Opinião:
Hora da verdade
Os que defendem uma posição equidistante dos radicalismos ideológicos da esquerda e da direita têm uma palavra a oferecer no cenário político nacionalPor Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 24/06/2025
Apesar de indicadores positivos na economia (crescimento, inflação, desemprego, câmbio, reservas), o Brasil enfrenta uma situação interna de extrema complexidade sem uma liderança que expresse os anseios de todos por uma economia estável e um regime político funcional, que represente a maioria da população e que favoreça uma sociedade mais justa. O grau alarmante de corrupção e de violência, facilitadas pela interferência e ineficiência do Estado todo-poderoso, contamina a vida política e econômica do País e clama pelo fim da impunidade. Perdeu-se o sentido de autoridade e de garantia de segurança ao cidadão.
A ausência de liderança efetiva no Executivo, no Legislativo e no Judiciário agrava o quadro nacional e exige de todos os que se preocupam com o futuro do Brasil um esforço para promover um debate que chame a atenção para as mudanças que a sociedade brasileira terá de enfrentar e aceitar, e a necessidade de restaurar o crescimento e aumentar o emprego.
Os partidos políticos deixaram de representar os interesses de grande parte da sociedade e não entenderam sua posição numa sociedade dividida e radicalizada como a em que vivemos hoje. O Congresso Nacional está mais preocupado em defender seus interesses políticos e eleitorais do que discutir os reais problemas do País. O Judiciário, entre o Executivo e o Legislativo, em algumas decisões, aumenta a insegurança jurídica.
Estudos técnicos mostram que, se não houver uma mudança efetiva no tratamento da coisa pública, o Brasil enfrentará uma crise financeira provocada pelo colapso fiscal, sem precedentes, com impacto na ordem política e social. O País pode parar, com o choque entre o Executivo e o Legislativo e a paralisia no processo decisório.
Chegou o momento de enfrentar os problemas que, de fato, afetam a sociedade brasileira. Governo, empresários e trabalhadores, como parceiros, junto com os agentes políticos, em momentos cruciais no passado, souberam superar suas diferenças e atuar em conjunto em favor do crescimento e do emprego. Não resta alternativa senão confrontar essa ameaça para evitar uma crise mais profunda.
O cidadão comum tem de defender seus direitos e participar de forma democrática na solução dos problemas que se acumulam e que parecem sem solução. A população, anestesiada pela crise em todos os níveis, tem de despertar e exercer seus direitos de cidadania.
O preço do imobilismo será maior do que o custo das mudanças necessárias para restabelecer as condições de governabilidade do País. Em meio a incertezas globais, é fundamental um Estado eficiente, efetivo e comprometido com o interesse público e com menor grau de interferência na vida de todos nós e das empresas.
Não é mais possível aceitar passivamente uma situação insustentável. Sem participar da definição dos rumos do processo político e mostrando o interesse na formação de uma frente ampla, moderada, chegou a hora de todos os que preferem uma alternativa à polarização se reunirem para buscar uma candidatura presidencial única, de centro, com uma clara visão de como enfrentar os desafios internos e externos.
Recente pesquisa de opinião pública mostrou que 65% dos que votaram em Lula e em Bolsonaro em 2022 preferem outros nomes na próxima eleição presidencial. A independência dos extremos, com uma visão clara dos problemas internos e do lugar do Brasil no mundo, deve ser buscada por todos os que não se conformam com a atuação (ou a ausência de atuação) da classe política nos dias de hoje.
Será importante a mobilização da sociedade, que recusa a polarização em torno de uma agenda mínima que passe, de um lado, por uma reforma política parcial, com a introdução do voto distrital com listas partidárias para dar mais representatividade às Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional, e por uma reforma administrativa que enxugue a máquina pública e acabe com os privilégios e penduricalhos inaceitáveis. Além disso, diante das grandes transformações que ocorrem no cenário global, deveria começar uma discussão objetiva, e não ideológica ou partidária, sobre o lugar do Brasil no mundo, como potência média regional, focado no desenvolvimento econômico e social e na segurança nacional, com ênfase na defesa da soberania e na dos cidadãos com o combate à violência e ao crime organizado e daquilo em que o Brasil tem uma voz qualificada: segurança alimentar, transição energética e mudança climática.
Pensando no Brasil em primeiro lugar, os que defendem uma posição equidistante dos radicalismos ideológicos da esquerda e da direita têm uma palavra a oferecer no cenário político nacional. Essa manifestação deveria ser no contexto de um amplo movimento que, neste quadro de incertezas e grandes riscos, faça a defesa do interesse nacional com a discussão de uma agenda renovada que venha a examinar medidas difíceis, mas realistas. Negligenciado até aqui, a sociedade civil deve dar início a esse debate.
O cenário global e o Brasil mudaram, sem que o governo entenda as transformações em curso e atue para melhor defender os interesses do País. A tarefa é urgente. O Brasil não pode esperar. O mundo não vai aguardar o Brasil superar a ausência de uma visão clara de seus objetivos e de seus interesses.
Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)
https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/hora-da-verdade/
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.