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quarta-feira, 25 de julho de 2007

757) O Itamaraty colaborando com a ditadura...

Tristes tempos aqueles, nos quais diplomatas era levados a colaborar com um regime de exceção...


Correio Braziliense
Assunto: Política
Título: 1a O serviço secreto do Itamaraty
Data: 22/07/2007
Crédito: Claudio Dantas Sequeira
Segredo de Estado

Diplomatas brasileiros perseguiram opositores da ditadura por meio de um poderoso sistema de inteligência, criado e operado pela cúpula do Ministério das Relações Exteriores. O Correio desvenda, a partir de hoje, um mistério de quatro décadas

Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio

Um rígido código de honra, uma portaria ultra-secreta e seguidas ações de desinformação garantiram que até hoje permanecesse desconhecido da sociedade um dos segredos mais bem guardados da ditadura: de 1966 até 1985, o Itamaraty operou um poderoso serviço de inteligência, tendo como modelos o MI6 britânico e sua versão norte-americana, a CIA. Naquele período, os punhos de renda da diplomacia do Barão de Rio Branco ganharam abotoaduras de chumbo. Diplomatas de vários escalões foram recrutados para compor o chamado Centro de Informações do Exterior (Ciex) — que agora, se sabe, foi a primeira agência criada sob o guarda-chuva do Sistema Nacional de Informação (SNI), o aparato de repressão política usado para sustentar o regime militar.

O Correio obteve acesso exclusivo ao arquivo secreto do Ciex, um acervo com mais de 20 mil páginas de informes produzidos ao longo de 19 anos. Depois de quatro meses analisando cada documento, seu grau de confiabilidade e nível de distribuição, pode-se concluir que nunca houve refúgio seguro aos brasileiros contrários ao golpe de 64. Banidos ou exilados, eles foram monitorados a cada passo, conversa, transação ou viagem no exterior. A malha de agentes e informantes operada pelo Itamaraty se estendeu para além da América Latina, alcançando o Velho Continente, a antiga União Soviética e o norte da África.

Com verba reservada e subordinado à Secretaria Geral das Relações Exteriores, o Ciex foi batizado oficialmente de Assessoria de Documentação de Política Exterior, ou simplesmente Adoc. Até 1975 funcionou de forma insuspeita no gabinete 410, do 4º andar do Anexo I do Palácio do Itamaraty. A placa com o número da sala foi retirada, e assim permanece até hoje, confundindo quem busca a Divisão de Promoção do Audiovisual, ali instalada desde 2006. Toda essa parafernália de camuflagem visava evitar comoção e críticas dentro do ministério, e resguardava a imagem dos diplomatas perante a sociedade.

Verdade
A escassez de evidências da participação da diplomacia brasileira na repressão fez crer a todos que o Ministério das Relações Exteriores foi a reserva moral da democracia, em pleno regime militar. Construiu-se, com o silêncio, a imagem de diplomatas sem partidos ou tendências ideológicas, incólumes aos vaivéns da política e dedicados exclusivamente à defesa do interesse do Estado. Mas não é bem assim. A cúpula do Itamaraty se ajustou perfeitamente aos interesses do governo militar, e o Ciex contribuiu de maneira decisiva para a localização e detenção de muitos asilados.

De fato, dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime, o Correio descobriu 64 deles no arquivo secreto do Ciex (leia as reportagens nas páginas 3,4 e 5). O serviço secreto, além de localizar e identificar essas pessoas fora do país, facilitava detalhes de seu regresso ao Brasil. Muitos documentos lançam luz sobre os informantes infiltrados nos grupos de resistência, fornecendo pistas ou até a identidade dessas pessoas. O amplo registro das atividades políticas desses asilados, o conhecimento de intimidades e de suas relações pessoais em território estrangeiro municiaram as demais agências da repressão com dados sumamente importantes para as sessões de interrogatórios, reconhecidamente marcadas por torturas que, certas vezes, derivaram em julgamentos sumários.

Dentre os brasileiros que foram alvo do Ciex estão lideranças políticas, militares rebelados, guerrilheiros, estudantes e pessoas comuns que se opunham à ditadura militar. Para citar alguns exemplos, foram monitorados exaustivamente o ex-presidente João Goulart e o ex-governador Leonel Brizola, os deputados Miguel Arraes, Neiva Moreira e Márcio Moreira Alves. O ex-ministro e fundador da UnB, Darcy Ribeiro. Também o ex-almirante Candido Aragão e o ex-coronel Jefferson Cardim. Os intelectuais Antônio Callado, Florestan Fernandes, Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. E até o ex-presidente liberal Jucelino Kubitschek.

Elite
A análise do arquivo do Ciex revela ainda que a perseguição política da diplomacia não se restringia aos brasileiros. Seus agentes também perseguiram os estrangeiros contrários ao regime em seus próprios países, em flagrante violação do direito internacional e do princípio de soberania — tão caro à tradição do Itamaraty. Também foram alvos políticos, empresários e até diplomatas de países socialistas ou comunistas em missão oficial dentro do território brasileiro. Para o Ciex, a espionagem não era uma atividade meramente operacional. Ela se inscrevia num contexto político mais complexo e, geralmente, alheio à compreensão da maioria dos agentes do SNI. Tal visão era potencializada pela vasta cultura geral e a rígida hierarquia — que prescinde de uniformes e patentes — próprias aos diplomatas. Em seu profissionalismo de servidor público, os membros que integraram o serviço secreto do Itamaraty acreditavam ocupar um patamar superior ao dos demais espiões da ditadura, uma verdadeira elite dentro do sistema de informação.

O conhecimento desse capítulo escondido da ditadura recoloca a diplomacia junto aos militares no banco dos réus no julgamento da História. Força uma revisão da memória da guerra ideológica, inclusive em relação aos próprios opositores da ditadura. Sobreviventes do período são os responsáveis por construir a maior parte da memória clandestina, seja através da reconstituição de fatos ou da montagem de lembranças pessoais. De alguma maneira, esses sobreviventes são vencedores, e como tal, fazem prevalecer seu ponto de vista, elegem líderes e delatores, relegando outros ao esquecimento. Parte do conteúdo dos informes do Ciex, para preocupação dos vitoriosos, questiona muitas versões que hoje são tidas como verdade absoluta.

Correio Braziliense
Assunto: Política
Título: 1b As vítimas do CIEX
Data: 22/07/2007
Crédito: Claudio Dantas Sequeira
Segredo de Estado

Arquivo secreto da “CIA brasileira” contém mais de 8 mil informes. Documentos abasteceram as demais agências do Sistema Nacional de Informações

Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio

Em uma pesquisa detalhada nos 8 mil informes que compõem o arquivo secreto do Ciex, o Correio encontrou milhares de registros de fatos que antecederam ou precederam a morte ou o desaparecimento de 64 asilados brasileiros. Essas informações, que ajudaram a selar o destino dos perseguidos, tinham origem em diferentes fontes, como informantes infiltrados, agentes de serviços de informação estrangeiros ou material apreendido com subversivos. Tudo era processado pelos membros do Ciex, depois classificado e encaminhado aos órgãos da repressão interna.

Desses, os principais receptores de documentos foram SNI/AC, CIE, Cisa, Cenimar, DSI/MRE, CI/DPF, além das 2ª secretarias dos Estados Maiores das Forças Armadas (EME, EMAER e EMA). Estes, por sua vez, analisavam as informações, as cruzavam com outros dados e produziam novos informes, que serviriam para a tomada de decisão das autoridades políticas e policiais. Como parte do amplo organograma do aparato repressivo, esses órgãos também construíram seus próprios arquivos secretos e os mantêm a sete chaves.

A maior parte do arquivo do Ciex é composta por documentos secretos, o segundo mais alto nível de classificação existente. Também há informes ultra-secretos, os mais protegidos, e confidenciais, o terceiro nível de classificação. A reportagem elaborou uma síntese das referências encontradas sobre os principais asilados brasileiros perseguidos pela ditadura. A investigação tomou como base a lista de 380 vítimas do regime militar encontrada no sítio www.desaparecidospoliticos.org.br. Informações inéditas sobre a trajetória dos desaparecidos e mortos podem servir às famílias de pequeno alívio ante a dor que se alimenta da ausência de explicações. Para os historiadores, é o desafio de incorporar elementos que, por um lado, ampliam o conhecimento acerca desse capítulo sombrio da recente História brasileira. Por outro, lançam novos questionamentos sobre o que já foi escrito.

É o caso, por exemplo, de Wânio José de Mattos, preso em Santiago do Chile logo depois do golpe de Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973. Seus familiares passaram anos a fio sem saber o que havia ocorrido ao asilado, até que o governo chileno, em 1992, confirmou sua morte por "perionite" no Estádio Nacional. O sofrimento da família poderia ter sido amenizado pois o Itamaraty recebeu, em 31 de dezembro de 1973, o informe 656, que registra a morte de Wânio "ocorrida em 16 de outubro" daquele ano. Anexo ao documento seguiu o "certificado médico de defunción (falecimento)". Mesmo sabendo, o ministério silenciou.

Os últimos passos do ex-capitão Carlos Lamarca, dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) morto, também ganham uma nova dimensão com a descoberta dos arquivos do Ciex. O informe 304/70 fala de contatos seus com "um emissário dos Tupamaros (guerrilha uruguaia)" no Acre, "em zona entre Rio Branco e a fronteira boliviana", algo até agora desconhecido. Pouco se sabia também da atuação do ex-coronel Joaquim Pires Cerveira, desaparecido em 1973. Relegado a um papel menos importante na memória da resistência armada, Cerveira surge nos arquivos do Ciex como elemento de extrema periculosidade.

Braço-direito de Leonel Brizola, Cerveira foi preso em 1970 com a dissolução da Frente de Libertação Nacional. Em pouco tempo, seria eleito por Fidel Castro para liderar nova tentativa de guerrilha rural no Brasil em 1971, segundo o informe 85. Já o relatório 469, de 1969, dá conta de que a versão oficial para o assassinato do ex-deputado Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), teria sido forjada, no intuito de incriminar os frades dominicanos. O informe 114/73 abre uma vertente inédita nas investigações sobre o paradeiro James Allen Luz, da VAR-Palmares.

O status oficial de Allen é de desaparecido, mas não estaria descartada a possibilidade de ele ter sido justiçado por companheiros ou mesmo desmobilizado depois de colaborar com militares, recebendo nova identidade. ``Não existe mais dúvida, entre os asilados brasileiros em Santiago, de que o Cabo Anselmo e James Allen Luz sejam agentes policiais, havendo contra Anselmo ``ordem de execução``, diz o documento.


Correio Braziliense
Assunto: Política
Título: 1a O plano do Itamaraty de busca externa
Data: 24/07/2007
Crédito: Claudio Dantas Sequeira
Serviço secreto do Ministério das Relações Exteriores criou esquema de cooperação para caça aos comunistas pelo menos uma década antes da Operação Condor

Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio

A cooperação entre forças de segurança e inteligência para o combate aos comunistas na América Latina não começou com a Operação Condor, lançada pelo governo do general chileno Augusto Pinochet, em 1975. Documentos secretos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), obtidos com exclusividade pelo Correio, demonstram que o regime militar do Brasil estruturou, pelo menos uma década antes, um sistema de monitoramento e troca de informações sobre opositores políticos brasileiros e estrangeiros. Boa parte dos 8 mil informes do arquivo do Centro de Informações do Exterior (Ciex) dão conta dessa colaboração internacional entre agentes da comunidade de informações, integrada por policiais, militares e diplomatas.

A diplomacia encarnou o papel de polícia com profissionalismo invejável. E, em poucos anos, o serviço secreto do Itamaraty alcançou níveis de eficiência e coordenação jamais vistos entre as demais agências de inteligência do período. Isso explicaria as poucas evidências disponíveis sobre a participação brasileira na Operação Condor. De fato, ela foi mínima e não havia motivos para ser diferente. O Ciex atuava com base num esquema definido como “Plano de Busca Externa”, operado com apoio de agentes do próprio Sistema Nacional de Informações (SNI) e de adidos militares — geralmente integrados aos setores de inteligência de suas respectivas Forças.

O Plano de Busca Externa integrava o Plano Nacional de Informações, por sua vez atualizado a cada governo. A descoberta da repressão brasileira no exterior explica a indiferença com que o governo Ernesto Geisel (1974-1979) avaliou a iniciativa de Pinochet e do chefe da Inteligência chilena (Dina), Manoel Contreras. Em novembro de 1975, o general João Figueiredo era o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). E, assim como seus homólogos de Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, o militar fora convidado a Santiago do Chile para a reunião de fundação da Condor.

Sabe-se que Figueiredo declinou da convocação e que teria enviado ao evento um observador, sob expressa recomendação de manter distância estratégica em relação aos demais conviveres. Além de nada daquilo ser novidade para a caserna tupiniquim, àquela altura a ditadura brasileira já não tinha os inimigos de antes e ainda comemorava a vitória contra guerrilheiros comunistas contrários ao regime militar que atuavam na região do Araguaia (PA). Além disso, havia certa desconfiança em parte da cúpula militar sobre a forma pouco discreta de atuar do regime de Pinochet. A avaliação se baseava na repercussão negativa do atentado à bomba contra Carlos Prats — ministro do Interior de Salvador Allende — em Buenos Aires um ano antes. E se confirmaria com o assassinato, também à bomba, de Orlando Letelier (ex-ministro chileno da Defesa) em plena Washington (EUA), em 1976.

Estudantes
Os documentos do Ciex mostram que os diplomatas brasileiros subdimensionavam a Operação Condor. É o que demonstra o Informe 334, de 13 de setembro de 1977. O relatório trata da decisão do Uruguai de “pôr em prática a denominada Operação Condor”, que, segundo o informante, teria apenas a finalidade de “detectar atividades de elementos esquerdistas ligados ao meio estudantil local”. Ele revela que os agentes uruguaios passariam a examinar todas as atas das sessões dos Conselhos de Direção das Faculdades e do Conselho Central Universitário.

“As autoridades suspeitam que estão sendo reativadas as ações clandestinas da Federação de Estudantes Universitários do Uruguai (FEUU), o ramo representativo do PC uruguaio no meio estudantil”, aponta o relatório. O documento informa ainda sobre a prisão de “Alberto Castillo Alvarez e Max Cognolli, além de Hugo Selinko e César Corengia, ex-conselheiros pela ordem docente, e Edgardo Rodas, ex-conselheiro pela ordem estudantil”. Informes do Ciex também demonstram que Pinochet e Contreras teriam decidido lançar sua iniciativa conjunta, em uma reação ao desejo dos movimentos comunistas sul-americanos de se unirem para amplificar forças.

A discrição foi um componente fundamental do Plano de Busca Externa, o que garantiu seu sigilo até hoje. Geralmente, a decisão de eliminar um asilado brasileiro derivava da avaliação de que ele representava uma ameaça real para o regime. Foi o que ocorreu com Edmur Péricles Camargo, vulgo Gauchão, um dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher. Por causa de seu esforço em estabelecer uma base da guerrilha na Bolívia e a promessa de assassinar um asilado suspeito de infiltração, Péricles Camargo teve seu destino selado numa viagem do Chile para a Argentina em 1971 (leia reportagem ao lado).

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Troca internacional

O episódio do desaparecimento de Edmur Péricles Camargo é um exemplo da perseguição política e cooperação sistemática internacional iniciada pela ditadura brasileira. Vários informes revelam que Gauchão trabalhava na instalação de uma base de guerrilhas na Bolívia. Seu contato lá era o chefe guerrilheiro boliviano “Chato” Peredo, um dos subversivos mais procurados naquele país. Em junho de 1971, Péricles Camargo deixou Santiago do Chile com destino a Buenos Aires para um tratamento ocular — as torturas a que fora submetido nos porões do DOPS de São Paulo teriam comprometido sua visão.

Desembarcou no aeroporto internacional de Ezeiza, onde foi detido numa operação entre autoridades policiais brasileiras e argentinas, com base nas informações do Ciex e o apoio de informantes infiltrados na companhia aérea LAN-Chile. O desaparecimento de Gauchão foi oficialmente registrado como ocorrido em 1975, apenas quatro anos depois. Edmur viajava com o nome falso de Henrique Vilaça. Seu paradeiro permanece desconhecido.

O informe 133/71 dá a entender que o desaparecimento de Gauchão teve o objetivo de evitar que ele executasse um possível elemento infiltrado do regime. “Os setenta banidos, agora reduzidos a 62, com a viagem de oito membros, continuariam desconfiados de que um deles é elemento infiltrado, com a finalidade de espioná-los. Desconfiam de um elemento, que seria o asilado João Batista Rita. Edmur Péricles Camacho (Gauchão) e outros mais desejariam mesmo assassinar o referido banido”, aponta o documento.

A troca de informações entre o Ciex e agências de outros países levou à localização de membros de movimentos de esquerda em todo o mundo: Motoneros (Argentina), Tupamaros (Uruguai), MIR (Chile), além de partidos de tendência socialista. Também foram perseguidos funcionários de empresas e autoridades. O informe 151/71 identifica uma célula esquerdista no Banco do Brasil em Montevidéu. “Na agência havia sido organizada uma célula da esquerda radical (FER ou MLN), descoberta pela polícia uruguaia, quando seus membros realizavam uma reunião clandestina na Escola Pública/171, em Billa Garcia (km.21 do Camino Maldonado, Montevidéu)”, diz o documento. Logo, seriam presos Ary Cabrera Prates, Rubén Julio Vaneiro Roso e Luis Alberto Chemi de Mello, três funcionários do Banco do Brasil.

Resto do mundo
Informações estratégicas obtidas pelos serviços de inteligência ou pela polícia nacional de outros países subsidiaram operações de monitoramento e prisão também de cidadãos comuns. Isso aconteceu com um caderno de endereços pertencente ao dirigente da esquerda peronista Mario Vallota, confiscado pelo serviço secreto francês e depois encaminhado ao Ciex por meio da embaixada na França. No caderno estava o paradeiro de pelo menos 20 pessoas. O informe 142/71 mostra que, de posse das informações, o agente diplomático identifica os personagens e sua relação com a subversão: “Josée Utard, citada sob o número 12, pode ser Maria Josée Utard, que em Paris servia até DEZ/69, de elemento de ligação entre Miguel Arraes e a embaixada de Cuba. Claude Julien, citado sob o número 6, é jornalista e escritor ligado a Marcel Niedergang e a Miguel Arraes. O codinome ‘Jacques’ indicaria um contato com o Partido Comunista Francês”, explica um agente do CIex.

Num outro caso, a polícia italiana apreendeu a agenda de um membro da chamada “Frente Brasileira de Informações” — organização destinada à propaganda internacional contra a ditadura brasileira. O livreto continha o endereço residencial e comercial de 54 pessoas, e foi devidamente encaminhado ao Ciex. Os relatos continham até números de telefones. Em muitos casos, as informações motivaram batidas policiais, revistas e detenções. A prisão de Jefferson Cardim Allencar Osório no final de 1970 rendeu ao serviço secreto do Itamaraty uma longa lista de contatos do subversivo em lugares como Alemanha Ocidental, Paris, Guiana, Montevidéu, Santiago do Chile, Havana e até no Pará. (CDS)

Correio Braziliense
Assunto: Política
Título: 1a O pai do serviço secreto do Itamaraty
Data: 23/07/2007
Crédito: Claudio Dantas Sequeira
O diplomata Manoel Pio Corrêa recebeu superpoderes de Castello Branco para lançar cruzada de combate aos comunistas além das fronteiras do Brasil

Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio

O serviço secreto do Ministério das Relações Exteriores surgiu da mente do embaixador aposentado Manoel Pio Corrêa. Formado na Escola Superior de Guerra, o diplomata, de origem aristocrata, não teve reservas ao encampar os ideais nacionalistas fermentados por décadas entre os militares da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Na pele de executor da política externa do Brasil, ele se lançou em uma cruzada contra o comunismo, convicto de que se tratava de um mal a ser extirpado da sociedade. Sua eficiência lhe rendeu admiração e respeito na caserna, e a alcunha de “troglodita reacionário” por parte dos asilados políticos brasileiros. Hoje, aos 90 anos, um lúcido Pio Corrêa vive sua rotina tranqüila como consultor privado.

Em conversa com a reportagem por telefone, Pio Corrêa — que vive e trabalha no Rio de Janeiro — admitiu ter sido o autor intelectual e material do Centro de Informações do Exterior (Ciex). “Isso saiu de mim, sim. Da minha cabeça”, afirmou. Como o Correio revelou na edição de ontem, o Itamaraty operou entre 1966 e 1985 uma agência de informações dedicada a monitorar os opositores do regime militar no exterior. Pio Corrêa, no entanto, preferiu não seguir adiante nas explicações, com o argumento de que “certas histórias não devem ser contadas”.

Há 12 anos, Pio Corrêa decidiu registrar indiretamente as suas histórias, mesmo sem explicitá-las, num livro de memórias. A obra O mundo em que vivi foi elaborada para parecer apenas um extenso relato de suas atividades como diplomata. Mas algumas informações, quando cruzadas com o arquivo secreto do Ciex e depoimentos de ex-membros do serviço, compõem um quebra-cabeça revelador.

Dona Odette
Uma das informações mais relevantes do livro está na página 580, em que Pio Corrêa lembra quando, em 1959, substituiu a embaixadora Odette de Carvalho e Souza na chefia do Departamento Político do Itamaraty. “Dona Odette”, como era conhecida pelos colegas, entregou-lhe uma espécie de tesouro pessoal: um arquivo com fichas de cidadãos, nacionais e estrangeiros, envolvidos em atividades consideradas subversivas durante as décadas de 1940 e 1950. “Um precioso presente”, segundo Pio Corrêa. “Quando deixei o departamento no fim do governo Kubitschek, desconfiando, com toda razão como se viu mais tarde, do que viria sob o governo seguinte, deixei esse arquivo, consideravelmente aumentado, confiado a um oficial amigo, que fazia ligação do então Serviço de Informação e Contra-Informação (SFICI) com o Itamaraty”, admitiu o diplomata.

A relíquia, sem dúvida, inspirou Pio Corrêa, que já se enamorara de informes e relatórios ao trabalhar no Serviço de Documentação do Ministério da Aeronáutica, no início da carreira. Fora do Itamaraty, Pio Corrêa recebia duras críticas da imprensa de esquerda e de deputados do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o que levou Juscelino Kubitschek a pedir a exoneração do diplomata, mas o então chanceler Horácio Lafer se recusou a ceder. Cinco anos mais tarde, como o próprio Pio Corrêa conta sem pudores, na página 814, ele apoiaria o golpe de Estado contra o governo de João Goulart. “Eu conspirava contra o governo, e a vitória da Revolução de 31 de março de 1964 representou a coroação de minhas mais caras esperanças”, escreveu.

Embrião
Imediatamente depois do golpe, o presidente Castello Branco decidiu presentear o diplomata, nomeando-o como embaixador em Montevidéu. Na companhia do coronel Câmara Senna como adido militar, os dois formariam uma dupla dedicada a neutralizar articulações contra-revolucionárias, especialmente por parte de Goulart e Leonel Brizola — naquele momento consideradas perigosas lideranças de oposição. Juntos, o diplomata e o adido militar, arquitetaram uma rede de contatos que incluía políticos, militares, juízes, delegados de polícia, fazendeiros e até comerciantes. Os contatos foram travados em seguidas viagens pelo país, e o Uruguai acabou servindo de experiência piloto para a criação do Ciex.

“Esse tipo de visita foi muito útil, pois encontrei nas polícias departamentais excelentes fontes de informação e ocasionalmente algum tipo de cooperação ativa, extra-oficial”, disse Pio Corrêa no livro. Também fizeram dezenas de incursões do lado brasileiro da fronteira, desde o Chuí a Porto Alegre, passando por São Gabriel, Pelotas e Santana do Livramento. Com freqüência, a dupla se reunia com colegas do III Exército para trocar informações.

“Ameaça externa”
O trabalho era acompanhado por Golbery do Couto e Silva, o general reformado que idealizaria o Serviço Nacional de Informações (SNI). “Cada vez que fui ao Brasil durante o período janguista, nunca deixei de trocar impressões com amigos, tanto das Forças Armadas como do meio civil, comprometidos com a causa da resistência à marcha do esquerdismo”, escreveu.

A desenvoltura do diplomata no Uruguai lhe abriria ainda mais as portas da carreira sob tutela militar. Nos idos de 1966, a “ameaça externa” do comunismo ganhava fôlego, com a realização em Havana da conferência que instituiu a Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina (OSPAAL) — uma espécie de Internacional revolucionária no Terceiro Mundo. Logo, Pio Corrêa seria nomeado secretário-geral do Itamaraty, com superpoderes para fazer o que quisesse. E ele não perdeu a oportunidade.

Diante da administração ausente do chanceler Juracy Magalhães — autor da célebre frase “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” —, Pio assumiu o comando da Casa. E também da política externa. Internamente, lançou uma caça aos diplomatas que considerava “pederastas, bêbados e vagabundos”, como diz no livro. Pio Corrêa teria sido, inclusive, o responsável pelo afastamento do compositor Vinícius de Moraes da carreira diplomática. No plano externo, decidiu reproduzir a bem-sucedida experiência uruguaia a mais uma dúzia de países. Redigiu e assinou então a portaria ultra-secreta que instituiria o Centro de Informação do Exterior (Ciex).

A existência dessa portaria foi confirmada ao Correio por meio de relatos de ex-membros do Ciex, mas o documento, por seu caráter ultra-secreto, estaria praticamente inacessível, confinado num imenso cofre localizado no subsolo do Itamaraty. Para chefiar o serviço secreto em seu início, Pio Corrêa chamou um de seus pupilos, o então secretário Marcos Henrique Camillo Côrtes. Nos primeiros meses, o serviço de inteligência da diplomacia funcionou de forma precária. Os dados enviados pelas embaixadas eram consolidados em informes datilografados em folhas comuns. Mais tarde, o Ciex passaria a trabalhar com páginas timbradas e carimbos com a sigla da agência.

A saída de Castello Branco em 1967 não interferiu nas atividades do Ciex. Pio Corrêa, prestes a se aposentar, pediu remoção no ano seguinte para a embaixada brasileira em Buenos Aires. Camillo Côrtes o acompanhou nos primeiros meses, e logo foi enviado “em caráter especial” a Washington com a missão de estreitar a colaboração no setor de inteligência com a CIA. Durante alguns anos depois de aposentado, Pio Corrêa seguiria como uma espécie de consultor informal do Itamaraty. Depois, recebeu convites da iniciativa privada, onde permanece até hoje.


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Bastidores da ditadura

Reportagem do Correio revelou ontem como os diplomatas brasileiros perseguiram opositores da ditadura por meio de um poderoso sistema de inteligência, criado e operado pela cúpula do Ministério das Relações Exteriores. O Centro de Informações do Exterior (Ciex) funcionou de 1966 até 1985. Dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime, descobriu-se 64 deles no arquivo secreto do Ciex. O serviço, além de localizar e identificar essas pessoas fora do país, facilitava detalhes de seu regresso ao Brasil. O amplo registro das atividades políticas desses asilados municiou as demais agências da repressão com dados para as sessões de interrogatórios, reconhecidamente marcadas por torturas.


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Espiões na pele de diplomatas

Integrantes do Itamaraty que serviram à comunidade de informações foram beneficiados na carreira pública, mas sofreram preconceito dos colegas

Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio

Depois da análise de 20 mil páginas de informes secretos, o Correio identificou a maior parte dos diplomatas que dirigiram o Centro de Informações do Exterior (Ciex) ao longo de 19 anos. Antes de chegarem ao posto máximo do órgão, esses profissionais demonstraram sua “eficiência” coordenando as atividades de perseguição política em embaixadas brasileiras. Um requisito para integrar o Ciex era ter o curso de planejamento estratégico da Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de Janeiro, ou ter passado pelo treinamento de agente na Escola Nacional de Informações (Esni), em Brasília.

Diplomatas que trabalharam na comunidade de informações contaram à reportagem que eram vistos com desdém e preconceito pelos colegas. Nos corredores do ministério havia uma anedota de que os diplomatas eram classificados em três grupos distintos, segundo suas atividades. No primeiro grupo estavam os chamados “destiladores de quinta essência”, geralmente aqueles dedicados a temas jurídicos, de política internacional ou defesa comercial. Ocupavam uma espécie de nível superior na escala evolutiva da diplomacia.

O segundo grupo era formado pelos “estivadores”, diplomatas lotados em funções de administração na Secretaria de Estado. Esses funcionários, embora treinados para o exercício da diplomacia, acabavam chafurdados em meio a pilhas de papel, se transformando em meros burocratas. Ainda não haviam sido criados os cargos de assistentes e oficiais de chancelaria, e os próprios diplomatas tinham que carregar o piano da burocracia.

O terceiro e último grupo reunia o pessoal recrutado para os sistemas de informação e contra-informação. Esses diplomatas eram apelidados de “lixeiros”, numa referência claramente pejorativa às atividades que exerciam. Na cultura geral do Itamaraty, a espionagem era uma atividade baixa, sem glamour e dignidade, especialmente se exercida sob uma ditadura. Por causa do preconceito e da natureza da atividade de inteligência, os agentes-diplomatas acabaram por se fechar numa restrita fraternidade, que comportaria os membros da Divisão de Segurança de Informação (DSI) do Itamaraty — alguns com passagem pelo Ciex —, criado em 1967.

As mazelas, no entanto, eram compensadas por uma rápida ascensão profissional. Depois de fazerem “o trabalho sujo”, os diplomatas-agentes eram promovidos em menos tempo que os demais e também enviados a postos importantes no exterior. Um exame detalhado das fichas profissionais desses servidores, obtidas com exclusividade pelo Correio, demonstra como o serviço secreto serviu de atalho na hierarquia da carreira diplomática.

Cúpula
As atividades do Ciex podem ter passado despercebidas para a maior parte do funcionalismo público e a toda uma sociedade, mas não para a cúpula do Itamaraty. É de se esperar que o ministro de Estado e o secretário-geral soubessem o que se passava no 4º andar do Anexo I do ministério. Enquanto respondia a determinações do SNI, o serviço secreto diplomático também seguia as diretrizes da política externa — era como servir a dois amos ao mesmo tempo.

Dessa maneira, grandes nomes da diplomacia, como os chanceleres Antonio Azeredo Silveira (1974-79) e Ramiro Saraiva Guerreiro (1979-85), foram cúmplices dos trabalhos do Centro de Informações do Exterior. O mesmo ocorreu com Juracy Magalhães, que viu o Ciex nascer, Magalhães Pinto (1967-69) e Mário Gibson Barbosa (1969-1974). Guerreiro, antes de ser ministro, chefiou a Secretaria de Estado, de 1974 a 78, despachando diariamente com o diretor do Ciex.

Passaram pela Secretaria de Estado Jorge de Carvalho e Silva (1969-74), Dário Moreira de Castro Alves (1978-79), Carlos Calero Rodrigues (1984-85) e João Clemente Baena Soares (1979-84), que há poucos anos integrou a Comissão de Notáveis responsável por redigir o projeto de reforma das Nações Unidas. Curiosamente, coube também a um secretário-geral a decisão de preservar a memória do serviço secreto. O embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, que chefiou a Casa entre 1985 e 1990, salvou da destruição os 32 volumes — com mais de 8 mil informes — que compõem o arquivo secreto do Ciex. No alvorecer da democracia, o SNI determinou a destruição de milhares de documentos da repressão, na tentativa de apagar evidências e evitar “revanchismos”. Flecha de Lima se negou a cumprir tal ordem.


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Ex-agente na ativa

Um intenso debate público no Senado em meados de 2006 quase custou a nomeação do embaixador Jacques Claude François Michel Fernandes Vieira Guilbaud para a chefia da embaixada em Guiné Conacri. Surgiram então denúncias de que ele teria sido um espião do regime militar. A polêmica provocou o adiamento da sabatina e deu início a uma série de gestões políticas nos bastidores. O diplomata alegou que teria sido vítima da ditadura, perseguido a ponto de ter de abandonar seu posto no Canadá, onde chegou a pedir asilo político no início dos anos 80. Essa versão garantiu sua anistia e reintegração ao quadro ativo do Itamaraty em 2001. E acabou funcionando no ano passado.

Depois de algumas semanas, as acusações contra Guilbaud foram consideradas inconsistentes e ele recebeu o aval dos parlamentares para representar o Brasil no país africano. Ao pesquisar no arquivo do Centro de Informações do Exterior, o Correio descobriu que Guilbaud não contou toda a verdade. Ele, de fato, foi um agente do serviço secreto diplomático por quatro anos. O informe 001/79 conta sua trajetória, bem como o recrutamento em 29 de março de 1974, e os motivos que levaram a seu desligamento do Ciex em 1978. Guilbaud, segundo o documento, chegou a chefiar a Base do Ciex em Santiago, Chile (1976/77), e a de Lisboa, Portugal (1977/1978).

Na opinião da chefia do Ciex, Guilbaud careceu de capacidade técnica para o exercício das últimas funções. “Revelou que submetido às tensões normais e inerentes ao exercício de funções de informações no exterior, não dispõe de condições mínimas de resistência e equilíbrio emocionais, o que lhe afeta o discernimento e a capacidade de julgamento e avaliação de fatos, pessoas e situações”, argumentou o chefe do serviço secreto. Segundo ele, essas características tornaram Guilbaud “um alvo disponível para a oposição ativa internacional”.

Já Guilbaud diz que seu afastamento teve a ver com a descoberta de um suposto caso de corrupção envolvendo a compra do imóvel que serve até hoje de residência oficial para os embaixadores do Brasil em Lisboa. Ele acusou, na época, o então chefe do posto, general Carlos Alberto da Fontoura — considerado um linha-dura entre os militares — de ter se beneficiado da transação. Questionado pelo Correio, Guilbaud afirmou que não tem mais as provas do desvio. (CDS)

A diretoria do Ciex

Confira os nomes de alguns diplomatas que trabalharam no Centro de Informações do Exterior:

Paulo Sérgio Nery
Morreu em 1979, pouco tempo depois de deixar o serviço secreto. Sua ficha funcional não pôde ser encontrada

Octavio J. de A. Goulart
Fez a ligação do Ciex com Washington até 1974. Depois foi nomeado assessor do gabinete do ministro Azeredo da Silveira. Em 1977, assumiu a chefia do Ciex, até então sob a fachada da Assessoria de Documentação Exterior. Em sua gestão a transformaria em Secretaria de Documentação de Política Exterior (Sedoc). Em 1979, virou cônsul-geral em Paris, onde acompanhou os núcleos de asilados políticos. Seu último posto foi em Georgetown, como embaixador. Morreu em 29 de dezembro de 2004

Marcos Henrique Camillo Côrtes
Tornou-se fiel amigo do diplomata Manoel Pio Corrêa ao servir em Montevidéu, em 1965. A relação de confiança entre ambos lhe garantiu a nomeação como primeiro diretor-executivo do Ciex. Em 1968, acompanhou Pio Corrêa a Buenos Aires para montar a estrutura do serviço lá. No mesmo ano, foi enviado especialmente a Washington com a missão de estreitar a colaboração no setor de inteligência com a CIA. Voltou a Brasília em 1969 como oficial do Gabinete do ministro de Estado. Em 1973, ficaria um ano auxiliando o diplomata Octavio J. de A. Goulart na direção do Ciex, para no ano seguinte voltar a Buenos Aires, agora como número dois da embaixada. Em 1978 partiria para Camberra como embaixador, acumulando nos anos seguintes as embaixadas de Wellington, Port Moresby e Porto Vila. Depois de aposentado virou consultor da ESG, e jura “que o Ciex nunca existiu”. Vive no Rio de Janeiro.

João Carlos Pessoa Fragoso
Começou a trabalhar para o Ciex em Montevidéu, em 1966. Dois anos depois foi promovido a assistente da Secretaria Geral de Política Exterior. Seu nome consta num documento secreto de 1969, que informa sobre sua substituição no posto de “diretor-executivo do Centro de Informações do Exterior (Ciex) pelo segundo-secretário Paulo Sérgio Nery”. Fragoso virou chefe do Gabinete Civil do presidente Médici. Cinco anos depois seria enviado à embaixada no Vaticano, voltaria em 1977 como chefe do cerimonial. Seus serviços ainda seriam úteis ao presidente Figueiredo, de 1981 a 1985. Depois foi embaixador em Madri, Bonn e Bruxelas, passando três anos na Secretaria de Relações com o Congresso e encerrando sua privilegiada carreira como embaixador em Atenas. Desfruta a aposentadoria em seu sítio em Barra do Piraí, município do interior fluminense.

Agildo Sellos de Moura
Serviu em Santiago do Chile de 1967 a 1971, quando passou a assessor do Ciex (na época Adoc). Um ano depois assumiria a chefia da Divisão de Segurança de Informações (DSI) do Itamaraty, onde permaneceu seis anos. Logo sua carreira decolou. Foi conselheiro na missão junto à Unesco, em Paris, e serviu nos consulados gerais em Miami e Montreal. Em 1987, ficou à disposição do Estado Maior das Forças Armadas, no Rio, e acabou como chefe da divisão de arquivo. Encerrou sua carreira como embaixador em Porto of Spain. Vive no Lago Sul, em Brasília.

Sérgio Damasceno Vieira
Foi “recrutado” pelo Ciex apenas em 1968, quando serviu como segundo-secretário em Varsóvia, que foi usada como escala pelos brasileiros que faziam treinamento de guerrilha em Cuba. A eficiência no monitoramento dos opositores lhe valeu a chefia de uma “assessoria especial” da DSI do Itamaraty, onde ficou por três anos. Serviria ainda em Lisboa e Caracas, antes de voltar a Brasília em 1981, para assumir a direção da DSI. Antes de se aposentar, Vieira foi embaixador em Kuala Lumpur e Guatemala, além de inspetor-geral na Secretaria de Estado. Recém aposentado, voltou para Salvador, sua terra natal.

Carlos Luzilde Hildebrandt
Foi um dos últimos chefes do Ciex. Passou pelas embaixadas da Bulgária e de Portugal. No informe 246 de 17 de dezembro de 1979, ele faz uma avaliação negativa das atividades de monitoramento externo ao chefe do Serviço Nacional de Informações. Na época, o SNI estava inchado e perdera muito em eficiência. Essa crise se refletiu no Ciex, e Hildebrandt aconselha uma revisão do Plano Nacional de Informações, a otimização dos esforços e a redução da burocracia.

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Leia amanhã
Correio revela que serviço secreto do Itamaraty antecipou em uma década esquema da Operação Condor

Correio Braziliense
Assunto: Política
Título: 1a O plano do Itamaraty de busca externa
Data: 24/07/2007
Crédito: Claudio Dantas Sequeira
Serviço secreto do Ministério das Relações Exteriores criou esquema de cooperação para caça aos comunistas pelo menos uma década antes da Operação Condor

Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio

A cooperação entre forças de segurança e inteligência para o combate aos comunistas na América Latina não começou com a Operação Condor, lançada pelo governo do general chileno Augusto Pinochet, em 1975. Documentos secretos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), obtidos com exclusividade pelo Correio, demonstram que o regime militar do Brasil estruturou, pelo menos uma década antes, um sistema de monitoramento e troca de informações sobre opositores políticos brasileiros e estrangeiros. Boa parte dos 8 mil informes do arquivo do Centro de Informações do Exterior (Ciex) dão conta dessa colaboração internacional entre agentes da comunidade de informações, integrada por policiais, militares e diplomatas.

A diplomacia encarnou o papel de polícia com profissionalismo invejável. E, em poucos anos, o serviço secreto do Itamaraty alcançou níveis de eficiência e coordenação jamais vistos entre as demais agências de inteligência do período. Isso explicaria as poucas evidências disponíveis sobre a participação brasileira na Operação Condor. De fato, ela foi mínima e não havia motivos para ser diferente. O Ciex atuava com base num esquema definido como “Plano de Busca Externa”, operado com apoio de agentes do próprio Sistema Nacional de Informações (SNI) e de adidos militares — geralmente integrados aos setores de inteligência de suas respectivas Forças.

O Plano de Busca Externa integrava o Plano Nacional de Informações, por sua vez atualizado a cada governo. A descoberta da repressão brasileira no exterior explica a indiferença com que o governo Ernesto Geisel (1974-1979) avaliou a iniciativa de Pinochet e do chefe da Inteligência chilena (Dina), Manoel Contreras. Em novembro de 1975, o general João Figueiredo era o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). E, assim como seus homólogos de Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, o militar fora convidado a Santiago do Chile para a reunião de fundação da Condor.

Sabe-se que Figueiredo declinou da convocação e que teria enviado ao evento um observador, sob expressa recomendação de manter distância estratégica em relação aos demais conviveres. Além de nada daquilo ser novidade para a caserna tupiniquim, àquela altura a ditadura brasileira já não tinha os inimigos de antes e ainda comemorava a vitória contra guerrilheiros comunistas contrários ao regime militar que atuavam na região do Araguaia (PA). Além disso, havia certa desconfiança em parte da cúpula militar sobre a forma pouco discreta de atuar do regime de Pinochet. A avaliação se baseava na repercussão negativa do atentado à bomba contra Carlos Prats — ministro do Interior de Salvador Allende — em Buenos Aires um ano antes. E se confirmaria com o assassinato, também à bomba, de Orlando Letelier (ex-ministro chileno da Defesa) em plena Washington (EUA), em 1976.

Estudantes
Os documentos do Ciex mostram que os diplomatas brasileiros subdimensionavam a Operação Condor. É o que demonstra o Informe 334, de 13 de setembro de 1977. O relatório trata da decisão do Uruguai de “pôr em prática a denominada Operação Condor”, que, segundo o informante, teria apenas a finalidade de “detectar atividades de elementos esquerdistas ligados ao meio estudantil local”. Ele revela que os agentes uruguaios passariam a examinar todas as atas das sessões dos Conselhos de Direção das Faculdades e do Conselho Central Universitário.

“As autoridades suspeitam que estão sendo reativadas as ações clandestinas da Federação de Estudantes Universitários do Uruguai (FEUU), o ramo representativo do PC uruguaio no meio estudantil”, aponta o relatório. O documento informa ainda sobre a prisão de “Alberto Castillo Alvarez e Max Cognolli, além de Hugo Selinko e César Corengia, ex-conselheiros pela ordem docente, e Edgardo Rodas, ex-conselheiro pela ordem estudantil”. Informes do Ciex também demonstram que Pinochet e Contreras teriam decidido lançar sua iniciativa conjunta, em uma reação ao desejo dos movimentos comunistas sul-americanos de se unirem para amplificar forças.

A discrição foi um componente fundamental do Plano de Busca Externa, o que garantiu seu sigilo até hoje. Geralmente, a decisão de eliminar um asilado brasileiro derivava da avaliação de que ele representava uma ameaça real para o regime. Foi o que ocorreu com Edmur Péricles Camargo, vulgo Gauchão, um dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher. Por causa de seu esforço em estabelecer uma base da guerrilha na Bolívia e a promessa de assassinar um asilado suspeito de infiltração, Péricles Camargo teve seu destino selado numa viagem do Chile para a Argentina em 1971 (leia reportagem ao lado).

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Troca internacional

O episódio do desaparecimento de Edmur Péricles Camargo é um exemplo da perseguição política e cooperação sistemática internacional iniciada pela ditadura brasileira. Vários informes revelam que Gauchão trabalhava na instalação de uma base de guerrilhas na Bolívia. Seu contato lá era o chefe guerrilheiro boliviano “Chato” Peredo, um dos subversivos mais procurados naquele país. Em junho de 1971, Péricles Camargo deixou Santiago do Chile com destino a Buenos Aires para um tratamento ocular — as torturas a que fora submetido nos porões do DOPS de São Paulo teriam comprometido sua visão.

Desembarcou no aeroporto internacional de Ezeiza, onde foi detido numa operação entre autoridades policiais brasileiras e argentinas, com base nas informações do Ciex e o apoio de informantes infiltrados na companhia aérea LAN-Chile. O desaparecimento de Gauchão foi oficialmente registrado como ocorrido em 1975, apenas quatro anos depois. Edmur viajava com o nome falso de Henrique Vilaça. Seu paradeiro permanece desconhecido.

O informe 133/71 dá a entender que o desaparecimento de Gauchão teve o objetivo de evitar que ele executasse um possível elemento infiltrado do regime. “Os setenta banidos, agora reduzidos a 62, com a viagem de oito membros, continuariam desconfiados de que um deles é elemento infiltrado, com a finalidade de espioná-los. Desconfiam de um elemento, que seria o asilado João Batista Rita. Edmur Péricles Camacho (Gauchão) e outros mais desejariam mesmo assassinar o referido banido”, aponta o documento.

A troca de informações entre o Ciex e agências de outros países levou à localização de membros de movimentos de esquerda em todo o mundo: Motoneros (Argentina), Tupamaros (Uruguai), MIR (Chile), além de partidos de tendência socialista. Também foram perseguidos funcionários de empresas e autoridades. O informe 151/71 identifica uma célula esquerdista no Banco do Brasil em Montevidéu. “Na agência havia sido organizada uma célula da esquerda radical (FER ou MLN), descoberta pela polícia uruguaia, quando seus membros realizavam uma reunião clandestina na Escola Pública/171, em Billa Garcia (km.21 do Camino Maldonado, Montevidéu)”, diz o documento. Logo, seriam presos Ary Cabrera Prates, Rubén Julio Vaneiro Roso e Luis Alberto Chemi de Mello, três funcionários do Banco do Brasil.

Resto do mundo
Informações estratégicas obtidas pelos serviços de inteligência ou pela polícia nacional de outros países subsidiaram operações de monitoramento e prisão também de cidadãos comuns. Isso aconteceu com um caderno de endereços pertencente ao dirigente da esquerda peronista Mario Vallota, confiscado pelo serviço secreto francês e depois encaminhado ao Ciex por meio da embaixada na França. No caderno estava o paradeiro de pelo menos 20 pessoas. O informe 142/71 mostra que, de posse das informações, o agente diplomático identifica os personagens e sua relação com a subversão: “Josée Utard, citada sob o número 12, pode ser Maria Josée Utard, que em Paris servia até DEZ/69, de elemento de ligação entre Miguel Arraes e a embaixada de Cuba. Claude Julien, citado sob o número 6, é jornalista e escritor ligado a Marcel Niedergang e a Miguel Arraes. O codinome ‘Jacques’ indicaria um contato com o Partido Comunista Francês”, explica um agente do CIex.

Num outro caso, a polícia italiana apreendeu a agenda de um membro da chamada “Frente Brasileira de Informações” — organização destinada à propaganda internacional contra a ditadura brasileira. O livreto continha o endereço residencial e comercial de 54 pessoas, e foi devidamente encaminhado ao Ciex. Os relatos continham até números de telefones. Em muitos casos, as informações motivaram batidas policiais, revistas e detenções. A prisão de Jefferson Cardim Allencar Osório no final de 1970 rendeu ao serviço secreto do Itamaraty uma longa lista de contatos do subversivo em lugares como Alemanha Ocidental, Paris, Guiana, Montevidéu, Santiago do Chile, Havana e até no Pará. (CDS)

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Assunto: Editorial

Título: 1e Intolerância e repressão

Data: 25/07/2007



Na consciência dos povos civilizados a história não se resume ao relato frio dos acontecimentos passados. Antes enseja reconstituí-los com as implicações políticas, sociais e humanas para servir de advertência útil à construção do futuro. É assim que se deve acolher a série de reportagens deste jornal sobre a repressão desencadeada pelo Itamaraty a brasileiros exilados no exterior durante os anos sombrios da ditadura militar. O texto do repórter Cláudio Dantas Sequeira, escorado em ampla documentação, mostra o quanto vocações tirânicas puderam converter a diplomacia em agência de intolerância e perseguição de dissidentes políticos, muitos comunistas. 

Compara-se à mais delirante ficção literária a rede de espiões que o Centro de Informações do Exterior (Ciex), criado no Ministério das Relações Exteriores, estendeu, entre 1965 e 1985, para execução de plano denominado Busca Externa. Operava sob amparo do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), em articulação, no princípio, com forças militares internas e polícias e serviços de inteligência de outros regimes discricionários da América Latina -- Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai. Espelhado no formato do MI6 britânico e da CIA, o Ciex acabaria por colocar a Europa, a Rússia e o norte da África na geografia sinistra da caça a brasileiros exilados ou banidos. 

É chocante saber que diplomatas, à frente o então ministro do Exterior, Manoel Pio Corrêa, criador do Ciex, se despojaram da missão mediadora e pacifista que os dignifica para se transformarem em beleguins do obscurantismo totalitário. Coube-lhes, em cumplicidade com outros organismos estrangeiros, localizar e entregar aos aparelhos da repressão, aqui e lá fora, os desavindos com o governo despótico instalado no Brasil e nos demais sistemas opressivos da América Latina. As vítimas, submetidas a interrogatórios conduzidos, de regra, debaixo de torturas, ficaram como expressões humanas da agonia macabra reinante durante o longo recesso das instituições democráticas no subcontinente. 

Também estarrece a constatação de que, dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos no curso das operações repressivas, há registro de 64 deles nos documentos do Ciex pesquisados pela reportagem. Está demonstrado que todos os que buscaram refúgio no exterior para escapar dos esbirros do regime militar estavam na mira policial do Itamaraty. Em nenhum momento pesou no esquema de terror a consciência de que asilo político é direito inalienável dos cidadãos conforme as regras da convivência internacional. Violá-las é regredir à barbárie, sobretudo quando os agentes da violação deveriam ser os primeiros a garanti-las e lhes destinar respeito. 

Sempre que documentos sobre violências cometidas ao longo do período discricionário instalado em 1964 são divulgados não falta quem, alinhado ao espírito sectário da época, os entenda como iniciativas revanchistas. É reação incompatível com a serenidade, eis que se busca oferecer ao país o retrato sem retoques de sua história. Para tanto, cumpre ao governo abrir à consulta pública os arquivos da época. O conhecimento dos eventos passados, não importa a atribuição de culpas, é indispensável para que jamais venham a ser repetidos.

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Título: 1a Dinheiro de Cuba bancou asilados

Data: 25/07/2007

Crédito: Claudio Dantas Sequeira

De acordo com o serviço de informações do Ministério das Relações Exteriores, representantes da resistência à ditadura, como Leonel Brizola, tinham ações sustentadas pelos dólares de Fidel

Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio 

Mais que divergências sobre a abordagem teórica de como reagir à ditadura no Brasil, foram a escassez de recursos ou sua má-administração os principais motivos das disputas internas entre os asilados brasileiros. Baseados em países como Uruguai, Chile, França e Argélia, eles tentaram se organizar e, sobretudo, sobreviver longe da terra natal. Cuba foi a principal origem dos dólares que alimentaram a resistência. Os informes produzidos pelo serviço secreto do Itamaraty, ao longo de 19 anos, revelam uma face desconhecida da história clandestina dessas pessoas. Informações que servem como ponto de partida para melhor compreensão de um período em que a legalidade de muitas ações era diariamente relativizada. 

Leonel Brizola, por exemplo, é diversas vezes arrolado em transações comerciais nebulosas, do ponto de vista dos agentes do Centro de Informações do Exterior (Ciex). O ex-governador foi o asilado brasileiro mais monitorado do regime militar, segundo o arquivo obtido pelo Correio. Considerado "perigoso e imprevisível", Brizola, que recebeu cartas do próprio Fidel Castro, aderiu, com alguma resistência, à estratégia da guerrilha cubana. Para Havana, enviou diversos ex-militares com quem mantinha relação desde antes de 1964. Inclusive José Anselmo dos Santos, o famoso Cabo Anselmo. 

O regime cubano passou a apoiar financeiramente Brizola em 1966, quantias que ele usaria na compra de armas e para pagar o aluguel de um apartamento e uma casa em Montevidéu. A casa, situada no Boulevard España n° 2.847, era conhecida como "Viet-Cong" e sua administração estava a cargo de Paulo Cavalcante Valente. O informe nº 472, de outubro, relata como Fernando Souza Costa -- filho do ex-ministro da Fazenda Artur Souza Costa entre 1934 e 1937 -- viajou a Havana, "de onde trouxe US$ 30 mil para Brizola". Mas já naquele período alguns asilados começaram a suspeitar de como o líder político estaria usando o dinheiro de Cuba. 

Aquisições pessoais, como as propriedades em Atlântida e Pando (no Uruguai), hotéis, além de aviões e cavalos de corrida -- muitos adquiridos com o cunhado João Goulart --, foram amplamente questionadas e registradas pelos agentes. No informe nº 355, de 14 de setembro de 1966, "os comunistas linha-Pequim" alegam que, "enquanto seus quadros vivem em dificuldades e perigo em território brasileiro, Brizola recebe grandes quantias em dólares (menciona-se a soma de US$ 10 mil) para custear uma ação revolucionária e nada faz". O motivo levou a desentendimentos entre Brizola e seus auxiliares diretos, Neiva Moreira, Dagoberto Rodrigues e Paulo Romeu Shilling Shirmer, segundo informações registradas no informe nº 355. 

Os aliados de Brizola reclamavam que o político gaúcho não estava fornecendo os recursos prometidos ao PCdoB, "embora venha lançando mão dos quadros do partido". Um dos principais críticos era o ex-almirante Cândido Aragão, que chegou a hostilizar publicamente Brizola por questões "de caixa". Aragão teve que recorrer a outros movimentos armados. Os "tupamaros (guerrilheiros uruguaios) enviaram ao ex-almirante Cândido da Costa Aragão a quantia de US$ 2,5 mil com a finalidade de financiar a montagem de três aparelhos clandestinos no Chile", segundo o documento nº 627/72. 

Pelo conteúdo do informe nº 476/76, o ex-governador do Rio Grande do Sul apostava mais na guerra midiática do que no enfrentamento armado. "Consta que o asilado Leonel de Moura Brizola teria dado o montante de US$ 5 mil à direção do jornal uruguaio Época", onde trabalhava então o deputado José Guimarães Neiva Moreira. O informe nº 53 de 1969 registra que Brizola vendeu a granja de Pando por "4 milhões de pesos uruguaios", depois de tê-la adquirido por 650 mil pesos uruguaios. Já o informe nº 717, de 23 de dezembro de 1968, por exemplo, mostra que o político gaúcho ainda "gozaria de crédito junto às autoridades cubanas, as quais esperariam momento propício para reatar com o marginado". 

O informante revela então que a "ajuda financeira de Cuba estaria sendo destinada" a partir de então "a Carlos Marighela". Depois da morte de Marighela, o dinheiro passou a ser destinado a Jefferson Cardim Osório, e logo para Joaquim Alves Cerveira. "O grupo de Cerveira seria o mais atuante, ajudado por Cuba, de onde teria recebido a quantia de US$ 6 mil, em 1970", informa o documento nº 033/72. 

Não foi só Cuba que ajudou a financiar a oposição brasileira no exílio. Partidos comunistas de países europeus foram importantes fontes de recursos. O informe nº 052, de 7 de fevereiro de 1973, mostra por exemplo a peregrinação do asilado José Ferreira de Almeida pela Itália, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia e Suécia. "Nessa viagem, arrecadou US$ 30 mil dólares para a Associação Chileno-Brasileira de Solidariedade (ACBS)", informa. Ferreira, em junho, denunciou o asilado Gerson Parreiras pelo desvio de US$ 2 mil, o que levou a expulsão de Parreiras do Partido Comunista Brasileiro (PCB). 

A ACBS, cujas finanças eram controladas pelo PCB, se tornou uma poderosa associação de apoio aos asilados. De fato, com o passar dos anos, a situação financeira dos asilados melhorou sensivelmente. 

O Ciex teve acesso ao balanço financeiro de 1972, mostrando que naquele ano a associação gastou cerca de US$ 80 mil em auxílio a 4 mil asilados brasileiros e familiares. Segundo o serviço secreto, a ACBS planejava então comprar uma estação de rádio em Santiago. 

Já o ex-governador Miguel Arraes se asilou em Paris e Argel. Informes mostram que o asilado chegou a receber apoio de partidos na Europa e do próprio governo argelino, para quem trabalhou oficialmente como "consultor para América Latina". 

Informe produzido pelo serviço secreto do Itamaraty da viagem do asilado brasileiro José Ferreira Cardoso para angariar fundos para a Associação Chileno-Brasileira de Solidariedade (ACBS). Em Bruxelas, segundo o documento, ele teria se encontrado com o o ex-governador Miguel Arraes.

Documento do Ciex mostra o apoio financeiro de Cuba ao grupo militar de asilados brasileiros no Uruguai. O ex-coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório recebe US$ 20 mil para entregar ao ex-almirante Cândido Aragão.

Informe registra descontentamento de asilados com o uso do dinheiro de Cuba por parte de Leonel Brizola.

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Título: 1b Falsificações e contrabandos

Data: 25/07/2007

Crédito: Claudio Dantas Sequeira

Relatos de arapongas do Itamaraty revelam que militantes brasileiros de esquerda no exterior abriram empresas de fachada e tinham até ligações com a máfia italiana 

Claudio Dantas Sequeira 
Da equipe do Correio 

Os seqüestros políticos e os atentados à bomba eram consideradas ações legítimas pelas lideranças contrárias ao regime militar brasileiro. Na lógica da guerra irregular, buscavam a libertação de prisioneiros ou a comoção social para desestabilizar a ditadura. Muitos asilados brasileiros, no entanto, foram além das ações políticas, enveredando pelo caminho da ilegalidade. Informes produzidos pelo Centro de Informações do Exterior (Ciex), do Itamaraty, mostram o envolvimento de opositores em atividades como contrabando de armas, falsificação de dinheiro e passaportes, e até a abertura de empresas e associações de fachada. Atividades que integraram a rotina da resistência. 

O informe nº 470/69, por exemplo, acusa Manuel Soares Leães (Maneco), então piloto de João Goulart, de usar os aviões de propriedade do ex-presidente para "contrabando de armas brasileiras, inclusive metralhadoras INA". No Uruguai, ele "as venderia a elementos da organização terrorista Tupamaros". Os movimentos guerrilheiros latino-americanos também estariam juntos na negociação de dólares falsos. O informe nº 036/76 dá conta da apreensão em província do norte argentino de uma gráfica de dólares falsos. A maquinaria, segundo o documento, "teria sido usada no Chile durante o governo de Salvador Allende, tendo sido posteriormente transferida para a Argentina". 

No informe nº 283, de 5 de junho de 1972, um agente infiltrado diz que Joaquim Pires Cerveira confidenciou a ele que viajaria em breve para a Itália com o objetivo de buscar fundos a serem doados pelo Partido Comunista Italiano. "Cerveira teria revelado ainda que possui um contato no aeroporto de Roma, membro da máfia e que o tem utilizado para fazer contrabando de jóias", garante o informante. O informe nº 470 de 2 de dezembro destaca que os brasileiros Ricardo da Costa e Roberto da Cunha participaram de fabricação e distribuição de moeda falsa. Eles teriam se associado a um argentino chamado Ferreyro Pentado. 

"Fábrica" 
Boa parte das acusações dos agentes é claramente fruto de especulações, sem dados concretos. É o que ocorre, por exemplo, com a denúncia de que Clara Scharf, ex-mulher de Carlos Marighela, teria montado na Itália, "juntamente com outros latino-americanos, uma fábrica de documentos e passaportes falsos". "No futuro, pretende falsificar também dólares americanos", especula o agente no informe nº 353, de 4 de outubro, algo que nunca se comprovou. No informe de 23 de dezembro de 1968, por exemplo, o agente imagina que Maria Teresa Goulart "estaria em preparativos para montar uma 'boutique' no balneário de Punta del Este (Uruguai), com mercadorias trazidas de contrabando do Brasil e da Argentina". 

Muitas vezes, os brasileiros montavam, com a ajuda de estrangeiros, empresas ou organizações de fachada com a finalidade de escoar recursos financeiros ou permitir a realização de atividades políticas no exílio. Órgãos de pesquisa e agências de viagens eram os preferidos. O informe nº 664, de 14 de dezembro de 1972, relata que asilados e refugiados radicados no Chile "receberam do governo chileno, através do Banco del Estado do Chile, com cobertura da firma Ferreira & Cia -- cujo presidente é o refugiado brasileiro José Ferreira Cardoso -- o montante de 1 milhão de escudos", correspondentes a US$ 3,3 mil.



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Figuras ilustres


Os principais alvos do serviço secreto do Itamaraty eram lideranças políticas consagradas no Brasil dos anos 1960. O governo militar temia que esses opositores exercessem influência sobre um conjunto da sociedade capaz de desestabilizar o regime. Até meados da década de 1970, o Brasil era uma ditadura entre governos democráticos, e essas pessoas gozavam de forte proteção dos países em que viviam o exílio. No arquivo do Centro de Informações do Exterior (Ciex) são centenas os registros das atividades de Leonel Brizola e seu cunhado João Goulart, Juscelino Kubitschek, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Neiva Moreira. 

Dentre os militares considerados "perigosos", o ex-almirante Cândido Aragão e o ex-coronel Jefferson Cardim Osório ganharam pilhas de informes em seu nome. Todos eles conseguiram escapar à execução policial. Muitos sobreviventes do regime, que se tornariam políticos de renome nacional décadas depois, eram então figuras secundárias no escopo da espionagem diplomática. Foi o que ocorreu com o atual governador de São Paulo, José Serra; o ex-ministro José Dirceu e o deputado Fernando Gabeira. Serra aparece em cinco informes. No nº 481/69, identificado como "líder estudantil". Os agentes registram sua presença em Montevidéu, entre 14 e 16 de dezembro, procedente do Chile. 

"Ele pretenderia prosseguir viagem a Cuba, via Praga, atendendo a convocação de outros líderes estudantis que se encontram em Havana", para discutirem novas diretrizes do movimento estudantil no Brasil. No informe nº 283/71, Serra é classificado como "um dos mais ativos pombo-correio" da Frente Brasileira de Informações. O agente tem o número de seu passaporte, "expedido em Santiago do Chile pelo ex-cônsul Eduardo Guinle". Em junho de 1973 sua presença é registrada em Córdoba (Argentina). Dirceu, por sua vez, está apenas em três informes. Seu nome consta do documento 

nº 329/70 que trata da presença de "subversivos brasileiros em Cuba". Dirceu é identificado na companhia de Wladimir Palmeira, Victor Papandreu, James Allen da Luz, Adelzito Bezerra, Cabo Anselmo, Aloísio Palhano e Tânia Rodrigues Fernandes. (CDS) 


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Nos porões 


O Correio publica desde o último domingo série de reportagens sobre como os diplomatas brasileiros perseguiram opositores da ditadura por meio de um sistema de inteligência, criado e operado pela cúpula do Ministério das Relações Exteriores. O Centro de Informações do Exterior (Ciex) funcionou de 1966 a 1985, e se baseava no Plano de Busca Externa, uma rede de cooperação entre agências de segurança de outros governos, antecipando em uma década a idéia da Operação Condor. O criador do Ciex foi o embaixador Manoel Pio Corrêa, que recebeu superpoderes do presidente Castello Branco para lançar cruzada de combate aos comunistas além das fronteiras do Brasil. Dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime, descobriram-se 64 deles no arquivo secreto do Ciex. 
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Informe produzido pelo Centro de Informações do Exterior (Ciex) mostra que o governo Allende financiou asilados brasileiros, usando como fachada um empréstimo do Banco do Estado do Chile à empresa Ferreira & Cia. 


Agentes do serviço secreto especulavam em alguns documentos. No informe 353, diz que a "fábrica" de documentos e passaportes falsos serviria depois para imprimir dólares.
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Assunto: Política

Título: 1a Diplomatas convocados

Data: 26/07/2007

Crédito: Claudio Dantas Sequeira

Luiz Couto, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, apresentará requerimento de audiência para ouvir integrantes do Ciex do Itamaraty


Claudio Dantas Sequeira 
Da equipe do Correio 


O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Luiz Couto (PT-PB), quer convocar audiência pública para ouvir os diplomatas que trabalharam no Centro de Informações do Exterior (Ciex). Conforme o Correio revelou, em uma série de reportagens publicadas nesta semana, o Itamaraty operou entre 1966 e 1985 um serviço secreto destinado a monitorar no exterior os brasileiros contrários à ditadura. Couto apresentará requerimento de audiência logo na primeira semana de agosto, quando termina o recesso parlamentar. 

A convocação será feita com base na lista de diplomatas identificados pela reportagem como diretores do Ciex: Marcos Henrique Camillo Côrtes, João Carlos Pessoa Fragoso, Agildo Sellos de Moura, Sérgio Damasceno Vieira, Carlos Luzilde Hildebrandt e Jacques Vieira Guilbaud -- o único que está na ativa. Os diplomatas-agentes Paulo Sérgio Nery e Octavio J. de A. Goulart morreram em 1979 e 2004, respectivamente. A maior expectativa é sobre o que poderia revelar o embaixador aposentado Manoel Pio Corrêa, que admitiu ser responsável por criar o serviço secreto do Itamaraty. 

Aos 90 anos, Pio Corrêa vive no Rio de Janeiro, onde possui um escritório de consultoria para a iniciativa privada. O deputado federal Luiz Couto pondera que a iniciativa não é "revanchismo, mas de contribuir com a História brasileira". "Queremos ouvir esses diplomatas. É uma grande oportunidade de passarmos isso tudo a limpo", defende. A Comissão de Direitos Humanos não dispõe da prerrogativa de intimação. Sendo assim, os diplomatas podem se negar a comparecer. 

Documentos 
Para o presidente da comissão, a desculpa de que os documentos secretos da perseguição foram destruídos não cola mais. "A descoberta do arquivo secreto, sobre a participação do Itamaraty na ditadura, prova que ainda há muita informação escondida", avalia. A Comissão de Direitos Humanos também questiona suposta omissão de informações do Itamaraty, ante a determinação da Casa Civil para que todos os ministérios civis e militares encaminhassem toda sua documentação disponível sobre o período para catalogação no Arquivo Nacional. 

A assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores garante que todos os documentos disponíveis foram "devidamente encaminhados" em fevereiro de 2006. Mas quem conferiu a papelada diz que só chegaram os informes produzidos pela Divisão de Segurança de Informações (DSI), órgão criado por decreto em 1967, com o objetivo de perseguir diplomatas de ideologia comunista ou que ajudassem brasileiros perseguidos pela ditadura.
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Assunto: Política

Título: 1b Carta de repúdio a Lula e Amorim

Data: 26/07/2007

Crédito: Fernanda Odilla e Claudio Dantas Sequeira

Da equipe do Correio



Integrantes do Tortura Nunca Mais decidiram reagir à informação de que o Itamaraty também tinha um serviço secreto. A presidente do grupo no Rio de Janeiro, Cecília Coimbra, redigiu ontem uma carta de repúdio encaminhada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. "Causa repulsa e mesmo revolta que estes arquivos e muitos outros estejam fechados aos familiares atingidos pelo terrorismo de Estado e ao público geral que tem direito de conhecer sua história", argumenta Cecília Coimbra, que defende o afastamento imediato dos espiões que hoje ocupam cargos públicos. 

É o caso do embaixador Jacques Claude François Michel Fernandes Vieira Guilbaud, chefe da embaixada em Guiné Conacri, na África. Assim como Cecília Coimbra, o secretário da Defesa Justiça e da Defesa dos Direitos Humanos do Estado de São Paulo, Belisário dos Santos Júnior, considerou "absurdo e estranho" que a existência do serviço secreto tenha sido ignorada, e desconfia da reação das autoridades. "O nosso chanceler Celso Amorim deveria ficar atônito com isso, mas reagiu como se já soubesse. Ou seja, existem os baús e o governo não sabe como abri-los", afirma. 

De fato, autoridades já haviam ouvido falar do serviço secreto do Itamaraty. O ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda revela que pessoas lhe falaram sobre os espiões-diplomatas. Contudo, ele diz nunca ter tido acesso aos documentos. "Como envolve relação com outros países, são secretos", pondera Miranda. Ele afirma que o acesso só será possível se o Itamaraty rebaixar o grau de sigilo. Nilmário lembra ainda que a ditadura contou com mais de 300 mil colaboradores espalhados por diferentes cidades, repartições públicas e salas de aula. "Agora vem à tona uma característica perversa do Itamaraty que poucos sabiam", avalia.

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Um comentário:

Maria do Espírito Santo disse...

A moderação de comentários foi ativada:como é que esses (piiiiiiiiiiiiiiiiiiiii) bando de (piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii) corja de (piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii) teve coragem de fazer isto com a minha crença no glamour irresistível dos itamaratenses? Vem cá, quando morreu esse exu chamado Manuel Pio Corrêa teve missa de sétima noite com vela preta e galinha idem? Só me lembrei do livro de Flávia Schilling, Querida Liberdade, no qual ela conta sua aventura de anos nos cárceres uruguaios. Esses (piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii) deviam estar metidos nisto também e até a cabeça. Como diria o Tambosi: Saquinho, por favor!