Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
907) Forcas navais: capacidade de projecao de poder externo
Os porta-aviões e o domínio dos mares: estratégia naval contemporânea
João Fábio Bertonha
16 Jul 2008
Até a Segunda Guerra Mundial, uma grande potência naval se media pelo número e a qualidade dos seus encouraçados. Assim, todas as grandes Marinhas, como a francesa ou a dos Estados Unidos, procuravam reunir o maior número possível desses navios e de suas unidades de apoio, como cruzadores e destróieres. Do mesmo modo, países que procuravam ascender ao domínio dos mares não podiam se furtar a adquiri-los. Foi este o caso da Alemanha pré-1914, que se lançou numa verdadeira corrida com a Inglaterra pela posse da maior frota de encouraçados, e mesmo o de Brasil, Argentina e Chile, que tiveram sua própria corrida naval, em escala menor, no início do século XX.
No decorrer da Segunda Grande Guerra, contudo, a capacidade dos aviões embarcados em porta-aviões de eliminarem, com bombas e torpedos, as grandes frotas de encouraçados, cruzadores e navios menores mudou de vez o cenário da guerra naval. Nos ataques britânicos à frota italiana em Taranto, em 1940, ou no bombardeio japonês em Pearl Harbour, em 1941, esta capacidade ficou evidente e a batalha de Midway, em 1942 - a primeira grande batalha naval na qual as duas frotas não viram uma a outra - é simbólica da transição entre um mundo dominado por encouraçados para outro onde o domínio dos mares se centra na posse de porta-aviões, o que não se modificou até os dias atuais.
O que se alterou, com certeza, foi a capacidade destes navios de combate, cada vez maiores, com mais aviões e armas, e os custos e capacidade industrial e logística para a sua construção e manutenção. Se, na Segunda Guerra Mundial, era possível construir um porta-aviões leve a partir do casco de um navio mercante, essa possibilidade é muito menor atualmente.
De qualquer modo, a simples verificação de uma listagem dos porta-aviões construídos, em atividade e planejados, disponível em sites como Wikipédia e outros, é um excelente canal para verificarmos as pretensões navais e estratégicas da maioria das potências do planeta e a evolução dessas pretensões no passado, no presente e no futuro.
Em primeiro lugar, temos os países que tiveram algum tipo de contato com porta-aviões, mas que acabaram por abdicar da sua posse. É o caso da Alemanha ou do Japão, cujas experiências com porta-aviões foram suspensas pós-1945 ou de países como Argentina, Canadá e Holanda, que não operam mais porta-aviões há alguns anos.
Temos aqui claramente, no primeiro caso, um reflexo da derrota na Segunda Guerra Mundial, que levou Japão e Alemanha a abdicarem de um papel mais ativo no cenário mundial, e, no segundo, a incapacidade de certos países para dar conta das imensas despesas necessárias para a manutenção de uma força embarcada e/ou a decisão de concentrar os recursos navais em outras missões. No caso argentino, a decisão de não substituir o seu antigo porta-aviões por outro, em 1999, foi quase uma admissão de derrota na tradicional corrida naval com o Brasil.
Temos também o caso de um país que começou a construir, ainda que em caráter embrionário, uma força de porta-aviões que ambicionava disputar o domínio dos mares com o Ocidente, mas cuja decadência econômica e implosão política levou o projeto a um final melancólico: a União Soviética. Ela começou a experimentar com porta-aviões e porta-helicópteros de menor capacidade nos anos 70 e estava caminhando para construir modelos mais poderosos quando da ruína do Estado.
Hoje, a sua herdeira, a Rússia, tem apenas um navio deste tipo. É um barco - o Almirante Kuznetsov - muito superior aos projetos soviéticos anteriores, mas, ainda assim, tem capacidade limitada de projeção de poder. Se, nos anos 70 e 80, a URSS imaginou contestar o domínio ocidental nos mares, a Rússia, hoje, não tem mais esta pretensão, o que se reflete na renúncia, ao menos por agora, a uma grande força aeronaval.
Certas potências emergentes, até por desejarem uma maior participação nos assuntos mundiais e saberem da importância de alguma capacidade de projeção de poder nos oceanos para dar sustentação a esta, já estão experimentando, há algum tempo, com porta-aviões. É o caso de Brasil, Índia e China.
No caso brasileiro, a compra de um porta-aviões, nos anos 50, foi mais uma questão de política interna do que outra coisa. A decisão, contudo, de substituí-lo por um mais moderno, em 2000, talvez reflita as crescentes aspirações internacionais do país. É claro que a compra do atual São Paulo também atendeu a interesses corporativos da Marinha. Também está claro que a capacidade de projeção de poder que o Brasil dispõe com seu porta-aviões - que tem antigos caças A-4; eletrônica, em geral, ultrapassada e pouca, ou nenhuma, capacidade de ação longe das costas brasileiras - é, com certeza, mínima ou nula. Mas o simples fato de o Brasil ser um dos poucos países a dispor de uma aviação embarcada - e o único na América Latina - talvez indique algum desejo de maior projeção internacional.
No caso indiano, sua Marinha opera antigos porta-aviões desde os anos 60 e ela adquiriu um modelo ex-soviético em 1997. Mais importante, contudo, é que ela encomendou duas unidades da classe Vikrant, de quase 40 mil toneladas, para entrada em serviço nos próximos anos. Aqui, parece evidente o esforço de dotar o país de capacidade real de projeção de poder, ao menos no oceano Índico.
A China ainda não está construindo uma força real de porta-aviões, até porque isto, provavelmente, geraria imensa desconfiança por parte dos Estados Unidos, o que não interessa a Pequim no momento. Mas o fato de eles terem adquirido cascos de antigos porta-aviões soviéticos da Rússia e da Ucrânia para desmonte e estudo (depois de que se tornaram, curiosamente, atrações turísticas) indica que eles sabem que suas pretensões de grande potência demandarão, no futuro, uma marinha oceânica e que esta só será viável com uma forte aviação embarcada, pelo que eles parecem estar interessados em acumular know-how sobre o assunto.
Antigas potências européias também parecem estar procurando alternativas para recuperar alguma capacidade de projeção oceânica, mas tentando dar conta das realidades financeiras e econômicas. Itália e Espanha, por exemplo, após experiências com porta-aviões leves, normalmente com aviões de decolagem vertical e helicópteros, estão agora construindo navios um pouco maiores e com maior capacidade. A Austrália também parece retomar este caminho. Estes países não têm os recursos para construírem grandes porta-aviões, mas o fato de procurarem adquirir unidades um pouco maiores é um reconhecimento de que elas são necessárias para as ambições internacionais de seus países.
Ninguém parece ter entendido melhor esta lição, contudo, do que França e Inglaterra. A França, sempre desejosa de garantir o seu espaço no cenário internacional, tem operado com porta-aviões convencionais desde 1945 e, em 2001, com o Charles de Gaulle, passou a contar com o maior porta-aviões convencional que não pertence à Marinha dos EUA. Ainda que seja um barco pequeno perto dos gigantes americanos, é imenso frente aos pequenos porta-aviões dos outros países da Europa, num sinal claro das ambições da França no terreno naval.
Outro país europeu que reconheceu que a posse de pequenos porta-aviões com meia dúzia de aeronaves de decolagem vertical pode ser útil em alguns casos (como quando da Guerra das Malvinas), mas que é insuficiente para sustentar uma real política de projeção de poder foi a Inglaterra. País com tradição naval conhecida e que operou uma forte aviação embarcada por todo o século XX, o governo inglês havia optado, nas últimas décadas, por renunciar aos porta-aviões convencionais em favor dos menores e mais baratos. Hoje, contudo, o governo inglês planeja a construção de duas unidades dos gigantes da classe Queen Elisabeth, que, quando em serviço, voltarão a dar à Royal Navy uma real capacidade oceânica.
A grande senhora dos oceanos, contudo, é ainda a Marinha dos Estados Unidos. Com seus doze super porta-aviões, quase todos da classe Nimitz, e seus grupos de batalha, sua capacidade de controle dos oceanos é insuperável. O mesmo número de navios de desembarque anfíbio e controle de área marítima, das classes Wasp e Tarawa, com mais ou menos o mesmo tamanho e a mesma combinação de aeronaves de decolagem vertical e helicópteros dos novos porta-aviões leves europeus, garante ainda maior capacidade de projeção de poder.
Com a construção de mais um porta-aviões da classe Nimitz e outro da classe Wasp e a projetada entrada em serviço da classe Gerald Ford (ainda maior e mais poderosa), a Marinha dos EUA procura garantir o controle dos oceanos ainda por muitas décadas no futuro. Dada a imensa superioridade dos seus porta-aviões e de sua Marinha em geral sobre todos os outros, parece provável que os esforços americanos serão bem sucedidos. Se os EUA continuarão a ser o centro do sistema internacional nos anos a seguir, é ponto em aberto, mas seu controle dos oceanos é um excelente ativo a favor desta pretensão.
João Fábio Bertonha é Professor da Universidade Estadual de Maringá - UEM (fabiobertonha@hotmail.com).
Um comentário:
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.
Incrível como os EUA estão anos a frente dos demais, em quase todos os assuntos. Muito preveem, a muito tempo, que os EUA estão em "decadência". Mas os números demonstram que essa decadência, na mais otimistas das previsões (para os que torcem contra os EUA)demorará muitos e muitos anos.
ResponderExcluir