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segunda-feira, 18 de maio de 2015

A moral dos coitadinhos - Luiz Felipe Ponde (FSP)

Na verdade, o Brasil foi muito além disso, pois além de criar uma moral -- e uma política -- dos coitadinhos, a constituinte congressual criou uma Constituição de todos os direitos e nenhum dever, instalando as bases de uma sociedade economicamente inviável, uma vez que a esquizofrenia econômica dos constituintes -- que continua com os congressistas desde então, com o PT e boa parte da esquerda e da própria sociedade -- faz com que mais e mais deveres são colocados nas "costas" do Estado, e mais e direitos são atribuídos a todos e a qualquer um, especialmente a grupos peculiares, e bizarros, que se acham oprimidos e reivindicam tratamento especial.
O Brasil é um país condenado a involuir, a não crescer, a regredir na escala civilizatória, em função de uma organização social e política inviável, totalmente incapaz de acumular riqueza para fins sociais, unicamente dedicada a carrear riquezas para os mais espertos (políticos e mandarins, em primeiro lugar, capitalistas promíscuos em segundo lugar, coitadinhos oprimidos em terceiro), tudo isso sendo pago pelo conjunto de trabalhadores e empresários, os únicos a criar riquezas que estão sendo dilapidadas por todos os demais.
Paulo Roberto de Almeida

A moral dos coitadinhos
Luiz Felipe Pondé
Folha de S.Paulo, Segunda-feira, 18 de maio de 2015

Penso como os britânicos: se dissociarmos direitos de deveres, viramos bebês que só sabem exigir direitos

A democracia contemporânea tem como um dos seus eixos a crença num contrato social baseado numa contabilidade de direitos. Todos querem direitos. Existe uma fé muito clara de que o direito a qualquer coisa que seja "é por si só um direito".

Filósofos britânicos dos séculos 18 e 19, entre eles Edmund Burke e Jeremy Bentham, integrantes do que a historiadora americana Gertrude Himmelfarb chama de iluminismo britânico, suspeitavam que uma democracia de direitos poderia levar à dissolução da relação entre direitos e deveres. E, por aí, a uma dissolução da noção de responsabilidade moral. Em termos contemporâneos, uma democracia de coitadinhos que pedem direito a tudo.

Os britânicos colocavam essa separação entre direitos e deveres na conta do delírio jacobino. A ideia dos britânicos era que se você trabalha muito (dever), você tem direito ao descanso. Se você é corajoso (dever), você tem direito à reverência daqueles que gozam da vida graças à sua coragem. Se você cuida bem de sua família (dever), você tem direito ao reconhecimento por parte daqueles cuidados por você.

Esses britânicos, que segundo Himmelfarb faziam uma sociologia das virtudes, entendiam que direitos e deveres são objetos da moral e jamais da política. Os jacobinos achavam que a política é que devia gerir os direitos. Para os britânicos, ao tornar isso objeto da política, os franceses eliminavam o fator esforço (dever) do ganho (direito).

Os franceses teriam inventado a ideia de que existem direitos "inalienáveis" do homem, pelo simples fato de que são homens. Acho a ideia fofa, mas continuo pensando como os britânicos: se dissociarmos direitos de deveres, viramos bebês chorões que só sabem exigir direitos.

Dito isso, vamos ao caso dos coitadinhos de hoje, no espírito de uma antropologia do ressentimento, a melhor ciência para compreendermos o espírito contemporâneo.

Vejamos o caso dos homens (gênero, não espécie) que estão começando a reclamar dos deveres masculinos. Na base dessa queixa está o bom e velho ressentimento.

Uma das demandas desses homens é o direito ao "aborto social". O termo é derivado de coisas como "nome social" para se referir a nomes transgêneros (ou seja, aceitos pela sociedade, mas sem referência ao sexo biológico, como uma menina que quer ser homem e passa a se chamar Roberto em vez de Alice, seu nome de nascimento).

"Aborto social" refere-se ao direito dos homens recusarem legalmente a paternidade de uma criança. Se o direito pega, o chamado "golpe da barriga" acaba. Nem a mãe nem a criança podem pedir grana (que é o que se pede, normalmente, em casos como esse, apesar de dinheiro não ser a coisa mais importante do mundo...).

A verdade é que, hoje, muitos homens mais jovens se sentem coitadinhos diante de mulheres superpoderosas. E já que as mulheres podem abortar os filhos, biologicamente (poder único da mulher), os homens reclamantes exigem o direito de abortar "socialmente" o feto. Sinto cheiro de ressentimento e vingança nessa, você não?

Mas existem fenômenos mais "sofisticados". Logo uma namorada vai ouvir do parceiro: "Você deve buscar funções que remunerem bem porque eu não estou disposto a arcar com o peso da obrigação de ser o provedor".

E aí, meninas superpoderosas, o que fazer com esses coitadinhos que não aguentam o peso e a solidão das obrigações? Nada a fazer, pois cobrar do homem o papel de provedor é "opressão", não?

Nada de ser professora de criança, nem de fazer artes plásticas, nem de trabalhar meio período, nem de trabalho "como escolha". Apenas a dura obrigação de prover. O trabalho deixa de ser uma opção existencial e se torna maldição cotidiana.

Claro que muitas meninas já vivem isso. Resta saber se estão confortáveis nesse lugar. Sendo a mentira a base de grande parte do pensamento público hoje, pouca gente tem a coragem de reconhecer a fria em que se meteu.

Ninguém quer deveres, só direitos. Mas são os deveres que sustentam a formação de vínculos; os direitos apenas geram demandas, por isso servem para políticos e embusteiros.

terça-feira, 29 de julho de 2014

O apagao moral da diplomacia companheira - Revista Veja

Crime de Putin? Azar das vítimas / Sangue em Gaza? Culpa só de Israel

Leonardo Coutinho e Tatiana Gianini
Revista Veja, 26/07/2014

O apagão moral da política externa de Brasília se revela pela indignação seletiva: silêncio total ou estridência sobre atrocidades depende de ideologia, não de princípios universais consagrados

A diplomacia e o direito de imprimir dinheiro são prerrogativas do governo. Nenhum cidadão pode fabricar as próprias cédulas ou ter uma política externa individual em que decida declarar guerra contra outra nação ou favorecer uma em detrimento de outra. O cidadão, porém, pode exigir que o governo se comporte nesses campos em que detém o monopólio decisório à maneira de seu médico ou seu advogado. Ou seja, que cuide da saúde da moeda e da adequação da política externa como um representante informado e capaz de seus mais preciosos interesses. Quando um governante pauta a diplomacia não pelo interesse nacional, mas por sua ideologia particular ou de seu grupo político, ele está agindo como um médico ou advogado que ignora o juramento de usar seu conhecimento e técnica pelo bem do paciente ou cliente. A diplomacia brasileira sob o petismo vem cometendo exatamente esse tipo de desvio de conduta. Age com solene desprezo pelo interesse nacional brasileiro, em benefício da ideologia torta do partido no poder.
Esse apagão moral na política externa brasileira foi demonstrado em sua plenitude na semana passada, com o silêncio total sobre o crime do Boeing cometido pela Rússia, seguido do ataque a Israel, vítima preferencial do terrorismo, cercado por inimigos que consideram ilegítima sua própria existência e pregam abertamente que o país seja varrido do mapa. Enquanto isso, somava-se à iníqua política de indignação seletiva do governo brasileiro a vergonhosa subserviência oficial a Raúl Castro, ditador cubano que por alguns dias se instalou em Brasília como se fosse o dono da casa. São situações que demonstram a falência moral da política externa de Dilma Rousseff — uma das deformações que herdou do lulismo e que cuidou de amplificar.
Dilma está confundindo o interesse partidário com realismo e pragmatismo, dois pilares de uma diplomacia respeitada por outras nações. Ignorar o crime de guerra de Putin na Ucrânia e agir com estridência descabida e unilateralismo contra Israel é uma dubiedade moral inaceitável e uma traição às melhores tradições diplomáticas brasileiras, que sempre nos colocaram ao lado da paz, da amenização de conflitos e da democracia — não da ditadura ou do terrorismo.
Na batalha moral com o filósofo Jean-Paul Sartre, que preferiu compactuar com os horrores cometidos pelo soviético Josef Stalin, o escritor argelino Albert Camus rompeu os laços com o amigo para preservar a sua estatura ética. Em uma análise de um conflito em seu país natal, em 1956, disse: "Quaisquer que sejam as origens antigas e profundas da tragédia argelina, um fato permanece: nenhuma causa justifica a morte de inocentes". Já depois da II Guerra, o mundo começou a caminhar para considerar que a ocorrência de vítimas humanas em conflitos, independentemente do país a que pertenciam ou dos argumentos usados, deveria ser igualmente condenável. Nos rituais diplomáticos, a reação passou a vir em notas de condolência, em que os governos lamentam as tragédias, fossem elas de causas naturais ou humanas. Nos últimos dias, o mundo tem assistido a uma porção delas.
Em Gaza, os ataques do governo israelense contra o grupo terrorista Hamas produziram em torno de 800 mortos desde o início do mês. Mais de trinta israelenses morreram, ou por terem sido atingidos por foguetes do Hamas, ou por entrarem em combate direto com os terroristas. Há duas semanas, no leste da Ucrânia, 298 pessoas que estavam a bordo do voo MH17, da Malaysia Airlines, perderam a vida depois que um míssil lançado por separatistas, apoiados pela Rússia, acertou o Boeing 777. Surpreendentemente, esses eventos têm merecido atenção diferenciada do governo brasileiro. Os ataques de Israel foram condenados pelo Itamaraty como uso "desproporcional da força", enquanto não se fez nada em relação às vítimas dos separatistas na Ucrânia. A vida de alguns inocentes pode ser mais importante que a de outros? Pela moralidade do governo brasileiro, sim. Se os assassinos nutrem a mesma linha ideológica, não há nada a ser dito. Caso a proximidade seja com as vítimas, então o reproche é total. Na semana passada, a dubiedade brasileira foi criticada pelo porta-voz da chancelaria israelense Yigal Palmor (veja a entrevista nas págs. 66 e 67), para quem o Brasil não passa de um anão diplomático.
As palavras de Palmor foram uma resposta a uma nota do Itamaraty. Na quarta-feira 23, o órgão responsável pelas relações internacionais divulgou um texto condenando a ação de Israel na Faixa de Gaza (veja a matéria na pág. 74). O texto omitiu os ataques dos terroristas do Hamas. "O Brasil só se posiciona contra Israel porque existe o antissemitismo implícito em políticas de alguns grupos de esquerda, mas não condena a Líbia, o Irã, a Síria, a Turquia. É a conivência com o terror. Em alguns casos, com o Hamas", diz o filósofo Denis Rosenfield. Chanceler de fato do Brasil, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia (o chanceler de direito chama-se Luiz Alberto Figueiredo e há uma foto dele na página 72), foi quem deu o tom da diplomacia. "O que estamos assistindo no Oriente Médio, pelo amor de Deus, é um genocídio, é um massacre", disse ele. O Brasil convocou o embaixador em Israel, o que na liturgia diplomática significa o grau mais fraco de insatisfação em uma escala em que o mais forte é o rompimento de relações.
A omissão sobre a queda do avião com 298 pessoas a bordo na Ucrânia tem outra natureza. Suas raízes estariam no antiamericanismo, que passou a dominar as relações exteriores desde o mandato do presidente Lula. Ao afastar-se da democracia mais consolidada do mundo, o Brasil se aproximou das piores autocracias do planeta, de ditadores e de genocidas. Entre eles está o presidente russo Vladimir Putin. O míssil supersônico que abateu o Boeing 777 da Malaysia Airlines partiu de uma bateria antiaérea de fabricação russa operada por paramilitares apoiados pelo governo de Putin. Quando soube da queda da aeronave, na quinta-feira 17, a presidente Dilma Rousseff pediu prudência àqueles que culpavam a Rússia pelo atentado e insinuou, repetindo a estapafúrdia propaganda de Moscou, que poderia se tratar de um ataque contra o seu camarada russo. A morte de quase 300 pessoas inocentes passou em branco.
Outro traço do antiamericanismo tem sido o apoio irrestrito à ditadura cubana. Na mesma quinta-feira em que Dilmadefendia Putin, o ditador cubano Raúl Castro foi pilhado no comando da Granja do Torto, uma das residências oficiais destinadas ao uso exclusivo do presidente da República — do Brasil, para que não restem dúvidas. Raúl dispensou os servidores brasileiros e os substituiu por cubanos. Em vez de usar a Embaixada de Cuba para despachar, transformou as dependências da Granja do Torto em Brasília na sua "embaixada pessoal". Recebeu o colega boliviano Evo Morales, com quem fechou uma parceria para a construção de uma fábrica de sucos de frutas na Bolívia. Em seguida, recebeu o presidente colombiano Juan Manuel Santos para tratar dos acordos de paz entre o governo e os terroristas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que têm sido realizados em Havana. Dilma disse que a cortesia foi um gesto de reciprocidade. "Se alguém tem preconceito com Cuba, que não misture o preconceito com essas relações que são relações diplomáticas de alto nível", disse Dilma, que jamais se hospedou nas várias casas que os irmãos Castro possuem na ilha (em todas as visitas oficiais ao país caribenho ela se instalou no hotel Meliá Cohiba). Nos três primeiros anos de governo, ela recebeu 21 chefes de Estado, um terço do que ocorreu com no mesmo período. Avessa à política internacional, Dilma transformou o Itamaraty em um órgão que funciona sob demanda do Planalto. "Nossa diplomacia tem se caracterizado por uma ausência de rumos claros", diz o embaixador José Botafogo Gonçalves. Pode ser, mas Putin, o ditador Castro e os terroristas do Hamas estão muito satisfeitos.