Meus cumprimentos, enfáticos, ao Ubiratan Iorio, e uma confissão: tenho inveja de sua capacidade analítica, de sua capacidade de síntese, de sua força moral, de sua simplicidade expositiva, enfim da clareza, da justeza, da objetividade de seus argumentos. Gostaria de escrever como ele, mas para isso, eu teria de ter primeiro as mesmas virtudes analíticas que uma vida de estudos, de pesquisa, de reflexões sensatas sobre a realidade trazem a espíritos clarividentes como o dele.
Meus parabéns, e minhas recomendações, a todos os que frequentam este espaço, para que leiam atentamente cada linha que ele escreveu.
Retirado do boletim do Instituto Millenium.
O que esperar de nossa amada Terra Brasilis em 2015?
Como se comportará nossa debilitada economia? O que acontecerá nas
imperscrutáveis sendas de nossa política? Quantos escândalos ainda se
somarão à corrupção oficial, que já se tornou endêmica? Como reagirá o
povo diante dos desagradáveis acontecimentos políticos e econômicos que
podem ser prenunciados?
A Escola Austríaca de Economia, por uma questão fundamentalmente de
metodologia, não crê em previsões quantitativas e, portanto, se alguém
me perguntar a quanto andará a taxa Selic, ou a inflação de preços, ou a
taxa de crescimento da economia, ou a taxa de desemprego em dezembro de
2015, responderei com um sonoro “não sei”! Um “não sei” científico,
faço questão de frisar. E ao qual poderei acrescentar um “e ninguém pode
saber”.
Mas é possível fazer algumas previsões qualitativas, considerando
como base a boa teoria econômica da Escola de Viena e, como contraponto
negativo, as ações e cacoetes de nossos mandatários políticos e da
equipe econômica do velho-novo governo.
Economia e política, no mundo real, não podem ser dissociadas,
especialmente no dito plano macroeconômico, ao contrário do que entende a
maioria dos economistas, todos eles seres inteligentes e estudiosos,
mas educados e treinados na corrente principal. Ambas andam lado a lado e
se amparam no sistema ético-moral, seja este sistema virtuoso ou
pecaminoso, lealdoso ou torpe, correto ou depravado.
Comecemos pelo mais importante dos três sistemas, que é certamente o
ético-moral-cultural. Quando está putrefato, contamina inevitavelmente
os outros dois, a saber, o político e o econômico. E será que podemos
esperar que em 2015 a ética e os verdadeiros valores morais e culturais
passarão da água ao vinho? Será que, depois de “mensalões”, “petrolões”,
compra de votos com dinheiro e com cargos públicos e tantos outros
episódios lamentáveis que os brasileiros, há anos, acompanham, perplexos
e estupefatos, não aparecerão novos escândalos, sempre celeremente
abafados pelo governo com o apoio de quase toda a mídia? Será que uma
presidente da República – apenas para ficarmos com um mísero exemplo –
que reluta em demitir a presidente e o conselho de administração da
Petrobras, depois de tantos escândalos e de tantos prejuízos causados ao
país, e ainda lhes dá apoio, passará a ser um modelo de respeito à
ética e à boa gestão, apenas porque começará um novo mandato? Será que
um governo que mentiu despudoradamente durante a campanha eleitoral de
2014, tentando mostrar um Brasil que só existia nas cabeças de sua
equipe de marqueteiros e de seus militantes – que mais se assemelham a
torcidas organizadas de clubes de futebol, tamanho o seu fanatismo -,
passará a respeitar a verdade? Será, enfim, que os brasileiros poderão
confiar em uma equipe de ministros que, antes de ser escolhida, foi alvo
de investigações por parte do próprio governo para ver se alguns
estariam ligados a casos de corrupção?
Meus leitores são inteligentes. Por isso, convido-os a responderem.
No que se refere à economia, é consensual que 2015 será
um ano difícil, muito difícil, de aperto de cintos em zona de grande
turbulência
No que se refere à economia, é consensual que 2015 será um ano
difícil, muito difícil, de aperto de cintos em zona de grande
turbulência. Quem semeia vento colhe tempestade e quem planta mentira
recebe na testa o bumerangue da verdade. Esse velho ensinamento da vida
se aplica com bastante propriedade à economia, não temos a menor dúvida
quanto a isso. É impossível comer demais sem ter indigestão e o governo,
entre 2008 e 2014, nada mais fez do que comer, comer e comer. Um
apetite titânico, provocado pelo apego ao poder, pela demagogia e pelo
desconhecimento da boa teoria econômica. A indigestão veio no início de
2014, mas pouco mais do que a metade do povo, enganado pela esmola do
programa bolsa família e pela propaganda debochadamente mentirosa do
governo, não a percebeu. Inflação de preços, desemprego, contas externas
em estado lamentável, crescimento zero. Tripé macroeconômico arrasado.
Um desastre completo. Atualmente, o número dos que percebem essa
deterioração é maior, porque o processo de mercado é o melhor detector
de mentiras que existe.
Um dos efeitos mais danosos provocados pela desastrosa política
econômica levada a cabo a partir de 2010 – na verdade, a partir de 2008,
ainda sob o comando de Lula – é que voltamos a ter o que os economistas
chamam de dominância fiscal, uma situação em que o déficit nas contas
do governo é que determina os rumos e os efeitos dos regimes monetário e
cambial.
Há, teoricamente, dois casos possíveis em que essa dominância fiscal
pode ocorrer. No primeiro, quando as autoridades fiscais dominam (a
expressão advém da Teoria dos Jogos) as autoridades monetárias, que
conduz a uma situação em que uma política monetária apertada agora pode
significar inflação no futuro. Não há paradoxo nenhum nisso, porque,
nesse caso, se as necessidades de financiamento do setor público (ou
déficit nominal) são cobertas pela emissão de dívida interna, a maior
taxa de juros que resultará cedo ou tarde realimentará o déficit e isso
acontecerá até o ponto em que o governo será forçado a emitir mais moeda
e, portanto, a alimentar a inflação futura.
No segundo, que acontece quando existe expectativa de forte inflação,
a dominância fiscal pode fazer com que uma política monetária apertada
agora aumente a inflação imediatamente. E também não há contradição aí.
Isso pode acontecer porque o aumento provocado na taxa de juros causa o
surgimento ou o recrudescimento das expectativas de inflação e, dada a
racionalidade dos agentes econômicos, se todos acham que a inflação vai
ser maior no futuro, por que não aumentar os preços imediatamente, em
busca de ganhos imediatos? É pura ação humana em ambiente de incerteza e
tentando valer-se da variável tempo para alcançar estados mais
satisfatórios.
Essas observações, embora não sejam essencialmente “austríacas” – na
verdade, remontam a Bob Lucas, Thomas Sargent, Neil Wallace e outros
“novos clássicos” –, não só não contradizem, como até respaldam a Teoria
Austríaca da Moeda e do Capital e a Teoria Austríaca dos Ciclos
Econômicos. É verdade que, rigor, para a Escola Austríaca não há motivos
plausíveis para a existência de “regimes” ou “políticas” fiscais,
monetárias e cambiais, mas, já que elas existem, o second best é que não
exista dominância de nenhuma delas sobre as demais. Já que estão aí – e
continuarão a estar até que a terra dê muitas voltas – que sejam
independentes uma das outras.
Ao expandir o crédito sem que a poupança tivesse aumentado, o
governo provocou um “alongamento” artificial na base da estrutura de
capital (ou triângulo de Hayek, como é do conhecimento dos meus leitores
mais assíduos). Investimentos inviáveis, então, passaram a ser
erroneamente interpretados, induzidos pela política monetária errada,
como, potencialmente, viáveis. Além disso, o governo estimulou
abertamente o consumo, o que contribuiu decisivamente para agravar os
inevitáveis ajustamentos inerentes ao processo de mercado e que
aconteceriam de qualquer forma. As taxas de juros, que tenderiam a subir
por conta da disputa pelo crédito, foram mantidas baixas por muitos
meses, na vã tentativa de “estimular o crescimento”. Como sempre
acontece quando a expansão monetária não é lastreada em aumento na
poupança genuína e como o crédito dos bancos oficiais passou a crescer
cada vez mais, esses ajustamentos, que já podiam ser detectados em 2013,
explodiram em 2014. Aqueles investimentos que pareciam rentáveis, como
sempre acontece, passaram a ser inviáveis. A base da estrutura de
capital, que se alargara de maneira não natural, então, encolheu, com a
eclosão do conhecido efeito concertina. E a economia, literalmente,
parou. Esse quadro de recessão com inflação foi ainda agravado pelo
abandono irresponsável do princípio da responsabilidade fiscal. Nenhuma
“contabilidade criativa” pode ser capaz de alterar as respostas da
economia a políticas erradas!
Em suma, o grande desafio para 2015 deveria ser o de eliminar essa
nefanda dominância fiscal, um presente de grego legado por Dilma,
Mantega & Cia. Uma demonstração incrível de incompetência teórica
alimentada por uma crença absurda nos poderes de Grayskull, em que o
Estado se traveste de He-Man e acredita que pode conduzir a vida
econômica dos indivíduos. Ressalte-se que foram necessários muitos anos
de esforços e de exigências penosas para que a dominância fiscal fosse
anulada, mas que Dilma, Mantega e seus auxiliares conseguiram mandar
para as calendas todo esse sacrifício em apenas quatro anos.
Quem acredita em milagres pode pensar que o novo ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, poderá resolver esses problemas com sua varinha mágica de
bom defensor do erário e que, em cerca de um ano, o desempenho da
economia voltará a ser satisfatório. Ledo engano! Primeiro, porque muito
dificilmente ele terá autonomia para fazer o que deve ser feito, que é
cortar fortemente as despesas públicas, podar ministérios, acabar com a
casa-da-mãe-joana em que o aparelhamento partidário transformou o
Estado, reduzir a brutal carga tributária, desburocratizar,
desregulamentar, privatizar, abrir os mercados à competição interna e
externa, adotar uma política externa conforme aos interesses do país e
muitas, dezenas e centenas, de medidas liberalizantes.
Segundo, porque Joaquim, consequentemente, será compelido a
considerar o atual descalabro, provocado pela mistura macabra de
intervencionismo aliado com o projeto de poder do PT, como um dado e a
partir disso ajustar sua coleção de foices fiscais para tentar melhorar o
deplorável estado das contas públicas.
E – não tenham dúvidas quanto a isso! – ao fim e ao cabo, suas
tesouras vão cortar mesmo, afiadas, os fundos de nossos bolsos e
desconjuntar, certeiras, nossas algibeiras. Aumentar tributos, para os
políticos, é sempre muito mais fácil do que cortar despesas. Já se fala
na volta da execrável CPMF, da CIDES, em alíquotas mais altas para o
IRPF e, até, no abominável imposto sobre grandes fortunas, velho sonho
dos petistas e esquerdistas que creem pia e estupidamente que a causa da
pobreza é a riqueza…
Terceiro, porque, por seu histórico como secretário do Tesouro de
Lula e secretário de Fazenda do governador Cabral no Rio, Levy, embora
mostrando “competência” para melhorar as contas públicas, o fez muito
mais aumentando receitas do que reduzindo despesas. Fazer “ajustes
fiscais” ele sabe fazer, mas a qualidade desses acertos é que é o
problema. Aumentar alíquotas de impostos, criar e recriar taxas e
contribuições – e toda e qualquer alma com um mínimo de percepção
econômica deveria estar farta de saber isso – equivale a dar um tiro no
pé, porque o consequente empobrecimento do setor privado e o desestímulo
à produção e à livre iniciativa sufoca o estímulo a trabalhar, asfixia a
economia, estrangula o emprego, afoga o empreendedorismo e tolhe a
atividade empresarial. Em suma, o novo ministro, embora tenha estudado
na excelente EPGE e em Chicago, até aqui se mostrou distante de poder
ser considerado um liberal. Adicionalmente, posso quase afirmar que não
conhece os bons ensinamentos da Escola Austríaca e muito menos que eles
funcionam no mundo real. É um economista sério, mas para quem cortar
gastos ou aumentar receitas parece não fazer muita diferença, pois o que
importa é a diferença entre gastos e receitas.
É evidente que mais esse assalto esperado aos pagadores de tributos
amplifica seus efeitos perniciosos quando aliado ao transtorno do
Leviatã, ao manicômio da burocracia, ao hospício da regulamentação e ao
sanatório dos controles do Estado sobre nossas vidas.
Receio que todo o esforço poderá resultar em vão porque a
essência de nossos problemas, ao invés de ser enfraquecida, continuará
intacta
Com toda a sinceridade, portanto, pelas razões expostas, não
compartilho com os mercados financeiros o otimismo demonstrado quando da
indicação de Levy para comandante da economia, até porque tenho
convicção de que nenhuma economia precisa de um “comandante”. Teremos um
ano muito duro pela frente, como tem mesmo que ser, mas receio que todo
o esforço poderá resultar em vão porque a essência de nossos problemas –
o agigantamento do Estado e sua crescente intromissão nas vidas de
pessoas e empresas – ao invés de ser enfraquecida, continuará intacta,
sendo tratada a pão de ló, como um rei gordo e pachorrento. Isso nos
conduz ao terceiro problema, que é o político.
Nenhum povo, como disse Churchill, pode ser enganado indefinidamente e
as eleições de outubro passado já deram sinal disso. Praticamente a
metade dos votantes manifestou claramente que não está satisfeita com os
que estão encastelados no poder desde 2003. A oposição saiu fortalecida
e parece que vai, enfim, depois de doze anos de letargia, cumprir o seu
papel constitucional, que é exatamente o de fazer oposição. Em ano de
aperto econômico, de aumento da carga tributária e com a muito provável
demora da inflação de preços em cair e do emprego em subir, mais
eventuais novos escândalos que poderão explodir (como as tais “operações
secretas” do BNDES), essa insatisfação poderá aumentar e,
consequentemente, as pressões sobre o governo também. Por muito menos do
que os episódios de ruptura ética e moral protagonizados pelo governo
petista, Collor foi posto para fora do Planalto a pontapés. Se Lula
resistiu ao “mensalão” em 2005 e a atual presidente ao “petrolão”, foi
porque a popularidade de ambos estava alta. Mas popularidade é como um
sopro de fumaça, que vem e passa. Um eventual movimento pelo impeachment
da presidente poderá, em um ano econômica e politicamente difícil,
ganhar força e poderemos ter problemas até de governabilidade. Não estou
querendo dizer que desejo que essa situação aconteça, mas apenas que
não é maluquice cogitar que pode acontecer.
O fiel da balança, como vem acontecendo desde os anos oitenta, é o
velho e viciado PMDB, partido que, com raras exceções, é dado ao péssimo
hábito de trocar votos por apoios a quem quer que esteja no poder.
Infeliz é o país que tem um fiel da balança assim! Porém, se a pressão
popular contra os desmandos, as mentiras, a corrupção generalizada, a
inflação, o desemprego e outras coisas mais forem fortes, os
peemedebistas – para “honrarem” sua história – poderão muito bem trocar
de lado e mudar-se para a oposição. Não comem feijão com arroz,
alimentam-se de votos; não bebem água, bebericam urnas…
São, enfim, conjecturas para o novo ano, que escrevo com tristeza,
ressaltando que nunca fui, sou ou serei membro de qualquer partido
político, porque sempre prezei e continuarei zelando por minha
independência para dizer e escrever o que penso.
Se vocês quiserem concordar com essas conjecturas, tudo bem, porque
não me sentirei só. Mas, se não creem que sejam plausíveis, podem me
cobrar daqui a um ano, certo?
E, a rigor, querem saber de um segredo? Eis: espero que eu esteja errado… Afinal, vivo no Brasil.
Minhas palavras finais são, contudo, de alento. Creio que nunca houve
condições de crescimento do movimento liberal que fossem tão
promissoras como agora, nem mesmo no início dos anos noventa, no período
posterior à queda do muro de Berlim e à implosão da URSS. Nossa tarefa,
neste momento, é a de espalhar a verdade histórica de que sem liberdade
não é possível construir-se uma grande nação. Quanto a isso, podem
contar comigo, como sempre. E, logicamente, com o IMB, o ILIN e todos os
institutos e grupos de estudos cuja tarefa é semear os valores da
liberdade e dos valores morais.
Desejo, mesmo em meio a esta barafunda, um feliz ano de 2015 a todos
vocês no plano pessoal. Saúde vale mais do que inflação; paz de espírito
do que corrupção; amor do que ódio; luta do que acomodação; consciência
tranquila mais do que medo de ser preso; patrimônio individual mais do
que PIB; e convicção na liberdade muito mais do que servidão aos
poderosos de plantão!
Fonte: Blog do Ubiratan Iorio