei lendo, no período recente, uma seleção de trechos das “Memórias de Além-Túmulo” de François-René Auguste de Chateaubriand, numa compilação feita por Georges Readers, antigo diretor do Lycée Franco-Brésilien de São Paulo, já autor de um livro saboroso sobre Gobineau, O Inimigo Cordial do Brasil. No Avant-Propos dessa compilação, Les Plus Belles Pages des ‘Mémoires d’Outre Tombe’ (Rio de Janeiro: Americ=Edit., 1945), Georges Readers relembra que Chateaubriand, Chevalier de France, mais tarde Visconde, havia começado a redação de suas memórias entre 1803 e 1809, mas que ele a interrompeu em 1814, quando ingressou na vida política, sob a Restauração. Ele retomou sua escrita entre 1821 e 1822, durante o lazer que lhe proporcionavam as embaixadas em Berlim e em Londres, mas outras partes foram escritas bem mais tarde, abordando as carreiras literária e política, além de suas viagens pela Europa, já mais perto do final esperado de sua vida, nos anos 1840 (p. 7).
Chateaubriand, em um trecho de suas memórias, disse mais ou menos o que eu mesmo poderia dizer, se por acaso tivesse o seu estilo, a sua pompa, suas pretensões à glória e à imortalidade, ou se me sentisse, como ele, perto de um projetado túmulo:
“J’écris principalement pour rendre compte de moi-même... Aujourd’hui que je regrette encore mes chimères sans les poursuivre, que parvenu au sommet de la vie je descends vers la tombe, je veux avant de mourir remonter mes belles années, expliquer mon inexplicable cœur...”
François-Auguste de Chateaubriand, Mémoires d’Outre Tombe.

En 1846, dois anos antes de sua morte, Chateaubriand submeteu suas memórias, o trabalho de toda uma vida, a uma última revisão, mas como lhe faltavam recursos, ele concedeu entregar os originais a editores para aliviar suas agruras financeiras. Como ele mesmo escreveu, ele “hipotecou sua tumba” a uma sociedade de acionistas por uma soma de 250 mil francos, e uma ‘pension viagère’ (ou seja válida até sua morte) de 20 mil francos anuais (p. 8, p. 43). De minha parte, não tive ainda necessidade, graças a meu trabalho paralelo de professor, de hipotecar qualquer escrito vivo ou póstumo, não só porque não escrevi, até o momento, minhas memórias, apenas depoimentos esparsos, mas também porque nenhuma sociedade de acionistas se disporia a comprar alguns dos meus escritos, pelo estilo pesado que é o meu, falando de coisas totalmente aborrecidas.
Chateaubriand passou boa parte do regime do Terror, sob o Diretório, refugiado em Londres, onde ele começou, em 1796, a redigir um “Ensaio sobre as revoluções”, publicado no ano seguinte sob o título de Essai historique, politique et moral sur les Révolutions anciennes et modernes, considérées dans leurs rapports avec la Révolution Française, livro que dedicou “a todos os partidos” que dividiam então a França (p. 11).
Em 1799, Napoleão, então “primeiro cônsul” da França, retirou-o da lista dos emigrados impedidos de voltar, os banidos, e Chateaubriand retorna à França. Três anos depois, Napoleão se torna “cônsul eterno”, nomeando Chateaubriand Secretário de Embaixada em Roma, mas, um ano depois, como reação ao assassinato do Duque de Enghien, sequestrado a mando de Napoleão no exterior, Chateaubriand renuncia ao seu posto, mediante uma carta de demissão enviada diretamente ao primeiro cônsul.
Em 1804, Napoleão se autodesigna imperador hereditário dos franceses, título ao qual ele agregou o de rei da Itália. Chateaubriand viaja novamente ao exterior, notadamente à Terra Santa, e publica livros, além de reedições de suas primeiras obras. Em seu retorno à França, em 1807, o exército de Napoleão invade Portugal e provoca a fuga da família real para o Brasil. Pouco tempo depois, Chateaubriand começa a redigir as suas memórias; eleito para a Academia Francesa em 1811, não lhe dão posse no entanto. Quando Napoleão é derrotado pela primeira vez, por uma coalizão de exércitos europeus em 1814, Chateaubriand publica De Buonaparte et des Bourbons. Luis XVIII entra triunfalmente em Paris, e nomeia Chateaubriand embaixador na Suécia, mas ele não assume o posto, devido à saída do rei de Paris, no seguimento da fuga de Napoleão da ilha de Elba, ao mesmo tempo em que o Congresso de Viena iniciava seus trabalhos.
Depois de ser nomeado embaixador em Berlim (em 1820) e em Londres (1822), Chateaubriand é designado ministro plenipotenciário no Congresso de Verona, no qual desempenha um papel importante, quando se decide restabelecer no trono da Espanha o absolutista Fernando VII, contra a vontade dos espanhóis, revoltados em face de uma nova intervenção armada estrangeira. No final de 1822, Chateaubriand se torna ministro dos negócios estrangeiros, mas por pouco tempo, pois já em 1824 ele cai novamente em desgraça, assumindo uma posição liberal. Ele passa quatro anos escrevendo livros e publicando suas obras, antes de ser nomeado embaixador em Roma, em 1828. No ano seguinte, no entanto, descontente com o ministério Polignac, as querelas sobre o ensino e o restabelecimento da censura à imprensa na França, ele se demite de seu posto. Em 1830, defensor da legitimidade dinástica, ele se demite igualmente da Chambre des Pairs, protestando contra a revolução de 1830 e a posse de Louis-Philippe d’Orleans como novo rei. Condenado por complô contra o Estado em 1832, ele consegue a anulação da sentença e retorna à França, se instalando em Paris, voltando a escrever livros que confrontam o novo regime. Em 1836, ele vende suas memórias a uma sociedade comercial, sob promessa de que elas só seriam publicadas após sua morte. Em 1848, logo após a revolução de fevereiro e a queda de Luis Felipe, as Mémoires d’Outre Tombe começam a ser publicadas sob a forma de folhetim no jornal La Presse. Chateaubriand morre em 4 de julho, aos 80 anos, em Paris, unanimemente reconhecido como um dos maiores escritores da língua francesa em todos os tempos.

De minha parte, nunca tive qualquer pretensão de ser um novo Chateaubriand, certamente não pela política, e menos ainda pela literatura, a despeito de que, como ele, eu sempre me coloquei contra as tendências do momento, ao afirmar minhas opiniões e argumentos, mesmo quando eles podem provocar desconfortos ocasionais, ou até perda de posições possíveis na corporação que é a minha. Como ele, também enfrentei meus exílios, aliás dois: minha formação superior foi toda feita em francês, ainda que eu não tenha conhecido, como Chateaubriand, un séjour instructif dans un pays de langue anglaise, o que teria certamente ajudado a melhorar meu inglês, que, até hoje, permanece um tanto quanto déplorable.
Mas como Chateaubriand, eu me dediquei, ferozmente, às artes da escrita, não nos diversos gêneros literários que ele cultivou, sem exibir, em qualquer momento, sua crença romântica em algum “gênio do Cristianismo”, mas voltado unicamente aos temas da política, da economia e da sociologia. À diferença dele, entretanto, nunca pretendi vangloriar-me da beleza do meu estilo, que é terrivelmente pedante, em vez da elegância empolada das frases de Chateaubriand. Paul Hazard, da Academia Francesa, que introduziu a compilação das mais belas páginas das Memórias de Além Túmulo, não hesita em dizer que o escritor confundia, frequentemente, “verité avec beauté” (p. 32).
Como sabem os que acompanham minha atividade de escrevinhador, passei os quase três lustros do regime dos companheiros numa situação de ostracismo absoluto, sem qualquer cargo na Secretaria de Estado, ganhando aproximadamente o que ganhava um Secretario (já que sem qualquer “ajutório”), e fazendo da Biblioteca meu escritório de preferência, de fato compulsório. Foi, digamos assim, o meu segundo exílio, mas que durou o dobro do primeiro, que tinha sido de “apenas” sete anos e meio, passado na Europa, durante a fase mais dura do regime militar. Ao contrário de Chateaubriand, no entanto, eu não precisei hipotecar a minha tumba para sobreviver. Aliás, eu nem teria memórias para vender ou hipotecar; a quase totalidade do que escrevo é gratuitamente colocada à disposição dos interessados através de meu site pralmeida.org (atualmente em fase de reconstrução) ou por meio do blog Diplomatizzando. Para compensar o prejuízo salarial derivado da falta de alguma função na SERE, eu me exerci como professor, o que aliás eu sempre fiz, com grande prazer e muita satisfação intelectual.
Em todo caso, foram 13 anos e meio de travessia do deserto, durante os quais aproveitei para ler muito mais do que eu teria feito se inserido na máquina burocrática da diplomacia profissional durante os anos de dominação companheira sobre a política externa. Tal situação de ostracismo me poupou, aliás, do desprazer de ter de defender causas enviesadas e iniciativas míopes, ou ter de representar um governo totalmente inepto, notoriamente corrupto, literalmente podre, ao nível do patrimonialismo de tipo gangster, como infelizmente só descobrimos bem tarde. Aproveitei esse tempo de lazer totalmente involuntário para escrever vários livros e muitos artigos, assim como para reforçar o que eu chamei de meu “quilombo de resistência intelectual”, que é o blog Diplomatizzando, mesmo se muitos da Casa não gostem e achem que eu exagerei ou que ataquei demais a política externa dos companheiros, essa diplomacia partidária, medíocre, falsamente altiva e mentirosamente soberana, de fato, submissa a ditaduras.
Num dos muitos tournants de uma carreira diplomática razoavelmente feliz, na qual pude desempenhar funções profissionais, ou funcionais, durante muitos anos, temporariamente interrompidos por circunstâncias alheias à minha vontade, e combinar essas atividades com lides acadêmicas igualmente gratificantes, exclusivas no período recente, retomo agora o curso normal de atividades corporativas. Desde meu quilombo de resistência intelectual a desvios em algumas das políticas públicas que constituem o foco principal de meus estudos, reflexões e escritos, pude perceber, algumas semanas atrás, traços de terra na beira do oceano, vestígios de vegetação e de habitat humano ao final do deserto. Ao assumir o IPRI, espero poder oferecer à Casa algum retorno pelos bons momentos que desfrutei no serviço exterior, antes da chegada dos companheiros.
Tenho alguns, poucos, bons hábitos, e muitos outros maus, um dos quais, talvez péssimo, que é o de nunca pedir nada a ninguém, sequer audiências à administração, para cuidar, ou pedir, por exemplo, cargos ou funções, promoção, postos; nada, quase jamais. Sempre considerei que a Casa contasse com burocratas conscienciosos, que saberiam desempenhar suas avaliações de desempenho em total independência, sem interferências políticas externas e sem a influência nefasta dos chamados “pistolões” e sem o famoso “quem indica”. Durante todos esses anos, apenas tratei de fazer o meu trabalho, geralmente de maneira silenciosa, embora por vezes estridente, mas bem mais pela pluma do que pela voz. Posso contudo orgulhar-me de uma característica, talvez essencial em meu itinerário profissional, para o bem e para o mal: jamais deixei o meu cérebro em casa, quando saia para trabalhar, e nunca o depositei na portaria, quando ingressava no trabalho. Existem riscos nesses hábitos, porém, como se tornou evidente.
Aqui chegamos, enfim, e depois de anos e anos – na verdade os treze anos e meio da gestão lulopetista, quando fiz da Biblioteca, quase todos os dias, meu escritório de trabalho –, volto a exercer uma função na instituição diplomática, ainda que não de natureza executiva, simplesmente acadêmica, talvez decorativa, como disse certa vez o vice-presidente, hoje guindado à presidência interina. O cargo assumido não é porém isento de riscos, pois um antigo diretor foi ingloriosamente defenestrado, como se sabe, em pleno ancien régime “tucanês”. Achei francamente exagerada, e muito autoritária, aquela decisão, contra quem, aliás, não exercia nenhuma função executiva, certamente não relevante do ponto de vista das principais definições de política externa, no caso, na política comercial envolvida na questão das negociações em torno do projeto americano para um acordo de livre comércio hemisférico.
Na ocasião eu solidarizei imediatamente, com o defenestrado, para ser por ele reciprocado poucos meses depois ao ser, por minha vez, sancionado pela mesma administração por ter concedido uma entrevista sem a devida autorização prévia, que na época respondia à indecorosa circular da censura prévia, apropriadamente conhecida como “lei da mordaça”. Minha entrevista, ao contrário das tomadas de posição do ex-diretor do IPRI, se conformava inteiramente à política oficial do Itamaraty, mas ainda assim a administração resolveu me sancionar, sob a justificativa dúbia de que, tendo “punido um”, não poderia “deixar de punir outro”. Essa é a lógica da Inquisição, se me permitem a comparação totalmente indevida, nos efeitos práticos, mas creio que similar em espírito, senão em intenção intimidante ou dissuasiva.
A despeito de minha solidariedade com o primeiro punido pela “lei da mordaça” – que, ao sê-lo, converteu-se imediatamente num dos mártires da causa justiceira, e como tal manipulada pelos propagandistas do partido companheiro – tive a frustrante surpresa de ser vetado, um ano depois (já no início de 2003), para um cargo no Instituto Rio Branco, de coordenar o programa de mestrado, do qual eu já era professor orientador, desde 2001, programa que só funcionou durante dez anos apenas. O veto ocorreu quando o mesmo ex-diretor do IPRI, convertido em uma espécie de porta-voz das causas petistas em matéria de política externa, justamente em virtude de sua ejeção pelos “neoliberais”, foi guindado (depois de uma mudança nas regras em vigor) ao cargo real de “oficial-maior” e virtual de ideólogo-mor da diplomacia lulopetista. Essa diplomacia estranha e exótica, complacente com as ditaduras e desdenhosa das grandes “potências hegemônicas”, se encontra hoje felizmente desativada, mas provavelmente não de todo; como os irredutíveis gauleses, ela resiste, encore et toujours, nos corações e mentes dos gramscianos de academia. De fato, a julgar pelos manifestos divulgados recentemente por quase todas as entidades acadêmicas a propósito de um “golpe” em curso no Brasil, acredito que o lulopetismo diplomático ainda esteja plenamente ativo e altivo no plano das mentalidades gramscianas.
Fui vetado muitas outras vezes, ao longo do longo período lulopetista, pois nunca deixei de exercer meu direito de expressar minha opinião sobre as loucuras cometidas nestes anos bizarros, tempos de diplomacia não convencional e de exaltação exagerada da figura do “nosso Guia”. Não tenho porque esconder nada neste momento que poderia ser classificado de um “renascimento profissional”; todo o meu itinerário pessoal a longo desses anos, que eu chamei de um segundo exílio, apenas sobrevivendo no plano intelectual, encontra-se perfeitamente documentado em minhas listas de trabalhos, tanto as de originais quanto os publicados, disponíveis no meu site. Aliás, em apêndice a este texto, vou listar os trabalhos mais contundentes a esse respeito.
Não tenho ainda um programa de trabalho, meu, para o IPRI, mas existe um, já aprovado oficialmente, para secundar a diplomacia do governo, atuando como um canal de interação com a comunidade acadêmica. Vou pensar em agregar algumas outras coisas, talvez um pouco diferentes do programa que é desenvolvido oficialmente, ou dos debates que ocorrem normalmente na academia, apenas com certo comedimento, provavelmente. A razão da cautela é que, paradoxalmente, o ambiente universitário não parece ser um exemplo de isenção e de equilíbrio, se justamente medirmos os ânimos por todos esses manifestos divulgados nos últimos tempos, em “defesa da democracia”, contra o “golpe”, e outras bobagens do gênero. Vou tentar fazer algo em defesa dos valores e dos princípios da diplomacia brasileira, tão lamentavelmente conspurcados, ambos, sob o regime inacreditável dos companheiros. Digo inacreditável porque ainda não descobrimos ou desvelamos todas as patifarias cometidas ao longo desses anos, talvez mesmo no âmbito da política externa (não da diplomacia, cabe bem distinguir). Existe, certamente, muita coisa a ser feita, num país que passou mais de uma década num regime de mentiras constantes, propaganda fantasiosa, para nada falar dos crimes – econômicos, políticos, comuns – praticados ao longo desses anos bizarros.
Não precisa ser uma repetição de projetos já feitos anteriormente, mas pode-se pensar na continuidade do que foi feito em 2013, na obra em 3 volumes Pensamento Diplomático Brasileiro, 1750-1964 (disponível no site da Funag), que resultou de um projeto original meu (embora não exatamente da forma em que foi desenvolvido). Nessa obra assinei um primeiro capítulo, metodológico, e um outro sobre Oswaldo Aranha, feito a partir de um texto do embaixador João Hermes Pereira de Araújo, recentemente falecido. Começo agora a desenhar a continuidade cronológica desse projeto, cujos contornos exatos não estão ainda perfeitamente definidos. Mas já elaborei um projeto sobre os valores e princípios da diplomacia brasileira, que pode resultar num trabalho de reflexão sobre o que fizemos, na República, em matéria de formulação e de execução da diplomacia governamental, por meio das ações e escritos de alguns dos profissionais e intelectuais que se desempenharam nesta arena. Divulgarei quando possível.

Neste momento, cabe uma palavra final aos que não esmoreceram na defesa de um serviço profissional, em condições por vezes adversas de manutenção dos princípios permanentes da política externa brasileira, e que lutaram pela preservação dos valores da carreira diplomática, por parte deste colega que, por acaso, é também acadêmico, e que sempre levou um duplo combate, nas duas frentes, em prol de valores tão simples como a ideia de honestidade intelectual, ademais do princípio do interesse nacional. A minha palavra é apenas esta: vale perseverar...
Talvez eu possa terminar com uma frase atribuída a Talleyrand, contemporâneo quase exato de Chateaubriand: Quand je me regarde, je me désole. Quand je me compare, je me console… Mas o próprio Chateaubriand fez uma avaliação final de sua vida, nas páginas finais das Mémoires d’Outre Tombe:
Ainsi la vie publique et privée m’a été connue. Quatre fois j’ai traversé les mers ; (…) Pauvre et riche, puissant et faible, heureux et misérable, homme d’action, homme de pensée, j’ai mis ma main dans le siècle, mon intelligence au désert ; l’existence effective s’est montrée à moi au milieu des illusions, de même que la terre apparaît aux matelots parmi les nuages. Si ces faits répandus sur mes songes, comme le vernis qui préserve des peintures fragiles, ne disparaissent pas, ils indiqueront le lieu où est passé ma vie.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de junho e 7 de julho; São Paulo, 21 de julho de 2016.



Apêndice sobre fontes e leituras adicionais:

As obras de Chateaubriand encontram-se disponíveis na seguinte Wikisource, embora eu tenha retirado excelentes edições na biblioteca do Itamaraty, como esta informada ao início deste texto:

Georges Readers (org.), Les Plus Belles Pages des ‘Mémoires d’Outre Tombe’ (Rio de Janeiro: Americ=Edit., 1945)
Chateaubriand, François-René Auguste de, obras, em francês: https://fr.wikisource.org/wiki/Auteur:Fran%C3%A7ois-Ren%C3%A9_de_Chateaubriand.
Almeida, Paulo Roberto de, trabalhos sobre a política externa e a diplomacia lulopetista (em ordem cronológica inversa de elaboração):
3004. “Crônica final de um limbo imaginário?”, Brasília, 1 julho 2016, 2 p. Reflexões sobre o encerramento de uma etapa e o início de outra. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/cronica-final-de-um-limbo-imaginario.html).

2991. “Uma seleção de trabalhos sobre a política externa brasileira na era Lula: Paulo Roberto de Almeida, 2002-2016”, Brasília, 6 junho 2016, 13 p. Listagem seletiva, na ordem cronológica inversa, dos trabalhos mais importantes, inéditos e publicados, produzidos no período em apreço em temas da diplomacia e do sistema político brasileiro. Disponível no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/a-politica-externa-brasileira-na-era.html) e na plataforma Academia.edu (link: http://www.academia.edu/26393585/Trabalhos_PRA_sobre_a_politica_externa_brasileira_na_era_Lula_2002-2016_ (versão revista e atualizada); http://www.academia.edu/25901782/Trabalhos_PRA_sobre_a_politica_externa_brasileira_na_era_Lula_2002-2016_).

2983. “O renascimento da política externa”, Brasília, 25 maio 2016, 14 p. Publicado na revista Interesse Nacional (ano 9, n. 34, julho-setembro de 2016, link: http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/o-renascimento-dapolitica-externa/).