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sábado, 29 de setembro de 2018

Juca Paranhos, a biografia do Barao do Rio Branco, por Luis Claudio Villafane G. Santos (IstoÉ)

Biografia conta como Rio Branco se envolveu em casos amorosos, jogatina, espionagem, compra de jornalistas e manipulação de tratados internacionais — sem perder a reputação

O barão indômito
MODERNO Rio Branco com seus assessores no Itamaraty por volta de 1911 (Moniz Brandão, Antônio Batista Pereira e AraújoJorge): trajes leves para negociações pacíficas
A história do Brasil costuma ser mal contada, mesmo quando se trata de versões oficiais de vultos pátrios. O Barão do Rio Branco não foge à regra. Ele foi celebrado como patrono da diplomacia brasileira e consagrado em vida pela multidão em 1904, como o herói que estabeleceu as fronteiras do País ao incorporar 900 mil quilômetros quadrados ao território nacional, com destaque para o Acre, a sua maior façanha. Mas quase nada se sabe da personalidade e das ações de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Juca Paranhos.
É certo que o Barão, como era chamado, mereceu centenas de estudos e duas grandes biografias: de Álvaro Lins, publicada em 1945, e de Luís Viana Filho, em 1959. Mas nenhum desses textos desceu a detalhes que poderiam abalar o monumento. O homem real surge enfim com a biografia “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco”, do historiador e diplomata carioca Luís Cláudio Villafañe G. Santos, lançada pela Companhia das Letras.
“O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído” Luís Cláudio Villafañe G. Santos, historiador
A pesquisa para o livro durou 10 anos. Santos diz que não teve dificuldades para vasculhar os documentos do Itamaraty, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional. Neles, descobriu histórias e documentos esquecidos. Além disso, tentou reinterpretar vários episódios com base em métodos historiográficos atuais. “Já não cabe a construção de um herói da nacionalidade, com uma trajetória linear”, afirma.
“O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído. Procuro mostrar suas transformações ao longo da vida, suas contradições, inseguranças, recuos e momentos em que se reinventou.”
No cancã
O Barão foi o caso raro do monarquista que se adaptou à vida republicana. Santos retrata esse personagem de dois mundos: “A trajetória de Rio Branco é uma janela extraordinária para acompanhar as transformações que o Brasil e o mundo passaram durante as várias décadas de sua atuação política, do fim do Império ao início da República”.
A exemplo do pai, o militar e político José Maria da Silva Paranhos (1819-1880), triunfou pela competência. Membro do Partido Conservador, tornou-se presidente do Conselho de Ministros e braço direito de dom Pedro II, que lhe concedeu o título de Visconde do Rio Branco. Não pertencia à nobreza de raiz. Por isso, orientou o filho a manter os privilégios à custa do trabalho.
Desde o início, o temperamento de Juca revelou-se indomável. O rapaz de 1,82 metro e trajes de poeta romântico mudou-se para São Paulo, onde estudou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Começou a escrever ensaios históricos
e viveu “algumas aventuras romanescas, nem sempre louváveis”, como disse. Furtou leitões e quase matou um colega por acidente ao voltar de uma caçada. Em sua primeira viagem à Europa, perdeu tanto dinheiro em um cassino de Monte Carlo que
só ficou com o suficiente para comprar bilhete de trem de regresso a Paris. De volta ao Rio de Janeiro, para horror do imponente visconde — com seu 1,90 metro —, Juca apaixonou-se pela belga Marie Philomène Stevens, “cocotte comedienne” do teatro Alcazar Lyrico, especializado na dança do cancã. O pai o obrigou a mandar a amante à Europa. Apesar disso, as longas temporadas em Liverpool e Paris permitiram que tivesse seus cinco filhos com ela.
3 FASES DE UM HERÓI
À medida que expandia a circunferência da cintura e o território nacional, conquistou cargos e passou de nobre conservador a intrépido diplomata da República. Virou alvo dos jornais de oposição, que o caricaturizavam como um fanfarrão autocrático e desafiador, com a indefectível perna apoiada. Para melhorar a imagem, subornou jornalistas para escreverem artigos elogiosos. Desse modo, queria fazer frente ao inimigo Edmundo Bittencourt, dono do liberal “Correio da Manhã”. Rapidamente tornou-se um personagem popular nas ruas da capital federal, onde costumava caminhar, ostentando o cigarro de palha. Na virada do século XX, passou a morar em um cômodo improvisado no Palácio do Itamaraty. O fato de o prédio não dispor de uma cozinha lhe dava pretexto para frequentar restaurantes, como o Minho, localizado na rua do Ouvidor (ainda aberto), onde se refestelava com feijoadas e pescados.
ANTES E DEPOIS Caricatura de “A Avenida” (1903) colorida por Rio Branco: o Barão oferta um pedaço do Brasil à Bolívia
Tratado secreto
Como ministro das Relações Exteriores, dedicou-se às negociações de limites com os governos da França, Holanda, Bolívia, Peru e Uruguai. O êxito se deveu também à manipulação. Uma das revelações do livro é que ele negociou secretamente um tratado com os equatorianos para tentar abocanhar parte do território peruano e criar uma fronteira entre Brasil e Equador. Em litígios territoriais, contratava espiões. Dessa forma, obteve um parecer favorável do mediador da representação suíça à fixação da fronteira da Guiana Francesa no rio Oiapoque. Segundo Santos, o Barão foi responsável por criar uma imagem serena nas refregas diplomáticas. Dizia, por exemplo, que o acordo com a Bolívia para anexar o Acre havia sido tranquilo. Na realidade, as negociações quase causaram a guerra num processo que levou 5 anos até a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 1903.
ANTES Rio Branco em sua biblioteca em Paris em 1898 (Crédito:Divulgação)
Divulgação
Quanto à visão geopolítica, o Barão não parecia ser um visionário. Preconizava a submissão às grandes potências, ao contrário do rival Rui Barbosa. Durante o Império, considerava “inevitável” a abolição da escravatura, por não harmonizar com a imagem de país quase europeu que queria divulgar. Mas, para o bem da economia nacional, propunha adiar o fim da escravidão até a data da morte do último escravo nascido antes da Lei do Ventre Livre, promulgada por seu pai em 1871. Portanto, sonhava em prolongar o trabalho escravo até a década de 1950.
DEPOIS Gabinete / quarto no Itamaraty, no dia seguinte à sua morte, em foto tirada às escondidas por Augusto Malta (Crédito:Divulgação)
Divulgação
Na República, tentou ser mais moderno e expansionista. Esforçou-se para que o Brasil se alinhasse à cultura ocidental e compartilhasse dos ideais das elites europeias. Assim planejou instaurar um “concerto americano” que unisse os países do continente para garantir a paz. Mas, ao contrário da lenda, sua atuação na política não foi autônoma. “Então, como hoje, a política externa refletia a situação interna e os debates políticos e mesmo partidários”, diz Santos. Segundo ele, o maior legado de Rio Branco foi a consolidação das fronteiras, proeza definitiva para a formação da identidade nacional. Mas suas ideias soam agora datadas. Santos imagina que, se ele ressuscitasse no mundo atual, ficaria confuso. “A agenda das relações internacionais hoje é muito diferente”, afirma.

terça-feira, 31 de julho de 2018

O Barao do Rio Branco, em nova biografia: Luis Claudio Villafane G. Santos

Aguardem o lançamento deste livro. Ele promete...


NOVA BIOGRAFIA DO BARÃO DO RIO BRANCO:



Sumário
Introdução
parte I: Juca Paranhos — na sombra do pai (1845-1876)
  1. E agora, José?
  2. Em família
  3. Juca Paranhos
  4. Vida de estudante
  5. Viagem à Europa e difícil começo no Brasil
  6. O deputado Paranhos Júnior
  7. Em nome do pai: A Nação e A Vida Fluminense
  8. O boêmio
  9. A tormentosa remoção
parte II: a redenção do boêmio (1876-1902)
  1. Cônsul-geral do Brasil nos domínios da rainha Vitória
  2. Paris e São Petersburgo
  3. O publicista do Terceiro Reinado
  4. Discutindo a abolição
  5. Enfrentar a República ou aderir a ela?
  6. A Questão de Palmas
  7. Nova York e Washington
  8. De volta a Paris
  9. A Questão do Amapá
  10. Berna
  11. Berlim
parte III: um saquarema no Itamaraty (1902-1912)
  1. Tel brille au second rang qui s’éclipse au premier
  2. No imbróglio do Acre, no meio do fogo político do Rio, entre gente toda nova
  3. O Tratado de Petrópolis
  4. O pesadelo do Barão
  5. Por preguiça e hábito
  6. Rio Branco, os Estados Unidos e o monroísmo
  7. Que classe de país é este?
  8. O ataque surpresa contra o Rio de Janeiro
  9. Há muito tempo nas águas da Guanabara
  10. Sim, agora, morto é que ele começava realmente a viver
Notas
Fontes
Bibliografia
Cronologia
Índice remissivo

DISPONÍVEL EM OUTUBRO

Prefácio do Embaixador Alberto da Costa e Silva:
Quem, de sobrecasaca ou em mangas de camisa, se demora a examinar um mapa antigo ou caminha pelas páginas deste livro, vai nele mudando de feições e de comportamento, até assumir a imagem com que entrou na história e na qual reconhecemos o barão do Rio Branco. Seus contemporâneos fizeram dele julgamentos conflitantes, mas os que teve por contrários às suas posições ou por desafetos ressentidos não impediram que fosse o mais popular dos homens públicos de seu tempo — e, por isso mesmo, um dos mais caricaturados — e que, no dia seguinte ao da sua morte, o país já o consagrasse como um dos seus maiores.
Nesta biografia, a primeira que se publica no século XXI e é, sob muitos aspectos, inovadora, o barão do Rio Branco de nossa admiração não esconde o amante egoísta, o vaidoso que alimentava a claque de seu teatro pessoal, o centralizador que desmerecia a ajuda dos colaboradores, o sedento de glória, o glutão e o esbanjador para quem todo dinheiro era pouco.
Reexaminando o muito que se escreveu sobre ele, assim como a sua correspondência ativa e passiva, e lendo, dia a dia, linha a linha, o que, na época, estampavam os jornais, Luís Cláudio Villafañe G. Santos trouxe para a nossa companhia um Rio Branco confiante no forte saber que lhe moldava os argumentos e as ações. E tão bem contada é a sua vida e tão nítidos os retratos, que ele sai deste livro, nos toma pelo braço e nos convida para jantar no Hotel dos Estrangeiros.

Alberto da Costa e Silva

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Sem esquecer seu artigo sobre Joaquim Nabuco: 


O Americanismo de Joaquim Nabuco


Nos desprendemos da Europa tão completa e definitivamente como a Lua da Terra: o americanismo de Nabuco

Resumo

O artigo analisa a evolução do pensamento de Joaquim Nabuco sobre o lugar dos Estados Unidos na política externa brasileira. A ênfase recai sobre o período em que ele atuou como embaixador do Brasil em Washington

Palavras-chave

Joaquim Nabuco; americanismo; política externa brasileira; Brasil-EUA

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Politica externa brasileira: o que faria o Barao hoje, se vivo fosse? (2016) - Paulo Roberto de Almeida

Este trabalho foi elaborado, com base em notas anteriores, no período intermediário do impeachment conduzido entre maio e agosto de 2016, para servir como material de discussão a grupo de estudos de caráter acadêmico. Não foi publicado nessa forma, embora partes dele possam ter servido a trabalhos anteriores, e deles provinham, que já tinham sido publicados.
Como o "redescobri" agora, coloco à disposição dos interessados, lembrando, uma vez mais, que ele é de meados de 2016, e pode estar defasado num ou noutro ponto específico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018

Política externa brasileira: o que faria o Barão hoje, se vivo fosse?

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira; professor no Uniceub (Brasília)
Brasília, 1/06/2016
  
Se, por um desses acasos históricos, o Barão do Rio Branco, falecido mais de cem anos atrás, retornasse eventualmente entre nós, quais seriam suas grandes preocupações diplomáticas? Esgotada a tarefa de remodelar a geografia dos limites territoriais, por meio de negociações de fronteiras com todos os nossos vizinhos, o Barão talvez se preocupasse com temas mais permanentes, ou mais estruturais, sobretudo numa fase – como foi a sua – de transição nas relações internacionais.
De fato, um século atrás, o mundo assistia aos primeiros passos da transposição hegemônica das velhas potências europeias para o novo poder emergente, os Estados Unidos da América, país com o qual o Barão do Rio Branco tentou estabelecer uma estratégia de coexistência de zonas de influência: os EUA ao norte, o Brasil ao sul. Obviamente, o Barão tinha consciência dos meios limitados do Brasil do início do século XX, mas ele se perguntaria, de igual modo, o que o Brasil precisaria fazer, atualmente, para ocupar seu espaço no chamado concerto das nações.
Os argumentos alinhados abaixo, foram pensados bem mais na perspectiva da política externa dos governos lulopetistas, de janeiro de 2003 a maio de 2016, do que no da nova diplomacia que está sendo construída, apresentada e implementada pelo novo governo interino, em meio ao processo de impeachment ainda em curso. Reflexões a partir dessa nova política externa terão de ser feitas após mais algum tempo de testes práticos da diplomacia profissional do Itamaraty, depois de quase uma década e meia de influência partidária sobre as grandes linhas das relações exteriores do Brasil sob o comando dos governos lulopetistas desde o início do novo milênio.

O Barão agora: qualquer semelhança é mera coincidência?
Talvez ele começasse pela pergunta clássica dos estadistas: o Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.
Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.

Quais seriam os grandes objetivos do Barão, hoje?
Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias não dificultem o atingimento das metas nacionais.
Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.
Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contra-produtiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pela experiência recente, não parece que sequer começamos a retificar os equívocos mais eloquentes do passado imediato, quando apoiamos ditadores e adotamos uma concepção muito peculiar dos direitos humanos e dos valores democráticos. O que diria o Barão, a esse respeito?
Talvez ele devesse começar examinando as pequenas estratégias desenvolvidas nos últimos anos. Na verdade, o Barão seria naturalmente levado a elaborar uma grande estratégia, obviamente diversa daquela de sua época, e adaptada aos requisitos do presente. Negligenciando o fato de que ele, quando vivo, já era quase um santo protetor da diplomacia brasileira, uma personalidade incontrastável, incontestável, o “dono” da política internacional do Brasil, além e acima de qualquer presidente, pode-se imaginar que ele atuaria segundo as instruções do presidente de turno, mas com certa latitude de ação, em vista de sua reconhecida competência para certos temas.
Vamos imaginar, contudo, que ele apenas atuaria como um chanceler qualquer, em face dos mesmos desafios ou agendas, que se colocariam a um chanceler de nossos dias, nas circunstâncias atuais do Brasil, país que deixou de ser simplesmente em desenvolvimento, e um instável crônico na América Latina, para se tornar um “emergente”, um país dotado de pretensões a ter uma influência regional e global. É com base, exatamente, nessas premissas, que podemos, em primeiro lugar, criticar as diversas estratégias que o Brasil seguiu nos últimos tempos, e às quais poderíamos chamar de pequenas.

Alternativas estratégicas para o Barão no século XXI
A primeira estratégia pequena, na verdade mesquinha, seria a de ter exibido, durante os oito anos da doutrina do “nunca antes neste país”, uma orientação de política externa não exatamente nacional, mas mais propriamente partidária, para não dizer sectária. Quando o Barão foi convidado para ser chanceler, cargo que ensaiou recusar, seja por motivos de saúde, de dinheiro ou qualquer outro, a primeira coisa que ele adiantou era a de que não vinha servir qualquer partido, qualquer causa política, mas o Brasil, em benefício da nação e de seu prestígio na região e no mundo.
Cem anos depois, parece que tivemos não apenas uma diplomacia estreitamente partidária, mas até um chanceler que, talvez insatisfeito por ser “apenas” diplomata, resolveu se inscrever num partido, ou melhor, no partido do poder, o que aparentemente nunca lhe foi exigido como chanceler ou como funcionário de Estado. Mas, como defensor de um governo partidário, ele resolveu se filiar a esse partido. Como todo militante desse partido, como naquelas agrupações religiosas que exigem o dízimo, tem de contribuir com sua cota de boa vontade financeira, o mesmo chanceler escolheu ser conselheiro de algumas coisas, para arredondar o salário, já que o Brasil é hoje um país caro (talvez em função de algumas políticas de pequena estratégia que o mesmo partido aplica). O Barão, provavelmente, desprezaria gestos como esse.
A segunda estratégia pequena que o Barão lamentaria, se hoje contemplasse a diplomacia dos oito anos do “nunca antes”, seria justamente essa tal de “diplomacia Sul-Sul”. O Barão nunca compreenderia, e nunca admitiria, como se consegue ser tão reducionista, tão simplista, tão estreito geograficamente nas escolhas de relacionamento internacional, ele que sempre se bateu para equilibrar as relações do Brasil entre a velha Europa, os EUA emergentes, e a América do Sul, todos tão presentes em nossas relações imediatas. A despeito dessa “aliança não escrita” com os EUA, de que falam alguns acadêmicos, o Barão, na verdade, nunca se deixou prender, ou enredar, numa relação exclusiva, ou privilegiada, com qualquer sócio maior, mas procurava sempre manter equidistância dos grandes centros de poder, das velhas potências coloniais – mas ainda agressivamente imperialistas – e da nova potência que despontava no hemisfério – e já agressivamente imperialista, precisamente. Menos ainda ele compreenderia que o Brasil só tivesse olhos para o seu entorno imediato – claro, porque a África não “existia”, dominada que era pela Europa, e que a Ásia também se debatia na colonização direta e indireta das mesmas potências – e descurasse por completo das relações com aqueles que eram nossos principais mercados e fornecedores de capitais. Ele sorriria com certa complacência antes essas propostas de “nova geografia comercial internacional”, sabedor que, em matéria de comércio, toda e qualquer geografia é boa, desde que se consiga realizar todos os intercâmbios, nos dois sentidos, que interessariam ao Brasil.
Justamente, mesmo se ele tivesse de administrar uma “estratégia Sul-Sul” para o Brasil – fatalidade lamentável que ele certamente se escusaria por completo de iniciar – ele jamais se permitiria ser complacente, leniente, inconsequente ou descuidado em relação aos direitos do Brasil. Ele jamais permitiria, por exemplo, que tripudiassem injustamente sobre nossas exportações – como infelizmente ocorre muito frequentemente com certo vizinho arrogante – ou que, ao arrepio de tratados bilaterais e de contratos internacionais, outros vizinhos inconsequentes invadissem nossas propriedades legítimas para esbulhar-nos de nossos direitos, rasgando unilateralmente compromissos que tinham sido solenemente contraídos anteriormente. Por muito menos ele fez deslocar tropas para proteger nacionais ameaçados de maus tratos; ainda que não fosse o caso de fazê-lo em todas as circunstâncias, o Barão certamente teria sido bem mais vigoroso na reação a certos atos de expropriação ilegal.
Por exemplo: ainda que confrontado a uma declaração inevitável de expropriação de bens nacionais, ele JAMAIS assinaria uma nota na qual se reconhecia o direito soberano de outro país de, sem a cortesia de sequer um alerta preliminar, expropriar, sem negociações ou consulta prévia, propriedades nacionais, em total desrespeito às normas do direito internacional e à letra de tratados que constituíam obrigações para as duas partes. Ele certamente consideraria certas atitudes registradas nesses tempos caóticos de diplomacia confusa não só como marcas de uma pequena estratégia, mas como uma demonstração cabal de uma estratégia vergonhosa.
A mais forte razão, o Barão se guardaria escrupulosamente, e faria com que o seu presidente também observasse esse tipo de recato, de jamais interferir nos assuntos políticos internos de outros países, seja demonstrando apoios eleitorais indevidos, seja adiantando preferências ideológicas ou ainda rompendo normas e costumes de direito internacional e de relações diplomáticas. A melhor forma de manter boas relações com quaisquer vizinhos – mesmo os mais turbulentos – e com todo e qualquer país da comunidade internacional é manter reserva total quanto aos assuntos internos desses outros países, mesmo quando se possa, em privado, manter preferência por um outro personagem da vida política que possa ter influência nas relações com o Brasil. Expressar publicamente interesse nesse tipo de assunto é a mais pequena estratégia que o Barão poderia conceber, e isso ele deixou registrado em vários escritos públicos.
Finalmente, o Barão tampouco consentiria em dividir o processo de tomada de decisão em múltiplas cabeças, em fracionar o comando da diplomacia em diversos centros independentes de formulação e de execução de uma política nacional, como deve ser a política internacional de um país. Consciente, provavelmente, de que a política externa é uma espécie de política interna por outros meios, e sabedor de que a diplomacia, como a arte da guerra, exige unidade de formulação, de decisão e de implementação das ações requeridas, ele obstaria por completo a qualquer fragmentação da atuação diplomática do Brasil em unidades separadas de atuação. Já ao assumir a chefia do Ministério, e confrontando-se com a provecta figura de Cabo Frio, ele apressou-se em inaugurar um busto em homenagem a essa magnífica figura do Império, como forma de afastá-lo dos assuntos correntes, encaminhando-o a uma merecida aposentadoria que ainda tardou a acontecer. Independentemente desses dissabores, ele jamais consentiria, por exemplo, que dirigentes partidários, representantes de interesses especiais, neófitos palacianos ou quaisquer outros aprendizes de diplomatas lhe viessem sugerir esta ou aquela política em matérias que fossem de sua competência exclusiva. Como “general” da diplomacia, ele sabia que comando não se divide: ou se assume, ou se assiste a confusão predominar em temas que têm a ver com a segurança nacional.

O Brasil precisaria ter uma “grande estratégia”?
Enfim, falamos das “pequenas estratégias” que o Barão não teria, e não poderia ter, para as relações internacionais do Brasil, mais de cem anos depois de sua morte, se por acaso voltasse ao nosso convívio. Mas faltou falar, positivamente, de uma grande estratégia que o Barão do Rio Branco poderia exibir na atualidade.
E por que uma estratégia teria de ser “grande”? Não existe nenhum motivo especial para isso: trata-se apenas de um adjetivo, talvez exagerado, que visa, de certo modo, enfatizar o aspecto crucial para o país na determinação de suas políticas mais essenciais; neste caso, grande pode ser considerado como algo diferente de setorial (como poderia ser apenas defesa ou desenvolvimento). Grandes países, com grande interface ou exposição internacional, ou, ainda, países capazes de grande projeção internacional, costumam ter grandes estratégias. Talvez seja o caso do Brasil.
O Brasil é um ator relevante malgré lui, ou seja, possui massa e presença de dimensões relevantes, embora não consiga determinar o curso dos eventos e dos processos no subcontinente, mesmo mobilizando as armas de sua política – a diplomacia – ou “ameaçando” (o que, aliás, seria difícil de concretizar) recorrer à política das armas – para a qual lhe faltariam os requisitos de base, justamente. Mesmo no terreno das proposições de política, não se pode dizer que o Brasil tenha constituído um manancial de iniciativas significativas, capazes de alterar, de maneira sensível, o peso e o papel da região no contexto mundial.
Quais são, numa análise realista, os componentes dessa grande estratégia? A resposta a esta questão implica necessariamente identificar os principais desafios colocados ao Brasil na realização dos supremos interesses nacionais. Quais são estes últimos, portanto? Em plena transparência de propósitos, não parece restar dúvidas de que o objetivo supremo da nação – ademais daquelas questões básicas de soberania, que já consideramos não prioritárias – é o atingimento de uma etapa superior no seu processo de desenvolvimento, de maneira a garantir bem estar e vida digna a todos os brasileiros, como condição da plena integração do país ao sistema internacional num status de potência capaz e plenamente dotada dos meios de ação para atuar positivamente nesses sistema, em conformidade com os propósitos da Carta das Nações Unidas e dos demais instrumentos da cooperação internacional. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/06/2016


terça-feira, 7 de novembro de 2017

Resenha do livro "O Evangelho do Barão" de Luis Claudio Villafane G. Santos - Lucas Berlanza

Artigos

“O evangelho do Barão”: um reencontro entre Rio Branco e o Brasil


Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Quando as referências escasseiam, toda iniciativa de resgate dos grandes é motivo de júbilo. Em especial quando se trata da diplomacia e das relações internacionais – expediente fundamental no esforço de tornar o mais harmonioso possível o contato entre as diferentes nações, reduzindo o recurso ao arbítrio e à força bruta, invariavelmente desinteressante, mesmo quando inevitável, aos indivíduos e sua busca pela prosperidade. Estamos tentando sair de uma fase de amarga prostituição de nosso Itamaraty a interesses e projetos menos felizes, mas já fomos exemplo nessa seara, e o ícone desse prestígio é José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Barão do Rio Branco.
Lançamento de 2012, O evangelho do barão – Rio Branco e a identidade brasileira é um pequeno estudo de autoria do diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos, pesquisador ligado ao Instituto Rio Branco. Em vez de uma biografia dessa notável personalidade brasileira, o autor procura fazer de sua obra uma análise de seu impacto na construção de uma identidade nacional e estudar as razões pelas quais ele se tornou uma inspiração para toda a nossa diplomacia – a ponto de sua vida e obra serem chamadas de “evangelho” desde o título.
“O Barão segue como uma referência, ainda que já passível de revisão, na discussão dos rumos da política externa brasileira. Trata-se de um caso paradigmático de consolidação de uma doutrina para as relações exteriores de um país, observada – e até reverenciada – por tão longo tempo”, comenta o autor. A grande chave para entender Rio Branco, porém, é sua inspiração na monarquia – não por acaso manteve, em pleno período republicano, a designação associada a um título de nobreza, tendo estado à frente do Ministério das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, sob quatro diferentes presidentes.
 
Os ideais de Rio Branco
Rio Branco era fundamentalmente um saquarema (alinhado ao Partido Conservador monárquico), simpático aos anos de maior estabilidade do Império, sob D. Pedro II. “As descontinuidades na condução da política exterior” entre Império e República “podem ser, e o são rotineiramente, embaçadas ou mesmo ocultadas”, mas a “sensação de permanência”, comenta o autor, “tem também bastante de construção ideológica. (…) Ao recuperar muitas das doutrinas do período monárquico, ou ocultar as rupturas em outros casos, o Barão soube incorporar em sua ideia de Brasil um importante patrimônio e o grande investimento que havia sido feito durante os anos do Império na construção de uma identidade coletiva política e socialmente operacional”.
Rio Branco teria sido importante na superação da crise simbólica de legitimidade do Estado brasileiro, equacionando-a com a consolidação de uma autoimagem calcada no caráter de um Estado nacional pacífico, não intervencionista e seguro dentro de fronteiras bem definidas. “O ideal da ‘conciliação’ e da criação de consensos, que marcou o apogeu do Segundo Reinado”, sob a hegemonia saquarema e a ordem do gabinete do Marquês do Paraná, “voltou a ser um ponto central do discurso que permeou a estabilização da nova ordem oligárquica que caracterizou a República Velha. O sucesso alcançado pelo Barão do Rio Branco na criação de uma visão percebida como consensual na condução das relações internacionais seria, inclusive, mais duradouro e se projetaria por muitas décadas depois de seu desaparecimento físico”.
Após longa análise do histórico imperial e do começo da República Velha no campo da diplomacia, Luís Cláudio insere o Barão e sua trajetória de esforços para, embora mais próximo à elite saquarema que ao grupo que a contestava, conseguir uma posição de proeminência dentro do Império, o que estaria prestes a alcançar quando, para sua infelicidade, veio a República. O texto então oferece um retrato muito curioso da transição de regime, com os gestos de força do governo Floriano Peixoto e a situação degradante do período conhecido como República da Espada, com destaque para a reação dos monarquistas inconformados, compreendidas aí as queixas de figuras como Joaquim Nabuco e Eduardo Prado.

As realizações de Rio Branco
Avalia também de que forma, ao ingressar ao governo, Rio Branco lidou com a desconfiança, de um lado, dos republicanos radicais com seu monarquismo, e de outro, com a pressão de monarquistas que viram nisso um ato de traição. “Em tese, independente de afiliação partidária, todos podem concordar com o objetivo de definir e assegurar as fronteiras, ou mesmo de conseguir ganhos territoriais. Em termos simbólicos, as fronteiras demarcam também a alteridade, o ‘outro’ em relação ao qual se constrói a identidade nacional. A questão da unidade e grandeza do território era um tema que vinha sendo explorado desde a independência como base do discurso sobre a identidade brasileira. E nesse campo, com as vitórias nas questões de Palmas e do Amapá, Paranhos Júnior já havia acumulado um capital político insuperável”, sendo alçado ao posto máximo da diplomacia. Não que o Barão não desse motivos para irritar os radicais: o autor comenta que ele apagava expressões de teor positivista dos documentos, irritando os adeptos da autoritária ideologia comteana que teve tanta relevância na República.
Villafañe relaciona também, é claro, as realizações práticas de Rio Branco, como os esforços, ao lado do liberal republicano parlamentarista gaúcho Assis Brasil, pela resolução da questão acreana em defesa dos brasileiros do Acre contra as autoridades bolivianas; a priorização das relações com os Estados Unidos, protetores da América diante do imperialismo efetivo das nações europeias, que entornaria na Primeira Guerra Mundial, apesar de as simpatias históricas e estéticas de Rio Branco e Nabuco serem francamente mais europeias, denotando seu senso absoluto de pragmatismo e interesse brasileiro; e a conclusão da definição das fronteiras com os países latino-americanos. É ainda explicada a brilhante performance de Rui Barbosa na Conferência de Haia, sob a autoridade do Barão. A ênfase, no entanto, é no aspecto simbólico e no peso de Rio Branco e suas políticas para uma ideia de Brasil.

Rio Branco e a ideia de Brasil
Um dos aspectos simbólicos que o autor ressalta é o enaltecimento da relação pacífica e da sobriedade institucional do Brasil da República Oligárquica, não mais em contraste com o Império, mas em contraste com a barbárie militarista da República da Espada. Rio Branco passa a valorizar dessa forma uma relação de continuidade com o Império. Sabemos perfeitamente que há muito pouco a aplaudir na República dos coronéis, bacharéis e fazendeiros, porém as vantagens na comparação direta com Deodoro e Floriano são notáveis e permitiram que Rio Branco fizesse seu trabalho. Chegou ao cargo, aliás, por decisão de Rodrigues Alves, também oriundo da elite imperial e um dos nossos melhores presidentes, que recusou, em nome da não-intervenção econômica, ratificar a Convenção de Taubaté.
Curiosamente, chama a atenção o momento em que o autor descreve um conjunto de vitrais inaugurados entre 1949 e 1950 na Washington National Cathedral representando os principais aliados dos EUA na política externa: a Inglaterra, o Canadá e a América Latina – e representando esta última estão dois líderes de movimentos de independência, Simón Bolívar e San Martín, e o brasileiro Barão do Rio Branco (!!). Representar o Brasil com a imagem de um diplomata e não de um príncipe ou soldado dá ideia da importância desse personagem.
Ainda sobre a questão simbólica e identitária brasileira, para Luís Cláudio, o legado da monarquia brasileira em termos de construção dessa identidade não é pequeno, porque ela “conseguiu substituir os laços diretos das províncias com a antiga metrópole pela referência ao Rio de Janeiro. Ela foi responsável pela propagação de um sentimento de patriotismo que superou a lealdade às ‘pequenas pátrias’ locais e regionais em prol da ideia de uma pátria que abrangesse a totalidade do território da antiga colônia.” A escravidão, porém, impedia que se entronizasse, no tecido social, a ideia efetiva de uma nação, calcada em “laços horizontais” entre os brasileiros. “O desenvolvimento de um sentimento nacional brasileiro, como apego à comunidade imaginada” mais do que a um simbolismo dinástico da Família Imperial e da Coroa, foi um projeto que amadureceu depois do golpe militar republicano, apesar da “vaga de patriotismo” verificada em ocasiões como a Guerra do Paraguai.
Tal “consolidação do sentimento nacional” nas bases modernas, particularmente viabilizadas pelos meios de comunicação de massa e o compartilhamento de notícias, permitindo a formação de uma maior “consciência comum”, “foi tarefa da República, e a definição da política externa republicana influiu na construção da identidade do país, o que se traduziu na fixação do Barão como um dos ‘pais fundadores’ do nacionalismo brasileiro, quase um século após a independência. A atuação de Juca Paranhos e a recuperação do mito fundador das fronteiras naturais predefinidas, preservadas pela colonização portuguesa, fecharam as portas de um discurso ideológico fundamental na consolidação do nacionalismo brasileiro”, de maneira que o Barão “passou a simbolizar uma grandeza territorial com a qual todos podiam concordar, acima de classes ou partidos”. Ligou-se, em sua retórica e realizações, a um projeto que, desde José Bonifácio, defende a concepção de uma única nação integrando a antiga América portuguesa.
O legado do Barão
Contemplar a representatividade de Rio Branco é contemplar, sim, a ideia de um Brasil calcado na pretensão de ser o “gigante”, o “colosso”, e simbolicamente ancorado na aspiração de um destino glorioso para essa monumental grandeza territorial. Porém, para aqueles a quem tal ideia soar ufanista e “geográfica” demais, pode ser também contemplar o valor da personalidade humana, fortalecendo um referencial mais pacífico de posicionamento no mundo e internamente, rechaçando as perseguições e convulsões autoritárias da República da Espada em prol de uma proposta de cosmopolitismo saudável e investimento nas negociações para resolução dos conflitos internacionais.
Seu resgate é antídoto, acima de tudo – e isto dizemos à revelia de qual seja a posição política efetiva do autor do livro, que desconhecemos completamente –, para asneiras regionalistas totalitárias que suplantem o interesse dos brasileiros, como nacionalidade e como indivíduos, em favor de interesses alheios aos seus, tal como se fez na última quadra histórica, e ainda há em nosso seio quem intente fazer.