sexta-feira, 18 de julho de 2025

Livro de Paulo Roberto de Almeida: O Brasil e o multilateralismo econômico, resenha de Alberto Tamer (O Estado de S. Paulo)

Uma resenha de um dos meus livros, recuperado recentemente em velhos papeis (e copiado do jornal):


A inserção internacional do Brasil
Livro de Paulo Roberto de Almeida:
O Brasil e o multilateralismo econômico
(Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, 328 p.)

Alberto Tamer
O Estado de São Paulo, 28.06.99, caderno de Economia

        Os jornais trazem, todos os dias, informações e comentários a respeito das mais diversas organizações internacionais, FMI, OMC, BIRD, cuja atuação e funcionamento passaram a influenciar como nunca a política econômica do Brasil. O ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero ocupa atualmente — já em segundo mandato — a Secretaria-Geral da UNCTAD. Alguém saberia, fora dos ambientes diplomáticos, traduzir exatamente o que essa sigla significa, assim como esta outra, ainda menos conhecida: OCDE?
        Mais importante, contudo, do que explicar a que veio e o que fazem cada uma dessas entidades — o que comparece de forma exaustiva num completo Glossário ao final deste livro de Paulo Roberto de Almeida — é saber o que o Brasil faz em cada uma delas, como elas podem repercutir no processo de formulação de políticas econômicas e setoriais do Estado brasileiro e que papel elas podem cumprir na inserção internacional do nosso país, num mundo cada vez mais interdependente e globalizado.
        Este livro é, provavelmente, o mais bem informado de todos aqueles publicados no Brasil sobre um campo ainda pouco explorado pelos especialistas acadêmicos e mesmo pelos supostos detentores do monopólio da representação brasileira nesses foros por vezes pouco conhecidos do grande público.

        Paulo Roberto de Almeida se utiliza muito pouco do “diplomatês” para explicar como surgiram, como evoluiram e o que fazem, hoje, cada uma dessas organizações, por uma razão muito simples: ele é um cultor da História, com “h” maiúsculo, e vai buscar no início do século XIX os fundamentos do moderno sistema econômico multilateral que passou a impregnar todos os aspectos da vida moderna. Quem já não ouviu falar de protestos de agricultores franceses em frente à sede do GATT — antecessor da atual Organização Mundial do Comércio — em Genebra? Ou, mais próximo de nós, quem ainda não leu na imprensa que a política monetária do Brasil estaria sendo supostamente conduzida pelos tecnocratas do FMI, talvez a mais vilipendiada dessas entidades e objeto familiar da demonologia brasileira praticamente desde o início de sua atuação efetiva, nos anos 50?

        Longe das diatribes estéreis e das acusações irresponsáveis, o livro do Paulo Roberto de Almeida é o mais completo “passeio” pelas origens, estrutura e funcionamento dessas organizações. Mas, não se pense que se trata de um “mero” manual introdutório, algo como um repertório linear dessas entidades. Não: o que o autor faz é traçar um panorama completo dos dois últimos séculos do processo de globalização, tendo sempre o Brasil como fio condutor de suas reflexões. Ele vai buscar a emergência do multilateralismo contemporâneo no mundo restaurado da Europa pós-napoleônica, segue seus passos pelas primeiras organizações de cooperação técnica (telégrafo, correios, patentes de invenção), para examinar sua multiplicação neste “breve” século XX, desde a Liga das Nações até o universo onusiano de dezenas de agências especializadas.
        As mais importantes entidades econômicas do pós-segunda guerra são, sem dúvida alguma, as duas “irmãs” de Bretton Woods, FMI e BIRD, e o GATT, que seria depois completado pela OMC. Mas, desde antes, já existia o Banco de Basiléia (BIS), o banco central dos bancos centrais, criado em 1930 para administrar a dívida externa da Alemanha derrotada na primeira guerra e que hoje se ocupa fundamentalmente de assegurar o bom funcionamento do sistema bancário num mundo de finanças globalizadas. Quantos sabem que o Brasil aderiu ao BIS em 1997, e aplica suas normas de prudência bancária (ainda que elas não sejam seguidas de fiscalização pertinente)?

        O livro segue ainda todas as rodadas da história de meio século do GATT (sempre como acordo “provisório) e discute porque a OMC pode ser mais democrática do que as instituições de Bretton Woods. Ele também segue a ascensão e crise da ideologia desenvolvimentista, personificada na UNCTAD, hoje em dia certamente mais identificada com as grandes forças da interdependência mundial.
Uma série de quadros analíticos e de tabelas informativas retraça a história multisecular da inserção econômica internacional do Brasil, desde o século XVI até o ano 2000 (inclusive com previsões quanto ao sistema hemisférico em 2005), seguindo, por exemplo, os meandros e a evolução de nossa da política comercial. O autor, um especialista do Mercosul e da integração regional e hemisférica — ele acaba de publicar, igualmente, dois outros títulos sobre a questão, pela LTr — ostenta uma vasta bibliografia, podendo-se talvez reclamar que suas referências, para não desmentir o viés diplomático, são muito “internacionais” para o público brasileiro.         Trata-se, em todo caso, de um livro que todo professor de economia e todo estudante de direito, de relações internacionais ou todo curioso de “globalização”, deveria ler e estudar.


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