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sábado, 29 de setembro de 2018

Juca Paranhos, a biografia do Barao do Rio Branco, por Luis Claudio Villafane G. Santos (IstoÉ)

Biografia conta como Rio Branco se envolveu em casos amorosos, jogatina, espionagem, compra de jornalistas e manipulação de tratados internacionais — sem perder a reputação

O barão indômito
MODERNO Rio Branco com seus assessores no Itamaraty por volta de 1911 (Moniz Brandão, Antônio Batista Pereira e AraújoJorge): trajes leves para negociações pacíficas
A história do Brasil costuma ser mal contada, mesmo quando se trata de versões oficiais de vultos pátrios. O Barão do Rio Branco não foge à regra. Ele foi celebrado como patrono da diplomacia brasileira e consagrado em vida pela multidão em 1904, como o herói que estabeleceu as fronteiras do País ao incorporar 900 mil quilômetros quadrados ao território nacional, com destaque para o Acre, a sua maior façanha. Mas quase nada se sabe da personalidade e das ações de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Juca Paranhos.
É certo que o Barão, como era chamado, mereceu centenas de estudos e duas grandes biografias: de Álvaro Lins, publicada em 1945, e de Luís Viana Filho, em 1959. Mas nenhum desses textos desceu a detalhes que poderiam abalar o monumento. O homem real surge enfim com a biografia “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco”, do historiador e diplomata carioca Luís Cláudio Villafañe G. Santos, lançada pela Companhia das Letras.
“O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído” Luís Cláudio Villafañe G. Santos, historiador
A pesquisa para o livro durou 10 anos. Santos diz que não teve dificuldades para vasculhar os documentos do Itamaraty, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional. Neles, descobriu histórias e documentos esquecidos. Além disso, tentou reinterpretar vários episódios com base em métodos historiográficos atuais. “Já não cabe a construção de um herói da nacionalidade, com uma trajetória linear”, afirma.
“O Rio Branco real acerta, erra, se reinventa, trai e é traído. Procuro mostrar suas transformações ao longo da vida, suas contradições, inseguranças, recuos e momentos em que se reinventou.”
No cancã
O Barão foi o caso raro do monarquista que se adaptou à vida republicana. Santos retrata esse personagem de dois mundos: “A trajetória de Rio Branco é uma janela extraordinária para acompanhar as transformações que o Brasil e o mundo passaram durante as várias décadas de sua atuação política, do fim do Império ao início da República”.
A exemplo do pai, o militar e político José Maria da Silva Paranhos (1819-1880), triunfou pela competência. Membro do Partido Conservador, tornou-se presidente do Conselho de Ministros e braço direito de dom Pedro II, que lhe concedeu o título de Visconde do Rio Branco. Não pertencia à nobreza de raiz. Por isso, orientou o filho a manter os privilégios à custa do trabalho.
Desde o início, o temperamento de Juca revelou-se indomável. O rapaz de 1,82 metro e trajes de poeta romântico mudou-se para São Paulo, onde estudou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Começou a escrever ensaios históricos
e viveu “algumas aventuras romanescas, nem sempre louváveis”, como disse. Furtou leitões e quase matou um colega por acidente ao voltar de uma caçada. Em sua primeira viagem à Europa, perdeu tanto dinheiro em um cassino de Monte Carlo que
só ficou com o suficiente para comprar bilhete de trem de regresso a Paris. De volta ao Rio de Janeiro, para horror do imponente visconde — com seu 1,90 metro —, Juca apaixonou-se pela belga Marie Philomène Stevens, “cocotte comedienne” do teatro Alcazar Lyrico, especializado na dança do cancã. O pai o obrigou a mandar a amante à Europa. Apesar disso, as longas temporadas em Liverpool e Paris permitiram que tivesse seus cinco filhos com ela.
3 FASES DE UM HERÓI
À medida que expandia a circunferência da cintura e o território nacional, conquistou cargos e passou de nobre conservador a intrépido diplomata da República. Virou alvo dos jornais de oposição, que o caricaturizavam como um fanfarrão autocrático e desafiador, com a indefectível perna apoiada. Para melhorar a imagem, subornou jornalistas para escreverem artigos elogiosos. Desse modo, queria fazer frente ao inimigo Edmundo Bittencourt, dono do liberal “Correio da Manhã”. Rapidamente tornou-se um personagem popular nas ruas da capital federal, onde costumava caminhar, ostentando o cigarro de palha. Na virada do século XX, passou a morar em um cômodo improvisado no Palácio do Itamaraty. O fato de o prédio não dispor de uma cozinha lhe dava pretexto para frequentar restaurantes, como o Minho, localizado na rua do Ouvidor (ainda aberto), onde se refestelava com feijoadas e pescados.
ANTES E DEPOIS Caricatura de “A Avenida” (1903) colorida por Rio Branco: o Barão oferta um pedaço do Brasil à Bolívia
Tratado secreto
Como ministro das Relações Exteriores, dedicou-se às negociações de limites com os governos da França, Holanda, Bolívia, Peru e Uruguai. O êxito se deveu também à manipulação. Uma das revelações do livro é que ele negociou secretamente um tratado com os equatorianos para tentar abocanhar parte do território peruano e criar uma fronteira entre Brasil e Equador. Em litígios territoriais, contratava espiões. Dessa forma, obteve um parecer favorável do mediador da representação suíça à fixação da fronteira da Guiana Francesa no rio Oiapoque. Segundo Santos, o Barão foi responsável por criar uma imagem serena nas refregas diplomáticas. Dizia, por exemplo, que o acordo com a Bolívia para anexar o Acre havia sido tranquilo. Na realidade, as negociações quase causaram a guerra num processo que levou 5 anos até a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 1903.
ANTES Rio Branco em sua biblioteca em Paris em 1898 (Crédito:Divulgação)
Divulgação
Quanto à visão geopolítica, o Barão não parecia ser um visionário. Preconizava a submissão às grandes potências, ao contrário do rival Rui Barbosa. Durante o Império, considerava “inevitável” a abolição da escravatura, por não harmonizar com a imagem de país quase europeu que queria divulgar. Mas, para o bem da economia nacional, propunha adiar o fim da escravidão até a data da morte do último escravo nascido antes da Lei do Ventre Livre, promulgada por seu pai em 1871. Portanto, sonhava em prolongar o trabalho escravo até a década de 1950.
DEPOIS Gabinete / quarto no Itamaraty, no dia seguinte à sua morte, em foto tirada às escondidas por Augusto Malta (Crédito:Divulgação)
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Na República, tentou ser mais moderno e expansionista. Esforçou-se para que o Brasil se alinhasse à cultura ocidental e compartilhasse dos ideais das elites europeias. Assim planejou instaurar um “concerto americano” que unisse os países do continente para garantir a paz. Mas, ao contrário da lenda, sua atuação na política não foi autônoma. “Então, como hoje, a política externa refletia a situação interna e os debates políticos e mesmo partidários”, diz Santos. Segundo ele, o maior legado de Rio Branco foi a consolidação das fronteiras, proeza definitiva para a formação da identidade nacional. Mas suas ideias soam agora datadas. Santos imagina que, se ele ressuscitasse no mundo atual, ficaria confuso. “A agenda das relações internacionais hoje é muito diferente”, afirma.