Um retorno (forçado) aos anos 1990?
Lembro perfeitamente da queda do muro de Berlim (outubro de 1989), do golpe contra Gorbachev em Moscou (agosto de 1990) e do fim da União Soviética (em dezembro do mesmo ano). 1991 foi a implosão final no que restava de socialismo no mundo (o que sobrou, Cuba e Coreia do Norte, não tinha a menor importância).
Estávamos entre Genebra e Montevidéu, mas seguíamos tudo pela CNN internacional, pela qual também seguimos a Operação Tempestade no Deserto e a primeira guerra do Golfo, no início de 1991 (estávamos então viajando entre a Argentina e o Chile). Foi quando constatei o imenso atraso da Argentina nas suas províncias do interior (o que lembrava o Brasil dos anos 1960, ou a Iugoslávia ainda do início dos anos 1980, quando se tinha de pedir a uma telefonista para fazer uma simples ligação internacional, e esperar por algum tempo).
Acompanhei a longa agonia da Rússia nos anos 1990, com imagens de aposentados buscando algo de valor nos lixos de Moscou, se não era uma simplesmente comida. A outrora poderosa Rússia tinha um PIB inferior ao Brasil, e o Ocidente tinha de vir em ajuda para amenizar a transição do socialismo ao capitalismo, que foi feita com muita corrupção e preservação dos oligarcas do velho regime.
Pano sobre as duas décadas seguintes, de lenta e deformada reconstrução, e chegamos à terceira década do século XXI, quando um neoczar empreende a reconquista dos antigos impérios czarista e soviético, tentando “fazer girar para trás a roda da História”, como diria Marx.
Convencido de que força é poder, ele avança sobre os vizinhos, como faziam os déspotas dos anos 1930. Nunca se conformou com a “maior tragédia do século XX”, que tinha sido, para ele, a “dissolução da URSS”.
Ele não aprendeu as lições da História.
A dissolução do império soviético não se deu por nenhuma ofensiva da Otan ou dos paises ocidentais, ao contrário: estes estavam até ajudando os países socialistas, concedendo empréstimos (que nunca foram pagos) e faciltando à cooperação no âmbito da CSCE, a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (que virou uma organização, com sede em Viena), da OCDE, da UE e da própria Otan. A UE criou o BERD, que passou a financiar a transição. A maior parte dos antigos satélites e “incorporados” ao império (como os balticos) aproveitou o maná e transitou com êxito para a UE e sistemas democráticos de mercado.
Ficaram de fora a Bielorrussia, a Ucrânia e a própria Rússia (não contando as satrapias soviéticas da Ásia central).
Putin, a partir de 2000, tratou de retomar ao sistema conhecido e repressivo da cleptocracia guiada e comandada por ex-kgbistas, como ele, e novos plutocratas bilionários saídos do Ancien Régime soviético.
Parecia que funcionaria, mas a ambição expansionista fez o que se observa agora: Putin conduz seu regime opressivo de volta aos anos 1990. A ironia é que os motivos são os mesmos: economia de guerra.
Nos anos 1980, a URSS fez tilt, deu dois suspiros e depois morreu, em parte devido ao keynesianismo militar produzido por Reagan com seu programa de Guerra nas Estrelas, que a economia soviética não conseguiu acompanhar.
Agora é a economia de guerra a que o Putin obrigou o país com sua guerra de agressão à Ucrânia, que ele esperava “liquidar” em poucas semanas (com base nas informações equivocadas dos novos kgbistas, seus comparsas do FSB e dos generais corruptos). Ele conseguiu liquidar alguns bilionários dissidentes, mas não com a vontade indômita do povo ucraniano e a de seu líder.
Já levou a Rússia aos anos 1990, mas vai conseguir afundá-la ainda mais, pois não sabe mais o que fazer.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/11/2025
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