A Suprema Indignidade da Suprema Corte americana sob Trump, repetindo um padrão que já foi o seu mais de cem anos atrás
No final do século XIX, confrontada a uma proibição de um estado sulista qualquer, contra reclamação de um afroamericano revoltado em face da proibição de uma escola racista qualquer de negar a matrícula de sua filha negra numa escola pública, os meritíssimos inovaram com o triste e infeliz conceito de “equal but separated”, ou seja, conforme à Constituição federal (depois do Emancipation Act duramente introduzido por Abraham Lincoln, que também era racista), todos os cidadãos americanos são iguais em direitos e obrigações, mas que os estados federados tinham o direito de separá-los, de conformidade às suas conveniências peculiares.
Foi o sinal para o inicio da introdução de um Apartheid insidioso em muitos estados, geralmente do Sul, mas não apenas. Esse Apartheid visando o direito elementar de educação pública gratuita para todos se prolongaria por mais de um século, até ser finalmente abolido, ao cabo de longas, terríveis e duríssimas lutas dos afroamericanos por um direito elementar, o que só foi alcançado nos anos 1950, e ainda assim teve de ser implementado por tropas federais ainda nos anos 1960 em certos estados deliberadamente racistas do Sul, um dos quais, aliás, teve o seu governador racista candidato à presidência do país.
Mas não parou por aí o Apartheid americano. Outro presidente notoriamente racista, o virginiano Woodrow Wilson, a despeito de ter sido presidente da universidade de Princeton e reconhecido mestre em Direito Constitucional, decidiu autorizar esse princípio da separação de indivíduos de diferentes “raças” na administração federal, em todos os departamentos e serviços públicos do país, o que alcançava até simples agências de correios, ou seja, banheiros, refeitórios, ou até os mais prosaicos bebedouros à disposição de todos.
Foi o sinal para que todos os estados recrudescessem no mais insidioso e abjeto Apartheid generalizado em qualquer parte e setor de atividade pública e PRIVADA do país. Milhares de placas “Whites Only” se espalhassem em qualquer comércio (restaurantes, cinemas, lojas) do país, na prática, qualquer birosca podia ser aberta e oficialmente racista. A partir de Woodrow Wilson, o racismo mais perverso se espalhou pelo país, e a Ku Klux Klan se sentiu inteiramente livre para linchar, literalmente, qualquer indivíduo negro que ousasse olhar mais fixamente para qualquer “moça branca” em qualquer parte do Sul.
Hitler primeiro, a África do Sul depois, outros racistas do mundo puderam legalizar o racismo com base no know how e na experiência americana.
Pois bem, chego aos nossos infelizes tempos trumpianos e os de uma Suprema Corte oportunamente liberada na sua faculdade de novamente atribuir mais uma “liberdade” aos agentes públicos e de introduzir uma nova versão do indigno princípio do “equal but separated”.
A Suprema Corte acaba de autorizar, vejam bem, a continuidade da DETENÇÃO sem ordem judicial de qualquer cidadão que pela aparência, sotaque, jeito ou maneira de se expressar não demonstre sua familiaridade com o “inglês”, tão exclusivamente americano, a partir de agora, como o é, por exemplo, o Golfo do México, rebatizado por Trump como Golf of America, proximamente talvez a Groenlândia, talvez novamente o Canal do Panamá, e quem sabe mais, infinitas coisas que a Suprema Corte decida a que só os “americanos legítimos” tenham direito e posse, entre eles o de se expressar em outras línguas.
Falou em espanhol, ou num inglês estropiado, ou levemente com acento diferente, sendo branco ou moreno, o ICE pode detê-lo quando quiser e levá-lo para onde quiser. Os nazistas não tinham pensado nisso, pois mesmo brancos falando um alemão corretíssimo podiam levar um homem qualquer a ter de baixar as suas calças para se verificar se, por acaso, ele não tinha alguma peculiaridade “judia”.
A Suprema Corte americana acaba de inovar sobre as leis nazistas.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13/09/2025
Complementado por texto sobre a exata posição da Corte (link: