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sábado, 6 de outubro de 2018

Brasil, a tragedia fiscal - Ubiratan Jorge Iorio e Leandro Roque (Mises Brasil)

A explosiva situação fiscal do governo brasileiro - em dois gráficos 

Quando se fala em corte de gastos, os economistas desenvolvimentistas e de todas as vertentes keynesianas imediatamente gritam que tal medida é recessiva. A máxima deles é a de que "despesa corrente é vida".
Nada mais falso. Dizer que gastos do governo geram crescimento econômico é uma grande contradição. O governo, por definição, não produz nada. Ele não tem recursos próprios para gastar. O governo só pode gastar aquilo que antes ele confiscou via tributação ou tomou emprestado via emissão de títulos do Tesouro. 
Só que tanto tributação quanto endividamento geram consequências negativas sobre a economia.
Ao tributar, o governo toma aquele dinheiro que poderia ser usado para investimentos das empresas ou para o consumo das famílias, e desperdiça esse dinheiro na manutenção da sua burocracia. A tributação nada mais é do que uma destruição direta de riquezas. Parte daquilo que o setor privado produz é confiscado pelo governo e desperdiçado em burocracias improdutivas (ministérios, agências reguladoras, secretarias e estatais), maracutaias, salários de políticos, agrados a lobistas, subsídios para grandes empresários amigos do regime, propagandas e em péssimos serviços públicos. 
Esse dinheiro confiscado não é alocado em termos de mercado, o que significa que está havendo uma destruição da riqueza gerada.
Pior: ao tributar, o governo faz com que a capacidade futura de investimento das empresas seja seriamente afetada, o que significa menor produção, menor oferta de bens e serviços no futuro, e menos contratação de mão-de-obra.
Já ao tomar empréstimos — ou seja, emitir títulos —, o governo se apropria de dinheiro que poderia ser emprestado para empresas investirem ou para as famílias consumirem. 
Não há mágica ou truques capazes de alterar essa realidade: quando o governo se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos. Isso significa que o governo está dificultando e encarecendo o acesso das famílias e das empresas ao crédito. 
E isso é fatal, sobretudo, para as micro, pequenas e médias empresas.
E piora: a emissão de títulos gera o aumento da dívida do governo, cujos juros serão pagos ou por meio de mais impostos ou por meio de mais lançamento de títulos.
E isso leva ao reinício do ciclo vicioso.

Os números 
O governo brasileiro é uma insana e insaciável máquina de destruição de riqueza. E isso não é uma frase ideológica ou meramente demagógica. Uma simples olhada em seus números fiscais nos permite constatar isso.
Como ele gasta muito mais do que arrecada via impostos — pois tem um grande estado de bem-estar social para sustentar —, ele incorre em déficits orçamentários contínuos. Logo, ele tem de se endividar (pedir empréstimos) para poder manter seus gastos.
As consequências? O gráfico abaixo mostra a evolução da dívida bruta do governo federal desde julho de 1994. A dívida nada mais é do que um acumulado de déficits. Assim, o gráfico abaixo mostra o volume de dinheiro que foi absorvido pelo governo federal para financiar seus déficits — dinheiro este que, caso não houvesse déficits, poderia ter sido direcionado para o financiamento de investimentos produtivos:
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Gráfico 1: evolução da dívida total do governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)

O gráfico acima mostra que nada menos que R$ 5,25 trilhões já foram absorvidos pelo governo federal para sustentar sua máquina e sua burocracia. São R$ 5,25 trilhões que deixaram de financiar empreendimentos produtivos.
Impossível mensurar os custos econômicos das empresas que deixaram de ser abertas, dos empregos que deixaram de ser gerados e das tecnologias que deixaram de ser criadas simplesmente porque os investimentos não foram possíveis por causa da absorção de recursos pelo governo federal.  
Para entender o que empurrou essa dívida tão aceleradamente para cima, é necessário ver o tanto que o governo gastou a mais do que arrecadou a cada ano. O gráfico abaixo mostra a evolução do déficit nominal do governo (tudo o que o governo gasta, inclusive com juros, além do que arrecada).
Gráfico 2: evolução do déficit nominal do governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)
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O descalabro, que começou realmente ao final de 2011, mas que se intensificou a partir de meados de 2014, é inaudito. (O surto ocorrido pontualmente em 2009 se deveu à recessão daquele ano, que fez com que as receitas do governo caíssem).
Atualmente, em um período de 12 meses, o governo gasta R$ 500 bilhões a mais do que arrecada via impostos. Ou seja, em 12 meses, o governo federal se endivida em um montante de R$ 500 bilhões. São R$ 500 bilhões que ele absorve do setor privado a cada 12 meses. São R$ 500 bilhões que deixam de financiar investimentos produtivos apenas para fechar as contas do governo.
Mas agora vem a parte realmente assustadora: pegue esses R$ 500 bilhões que o governo federal absorve via empréstimos em 12 meses e some aos R$ 2,170 trilhõesque as três esferas de governo arrecadaram em 2017 via impostos. São R$ 2,670 trilhões que o estado retirou do setor privado e destruiu no financiamento de sua própria máquina. 
Isso equivale a 41% do PIB, uma vez que o PIB foi de R$ 6,6 trilhões em 2017.
E aí você começará a entender por que será difícil para um país ainda em desenvolvimento enriquecer e prosperar sob esse atual arranjo. Não há mágica capaz de subverter essa realidade.

A lógica é inescapável
Quanto maior é o governo, maiores serão seus gastos. Quanto maiores forem seus gastos, maiores terão de ser os impostos e o endividamento do governo. 
Quanto maiores forem os impostos, menores serão os incentivos ao investimento e à produção. 
Quanto maior for o endividamento do governo, maiores serão as oportunidades perdidas em investimentos que não puderam ser feitos (porque o governo se apropriou desse dinheiro que poderia ter sido emprestado para o setor privado), maiores serão os gastos com juros, e maior terá de ser a carga tributária para arcar com esses gastos com juros.
Quando políticos falam que não há como cortar gastos, o que eles realmente estão dizendo é que não há como reduzir os custos sobre os indivíduos produtivos, que são aqueles que arcam com o ônus dos impostos. Um governo com gastos elevados está, na prática, onerando aqueles que levantam cedo e vão trabalhar.
No final, aqueles que afirmam que gastos do governo geram crescimento estão afirmando que tomar dinheiro de uns para gastar com outros pode enriquecer a todos. Como diz o ditado, está afirmando que "tirar água da parte funda da piscina e jogá-la na parte rasa fará o nível geral de água na piscina aumentar".

Conclusão
Onde o governo deve cortar? Em qualquer lugar e em todo lugar.
Ministério da Cultura, Ministério do Turismo, Ministério do Desenvolvimento Social, Ministério do Esporte, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Integração Nacional, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério das Comunicações, Ministério do Turismo, Ministério da Educação, Ministério dos Transportes e Secretaria de Assuntos Estratégicos poderiam ser imediatamente abolidos. 
Veja aqui (clique em "despesas") o total das despesas de cada ministério. Excluindo-se o Ministério da Fazenda (que gasta R$ 1,2 trilhão), todos os outros ministérios gastam aproximadamente R$ 640 bilhões por ano. (Na era Dilma, eles empregavam mais de 113 mil apadrinhados e seus salários consumiam R$ 214 bilhões. Ainda não se sabe os números exatos da atual administração.)
Adicionalmente, o cancelamento de todos os aumentos prometidos ao funcionalismo público bem como a extinção dos super-salários do setor público são imprescindíveis. 
abolição do BNDES e a devolução do dinheiro a ele emprestado pelo Tesouro também seriam um bom começo (embora isso resolveria apenas um problema de estoque e não de fluxo).
A venda (ou mesmo a abolição) destas 18 estatais que queimam 86% do orçamento com funcionários muito bem pagos e que dependem de transferências do Tesouro também é imperativa, assim como a venda das 151 estatais do governo, as quais recebem um aporte anual de R$ 20 bilhões do governo.
Acima de tudo, a reforma da previdência do setor público, que é de longe o maior ralo de dinheiro do país, é absolutamente crucial.
Mas quem fará isso? Por enquanto, ninguém se apresentou.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Perspectivas economicas (e morais) para 2015 - Ubiratan Iorio (recomendo leitura atenta)

Meus cumprimentos, enfáticos, ao Ubiratan Iorio, e uma confissão: tenho inveja de sua capacidade analítica, de sua capacidade de síntese, de sua força moral, de sua simplicidade expositiva, enfim da clareza, da justeza, da objetividade de seus argumentos. Gostaria de escrever como ele, mas para isso, eu teria de ter primeiro as mesmas virtudes analíticas que uma vida de estudos, de pesquisa, de reflexões sensatas sobre a realidade trazem a espíritos clarividentes como o dele.
Meus parabéns, e minhas recomendações, a todos os que frequentam este espaço, para que leiam atentamente cada linha que ele escreveu.
Retirado do boletim do Instituto Millenium.
Paulo Roberto de Almeida

Conjecturas de um economista

O que esperar de nossa amada Terra Brasilis em 2015? Como se comportará nossa debilitada economia? O que acontecerá nas imperscrutáveis sendas de nossa política? Quantos escândalos ainda se somarão à corrupção oficial, que já se tornou endêmica? Como reagirá o povo diante dos desagradáveis acontecimentos políticos e econômicos que podem ser prenunciados?
A Escola Austríaca de Economia, por uma questão fundamentalmente de metodologia, não crê em previsões quantitativas e, portanto, se alguém me perguntar a quanto andará a taxa Selic, ou a inflação de preços, ou a taxa de crescimento da economia, ou a taxa de desemprego em dezembro de 2015, responderei com um sonoro “não sei”! Um “não sei” científico, faço questão de frisar. E ao qual poderei acrescentar um “e ninguém pode saber”.
Mas é possível fazer algumas previsões qualitativas, considerando como base a boa teoria econômica da Escola de Viena e, como contraponto negativo, as ações e cacoetes de nossos mandatários políticos e da equipe econômica do velho-novo governo.
Economia e política, no mundo real, não podem ser dissociadas, especialmente no dito plano macroeconômico, ao contrário do que entende a maioria dos economistas, todos eles seres inteligentes e estudiosos, mas educados e treinados na corrente principal. Ambas andam lado a lado e se amparam no sistema ético-moral, seja este sistema virtuoso ou pecaminoso, lealdoso ou torpe, correto ou depravado.
Comecemos pelo mais importante dos três sistemas, que é certamente o ético-moral-cultural. Quando está putrefato, contamina inevitavelmente os outros dois, a saber, o político e o econômico. E será que podemos esperar que em 2015 a ética e os verdadeiros valores morais e culturais passarão da água ao vinho? Será que, depois de “mensalões”, “petrolões”, compra de votos com dinheiro e com cargos públicos e tantos outros episódios lamentáveis que os brasileiros, há anos, acompanham, perplexos e estupefatos, não aparecerão novos escândalos, sempre celeremente abafados pelo governo com o apoio de quase toda a mídia? Será que uma presidente da República – apenas para ficarmos com um mísero exemplo – que reluta em demitir a presidente e o conselho de administração da Petrobras, depois de tantos escândalos e de tantos prejuízos causados ao país, e ainda lhes dá apoio, passará a ser um modelo de respeito à ética e à boa gestão, apenas porque começará um novo mandato? Será que um governo que mentiu despudoradamente durante a campanha eleitoral de 2014, tentando mostrar um Brasil que só existia nas cabeças de sua equipe de marqueteiros e de seus militantes – que mais se assemelham a torcidas organizadas de clubes de futebol, tamanho o seu fanatismo -, passará a respeitar a verdade? Será, enfim, que os brasileiros poderão confiar em uma equipe de ministros que, antes de ser escolhida, foi alvo de investigações por parte do próprio governo para ver se alguns estariam ligados a casos de corrupção?
Meus leitores são inteligentes. Por isso, convido-os a responderem.
No que se refere à economia, é consensual que 2015 será um ano difícil, muito difícil, de aperto de cintos em zona de grande turbulência
No que se refere à economia, é consensual que 2015 será um ano difícil, muito difícil, de aperto de cintos em zona de grande turbulência. Quem semeia vento colhe tempestade e quem planta mentira recebe na testa o bumerangue da verdade. Esse velho ensinamento da vida se aplica com bastante propriedade à economia, não temos a menor dúvida quanto a isso. É impossível comer demais sem ter indigestão e o governo, entre 2008 e 2014, nada mais fez do que comer, comer e comer. Um apetite titânico, provocado pelo apego ao poder, pela demagogia e pelo desconhecimento da boa teoria econômica. A indigestão veio no início de 2014, mas pouco mais do que a metade do povo, enganado pela esmola do programa bolsa família e pela propaganda debochadamente mentirosa do governo, não a percebeu. Inflação de preços, desemprego, contas externas em estado lamentável, crescimento zero. Tripé macroeconômico arrasado. Um desastre completo. Atualmente, o número dos que percebem essa deterioração é maior, porque o processo de mercado é o melhor detector de mentiras que existe.
Um dos efeitos mais danosos provocados pela desastrosa política econômica levada a cabo a partir de 2010 – na verdade, a partir de 2008, ainda sob o comando de Lula – é que voltamos a ter o que os economistas chamam de dominância fiscal, uma situação em que o déficit nas contas do governo é que determina os rumos e os efeitos dos regimes monetário e cambial.
Há, teoricamente, dois casos possíveis em que essa dominância fiscal pode ocorrer. No primeiro, quando as autoridades fiscais dominam (a expressão advém da Teoria dos Jogos) as autoridades monetárias, que conduz a uma situação em que uma política monetária apertada agora pode significar inflação no futuro. Não há paradoxo nenhum nisso, porque, nesse caso, se as necessidades de financiamento do setor público (ou déficit nominal) são cobertas pela emissão de dívida interna, a maior taxa de juros que resultará cedo ou tarde realimentará o déficit e isso acontecerá até o ponto em que o governo será forçado a emitir mais moeda e, portanto, a alimentar a inflação futura.
No segundo, que acontece quando existe expectativa de forte inflação, a dominância fiscal pode fazer com que uma política monetária apertada agora aumente a inflação imediatamente. E também não há contradição aí. Isso pode acontecer porque o aumento provocado na taxa de juros causa o surgimento ou o recrudescimento das expectativas de inflação e, dada a racionalidade dos agentes econômicos, se todos acham que a inflação vai ser maior no futuro, por que não aumentar os preços imediatamente, em busca de ganhos imediatos? É pura ação humana em ambiente de incerteza e tentando valer-se da variável tempo para alcançar estados mais satisfatórios.
Essas observações, embora não sejam essencialmente “austríacas” – na verdade, remontam a Bob Lucas, Thomas Sargent, Neil Wallace e outros “novos clássicos” –, não só não contradizem, como até respaldam a Teoria Austríaca da Moeda e do Capital e a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos. É verdade que, rigor, para a Escola Austríaca não há motivos plausíveis para a existência de “regimes” ou “políticas” fiscais, monetárias e cambiais, mas, já que elas existem, o second best é que não exista dominância de nenhuma delas sobre as demais. Já que estão aí – e continuarão a estar até que a terra dê muitas voltas – que sejam independentes uma das outras.
Ao expandir o crédito sem que a poupança tivesse aumentado, o governo provocou um “alongamento” artificial na base da estrutura de capital (ou triângulo de Hayek, como é do conhecimento dos meus leitores mais assíduos). Investimentos inviáveis, então, passaram a ser erroneamente interpretados, induzidos pela política monetária errada, como, potencialmente, viáveis. Além disso, o governo estimulou abertamente o consumo, o que contribuiu decisivamente para agravar os inevitáveis ajustamentos inerentes ao processo de mercado e que aconteceriam de qualquer forma. As taxas de juros, que tenderiam a subir por conta da disputa pelo crédito, foram mantidas baixas por muitos meses, na vã tentativa de “estimular o crescimento”. Como sempre acontece quando a expansão monetária não é lastreada em aumento na poupança genuína e como o crédito dos bancos oficiais passou a crescer cada vez mais, esses ajustamentos, que já podiam ser detectados em 2013, explodiram em 2014. Aqueles investimentos que pareciam rentáveis, como sempre acontece, passaram a ser inviáveis. A base da estrutura de capital, que se alargara de maneira não natural, então, encolheu, com a eclosão do conhecido efeito concertina. E a economia, literalmente, parou. Esse quadro de recessão com inflação foi ainda agravado pelo abandono irresponsável do princípio da responsabilidade fiscal. Nenhuma “contabilidade criativa” pode ser capaz de alterar as respostas da economia a políticas erradas!
Em suma, o grande desafio para 2015 deveria ser o de eliminar essa nefanda dominância fiscal, um presente de grego legado por Dilma, Mantega & Cia. Uma demonstração incrível de incompetência teórica alimentada por uma crença absurda nos poderes de Grayskull, em que o Estado se traveste de He-Man e acredita que pode conduzir a vida econômica dos indivíduos. Ressalte-se que foram necessários muitos anos de esforços e de exigências penosas para que a dominância fiscal fosse anulada, mas que Dilma, Mantega e seus auxiliares conseguiram mandar para as calendas todo esse sacrifício em apenas quatro anos.
Quem acredita em milagres pode pensar que o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, poderá resolver esses problemas com sua varinha mágica de bom defensor do erário e que, em cerca de um ano, o desempenho da economia voltará a ser satisfatório. Ledo engano! Primeiro, porque muito dificilmente ele terá autonomia para fazer o que deve ser feito, que é cortar fortemente as despesas públicas, podar ministérios, acabar com a casa-da-mãe-joana em que o aparelhamento partidário transformou o Estado, reduzir a brutal carga tributária, desburocratizar, desregulamentar, privatizar, abrir os mercados à competição interna e externa, adotar uma política externa conforme aos interesses do país e muitas, dezenas e centenas, de medidas liberalizantes.
Segundo, porque Joaquim, consequentemente, será compelido a considerar o atual descalabro, provocado pela mistura macabra de intervencionismo aliado com o projeto de poder do PT, como um dado e a partir disso ajustar sua coleção de foices fiscais para tentar melhorar o deplorável estado das contas públicas.
E – não tenham dúvidas quanto a isso! – ao fim e ao cabo, suas tesouras vão cortar mesmo, afiadas, os fundos de nossos bolsos e desconjuntar, certeiras, nossas algibeiras. Aumentar tributos, para os políticos, é sempre muito mais fácil do que cortar despesas. Já se fala na volta da execrável CPMF, da CIDES, em alíquotas mais altas para o IRPF e, até, no abominável imposto sobre grandes fortunas, velho sonho dos petistas e esquerdistas que creem pia e estupidamente que a causa da pobreza é a riqueza…
Terceiro, porque, por seu histórico como secretário do Tesouro de Lula e secretário de Fazenda do governador Cabral no Rio, Levy, embora mostrando “competência” para melhorar as contas públicas, o fez muito mais aumentando receitas do que reduzindo despesas. Fazer “ajustes fiscais” ele sabe fazer, mas a qualidade desses acertos é que é o problema. Aumentar alíquotas de impostos, criar e recriar taxas e contribuições – e toda e qualquer alma com um mínimo de percepção econômica deveria estar farta de saber isso – equivale a dar um tiro no pé, porque o consequente empobrecimento do setor privado e o desestímulo à produção e à livre iniciativa sufoca o estímulo a trabalhar, asfixia a economia, estrangula o emprego, afoga o empreendedorismo e tolhe a atividade empresarial. Em suma, o novo ministro, embora tenha estudado na excelente EPGE e em Chicago, até aqui se mostrou distante de poder ser considerado um liberal. Adicionalmente, posso quase afirmar que não conhece os bons ensinamentos da Escola Austríaca e muito menos que eles funcionam no mundo real. É um economista sério, mas para quem cortar gastos ou aumentar receitas parece não fazer muita diferença, pois o que importa é a diferença entre gastos e receitas.
É evidente que mais esse assalto esperado aos pagadores de tributos amplifica seus efeitos perniciosos quando aliado ao transtorno do Leviatã, ao manicômio da burocracia, ao hospício da regulamentação e ao sanatório dos controles do Estado sobre nossas vidas.
Receio que todo o esforço poderá resultar em vão porque a essência de nossos problemas, ao invés de ser enfraquecida, continuará intacta
Com toda a sinceridade, portanto, pelas razões expostas, não compartilho com os mercados financeiros o otimismo demonstrado quando da indicação de Levy para comandante da economia, até porque tenho convicção de que nenhuma economia precisa de um “comandante”. Teremos um ano muito duro pela frente, como tem mesmo que ser, mas receio que todo o esforço poderá resultar em vão porque a essência de nossos problemas – o agigantamento do Estado e sua crescente intromissão nas vidas de pessoas e empresas – ao invés de ser enfraquecida, continuará intacta, sendo tratada a pão de ló, como um rei gordo e pachorrento. Isso nos conduz ao terceiro problema, que é o político.
Nenhum povo, como disse Churchill, pode ser enganado indefinidamente e as eleições de outubro passado já deram sinal disso. Praticamente a metade dos votantes manifestou claramente que não está satisfeita com os que estão encastelados no poder desde 2003. A oposição saiu fortalecida e parece que vai, enfim, depois de doze anos de letargia, cumprir o seu papel constitucional, que é exatamente o de fazer oposição. Em ano de aperto econômico, de aumento da carga tributária e com a muito provável demora da inflação de preços em cair e do emprego em subir, mais eventuais novos escândalos que poderão explodir (como as tais “operações secretas” do BNDES), essa insatisfação poderá aumentar e, consequentemente, as pressões sobre o governo também. Por muito menos do que os episódios de ruptura ética e moral protagonizados pelo governo petista, Collor foi posto para fora do Planalto a pontapés. Se Lula resistiu ao “mensalão” em 2005 e a atual presidente ao “petrolão”, foi porque a popularidade de ambos estava alta. Mas popularidade é como um sopro de fumaça, que vem e passa. Um eventual movimento pelo impeachment da presidente poderá, em um ano econômica e politicamente difícil, ganhar força e poderemos ter problemas até de governabilidade. Não estou querendo dizer que desejo que essa situação aconteça, mas apenas que não é maluquice cogitar que pode acontecer.
O fiel da balança, como vem acontecendo desde os anos oitenta, é o velho e viciado PMDB, partido que, com raras exceções, é dado ao péssimo hábito de trocar votos por apoios a quem quer que esteja no poder. Infeliz é o país que tem um fiel da balança assim! Porém, se a pressão popular contra os desmandos, as mentiras, a corrupção generalizada, a inflação, o desemprego e outras coisas mais forem fortes, os peemedebistas – para “honrarem” sua história – poderão muito bem trocar de lado e mudar-se para a oposição. Não comem feijão com arroz, alimentam-se de votos; não bebem água, bebericam urnas…
São, enfim, conjecturas para o novo ano, que escrevo com tristeza, ressaltando que nunca fui, sou ou serei membro de qualquer partido político, porque sempre prezei e continuarei zelando por minha independência para dizer e escrever o que penso.
Se vocês quiserem concordar com essas conjecturas, tudo bem, porque não me sentirei só. Mas, se não creem que sejam plausíveis, podem me cobrar daqui a um ano, certo?
E, a rigor, querem saber de um segredo? Eis: espero que eu esteja errado… Afinal, vivo no Brasil.
Minhas palavras finais são, contudo, de alento. Creio que nunca houve condições de crescimento do movimento liberal que fossem tão promissoras como agora, nem mesmo no início dos anos noventa, no período posterior à queda do muro de Berlim e à implosão da URSS. Nossa tarefa, neste momento, é a de espalhar a verdade histórica de que sem liberdade não é possível construir-se uma grande nação. Quanto a isso, podem contar comigo, como sempre. E, logicamente, com o IMB, o ILIN e todos os institutos e grupos de estudos cuja tarefa é semear os valores da liberdade e dos valores morais.
Desejo, mesmo em meio a esta barafunda, um feliz ano de 2015 a todos vocês no plano pessoal. Saúde vale mais do que inflação; paz de espírito do que corrupção; amor do que ódio; luta do que acomodação; consciência tranquila mais do que medo de ser preso; patrimônio individual mais do que PIB; e convicção na liberdade muito mais do que servidão aos poderosos de plantão!
Fonte: Blog do Ubiratan Iorio

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Ubiratan Iorio publica livro sobre a Escola Austriaca de Economia

Tomo conhecimento agora, e ainda não tenho o livro, por estar no exterior, mas não tenho nenhuma hesitação em recomendar enfaticamente este novo livro de um dos poucos economistas lúcidos - ou seja, que não adere nem ao mainstream economics, que é a síntese neokeynesiana, nem à sua versã de botequim, que é a dos esquizofrênicos e aloprados que estão destruindo a economia brasileira atualmente -- que ainda temos a chance de ter. Vou encomendar o meu.
Paulo Roberto de Almeida 

Evitemos os perigos da “mitologia da coerência” no estudo da História

Em breve será publicado meu novo livro Dos Protoaustríacos a Menger: Uma Breve História das Origens da Escola Austríaca de Economia. Na introdução, escrita à guisa de exórdio, procuro advertir para alguns pontos que julguei relevantes, não apenas para que se possa compreender a mensagem do livro, mas – dentro de objetivos mais amplos – se passe a lidar com obras de História em geral.
É, naturalmente, um livro sobre a História do Pensamento da Escola Austríaca, desde suas origens pós-escolásticas até aquele que é considerado, com justiça, o fundador dessa fascinante abordagem da Economia, das Ciências Sociais, da Filosofia Política, do Direito e, de modo mais abrangente, da Filosofia e da própria vida. Nosso percurso, portanto, abrangerá cerca de seis séculos de História, que vão do século XIV ao final do século XIX.
Por esse motivo, cabem algumas reflexões, colhidas de diversos autores e de minha própria experiência, sobre Teoria Econômica e História, para que não caiamos no erro comum de julgar cada pensador apresentado no livro como se ele estivesse vivo hoje, como se fosse nosso contemporâneo, como se pudéssemos falar com ele pelo Skype ou pelo celular. É claro que não é assim e vou tentar explicar por quê.
O grande filósofo espanhol do século XX José Ortega y Gasset sustentava que a História é um sistema, com um papel muito importante, pois é por meio de seu estudo que, conhecendo o ambiente, os usos e costumes dos pensadores do passado, podemos compreender adequadamente o presente, para que no futuro tentemos evitar o que não deu certo, procurar apreender o que deu certo e, então, aplicar nosso conhecimento ao estado das artes vigente que, certamente, mudou em relação ao dos estudiosos do passado. Na verdade, nem a Escola Austríaca nem qualquer outra, em qualquer área científica, jamais foram corpos unificados de pensamento: foram e ainda são muito mais conjuntos de fragmentos colhidos aqui e ali, de diversos autores e que com o passar do tempo foram constituindo um corpo comum de conhecimentos, compartilhado pelos estudiosos de cada tendência.
Ora, isso pode ser escrito de outra forma: a História – para usarmos a linguagem de Hayek (e que foi sugerida por Menger em 1871) – é uma ordem espontânea, ou seja, um processo dinâmico de acontecimentos e decisões movidos pela ação humana, porém sem que obedeçam a estruturas previamente planejadas. Mergulhar, portanto, na História, é estudar a ação humana dos nossos antepassados, aprender em que erraram e acertaram e investigar porque erraram e acertaram, de acordo com as circunstâncias das épocas em que viveram. A História, assim como a linguagem e os mercados, são processos de tentativas e erros, são procedimentos de descobertas dinâmicos e permanentes.
Estudar a História é, portanto, investigar a ação humana pretérita
Estudar a História é, portanto, investigar a ação humana pretérita, nos campos da Economia, da Filosofia Política, do Direito, da Política e, consequentemente, do poder – que, aliás, nada mais é do que a dimensão política da ação humana, como demonstra magnificamente, em “Potere – La dimensione politica dell’azione umana” (editado por Rubbettino em 2013), o professor italiano Lorenzo Infantino, da Faculdade de Economia LUISS Guido Carli, de Roma.
Agrada-me o alerta do Prof. Peter J. Boettke, da George Mason University, na Virgínia, um dos austríacos de maior renome acadêmico da atualidade, que no capítulo 11 (“Back to the future: Austrian economics in the twenty-first century”) e no prefácio do livro “Handbook on Contemporary Austrian Economic” [publicado por Edgard Elgar, em 2010, por ele editado], adverte com bastante propriedade que a Escola Austríaca contemporânea não é um corpo unificado de pensamento e que seria um grande erro sugerir que é.
Boettke é o autor de “Living Economics: yesterday, today and tomorrow” [The Independent Institute-Universidad Francisco Marroquin, 2012]. Esse livro ganhou, em novembro de 2012, o Prêmio de melhor livro sobre a Escola Austríaca, concedido pela Foundation for Economic Education (FEE) em associação com a Society for Development of Austrian Economics (SDAE). Nele o autor introduz a ideia de que a ciência econômica afeta todas as esferas da vida, nos mercados, em uma cabine de voto, em uma igreja, em família ou em qualquer atividade humana. O Prof. Boettke acredita que a economia não é apenas um jogo para ser jogado por profissionais inteligentes, mas uma disciplina que aborda as questões práticas mais urgentes em qualquer momento histórico. Na economia, estão em jogo a riqueza e a pobreza das nações e a extensão e a qualidade de nossas vidas gira em torno das condições econômicas que nos condicionam. E, mais que tudo, que a Ciência Econômica não é um corpo consolidado, uma rocha, mas que ela vive, vale dizer, transforma-se e se aprimora ao longo do tempo.
Vejamos o que escreve no prefácio:
“Kirznerianos, rothbardianos e lachmannianos são vários rótulos que têm sido utilizados para caracterizar indivíduos e as suas contribuições. Misesianos e hayekianos são metaetiquetas que têm sido muitas vezes usadas por amigos e inimigos das respectivas vertentes de pensamento dentro da Escola Austríaca Moderna. Da forma como a enxergo, a Economia Austríaca contemporânea é um programa de pesquisas progressivo e não um corpo resolvido de pensamento e esse é o único caminho a seguir – o que significa que não devemos nos preocupar com a fidelidade às obras de qualquer pensador passado ou presente e sim em apenas buscar a verdade tal como a enxergarmos, acharmos e tomarmos ideias produtivas onde quer que possamos encontrá-las”. (tradução minha)
Na verdade, não há nada de novo nessa afirmativa. Esta era a maneira como Mises e Hayek enxergavam as ciências sociais. O cruzamento das ideias de Menger e Böhm-Bawerk com as de economistas ingleses como Wicksteed (tinturas austríacas) ou mesmo Mill (cuja famosa quarta proposição fundamental influenciou a Teoria Austríaca do Capital), economistas suecos, como Wicksell (de quem a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos absorveu o conceito de taxa natural de juros), economistas franceses como Turgot e Bastiat, belgas como De Molinari, italianos, como Bandini, Galiani e Delfico, espanhóis (como a maioria dos mais proeminentes pós-escolásticos e, no século XIX, Jaime Balmes)e economistas americanos (como Knight e Clark), era a melhor alternativa que Mises e Hayek vislumbravam a respeito da atividade intelectual de um economista. Tal cruzamento não significa completa concordância ou consistência, mas sim uma seleção capaz de melhorar as concepções sobre a economia.
O famoso historiador inglês Quentin Skinner, em “Meaning and Understanding in the History of Ideas” [in: History and Theory, Vol. 8, No. 1, 1969], antecipava o mesmo alerta a respeito do erro de considerarmos a História como um sistema fechado, que aqui repito: “Este procedimento dá aos pensamentos de vários escritores clássicos uma coerência e um ar geral de um sistema fechado, que podem nunca ter alcançado ou até mesmo sido feitos para alcançar”.
Deveria ser senso comum que a compreensão de textos escritos há cem, duzentos, trezentos ou mais anos, pressupõe a compreensão tanto do que seus autores tinham a intenção de dizer, como da maneira que esses autores desejavam que suas ideias fossem tomadas. Logo, a capacidade de compreender um texto deve ser também a de compreender tanto a intenção a ser compreendida como a intenção de como deve ser entendida.
A questão essencial com que nos confrontamos ao estudar qualquer texto, é o que o seu autor, no momento em que escreveu para o público que pretendia alcançar, desejava comunicar alguma ideia ou proposta. Portanto, o objetivo essencial de qualquer tentativa de compreender as afirmativas do autor, deve ser o de identificar essa sua complexa intenção.
Consequentemente, a metodologia apropriada para a história das ideias deve se preocupar, antes de qualquer outra coisa, com a demarcação de todo o conjunto de comunicações que poderia ter sido convencionalmente realizado por ocasião do enunciado dado pelo autor e, depois, com o delineamento das relações entre o enunciado dado e o contexto linguístico mais amplo, como um meio de decodificar a intenção real do pensador.
Existe uma crença quase metafísica a que a mitologia da coerência – isto é, a de que as doutrinas são corpos unificados de pensamento -, dá origem: ela leva a se esperar de um escritor que não apenas mostre coerência interna – que se transforma, assim, em um dever de cada intérprete revelar, mas também que todas as barreiras aparentes a essa revelação, constituídas por quaisquer contradições aparentes que o trabalho do escritor possa sugerir conter, não podem ser barreiras de fato, simplesmente porque não podem existir contradições.
Uma vítima constante dessa mitologia da coerência, inclusive por parte de muitos austríacos, é Hayek. Tenho lido muitas críticas a ele no sentido de que teria sido um “social democrata” ou um “intervencionista”, o que os leva a classificar Hayek simplesmente como um teórico liberal do século XX; entretanto, o que esses críticos deixam em segundo plano é que os pontos de vista dele e, principalmente, o público para quem escrevia e as circunstâncias da época em que ele tinha quarenta anos, em plena era dos autoritarismos, eram completamente diferentes de seus pontos de vista, do público e das circunstâncias existentes quando ele tinha oitenta anos.
Skinner explica que se podem identificar dois postulados positivos e gerais. O primeiro diz respeito aos métodos adequados para estudar a história das ideias: por um lado, é um erro escrever biografias intelectuais concentrando-se nas obras de um determinado escritor, ou escrever histórias de ideias analisando a morfologia de um determinado conceito ao longo do tempo. Esse tipo de estudo é inadequado. Por outro lado, isso não nos permite concluir, como às vezes se afirma, que nenhuma forma particular de se estudar a história das ideias é mais satisfatória do que qualquer outra. Skinner sugere então uma metodologia alternativa, que não seja sujeita a qualquer dessas inadequações. O que ele sugere, em poucas palavras, é que a compreensão de textos pressupõe a compreensão tanto do que eles tinham a intenção de dizer e de como este significado era destinado pelo autor a ser tomado.
Outra observação geral refere-se ao valor de se estudar a história das ideias. A possibilidade mais interessante, ao discutir tanto as causas das ações como as condições para compreender as propostas científicas, é a de um diálogo entre a discussão filosófica e as evidências históricas.
Skinner sugere um ponto importante sobre o valor filosófico de se estudar a história das ideias. Por um lado ele deixa claro que qualquer tentativa de justificar o estudo do tema em termos de problemas perenes e verdades universais a serem aprendidas com os textos clássicos é ingênua. Qualquer declaração de princípios é inevitavelmente a personificação de uma intenção particular, em uma ocasião especial, dirigida à solução de um problema particular, e, portanto, específica para a sua situação de uma forma que tentar ignorar esse fato só pode ser sinal de ingenuidade.
Aprender com o passado – e jamais poderemos aprendê-lo em sua totalidade – a distinção entre o que é necessário e o que é produto apenas de nossas próprias dúvidas momentâneas é a chave para nossa própria autoconsciência
A implicação principal disso é que não é meramente que os textos clássicos não possam estar preocupados com as nossas perguntas e respostas, mas apenas com as de seus próprios autores; há também, a implicação de que só existem respostas individuais a questões individuais, com tantas respostas quantas questões diferentes e tantas perguntas quanto questionadores diferentes. Não há, consequentemente, nenhuma esperança de buscar o ponto certo no estudo da história das ideias pela tentativa de aprender diretamente com os autores clássicos, concentrando-se em suas tentativas de respostas a perguntas supostamente intemporais.
Exigir da história do pensamento uma solução para os nossos problemas imediatos é, assim, incorrer em uma falácia não apenas metodológica, mas, no dizer de Skinner, um erro moral. Mas aprender com o passado – e jamais poderemos aprendê-lo em sua totalidade – a distinção entre o que é necessário e o que é produto apenas de nossas próprias dúvidas momentâneas é a chave para nossa própria autoconsciência.
Já Rothbard lembra que em toda a obra de Mises está presente a tese de que são as ideias que fazem a história, e não a história que faz as ideias. Mises sabia que apenas ideias com bases sólidas podem servir de sustentáculos a programas de ação econômicos e políticos capazes de alcançar os resultados desejados. E sabia, naturalmente, que ideias derivadas de premissas e lógicas equivocadas levam necessariamente a interpretações errôneas da realidade e que essas ideias resultarão numa conduta que “não somente deixa de alcançar os objetivos desejados por seus autores e defensores como também cria um estado de coisas que – do ponto de vista das avaliações destes – é menos desejável do que o estado de coisas anterior”.
O Prof. José Manuel Moreira (que me concedeu a honra de escrever o Posfácio de meu modesto livro), na página 50 de sua tese de doutoramento (resumida), Filosofia e metodologia da economia em F. A. Hayek – ou a descoberta de um caminho “terceiro” para a compreensão e melhoria da ordem alargada da interação humana [Universidade do Porto, 1994, no terceiro tópico do capítulo I, em que trata de teoria e história], ressalta com muita propriedade que:
“Hayek defenderá a complementaridade do tratamento histórico e teórico, mas ao mesmo tempo manterá que a aspiração a tornar a história uma ciência teórica é em si contraditória com uma outra exigência defendida por muitos historicistas (e particularmente pelos marxistas), a de que a teoria deveria sempre ser histórica”.
E prossegue o notável economista português esclarecendo que Hayek não negava que a História lida com eventos únicos, singulares, isolados, mas que isso não é uma característica exclusiva da história da humanidade. Por essa razão, enfatizava que a distinção entre teoria e história não tem conexão com a diferença entre os objetos concretos utilizados pelos dois métodos e que, assim sendo, as duas espécies de conhecimento são necessárias para que possamos compreender os fenômenos concretos, sejam eles da natureza ou da sociedade humana.
Por sua vez, Edward H. Kaplan, em sua resenha – “Writing History: Essay on Epistemology” ao livro de Paul Veyne, “Writing History: Essay on Epistemology” (Middletown, Conn. Wesleyan University Press, 1984 (ed. original em francês, de 1971, publicada em The Review of Austrian Economics, Volume 1. Ludwig von Mises Institute, 1987, iBook) escreve que Veyne nega que a história seja uma ciência social, uma vez que qualquer ciência verdadeira utiliza um conjunto de abstrações como objeto, enquanto a História os fixa em elementos particulares concretos.
Para Veyne, o historiador os compõe como “verdadeiras novelas” e assim se parece mais com um romancista do que com um cientista. Isto porque, como o romancista cria ficções às quais ele se esforça para dar uma aparência de verdade, ele pode ter que realizar o tipo de pesquisa em documentos semelhantes aos estudados normalmente pelo historiador. Este último, obviamente, não precisa criar personagens ou incidentes, mas, tal como o romancista, ele tem que decidir sobre algum “enredo” que se encaixe em sua narrativa. E escreve:
“Uma ciência do homem é possível e até certo ponto já existe, mas a história não é e não pode ser essa ciência. Tal ciência deve, Veyne argumenta (citando Mises, Hayek e Schumpeter), ser praxeológica. Se os objetos da história são eventos específicos, os objetos de uma verdadeira ciência humana devem ser abstrações que podem ser manipuladas na mente, independentemente do mundo de onde foram tiradas”. (tradução minha)
Por fim, nunca é demais lembrar que uma das características da Escola Austríaca é o individualismo metodológico. Assim sendo, cada agente – e, no caso do livro, cada pensador – é um indivíduo diferente dos demais, tanto nos aspectos objetivos como, principalmente, nos subjetivos. Ora, esta característica das pessoas, elaborada cientificamente pela Escola Austríaca mediante o individualismo metodológico, por si só já deve ser suficiente para espantar a lenda da “mitologia da coerência”, um fantasma muito mais em conformidade com as ideias coletivistas do que com a defesa das liberdades individuais.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Cenario economico preocupante - Ubiratan Jorge Iorio (IL)

Não preciso acrescentar mais nada. Talvez eu tivesse muita coisa a acrescentar, mas no terreno político -- pois conheço os companheiros, de dentro, se ouso dizer -- mas prefiro deixar todos vocês com esta excelente análise da atual situação econômica brasileira.
Eu apenas agregaria isto: o mundo, o capitalismo, os especuladores internacionais, a China, ninguém tem nada a ver com a nossa situacão. Ela foi inteiramente construída pelo governo, 150% de responsabilidade petista, tudo o que ocorreu tinha de ocorrer porque os gajos estavam no comando e manobraram as alavancas das políticas econômicas e sociais nesse exato sentido.
A HISTÓRIA NÃO OS ABSOLVERÁ!
Paulo Roberto de Almeida

Nem pessimismo, nem “terrorismo”, apenas realismo!

Ubiratan Jorge Iorio*


realidade-bemvindo

Fundamentos econômicos lamentavelmente destruídos. Do lado fiscal, agigantamento do Estado, aparelhamento partidário deste, gastos permanentemente crescentes estraçalhando as possibilidades de equilíbrio orçamentário que, mesmo sem nunca ter sido atingido, ao menos não era explosivo. Em maio, o maior déficit primário desde muitos anos; déficit nominal já ultrapassando os 4% do PIB. Na esfera cambial, abandono do regime de câmbio flutuante e consequente “administração” da taxa de câmbio mediante intervenções do Banco Central, mantendo o real sobrevalorizado em relação ao dólar (e ao Euro) para, repetindo um erro mais velho do que Matusalém, “controlar” a inflação de preços; contas externas em queda livre. Regime monetário também espicaçado: metas de inflação lenientes e mesmo assim descumpridas; inflação de preços efetiva, descontadas as pajelanças para engessá-la mediante represamento de tarifas, beirando os 8% ao ano, acima, portando, do limite superior da meta; falta de discernimento entre causa e efeito, para saber que inflação não é o crescimento dos preços, mas sim a emissão de moeda; crédito recentemente estimulado em tempos de alta dos índices de preços; taxa Selic apontando para o alto nos próximos meses, após cerca de seis anos de sucessivas baixas do Copom, movidas politicamente para “estimular” a economia. Política externa completamente escrava da ideologia, acordos danosos à nossa economia com parceiros que em pouco ou nada podem beneficiá-la; tarifas especiais contra produtos de parceiros comerciais tradicionais, como “castigo” por serem capitalistas; alinhamento com países do MERCOSUL e outros de economias praticamente rupestres, sem qualquer ganho para nosso país; afugentamento de investimentos externos, pelas restrições às liberdades e mudanças frequentes na política econômica.
Obstáculos à livre iniciativa e desestímulos a investimentos e à busca pela eficiência. Ações de empresas estatais despencando como resultado de operações danosas ao patrimônio dos acionistas (e dos pagadores de tributos). E nem quero escrever sobre a questão, endêmica, da corrupção. Quero me ater tão somente a esse quadro da economia. Um quadro preocupante, sem qualquer dúvida.
Tudo isso – e muito mais – não é invenção, ou picuinha entre economistas, ou simples oposição política ao governo, ou mera antipatia pelos que estão no poder. São fatos concretos, frios, indiscutíveis e irrefutáveis. Quando olhamos para o futuro, qualquer economista com formação razoável, seja “austríaco”, monetarista ou mesmo keynesiano, sabe o que eles significam.
A verdade é que temos uma bomba relógio, que vem sendo armada desde a metade do segundo mandato do governo anterior, quando, para enfrentar a crise internacional – que foi então diagnosticada como uma “marolinha” – se estimulou o crédito barato se reduziu a taxa Selic para “puxar” a demanda (e para vencer as eleições de 2010). Essa bomba está prestes a explodir. Nada de alarmismos, de previsões de fuga astronômica de capitais, de hiperinflação, de superdesemprego, de confiscos de poupança, de congelamentos de preços, de calotes do governo ou de caos generalizado. O economista que disser isso, ou pensa que tais fenômenos podem ser previstos com precisão (o que não é verdade) ou está querendo apavorar clientes potenciais para vender-lhes consultoria.
Mas, em respeito às leis da economia, sinto-me na obrigação de alertar que os minutos para que a bomba relógio exploda estão minguando e que, portanto, estamos nos aproximando de uma situação econômica muito difícil. Não sei se o artefato montado pela incompetência da equipe do atual governo vai explodir já, ou seja, ainda no mandato que expirará em 31 de dezembro, ou se vai estourar nas mãos do próximo presidente, seja ele quem for.
O quadro para o futuro, como já escrevi, embora não possa ser mensurado, já pode ser vislumbrado com certeza e resumido em uma palavra estagflação! Para quem não conhece o economês, isso significa simplesmente que os aumentos de preços vão se acelerar e o desemprego vai aumentar. Mas quanto, só Deus sabe…
Se a taxa de crescimento do PIB em 2014 chegar a 1%, já será muito, o mesmo se podendo dizer se a inflação anual de dezembro ficar abaixo dos 8%. A inadimplência vai aumentar, as vendas e o crédito vão sofrer baques, as contas externas vão se deteriorar mais, o Real vai se desvalorizar perante o dólar, as taxas de juros vão subir e a produtividade, bem como as taxas de poupança e investimentos, na melhor das hipóteses, não vão crescer. Provavelmente, cairão.
Relatórios recentes de bancos nacionais e estrangeiros apontam claramente para esses efeitos, embora, obviamente, tenham desagradado ao governo, que insiste em afirmar que tudo está sob o seu controle e que essas projeções não passam de “terrorismo eleitoral”.
Não se trata de terrorismo, nem de pessimismo, gente! É apenas realismo, resultante da aplicação da boa teoria econômica. Ninguém pode se sentir feliz escrevendo essas coisas que estou colocando neste artigo, porque são tristes. Mas a economia é uma ciência que, mesmo não sendo exata, possui leis que não podem ser atropeladas, porque cedo ou tarde a conta da incompetência terá que ser paga.
O próximo presidente terá uma tarefa árdua pela frente, sem qualquer dúvida. A casa está semidestruída e precisando de uma reforma completa. Realmente, é uma pena, mas nos últimos seis anos regredimos pelo menos uns vinte.

*Doutor em Economia, Presidente-Executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP)