O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Brasil-Argentina. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brasil-Argentina. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O roto e o esfarrapado, se unem no abraco dos afogados...

Diálogo de surdos?; conversa de loucos?; teatro de alienados?; espetáculo surrealista?; circo mambembe?; completo non sense?; enfim, vocês escolhem as caracterizações que quiserem...
O mais estapafúrdio é um país procurar equilíbrios bilaterais de comércio.
David Ricardo deve estar se perguntando se ficou escrevendo para idiotas consumados. Ou manteve conversa para boi dormir...
Em todo caso, o espetáculo é horripilante...
Paulo Roberto de Almeida

Ministra argentina diz que Brasil é protecionista

Débora Giorgi reage à afirmação feita pelo ministro Pimentel de que a Argentina é um ‘problema permanente’

19 de janeiro de 2012 | 22h 55 Marina Guimarães, correspondente da Agência Estado
BUENOS AIRES - O governo da presidente Cristina Kirchner criticou fortemente a declaração do ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Fernando Pimentel, de que "a Argentina é um problema permanente". O ministro fez o comentário em entrevista à agência Dow Jones, na terça-feira.
Em nota distribuída à imprensa, a ministra de Indústria da Argentina, Débora Giorgi, afirmou que "a realidade do comércio bilateral entre Argentina e Brasil não condiz com os comentários feitos por Pimentel".
A ministra ressaltou que a Argentina foi responsável por 19,5% do superávit comercial de quase US$ 30 bilhões obtido pelo Brasil em 2011. Além disso, continuou Débora, no último ano, o déficit da balança comercial argentina com o sócio foi de US$ 5,8 bilhões. As compras de produtos brasileiros pelo mercado argentino cresceram 23% em relação a 2010, com US$ 22,71 bilhões, detalhou.
A ministra argentina alegou que as medidas que restringem as importações em seu país "seguem as normas dos tratados regionais e da Organização Mundial do Comércio (OMC)". Porém, a ministra não justificou a demora de mais de 60 dias - período máximo determinado pela OMC - para autorizar a importação de milhares de produtos brasileiros, entre eles os eletrodomésticos de linha branca, máquinas e equipamentos agrícolas, têxteis e outros.
Com um forte tom de reclamação, Débora acusou o Brasil de protecionismo. "A Argentina busca reequilibrar o comércio e a industrialização regional, requerendo o acesso ao mercado brasileiro e pedindo a eliminação das múltiplas barreiras não tarifárias existentes para a entrada de nossos produtos no mercado vizinho, ao mesmo tempo em que defendemos nossos produtos da concorrência desleal implícita nos incentivos à produção, à exportação e ao investimento."
Engessamento. Os analistas argentinos preveem um período de fortes conflitos comerciais no Mercosul, especialmente entre o Brasil e a Argentina, em consequência da exigência de uma declaração prévia à ordem de compra. A medida entrará em vigor no primeiro dia de fevereiro. "Se a Argentina não excluir o Brasil e o Uruguai do novo mecanismo que burocratiza as importações, haverá importantes atritos entre os parceiros, que poderiam provocar retaliações", avaliou Raúl Ochoa, especialista em integração e ex-secretário de Comércio Exterior. Ele disse ao Estado que a medida vai engessar o comércio.
Na avaliação do economista-chefe da Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas (Fiel), Juan Luis Bour, o governo argentino não deverá abrir exceções porque as restrições são uma solução de curto prazo para manter o superávit comercial do país a qualquer preço. "As disputas comerciais serão mantidas, e vamos ver muitas queixas por parte dos sócios, especialmente porque há outras restrições que não são tão visíveis, como a proibição para que as empresas não enviem os lucros ao exterior", disse Bour.
A escalada da tensão comercial com o Brasil já começa a preocupar os empresários argentinos. Com a memória ainda fresca do bloqueio sofrido pela indústria automobilística local no ano passado, com centenas de veículos argentinos acumulados na fronteira, o presidente da Fiat Argentina, Cristiano Rattazzi, apelou para o espírito do Mercosul. Em entrevista ao Estado, Rattazzi opinou que os dois países "precisam limar qualquer tipo de aspereza e resgatar o espírito inicial do Mercosul, que é o de integração total da região para conquistar outros mercados e fazer acordos de comércio com outros países".

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Hermanos... pero no mucho...

Alguém acredita que isto se fará?
Ingênuos...


Comunicado conjunto al término de la reunión bilateral entre Argentina y Brasil

El viernes 9 del corriente (12/2011) se reunieron en Buenos Aires los Ministros de Industria de Argentina y Brasil, Débora Giorgi y Fernando Pimentel, acompañados por los respectivos embajadores de ambos países, Luis María Kreckler y Enio Cordeiro, el Secretario de Industria y Comercio, Eduardo Bianchi y su contraparte brasileña, Alessandro Teixeira. El encuentro tuvo por objetivo avanzar en la instrumentación del Mecanismo de Integración Productiva (MIP) que acordaron las Presidentas Fernández de Kirchner y Rousseff la semana pasa en Caracas, Venezuela.

Entre los principales resultados de la reunión se acordó avanzar en una mayor participación regional en el comercio a corto plazo y la instrumentación de mecanismos binacionales de financiamiento que permitan potenciar el acceso a los mercados y una mayor integración de los aparatos productivos de ambos países.

Asimismo se acordó avanzar hacia un régimen automotriz bilateral basado en una mayor exigencia de contenido regional de autopartes y piezas que privilegie la agregación de valor y el desarrollo de proveedores nacionales con mayor contenido tecnológico.

En este mismo sentido, los funcionarios también acordaron impulsar la integración productiva en sectores estratégicos como autopartes, gas y petróleo, industria naval, aeronáutica y defensa, entre otros, destacándose que este proceso debe involucrar de manera activa a las empresas multinacionales para que éstas desarrollen proveedores locales y aparten al proceso de desarrollo tecnológico en la región.

Por su parte la delegación brasileña se comprometió a informar en el transcurso de la próxima semana acerca del modo por el cual se podrá instrumentar el acceso de proveedores argentinos a su sistema de compras públicas.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Brasil-Argentina: Hermanos, pero no mucho - Marcelo de Paiva Abreu

Deve ser duro assistir impassível a tantas "guevadas" -- não vou traduzir -- sendo produzidas, disseminadas, repetidas e elogiadas em cada uma das duas margens do Prata, mais especificamente entre esses dois grandes pirralhos...
Paulo Roberto de Almeida 


“Eu sou você amanhã” de novo?
Marcelo de Paiva Abreu *
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 31.10.2011

         Mesmo que haja significativa assimetria entre as economias do Brasil e da Argentina, o que ocorre no vizinho pode ter repercussões importantes sobre o Brasil. Os desdobramentos da recente consagração nas urnas do "cristinismo" devem, portanto, merecer atenção.

Os dois vizinhos mantêm, desde a independência, relações nem sempre marcadas por sintonia. 
       Mas, entre estereótipos preconceituosos que incluíam macaquitos e milongueiros, as relações amadureceram, culminando no Mercosul. Em certa medida, isso resultou de mudanças de longo prazo nas percepções recíprocas. Por muito tempo o Brasil foi rival menor da Argentina. Afinal, o PIB per capita argentino, quase o dobro do brasileiro após a guerra do Paraguai, alcançou, depois do boom pré-1914, patamar (mantido até 1930) quatro vezes maior que o PIB per capita brasileiro. 
        No meio século seguinte o Brasil recuperou boa parte do terreno: em 1980, o PIB-PPC per capita brasileiro era 75% do argentino; hoje está pouco abaixo disso. Ou seja, num período em que a economia brasileira estagnou por mais de 20 anos, o desempenho argentino foi apenas marginalmente melhor e caracterizado por volatilidade muito maior. 
        O tamanho relativo das economias mudou também como consequência do aumento relativo da população brasileira, hoje cinco vezes maior que a argentina: era menos de três vezes maior no final dos anos 20. Disso resultou espetacular alteração na importância relativa das duas economias: em 1930 o PIB argentino era cerca de 1/3 maior do que o brasileiro - hoje, é menos de 1/3 do PIB brasileiro. 
         É neste contexto que devem ser considerados os comentários de analista argentino que, algo melodramaticamente, se perguntava, com os EUA em mente, se a Argentina seria o Canadá do Brasil ou o México do Brasil.

No terreno da formulação de políticas econômicas, todavia, a Argentina pode ter importante influência sobre o governo brasileiro. Há registro de manifestações de altos funcionários brasileiros demonstrando preferência pelas políticas argentinas quando contrastadas ao que consideram excesso de ortodoxia brasileiro.

Na década de 1980, uma campanha publicitária de vodca ficou famosa: um homem se olhava no espelho e seu reflexo, bastante amarrotado, lhe dizia "eu sou você amanhã". A sugestão era de que a ressaca poderia ser evitada, caso fosse consumida a marca anunciada. 
           O efeito Orloff se popularizou com aplicação à tradicional propensão brasileira de repetir políticas econômicas adotadas na Argentina. Em meados da década de 1980, o exemplo notável foi a tentativa fracassada do Plano Cruzado, na esteira do também fracassado Plano Austral.

Desde o início dos anos 90 os caminhos divergiram. A estabilização do Brasil em 1993-1994 mostrou-se bem-sucedida e duradoura. O desempenho em termos de crescimento foi modesto, mas bem menos volátil do que no vizinho. A Argentina teve sucesso na estabilização dolarizada em 1991 e bom desempenho em termos de crescimento até o final da década, mas seguiu-se grave crise com abandono da conversibilidade, calote da dívida externa e queda significativa do nível de atividade. 
          A partir de 2003, partindo de uma base deprimida, o crescimento do PIB foi em torno de 8% ao ano.

Há dúvidas crescentes quanto à possibilidade de manutenção desse desempenho. A condução da política econômica sob o "kirchnerismo" em seus vários matizes foi marcada pela sistemática intervenção do governo por meio de um leque de subsídios e "retenções". Os subsídios têm como alvo manter estáveis os preços de energia ao consumidor, cujo aumento é considerado oneroso politicamente. As "retenções" são impostos de exportação sobre os produtos agrícolas, hoje de até 35%. Essa persistente interferência nos preços básicos da economia tem como pano de fundo significativa aceleração inflacionária, escamoteada de forma sistemática e truculenta pelo governo. Essas políticas públicas geram ineficiência e perigo de recrudescimento inflacionário numa economia com história marcada por alta volatilidade. Tudo em meio a controvérsias quanto à generalização de práticas corruptas. 
         A recente fuga de capitais em meio ao processo eleitoral indica a vulnerabilidade do "modelo" pós-2003.

O efeito demonstração do modelo argentino sobre as autoridades econômicas brasileiras não deve ser subestimado. O terreno é fértil, como indicam decisões recentes que desafiam o bom senso, a análise econômica elementar e maculam a reputação brasileira em foros internacionais, em particular na OMC. Medidas protecionistas primitivas, como o aumento seletivo do IPI e a desoneração fiscal seletiva em benefício dos setores automotivo e eletrônico, indicam regressão a desastres passados. 
           Decisões agora coroadas com a estapafúrdia prorrogação por meio século (!) da Zona Franca de Manaus, instituição emblemática do cartorialismo tupiniquim. E, pelo rodar da carruagem, o febeapá está longe de acabar.

Com base nesse retrospecto de inépcia nas políticas "microeconômicas" e de redução da prudência macroeconômica, aumentam as preocupações com o uso que o governo fará da bonança do pré-sal. Será toda desperdiçada?

* Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC- Rio.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Doutrina da Intervencao (alias masoquista...)

Sempre aprendemos, de acordo com a Constituição que é a nossa (não é perfeita, mas é a que está aí, e que conviria observar, até mudança legítima), e mais um ou outro instrumento do direito internacional, que Estados soberanos não costumam intervir nos assuntos internos de outros Estados, nem permitem que outros se metam onde não são chamados, ou seja, nos seus próprios.
É o chamado princípio da não intervenção que, para mentes menos afeitas a esses pequenos detalhes da vida pública e internacional, representam apenas um incômodo (contornável, aliás), já que essas mentes, carregadas por vontades narcisísticas e muito pouco diplomáticas não ligam para esse tipo de coisa.
Fica até curioso quando a intervenção voluntária se dá em detrimento do próprio país, como pode ser constatado por certos padrões de comportamento que se traduzem em protecionismo ilegal, barreiras arbitrárias, medidas que afetam um bloco comercial que são tomadas sem consulta, e toda sorte de abusos, em relação aos quais até se passa a mão por cima, como se tratassem dos nossos aloprados tupiniquins.
Claro, quem consente com ilegalidades em sua própria casa, também permite que o mesmo ocorra no plano das relações internacionais.
E ainda se permitem adotar os mesmos métodos fascistas e corporativos que já inviabilizaram um país, e que ameaçam se transferir para o outro, se já não estão afetando, concretamente, o modo de funcionamento da democracia no país de origem do "tolerante". Casa de tolerância, seria isso?
É o que se pode chamar de programa concertado de decadência continental...
Paulo Roberto de Almeida 



Governo argentino confirma que Lula fará campanha para Cristina
Janaína Figueiredo
O Globo, 14/09/2011

A data exata ainda não foi definida, mas o governo argentino confirmou a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reta final da campanha eleitoral da presidente Cristina Kirchner, que no próximo dia 23 de outubro buscará sua reeleição. Segundo fontes da Casa Rosada, Lula chegaria a Buenos Aires entre os dias 10 e 17 de outubro.

A agenda do ex-presidente incluirá um encontro tête à tête com a presidente argentina, uma reunião com empresários de ambos os países e a participação em um ato de campanha organizado pelos kirchneristas, provavelmente no teatro Coliseo de Buenos Aires.

- Será um ato de campanha da presidente, organizado especialmente para Lula - disse a fonte, que pediu para não ser identificada.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Brasil e Argentina: reincidentes no erro: livro de Eduardo Viola e Hector Leis

Um leitor, ou visitante, deste blog, Victor Boaventura me consulta sobre um antigo texto meu, na verdade uma resenha de livro, que foi publicada em formato resumido, na revista Plenarium, da Câmara dos Deputados (atualmente interrompida por causa dessas mudanças políticas que consistem em desfazer numa administração o que a anterior tinha iniciado).
Sim, se trata de um livro sobre as trajetórias de Brasil e da Argentina, como são minhas todas as demais resenhas publicadas em todos os números da revista.
A resenha do livro em questão, objeto do link abaixo:

Brasil e Argentina: reincidentes no erro?
Brasília, 5 outubro 2007, 2 p. Resenha do livro:
Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis:
Sistema Internacional com Hegemonia das Democracias de Mercado: Desafios de Brasil e Argentina (Florianópolis: Editora Insular, 2007, 232 p.)
com base no trabalho 1749, para a revista Plenarium (Brasília: Câmara dos Deputados; ano 5, n. 5, outubro 2008, p. 314-315; ISSN: 1981-0865;
link: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/922/brasil_argentina_reincidentes.pdf).
Relação de Originais n. 1818. “Publicados n. 862

foi na verdade extraída do Prefácio que fiz a esse livro, cujo teor na íntegra, transcrevo aqui:

Brasil e Argentina no contexto regional e mundial
Paulo Roberto de Almeida
Postado no blog Diplomatizzando (11.07.2010; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/07/brasil-e-argentina-no-contexto-mundial.html).

Prefácio ao livro de
Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis:
Sistema Internacional com Hegemonia das Democracias de Mercado: Desafios de Brasil e Argentina (Florianópolis: Editora Insular; Programa San Tiago Dantas – CAPES, 2007)

O historiador Fernand Braudel – que confessou ter ficado “inteligente” no Brasil, para onde veio como jovem professor universitário nos anos 1930 – costumava separar os eventos rápidos da vida política dos movimentos mais lentos do processo econômico, e ambos das transformações seculares das estruturas sociais e das configurações civilizacionais, que se moviam a uma velocidade próxima à “história geológica”. Um outro historiador britânico adepto da “história lenta”, Lawrence Stone, dizia, por sua vez, que a história avança muito lentamente, como uma velha carroça desajustada, com os eixos rangendo e as rodas desalinhadas.
O mesmo parece se aplicar, sob nossos olhos, a certas configurações “ideológicas”, em especial aquelas derivadas da tradição revolucionária francesa, que criou todo o vocabulário e a coreografia que ainda agitam a política contemporânea. Alguns dos conceitos consagrados por essa velha tradição converteram-se, efetivamente, em “tradicionais”: eles estão desajustados aos requerimentos da vida moderna, mas continuam por aí, num deslocar errático e irregular, como os eixos rangentes de um velho carro de bois que ainda não foi aposentado pela modernidade.
Tomemos, por exemplo, os conceitos de esquerda e de direita, ou de progressista e conservador, geralmente identificados a valores, normas e princípios que seriam, cada um a seu modo, positivos ou negativos no plano das mudanças sociais. A esquerda estaria identificada com a justiça e a igualdade, lutando por uma distribuição mais equânime da riqueza, normalmente por via do distributivismo estatal e da solidariedade contratual. À direita restaria o papel de preservar as velhas estruturas, ressaltando o papel do esforço e do mérito individuais e das estruturas de mercado na promoção da prosperidade geral, aceitando, portanto, a desigualdade como um fato natural da vida. No plano social e político, a esquerda estaria sempre do lado dos humildes e oprimidos, lutando pelos direitos dos trabalhadores contra os patrões “exploradores”. A direita, obviamente, se alinharia com aqueles capitalistas de cartola e charuto, na missão de estender a dominação do capital aos mais diferentes cantos do planeta, concentrando ainda mais riqueza e poder, em detrimento dos povos da periferia e dos pobres dos países ricos.
Qualquer que seja a validade respectiva desses estereótipos para o mundo contemporâneo, não se pode recusar o fato de que a direita ainda apóia os seus discursos no liberalismo clássico, de antiga extração britânica, e que parte da esquerda, por sua vez, ainda pretende aplicar Marx ao contexto atual, repisando velhos argumentos classistas, anticapitalistas e antimercado, ao mesmo tempo em que clama por reivindicações igualitárias, sem muito embasamento na economia real. Na América Latina, em especial, o pensamento dito “progressista” ainda é estatizante, centrado na distribuição dos “lucros do capital” e voltado para um combate de retaguarda contra a marcha da globalização contemporânea.
O retrato pode parecer caricatural, mas é certo que a esquerda latino-americana, aliada no chamado movimento antiglobalizador a velhos sindicalistas, a jovens idealistas e a universitários em tempo integral, pretende extrair das antigas lições marxianas sobre a “dominação do capital” a necessidade de superar esse estado de coisas, rejeitando tudo isso que aí está, em nome de “um outro mundo possível”. Ela acaba, pateticamente, se rendendo a contrafações do modelo original, como se pode constatar em experiências regionais que demonstram uma filiação “genética” mais próxima do fascismo mussoliniano do que de um pretendido socialismo gramsciano. Em termos braudelianos, a esquerda congela seus conceitos e ações políticas no mundo quase estático das lentas mudanças “geológicas”, em lugar de adaptar-se a uma conjuntura histórica de transformações – para empregar o conceito de outro historiador francês, Ernest Labrousse –, que se descortina aos olhos de quem quer enfrentar a realidade sem as viseiras ideológicas do passado e aspira a entender o mundo como ele é, realmente, não como ela gostaria que ele fosse.
Curiosamente, a América Latina era apontada, até meados do século XX pelo menos, como o continente que lograria igualar-se aos países desenvolvidos, se perseverasse nos esforços de industrialização substitutiva, no planejamento estatal, no protecionismo comercial, nos subsídios à “indústria infante”, na integração introvertida e em políticas dirigistas que atribuíam ao Estado o papel principal na determinação quanto ao uso de fatores, na mobilização de capitais – por via inflacionária, uma forma de poupança forçada – e na alocação autoritária dos recursos assim capturados do conjunto da sociedade. Incidiu nesse tipo de recomendação o economista sueco Gunnar Myrdal – prêmio Nobel em 1974, junto com o liberal austríaco Alfred Hayek, por ironia da história – que, no seu tão aclamado quanto errôneo Asian Drama, vaticinava que a Ásia era sinônimo de miséria insuperável e que se havia países no Terceiro Mundo que tinham alguma chance de alçar-se aos patamares de bem-estar e riqueza dos desenvolvidos, estes eram os latino-americanos. Myrdal preconiza para todos o modelo indiano, feito de planejamento centralizado, empresas estatais em todos os “setores estratégicos” e descolamento dos mercados internacionais, que supostamente condenava esses países à exportação de commodities sujeitas às flutuações das bolsas de mercadorias. À época em que ele pesquisou e escreveu – início dos anos 1960 – a maior parte dos países da América Latina estava mais integrada à economia mundial do que os da Ásia, ostentava, na média, o dobro da renda per capita asiática e possuía instituições públicas – Estados consolidados, depois de 130 anos de independência, estruturas de mercado capitalistas – que seriam, no cômputo global, mais “weberianamente” pró-crescimento e pró-desenvolvimento do que as arcaicas tradições confucianas da região asiática. O itinerário seguido desde então pelas duas regiões não precisa ser relembrado: a Ásia decolou espetacularmente na economia mundial e nos indicadores de crescimento – tanto mais rapidamente quanto ela se afastou das políticas socialistas e estatizantes recomendadas por Myrdal – enquanto a América Latina manteve-se, com poucas exceções, no subdesenvolvimento, na desigualdade e na pobreza. Para isso também contribuíram experimentos populistas, irresponsabilidade emissionista, desrespeito aos direitos de propriedade, desconfiança da abertura ao exterior – comércio e investimentos – e uma insistência no centralismo estatizante que marca ainda hoje boa parte da esquerda neste continente.

Os autores deste livro conhecem um pouco dessa história, por experiência própria, se ouso dizer. Outrora pertencentes, como vários jovens dessa geração, ao universo do marxismo latino-americano, naturalizados brasileiros justamente em virtude da história trágica de equívocos conceituais e de erros práticos da esquerda argentina do último terço do século XX, eles estão muito bem preparados para enfrentar a tarefa de analisar a trajetória do Brasil e da Argentina no contexto das modernas democracias de mercado. A migração forçada de um país a outro, a descoberta de realidades políticas relativamente similares, ainda que sob roupagens distintas, e o comparatismo inevitável que esse tipo de situação cria, permitiu-lhes constatar, provavelmente, como os mesmos diagnósticos equivocados feitos por lideranças políticas, lá e aqui, redundaram em perda de oportunidades de inserção no mundo globalizado da atualidade, atrasando o processo de desenvolvimento e postergando a conquista da almejada prosperidade social.
De fato, a despeito de uma história singular, que corre em trilhas próprias, o Brasil e a Argentina reproduzem, em boa medida, equívocos similares de políticas públicas – tanto macroeconômicas quanto setoriais – cometidos por diferentes regimes políticos ao longo do século XX. Se o recurso a Suetônio cabe na sociologia comparada do desenvolvimento, pode-se dizer que os dois grandes da América do Sul exibem “vidas paralelas”. Tanto o Brasil como a Argentina padecem de insuficiências de desenvolvimento, mas a maior parte dos problemas de cada um deriva de erros de gestão macroeconômica e de escolhas infelizes das elites políticas ao longo da formação das nações e das dificuldades de ajuste aos desafios externos.
Durante muito tempo, grosso modo na primeira metade desse século, prevaleceu no Brasil a idéia de que a Argentina era bem mais desenvolvida, graças a um maior componente “europeu” na sua formação étnica e aos maiores cuidados com a educação do seu povo. Em contrapartida, ao aprofundar-se sua trajetória em direção à decadência econômica, prevaleceu na Argentina a noção de que o Brasil foi mais bem sucedido na industrialização e no fortalecimento da base econômica graças ao maior envolvimento de seu Estado na gestão macroeconômica, em lugar do liberalismo que teria sido praticado nas margens do Prata. Em ambos os países, líderes populistas e ditadores militares se revezaram nos comandos do Estado pretendendo construir a grandeza nacional com base no nacionalismo industrializante e no emissionismo inflacionário. Ambas as economias foram relativamente excêntricas – isto é, voltadas para os parceiros privilegiados no hemisfério norte – e os regimes políticos mantiveram, contra toda racionalidade e interesses imediatos, certo distanciamento competitivo, que em alguns momentos quase descambou para a hostilidade, isto é, para a corrida armamentista e uma possível disputa pela hegemonia regional.
Os dois países passaram, depois de superadas suas repúblicas “oligárquicas” – mais ou menos na mesma época, os anos 1930 –, por processos de modernização econômica e política, sob a forma de experimentos nacionalistas e populistas, identificados com as figuras de Vargas e Perón. A Argentina logrou, provavelmente, um maior grau de inserção social, mas o Brasil foi menos errático no processo de desenvolvimento, conseguindo consolidar a construção de uma base industrial que nunca teve paralelo na Argentina, que permanece ainda hoje uma economia agroexportadora. Os azares da Guerra Fria e as ameaças percebidas pelas classes médias como provenientes da sindicalização excessiva do sistema político conduziram ambos os países em direção de episódios mais ou menos prolongados de autoritarismo militar.
O período militar – responsável pela vinda dos autores ao Brasil – assumiu dimensões mais dramáticas na Argentina, com um custo elevado em vidas humanas e outras conseqüências menos desejáveis no plano das relações bilaterais, com o fenômeno que dois autores consagrados – Boris Fausto e Fernando Devoto, no livro Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002) – chamaram de “afinidades repressivas”. As esquerdas padeceram muito no tempo das baionetas, mas talvez conservem, desse período, a mesma inclinação fundamental ao culto do Estado, para a autarquia econômica e o protecionismo instintivo que exibiam os militares. Hoje, se pretende avançar no desenvolvimento conjunto, mediante o Mercosul, mas as salvaguardas e os desvios ao livre comércio colocam limites à integração econômica.
Com efeito, a fase de redemocratização permitiu revigorar o processo de integração, que tinha começado no final dos anos 1950, desta vez segundo um formato bilateral – tratado para a formação de um mercado comum de 1988 – que logo se desdobrou numa dimensão quadrilateral, ao incorporar os dois vizinhos menores em 1991. O Mercosul logrou incluir outros países, como o Chile e a Bolívia (associados em 1996) e, mais recentemente, a Venezuela, mas sua zona de livre-comércio permanece incompleta, sua união aduaneira é perfurada por inúmeras exceções nacionais e o mercado comum, prometido para 1995, é um sonho ainda distante.
O itinerário dos dois países, mesmo contrastante nos planos cultural, social e político, não deixa de apresentar coincidências ou similitudes nos planos do desenvolvimento econômico e da inserção internacional, o que talvez permita retomar ao presidente argentino Roque Sáenz Peña uma frase, do início do século XX, que resume a visão otimista da cooperação bilateral, sempre invocada pelas autoridades engajadas no atual processo de integração: “Tudo nos une, nada nos separa”. Talvez – com a provável exceção dos campos de futebol –, mas a história raramente se contenta com projetos meramente retóricos de desenvolvimento ou de integração internacional. Nesse particular, o Brasil e a Argentina apresentam trajetórias erráticas, com impulsos positivos em determinadas épocas e atitudes defensivas em outras. O elemento mais notável, da presente fase, é provavelmente constituído pela incapacidade respectiva em empreender reformas que os coloquem em condições de se inserir de modo mais afirmativo na economia globalizada que caracteriza o Atlântico Norte e a região da Ásia Pacífico.

Os trabalhos compilados neste livro discutem as novas circunstâncias da economia global e os padrões atuais de organização política, com os problemas daí derivados para Estados, como o Brasil e a Argentina, que ainda estão construindo sua inclusão no novo sistema, que os autores chamam de “hegemonia das democracias de mercado”. A leitura destas páginas, impregnadas de conhecimento histórico e de racionalidade sociológica, permite constatar como são anacrônicas as demandas e reivindicações de alguns desses militantes de causas equivocadas, armados de slogans retirados de um já mundo desaparecido nas dobras da história – como os conceitos de “dependência” ou de “antiimperialismo” –, que insistem em defender causas que não são mais de vanguarda ou sequer progressistas. A oposição desses grupos e movimentos políticos a reformas institucionais que permitiriam inserir mais rapidamente os países da América Latina nas correntes mais dinâmicas da globalização – reformas política, previdenciária, trabalhista, tributária, sindical ou educacional – não é apenas conservadora, mas pode ser tachada de propriamente reacionária, em vista dos imensos problemas acumulados pelos países da região nesses aspectos que muito têm a ver com as perspectivas de emprego, renda e oportunidades de ascensão social de imensas massas ainda hoje excluídas de qualquer possibilidade de inserção produtiva no tecido social.
Os autores não deixam de confessar sua surpresa, logo na introdução, com o fato de que muitos intelectuais desenvolveram um agudo senso de anticapitalismo – sentimento que, no meu ponto de vista, consegue inclusive ser antimercado – , o que os fez cúmplices objetivos das piores barbaridades cometidas no século XX contra os direitos humanos e a democracia. Na América Latina, em particular, esse anticapitalismo visceral dos intelectuais obstaculizou a modernização econômica e social dos países, a começar pelo aggiornamento do próprio Estado, no sentido de libertá-lo, ou pelo menos distanciá-lo, da herança centralista e patrimonialista ibérica, em prol de uma visão do mundo que estivesse mais objetivamente em consonância com os requisitos de uma moderna “democracia de mercado”, aberta aos influxos da economia global.
Aparentemente incapazes de renovar conceitos e aceitar as novas realidades da economia mundial, os intelectuais da América Latina continuarão a mover-se, no futuro previsível, ao ritmo do “tempo geológico” de Fernand Braudel, arrastando-se, em grande medida, pelos caminhos da modernidade numa trajetória tão tortuosa e torturada quanto o permitido pela “velha carroça da história”, de que falava Lawrence Stone. Isto a despeito de se poder constatar, hoje em dia, que outros povos e países estão fazendo melhor e mais rápido no caminho da modernidade do que a quase totalidade da América Latina. A região poderia ser uma espécie de “Prometeu acorrentado”, se apenas grilhões materiais a prendessem a um passado mercantilista e patrimonialista, se meros impedimentos técnicos a impedissem de avançar mais aceleradamente no caminho do progresso tecnológico e da capacitação científica. Mas, os grilhões que a prendem ao atraso material e à irrelevância intelectual são de outra natureza: são propriamente mentais, invisíveis, se quisermos, ainda que alertas sejam regularmente lançados contra essa busca ativa pelo declínio econômico e pelo retrocesso político. Este livro, aliás, é um exemplo de alarme intelectual.
A insistência na velhas soluções estatizantes, na repetição dos mesmos erros do passado, a tendência a encontrar bodes expiatórios no estrangeiro e a alimentar teorias conspiratórias sobre as razões do nosso fracasso são tanto mais surpreendentes quanto estão disponíveis boas análises – por analistas individuais ou por organismos multilaterais – sobre as razões da trajetória errática e da miopia das elites. O mais surpreendente e frustrante é que continue a prevalecer, tanto na academia quanto na opinião pública, explicações simplistas, e geralmente equivocadas, sobre as causas de nossos problemas – que são de origem majoritariamente interna – e sobre as soluções que lhes seriam pertinentes. Não constitui surpresa, assim, se a cada classificação internacional de desempenho relativo – no crescimento, na educação, na competitividade, na tecnologia e em vários outros setores ainda –, a América Latina continua a ser ultrapassada por todas as demais regiões, com a possível exceção da África, ainda assim melhor colocada esta, nas taxas atuais de crescimento econômico. A julgar por certas “inovações” populistas recentes na região, a escolha parece ser por mais Estado, mais nacionalizações, menor atratividade do capital estrangeiro e, de forma não surpreendente, uma opção preferencial pelas soluções distributivistas e rentistas.
Acadêmicos experientes no debate intelectual em torno da “contra-reforma” modernista latino-americana, tanto pela sua vivência pregressa na Argentina, como pelo longo convívio nas universidades do Brasil, observadores atentos das realidades regionais e, à maneira de Raymond Aron, “espectadores engajados” na construção da ordem mundial pós-guerra fria e no grande espetáculo da globalização contemporânea, os dois autores, Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis, estão amplamente capacitados para oferecer uma análise de qualidade sobre os desafios do Brasil, da Argentina e de toda a região nessa difícil, mas indispensável, inserção no sistema internacional das democracias de mercado. O retrato que eles fazem da região, dos dois grandes da América do Sul em particular, não é muito otimista, mas é sem dúvida alguma necessário e bem-vindo, em face dos desafios remanescentes.
Intelectuais verdadeiros devem ostentar, antes de mais nada, espírito crítico, sem se deixar aprisionar pelas lutas políticas em curso na sociedade na qual vivem ou se enredar nas ideologias em competição na ágora universitária. A honestidade intelectual é o seu primeiro e único dever. Desse ponto de vista, nossos dois autores não se enquadram na antiga crítica sobre a “traição dos clérigos” de que falava Julien Benda. Ao contrário: eles estão em sintonia com as necessidades do tempo presente e fazem do seu ofício um instrumento crítico de esclarecimento da maioria, em prol do progresso social e em benefício da razão, como apreciaria Kant.

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais, diplomata, professor no mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Brasília, maio de 2007

Brasil e Argentina: reincidentes no erro: livro de Eduardo Viola e Hector Leis

Um leitor, ou visitante, deste blog, Victor Boaventura me consulta sobre um antigo texto meu, na verdade uma resenha de livro, que foi publicada em formato resumido, na revista Plenarium, da Câmara dos Deputados (atualmente interrompida por causa dessas mudanças políticas que consistem em desfazer numa administração o que a anterior tinha iniciado).
Sim, se trata de um livro sobre as trajetórias de Brasil e da Argentina, como são minhas todas as demais resenhas publicadas em todos os números da revista.
A resenha do livro em questão, objeto do link abaixo:

Brasil e Argentina: reincidentes no erro?
Brasília, 5 outubro 2007, 2 p. Resenha do livro:
Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis:
Sistema Internacional com Hegemonia das Democracias de Mercado: Desafios de Brasil e Argentina (Florianópolis: Editora Insular, 2007, 232 p.)
com base no trabalho 1749, para a revista Plenarium (Brasília: Câmara dos Deputados; ano 5, n. 5, outubro 2008, p. 314-315; ISSN: 1981-0865;
link: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/922/brasil_argentina_reincidentes.pdf).
Relação de Originais n. 1818. “Publicados n. 862

foi na verdade extraída do Prefácio que fiz a esse livro, cujo teor na íntegra, transcrevo aqui:

Brasil e Argentina no contexto regional e mundial
Paulo Roberto de Almeida
Postado no blog Diplomatizzando (11.07.2010; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/07/brasil-e-argentina-no-contexto-mundial.html).

Prefácio ao livro de
Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis:
Sistema Internacional com Hegemonia das Democracias de Mercado: Desafios de Brasil e Argentina (Florianópolis: Editora Insular; Programa San Tiago Dantas – CAPES, 2007)

O historiador Fernand Braudel – que confessou ter ficado “inteligente” no Brasil, para onde veio como jovem professor universitário nos anos 1930 – costumava separar os eventos rápidos da vida política dos movimentos mais lentos do processo econômico, e ambos das transformações seculares das estruturas sociais e das configurações civilizacionais, que se moviam a uma velocidade próxima à “história geológica”. Um outro historiador britânico adepto da “história lenta”, Lawrence Stone, dizia, por sua vez, que a história avança muito lentamente, como uma velha carroça desajustada, com os eixos rangendo e as rodas desalinhadas.
O mesmo parece se aplicar, sob nossos olhos, a certas configurações “ideológicas”, em especial aquelas derivadas da tradição revolucionária francesa, que criou todo o vocabulário e a coreografia que ainda agitam a política contemporânea. Alguns dos conceitos consagrados por essa velha tradição converteram-se, efetivamente, em “tradicionais”: eles estão desajustados aos requerimentos da vida moderna, mas continuam por aí, num deslocar errático e irregular, como os eixos rangentes de um velho carro de bois que ainda não foi aposentado pela modernidade.
Tomemos, por exemplo, os conceitos de esquerda e de direita, ou de progressista e conservador, geralmente identificados a valores, normas e princípios que seriam, cada um a seu modo, positivos ou negativos no plano das mudanças sociais. A esquerda estaria identificada com a justiça e a igualdade, lutando por uma distribuição mais equânime da riqueza, normalmente por via do distributivismo estatal e da solidariedade contratual. À direita restaria o papel de preservar as velhas estruturas, ressaltando o papel do esforço e do mérito individuais e das estruturas de mercado na promoção da prosperidade geral, aceitando, portanto, a desigualdade como um fato natural da vida. No plano social e político, a esquerda estaria sempre do lado dos humildes e oprimidos, lutando pelos direitos dos trabalhadores contra os patrões “exploradores”. A direita, obviamente, se alinharia com aqueles capitalistas de cartola e charuto, na missão de estender a dominação do capital aos mais diferentes cantos do planeta, concentrando ainda mais riqueza e poder, em detrimento dos povos da periferia e dos pobres dos países ricos.
Qualquer que seja a validade respectiva desses estereótipos para o mundo contemporâneo, não se pode recusar o fato de que a direita ainda apóia os seus discursos no liberalismo clássico, de antiga extração britânica, e que parte da esquerda, por sua vez, ainda pretende aplicar Marx ao contexto atual, repisando velhos argumentos classistas, anticapitalistas e antimercado, ao mesmo tempo em que clama por reivindicações igualitárias, sem muito embasamento na economia real. Na América Latina, em especial, o pensamento dito “progressista” ainda é estatizante, centrado na distribuição dos “lucros do capital” e voltado para um combate de retaguarda contra a marcha da globalização contemporânea.
O retrato pode parecer caricatural, mas é certo que a esquerda latino-americana, aliada no chamado movimento antiglobalizador a velhos sindicalistas, a jovens idealistas e a universitários em tempo integral, pretende extrair das antigas lições marxianas sobre a “dominação do capital” a necessidade de superar esse estado de coisas, rejeitando tudo isso que aí está, em nome de “um outro mundo possível”. Ela acaba, pateticamente, se rendendo a contrafações do modelo original, como se pode constatar em experiências regionais que demonstram uma filiação “genética” mais próxima do fascismo mussoliniano do que de um pretendido socialismo gramsciano. Em termos braudelianos, a esquerda congela seus conceitos e ações políticas no mundo quase estático das lentas mudanças “geológicas”, em lugar de adaptar-se a uma conjuntura histórica de transformações – para empregar o conceito de outro historiador francês, Ernest Labrousse –, que se descortina aos olhos de quem quer enfrentar a realidade sem as viseiras ideológicas do passado e aspira a entender o mundo como ele é, realmente, não como ela gostaria que ele fosse.
Curiosamente, a América Latina era apontada, até meados do século XX pelo menos, como o continente que lograria igualar-se aos países desenvolvidos, se perseverasse nos esforços de industrialização substitutiva, no planejamento estatal, no protecionismo comercial, nos subsídios à “indústria infante”, na integração introvertida e em políticas dirigistas que atribuíam ao Estado o papel principal na determinação quanto ao uso de fatores, na mobilização de capitais – por via inflacionária, uma forma de poupança forçada – e na alocação autoritária dos recursos assim capturados do conjunto da sociedade. Incidiu nesse tipo de recomendação o economista sueco Gunnar Myrdal – prêmio Nobel em 1974, junto com o liberal austríaco Alfred Hayek, por ironia da história – que, no seu tão aclamado quanto errôneo Asian Drama, vaticinava que a Ásia era sinônimo de miséria insuperável e que se havia países no Terceiro Mundo que tinham alguma chance de alçar-se aos patamares de bem-estar e riqueza dos desenvolvidos, estes eram os latino-americanos. Myrdal preconiza para todos o modelo indiano, feito de planejamento centralizado, empresas estatais em todos os “setores estratégicos” e descolamento dos mercados internacionais, que supostamente condenava esses países à exportação de commodities sujeitas às flutuações das bolsas de mercadorias. À época em que ele pesquisou e escreveu – início dos anos 1960 – a maior parte dos países da América Latina estava mais integrada à economia mundial do que os da Ásia, ostentava, na média, o dobro da renda per capita asiática e possuía instituições públicas – Estados consolidados, depois de 130 anos de independência, estruturas de mercado capitalistas – que seriam, no cômputo global, mais “weberianamente” pró-crescimento e pró-desenvolvimento do que as arcaicas tradições confucianas da região asiática. O itinerário seguido desde então pelas duas regiões não precisa ser relembrado: a Ásia decolou espetacularmente na economia mundial e nos indicadores de crescimento – tanto mais rapidamente quanto ela se afastou das políticas socialistas e estatizantes recomendadas por Myrdal – enquanto a América Latina manteve-se, com poucas exceções, no subdesenvolvimento, na desigualdade e na pobreza. Para isso também contribuíram experimentos populistas, irresponsabilidade emissionista, desrespeito aos direitos de propriedade, desconfiança da abertura ao exterior – comércio e investimentos – e uma insistência no centralismo estatizante que marca ainda hoje boa parte da esquerda neste continente.

Os autores deste livro conhecem um pouco dessa história, por experiência própria, se ouso dizer. Outrora pertencentes, como vários jovens dessa geração, ao universo do marxismo latino-americano, naturalizados brasileiros justamente em virtude da história trágica de equívocos conceituais e de erros práticos da esquerda argentina do último terço do século XX, eles estão muito bem preparados para enfrentar a tarefa de analisar a trajetória do Brasil e da Argentina no contexto das modernas democracias de mercado. A migração forçada de um país a outro, a descoberta de realidades políticas relativamente similares, ainda que sob roupagens distintas, e o comparatismo inevitável que esse tipo de situação cria, permitiu-lhes constatar, provavelmente, como os mesmos diagnósticos equivocados feitos por lideranças políticas, lá e aqui, redundaram em perda de oportunidades de inserção no mundo globalizado da atualidade, atrasando o processo de desenvolvimento e postergando a conquista da almejada prosperidade social.
De fato, a despeito de uma história singular, que corre em trilhas próprias, o Brasil e a Argentina reproduzem, em boa medida, equívocos similares de políticas públicas – tanto macroeconômicas quanto setoriais – cometidos por diferentes regimes políticos ao longo do século XX. Se o recurso a Suetônio cabe na sociologia comparada do desenvolvimento, pode-se dizer que os dois grandes da América do Sul exibem “vidas paralelas”. Tanto o Brasil como a Argentina padecem de insuficiências de desenvolvimento, mas a maior parte dos problemas de cada um deriva de erros de gestão macroeconômica e de escolhas infelizes das elites políticas ao longo da formação das nações e das dificuldades de ajuste aos desafios externos.
Durante muito tempo, grosso modo na primeira metade desse século, prevaleceu no Brasil a idéia de que a Argentina era bem mais desenvolvida, graças a um maior componente “europeu” na sua formação étnica e aos maiores cuidados com a educação do seu povo. Em contrapartida, ao aprofundar-se sua trajetória em direção à decadência econômica, prevaleceu na Argentina a noção de que o Brasil foi mais bem sucedido na industrialização e no fortalecimento da base econômica graças ao maior envolvimento de seu Estado na gestão macroeconômica, em lugar do liberalismo que teria sido praticado nas margens do Prata. Em ambos os países, líderes populistas e ditadores militares se revezaram nos comandos do Estado pretendendo construir a grandeza nacional com base no nacionalismo industrializante e no emissionismo inflacionário. Ambas as economias foram relativamente excêntricas – isto é, voltadas para os parceiros privilegiados no hemisfério norte – e os regimes políticos mantiveram, contra toda racionalidade e interesses imediatos, certo distanciamento competitivo, que em alguns momentos quase descambou para a hostilidade, isto é, para a corrida armamentista e uma possível disputa pela hegemonia regional.
Os dois países passaram, depois de superadas suas repúblicas “oligárquicas” – mais ou menos na mesma época, os anos 1930 –, por processos de modernização econômica e política, sob a forma de experimentos nacionalistas e populistas, identificados com as figuras de Vargas e Perón. A Argentina logrou, provavelmente, um maior grau de inserção social, mas o Brasil foi menos errático no processo de desenvolvimento, conseguindo consolidar a construção de uma base industrial que nunca teve paralelo na Argentina, que permanece ainda hoje uma economia agroexportadora. Os azares da Guerra Fria e as ameaças percebidas pelas classes médias como provenientes da sindicalização excessiva do sistema político conduziram ambos os países em direção de episódios mais ou menos prolongados de autoritarismo militar.
O período militar – responsável pela vinda dos autores ao Brasil – assumiu dimensões mais dramáticas na Argentina, com um custo elevado em vidas humanas e outras conseqüências menos desejáveis no plano das relações bilaterais, com o fenômeno que dois autores consagrados – Boris Fausto e Fernando Devoto, no livro Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002) – chamaram de “afinidades repressivas”. As esquerdas padeceram muito no tempo das baionetas, mas talvez conservem, desse período, a mesma inclinação fundamental ao culto do Estado, para a autarquia econômica e o protecionismo instintivo que exibiam os militares. Hoje, se pretende avançar no desenvolvimento conjunto, mediante o Mercosul, mas as salvaguardas e os desvios ao livre comércio colocam limites à integração econômica.
Com efeito, a fase de redemocratização permitiu revigorar o processo de integração, que tinha começado no final dos anos 1950, desta vez segundo um formato bilateral – tratado para a formação de um mercado comum de 1988 – que logo se desdobrou numa dimensão quadrilateral, ao incorporar os dois vizinhos menores em 1991. O Mercosul logrou incluir outros países, como o Chile e a Bolívia (associados em 1996) e, mais recentemente, a Venezuela, mas sua zona de livre-comércio permanece incompleta, sua união aduaneira é perfurada por inúmeras exceções nacionais e o mercado comum, prometido para 1995, é um sonho ainda distante.
O itinerário dos dois países, mesmo contrastante nos planos cultural, social e político, não deixa de apresentar coincidências ou similitudes nos planos do desenvolvimento econômico e da inserção internacional, o que talvez permita retomar ao presidente argentino Roque Sáenz Peña uma frase, do início do século XX, que resume a visão otimista da cooperação bilateral, sempre invocada pelas autoridades engajadas no atual processo de integração: “Tudo nos une, nada nos separa”. Talvez – com a provável exceção dos campos de futebol –, mas a história raramente se contenta com projetos meramente retóricos de desenvolvimento ou de integração internacional. Nesse particular, o Brasil e a Argentina apresentam trajetórias erráticas, com impulsos positivos em determinadas épocas e atitudes defensivas em outras. O elemento mais notável, da presente fase, é provavelmente constituído pela incapacidade respectiva em empreender reformas que os coloquem em condições de se inserir de modo mais afirmativo na economia globalizada que caracteriza o Atlântico Norte e a região da Ásia Pacífico.

Os trabalhos compilados neste livro discutem as novas circunstâncias da economia global e os padrões atuais de organização política, com os problemas daí derivados para Estados, como o Brasil e a Argentina, que ainda estão construindo sua inclusão no novo sistema, que os autores chamam de “hegemonia das democracias de mercado”. A leitura destas páginas, impregnadas de conhecimento histórico e de racionalidade sociológica, permite constatar como são anacrônicas as demandas e reivindicações de alguns desses militantes de causas equivocadas, armados de slogans retirados de um já mundo desaparecido nas dobras da história – como os conceitos de “dependência” ou de “antiimperialismo” –, que insistem em defender causas que não são mais de vanguarda ou sequer progressistas. A oposição desses grupos e movimentos políticos a reformas institucionais que permitiriam inserir mais rapidamente os países da América Latina nas correntes mais dinâmicas da globalização – reformas política, previdenciária, trabalhista, tributária, sindical ou educacional – não é apenas conservadora, mas pode ser tachada de propriamente reacionária, em vista dos imensos problemas acumulados pelos países da região nesses aspectos que muito têm a ver com as perspectivas de emprego, renda e oportunidades de ascensão social de imensas massas ainda hoje excluídas de qualquer possibilidade de inserção produtiva no tecido social.
Os autores não deixam de confessar sua surpresa, logo na introdução, com o fato de que muitos intelectuais desenvolveram um agudo senso de anticapitalismo – sentimento que, no meu ponto de vista, consegue inclusive ser antimercado – , o que os fez cúmplices objetivos das piores barbaridades cometidas no século XX contra os direitos humanos e a democracia. Na América Latina, em particular, esse anticapitalismo visceral dos intelectuais obstaculizou a modernização econômica e social dos países, a começar pelo aggiornamento do próprio Estado, no sentido de libertá-lo, ou pelo menos distanciá-lo, da herança centralista e patrimonialista ibérica, em prol de uma visão do mundo que estivesse mais objetivamente em consonância com os requisitos de uma moderna “democracia de mercado”, aberta aos influxos da economia global.
Aparentemente incapazes de renovar conceitos e aceitar as novas realidades da economia mundial, os intelectuais da América Latina continuarão a mover-se, no futuro previsível, ao ritmo do “tempo geológico” de Fernand Braudel, arrastando-se, em grande medida, pelos caminhos da modernidade numa trajetória tão tortuosa e torturada quanto o permitido pela “velha carroça da história”, de que falava Lawrence Stone. Isto a despeito de se poder constatar, hoje em dia, que outros povos e países estão fazendo melhor e mais rápido no caminho da modernidade do que a quase totalidade da América Latina. A região poderia ser uma espécie de “Prometeu acorrentado”, se apenas grilhões materiais a prendessem a um passado mercantilista e patrimonialista, se meros impedimentos técnicos a impedissem de avançar mais aceleradamente no caminho do progresso tecnológico e da capacitação científica. Mas, os grilhões que a prendem ao atraso material e à irrelevância intelectual são de outra natureza: são propriamente mentais, invisíveis, se quisermos, ainda que alertas sejam regularmente lançados contra essa busca ativa pelo declínio econômico e pelo retrocesso político. Este livro, aliás, é um exemplo de alarme intelectual.
A insistência na velhas soluções estatizantes, na repetição dos mesmos erros do passado, a tendência a encontrar bodes expiatórios no estrangeiro e a alimentar teorias conspiratórias sobre as razões do nosso fracasso são tanto mais surpreendentes quanto estão disponíveis boas análises – por analistas individuais ou por organismos multilaterais – sobre as razões da trajetória errática e da miopia das elites. O mais surpreendente e frustrante é que continue a prevalecer, tanto na academia quanto na opinião pública, explicações simplistas, e geralmente equivocadas, sobre as causas de nossos problemas – que são de origem majoritariamente interna – e sobre as soluções que lhes seriam pertinentes. Não constitui surpresa, assim, se a cada classificação internacional de desempenho relativo – no crescimento, na educação, na competitividade, na tecnologia e em vários outros setores ainda –, a América Latina continua a ser ultrapassada por todas as demais regiões, com a possível exceção da África, ainda assim melhor colocada esta, nas taxas atuais de crescimento econômico. A julgar por certas “inovações” populistas recentes na região, a escolha parece ser por mais Estado, mais nacionalizações, menor atratividade do capital estrangeiro e, de forma não surpreendente, uma opção preferencial pelas soluções distributivistas e rentistas.
Acadêmicos experientes no debate intelectual em torno da “contra-reforma” modernista latino-americana, tanto pela sua vivência pregressa na Argentina, como pelo longo convívio nas universidades do Brasil, observadores atentos das realidades regionais e, à maneira de Raymond Aron, “espectadores engajados” na construção da ordem mundial pós-guerra fria e no grande espetáculo da globalização contemporânea, os dois autores, Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis, estão amplamente capacitados para oferecer uma análise de qualidade sobre os desafios do Brasil, da Argentina e de toda a região nessa difícil, mas indispensável, inserção no sistema internacional das democracias de mercado. O retrato que eles fazem da região, dos dois grandes da América do Sul em particular, não é muito otimista, mas é sem dúvida alguma necessário e bem-vindo, em face dos desafios remanescentes.
Intelectuais verdadeiros devem ostentar, antes de mais nada, espírito crítico, sem se deixar aprisionar pelas lutas políticas em curso na sociedade na qual vivem ou se enredar nas ideologias em competição na ágora universitária. A honestidade intelectual é o seu primeiro e único dever. Desse ponto de vista, nossos dois autores não se enquadram na antiga crítica sobre a “traição dos clérigos” de que falava Julien Benda. Ao contrário: eles estão em sintonia com as necessidades do tempo presente e fazem do seu ofício um instrumento crítico de esclarecimento da maioria, em prol do progresso social e em benefício da razão, como apreciaria Kant.

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais, diplomata, professor no mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Brasília, maio de 2007

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Quando as palavras nao coincidem com os atos: integracao latino-americana

Na verdade, não se trata propriamente de integração latino-americana, sequer sul-americana, e ainda menos mercosuliana. Se trata simplesmente da integração Brasil-Argentina, base do Mercosul e de qualquer processo de integração regional.
Os atos das autoridades argentinas são a negação completa do que seu discurso afirma:

Cristina Kirchner defende integração da América Latina
A presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, defendeu o fortalecimento da integração entre os dois países [Brasil e Argentina] e união do empresariado da região para tentar manter boas relações comerciais e proteger as economias regionais de impactos de problemas econômicos globais. Segundo Cristina, “é preciso reelaborar o processo de integração da América do Sul para que os países possam somar recursos e blindar a região”.


Na verdade, a única coisa que vai resultar disso é a proteção contra produtos estrangeiros, incluindo no caso os brasileiros no mercado argentino...
Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Marcha da integracao Brasil-Argentina: so 1 bilhao de US$ de perdas...

Pouca coisa, quase nada...

Barreiras argentinas custam US$ 1 bi ao País
Raquel Landim
O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 2011

Estudo da Fiesp calculou o prejuízo com licenças não automáticas de importação adotadas pelo país vizinho a 343 produtos brasileiros

SÃO PAULO - O protecionismo da Argentina já custou pelo menos US$ 1 bilhão às empresas prejudicadas pelas licenças não automáticas de importação, um instrumento que burocratiza a entrada dos produtos no país. As vendas dos setores afetados caíram 45% depois da adoção das licenças, de US$ 2,15 bilhão para US$ 1,18 bilhão, revela estudo inédito da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O prejuízo pode ser ainda maior, porque o levantamento considerou apenas os 343 itens sujeitos à aprovação manual para entrada na Argentina até o fim de 2010. Neste ano, o governo da presidente Cristina Kirchner incluiu mais 180 produtos no sistema. O licenciamento não automático é permitido pelas regras internacionais, mas os argentinos demoram mais que o limite de 60 dias previsto.

Cristina estará nesta sexta-feira, 29, em Brasília para inaugurar a nova Embaixada da Argentina e vai se reunir com a presidente Dilma Rousseff, mas não está prevista nenhuma discussão sobre as desavenças comerciais. O governo planeja apenas instalar oficialmente um fórum de empresários dos dois países, que poderia ajudar a resolver conflitos.

As medidas adotadas pela Argentina estão causando mal-estar no Brasil. No setor privado, a impressão é que o governo está sendo "tolerante" com a Argentina por causa da proximidade das eleições presidenciais, que ocorrem em outubro. Após retaliar a Argentina com a adoção de licenças para a entrada de automóveis, o que foi considerado um "tiro de canhão", o governo Dilma teria mudado de postura por recomendação do Itamaraty.

"O governo brasileiro está sendo tolerante. Os argentinos estão abusando e desviando comércio para terceiros países. O que eles ganham com isso? É o fim da picada", disse ao Estado Paulo Skaf, presidente da Fiesp. O levantamento da entidade mostra que boa parte dos setores perdeu participação nas importações da Argentina para concorrentes como a China.

O setor que sofreu o maior prejuízo pela adoção das licenças foi o de máquinas e equipamentos. As exportações dos fabricantes brasileiros para a Argentina caíram 79%, US$ 318 milhões nos 18 meses anteriores à adoção das licenças para US$ 65 milhões nos 18 meses posteriores, o que significa US$ 252 milhões a menos.

Também sofreram perdas significativas em suas vendas na mesma comparação os setores têxtil (US$ 151,14 milhões a menos de exportação), autopeças (US$ 161,6 milhões), eletrônicos (US$ 113 milhões), pneus (US$ 120 milhões) e calçados (US$ 64 milhões).

Dos 14 setores afetados pelas licenças não automáticas, nove viram seu espaço se reduzir nas importações argentinas para os concorrentes. Os fabricantes de máquinas, que respondiam por 48,9% das compras externas do país vizinho, hoje estão com 28,9%. Também perderam market share os setores de artigos impressos (14%), têxtil (9%), vestuário (5,9%) e calçados (4,8%), entre outros.

Operação varejo. Os empresários reclamam que estão presos em uma "operação de varejo" com a Argentina, em que negociam a expedição de cada licença de importação. Os governos argentino e brasileiro liberam a documentação a "conta-gotas", à medida que o outro lado também faz o mesmo.

"Essa operação varejo está destruindo a relação de confiança entre clientes argentinos e fornecedores brasileiros", diz Fernando Pimentel, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Segundo ele, como não há previsibilidade na liberação das licenças, as roupas brasileiras chegam ao país vizinho fora da estação.

Segundo Heitor Klein, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), o setor tem conversado "continuamente" com o Ministério do Desenvolvimento, sem solução. Até 22 de julho, o setor tinha 526 mil pares aguardando as licenças para entrar na Argentina a mais de 60 dias - ou seja, fora do prazo aceito internacionalmente.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Los hermanos reincidentes (fariam tudo outra vez; alias, fazem...)

Os argentinos são os seres mais inexplicáveis do planeta Terra (ou talvez até de qualquer outro planeta conhecido e desconhecido nesta e em outras galáxias).
Fazem mais ou menos 80 anos (repito, oitenta anos) que eles erram, tropeçam, cometem equívocos, se enganam, fazem bobagens, abusam da lógica (e da paciência dos vizinhos) e, no entanto, ainda pretendem continuar errando, tropeçando, se equivocando, fazendo bobagens continuadas e a abusar da lógica formal, da informal e da paciência dos vizinhos.
Eu ainda quero ver um livro cujo título seria: Inacreditáveis Argentinos!
(ponto de exclamação ao final, comme il faut)
Não sei quem o escreveria, mas do meu ponto de vista um historiador econômico, mas não tenho certeza. Talvez um psiquiatra, dos bons, neurologistas, receitadores de remédios e, se precisar, de camisa de força.
Não um psicanalista, pois a Argentina já os tem aos montes, mais do que o resto da América Latina inteira, e não adiantou nada até agora. Acho até que lhes fez muito mal, como convencê-los, talvez, que eles eram superiores a todos os demais hermanos da região, quase como ingleses deslocados no Atlântico Sul (como reza uma velha piada), arrogantes como soiam ser os imperialistas britânicos nos bons tempos.
E os argentinos já foram arrogantes, e como. Hoje deveriam ser mais modestos, e aprender com seus erros (e alguns acertos, não vamos recusar; por exemplo, no futebol, se tirarmos essa figura bizarra, histriônica e ridícula que foi o Maradona, que fez tudo errado, como a maioria dos argentinos, aliás).
Pois saibam vocês que cem anos atrás, os argentinos possuíam a maior renda per capita da AL, eram mais ricos do que certos europeus, bem mais do que os brasileiros (evidentemente) e tinham cerca de 70% da renda per capita dos americanos, já então um dos povos mais ricos do mundo.
Cem anos depois o que temos?
Os argentinos só dispõem de 30% da renda per capita dos americanos, num dos recuos mais formidáveis que conhece a história econômica. Nós, brasileiros, continuamos distantes da renda per capita dos americanos, mas já nos aproximamos bastante da renda per capita dos argentinos, que são só um pouco mais ricos do que nós.

Mas, pasmem leitores, surpreendam-se, e eu quase não acreditei nos resultados quando vi: nos exames do PISA de 2006 e de 2009 -- Program for International Student Assessment, da OCDE, vejam no site www.oecd.org -- os estudantes de 15 anos da Argentina ficaram entre os piores do mundo, nos últimos lugares, depois do Brasil em leitura e matemática (não tenho certeza se em ciências também).
Isso é inacreditável: a terra de Sarmiento, de Mitre, de tantos intelectuais, e até de um ou outro Prêmio Nobel (nós até agora não ganhamos nenhum), ficou atrás do Brasil em desempenho escolar.
Essa é extraordinária, revela um tremendo atraso mental, que talvez explique o sentido da entrevista abaixo transcrita do empresário industrialista, que pede não só para continuar praticando as mesmas bobagens que fizeram durante tantos anos, como parece pedir para que concordemos em que eles estão certos...
Inacreditáveis argentinos!
Essa merece um livro...
Paulo Roberto de Almeida
PS: Só concordo com uma coisa que ele disse: que o Brasil também é protecionista.

Indústria argentina quer manter a proteção
Daniel Rittner | De Buenos Aires
Valor Econômico, 14/06/2011

Há pelo menos dez anos, o empresário têxtil José Ignacio de Mendiguren é o porta-voz mais conhecido da indústria argentina. Por isso mesmo, ele tem farta experiência nos conflitos comerciais com o Brasil. Ainda neste mês, Mendiguren embarcará para São Paulo com um grupo de lideranças da União Industrial Argentina (UIA), que preside desde abril, pela segunda vez.
Com o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, pretende abrir o caminho para acordos setoriais que possam reduzir o nível de tensão no comércio entre Brasil e Argentina. "Primeiro eu vou entregar a ele uma caixa de charutos. Com isso vou convencê-lo de qualquer coisa", afirma o empresário de 60 anos, dono da Texlona e conhecido como "El Vasco", pela ascendência basca.
Mas que ninguém, na Fiesp ou no governo brasileiro, espere facilidade nas conversas. Admirador do presidente Juscelino Kubitschek, ele garante que o Brasil também é protecionista, "mas com muita inteligência, sem reconhecer". E diz que a indústria argentina ainda não pode prescindir de mecanismos de proteção contra seus concorrentes.
"Não se pode sair da terapia intensiva, como em 2001, e correr a São Silvestre alguns anos depois", avalia Mendiguren. Naquele ano, ele presidia a UIA pela primeira vez, quando foi chamado pelo então presidente Eduardo Duhalde para assumir o recém-criado Ministério da Produção, em meio ao caos social e econômico vivido no país.
Na semana passada, quando recebeu o Valor na sede da instituição, na tradicional avenida de Mayo, as portas do edifício estavam trancadas. Momentos antes, manifestantes da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), que bloqueavam a avenida, atiraram pedras e quebraram vidros no hall de entrada da entidade.
Na entrevista, Mendiguren defende uma "agenda estratégica e visão de longo prazo" para o Mercosul. E sustenta que as medidas protecionistas adotadas pelo governo argentino devem ser entendidas como um mecanismo para compensar provisoriamente as diferenças dentro do bloco. Cita, por exemplo, a assimetria entre as condições de financiamento no Brasil e na Argentina. "No dia em que o industrial sair do Banco de la Nación com financiamento para abrir uma fábrica no Brasil, poderemos baixar a guarda".

Valor: No Brasil, os industriais argentinos têm a fama de reclamões, protecionistas e pouco competitivos. Como o sr. responde?
José Ignacio de Mendiguren: Com outra pergunta: o que faria um industrial brasileiro se tivesse enfrentado as mesmas circunstâncias que nós vivemos nas últimas três décadas? Nenhum outro país teve a volatilidade macroeconômica que vivemos, na Argentina, entre 1976 e 2001. Foi um período em que não só deixamos de crescer, como nos desindustrializamos. Tivemos oito modelos econômicos totalmente diferentes, e cada um deles terminava em grandes crises. Chegamos a ver cinco presidentes da República em dez dias, enquanto 18 moedas circulavam pelo país e decretava-se a maior moratória da história da humanidade. É nesse ambiente que tivemos que fazer negócios.

Valor: Ninguém ignora o histórico de dificuldades, mas setores do governo brasileiro dizem que já se passaram dez anos desde a crise de 2001 e que já houve tempo de sobra para se reindustrializar.
Mendiguren: Respeitemos os tempos. Não se pode sair da terapia intensiva, como em 2001, e correr a São Silvestre alguns anos depois. Uma questão não resolvida, na Argentina, é o financiamento. Só o que o BNDES empresta à indústria brasileira, em proporção do PIB, equivale a todo o crédito da economia argentina - algo perto de 12% ou 13%. Isso não é culpa do Brasil. É culpa nossa, mas não dá para comparar as duas economias. Enquanto o Brasil está estimulando a internacionalização de suas companhias, o que é um processo indispensável ao desenvolvimento de qualquer país, nós não temos crédito sequer para financiar a expansão interna.

Valor: Então o sr. defende as medidas protecionistas como um mecanismo compensatório das diferenças no Mercosul?
Mendiguren: Elas são, mas temporárias. Todos os países ricos do mundo chegaram ao desenvolvimento pela escada do protecionismo. E, depois de terem chegado lá, chutaram a escada. Mas entendo que são medidas provisórias. O Brasil está em outro estágio de desenvolvimento. Imagine o dia em que o industrial argentino sair do Banco de la Nación com financiamento para abrir uma fábrica no Brasil. Quando chegar esse dia, poderemos baixar a guarda.

Valor: A indústria argentina ainda não tem condições de sobreviver sem proteção?
Mendiguren: Existem dificuldades. Mas o mundo inteiro adotou formas de proteger suas indústrias, não só a Argentina, com a crise de 2008. Os estoques que não puderam ser colocados nos mercados tradicionais foram despejados em outras regiões, como a nossa. Isso pode destruir setores. Todos os países agiram a favor de seus mercados, seja por meio da guerra de moedas, seja por mecanismos de administração do comércio, que não são necessariamente tarifários, como restrições fitossanitárias, por exemplo. Todo o mundo foi pragmático nessa crise.

Valor: Mas parece ter havido um excesso de protecionismo na Argentina, que dura até agora.
Mendiguren: As formas é que talvez sejam distintas. O Brasil sempre aplicou essas medidas, mas com muita inteligência, sem reconhecê-las. Nós dizemos que vamos aplicar. Mas o efeito é o mesmo.

Valor: O Brasil também é meio protecionista?
Mendiguren: Meio?! Se você olhar com um olho só, o Brasil é meio protecionista. Quer que eu lembre todas as coisas que o governo brasileiro fazia quando a balança comercial com a Argentina lhe era desfavorável? Parava caminhões na fronteira com alimentos perecíveis. Diziam na alfândega que o peso exato da carga não era o mesmo do registro de exportação. Quando os produtos não coincidiam com o valor de referência que o Brasil determinava, o sistema informatizado caía de repente. Se quiséssemos, tínhamos que fazer o processo manualmente e a um custo adicional. Com os produtos lácteos, até hoje eles só podem entrar quando há problemas domésticos de oferta.

Valor: Então há um excesso de rigor quando os empresários brasileiros reclamam dos argentinos?
Mendiguren: Quando as condições macroeconômicas são favoráveis, os empresários argentinos têm uma história de sucesso para contar. A Argentina foi um dos primeiros países em desenvolvimento com multinacionais: Siam Di Tella, Bunge & Born e YPF. Há um caso emblemático, o da Alpargatas São Paulo, que foi montada pela Alpargatas Argentina. Cem anos depois, a filha comprou a mãe (hoje ambas são controladas pela Camargo Corrêa). Isso não ocorreu por culpa dos empresários, mas pelas diferenças macroeconômicas e industriais entre Brasil e Argentina.

Valor: Como se explica, apesar do câmbio favorável à Argentina, um desequilíbrio comercial tão grande com o Brasil?
Mendiguren: Não se deve olhar a taxa de câmbio nominal. O peso se desvalorizou, mas com um aumento da inflação que equivale mais ou menos à apreciação que teve o real. Mas não devemos nos ater aos problemas de conjuntura. A grande pergunta é se o Mercosul continua sendo uma vantagem aos setores empresariais dos dois países. Eu acredito que sim. Sou um defensor do Mercosul. Sou pró-Brasil, está claro?

Valor: Mas o Mercosul não está em seus melhores dias...
Mendiguren: O Mercosul se resolve com mais Mercosul, mas com mais institucionalização. Se Brasil e Argentina continuarmos nos olhando só como mercados, sem uma visão ampla de integração, vão persistir esses problemas. E cada problema se torna imenso, porque não existe uma agenda estratégica. O mundo está dando uma grande oportunidade à região. Há quase 1 bilhão de habitantes entrando na classe média, que demandam os nossos produtos. Temos que aproveitar essas condições favoráveis não só para crescer, mas para nos desenvolvermos, senão há um risco de primarização das nossas economias. Há uma diferença entre as duas coisas. O crescimento é espontâneo: crescemos pelos preços das nossas commodities. Mas o desenvolvimento precisa da criação de políticas e ferramentas para ir na direção que queremos. Essa é a oportunidade que Brasil e Argentina não podem perder. Não podemos apostar só nos recursos naturais.

Valor: Há quem diga no Brasil que as posições da indústria argentina têm dificultado avanços em direção a um acordo de livre comércio com a União Europeia. A Argentina está preparada para fazer concessões?
Mendiguren: Queremos um acordo, mas um acordo equilibrado. É certo que o Brasil tem uma posição diferente à da Argentina. Por quê? O Brasil tem cartas guardadas para negociar, como o setor de serviços ou as compras governamentais. A Argentina entregou tudo nos anos 90. Aqui, qualquer banco brasileiro pode vir e instalar-se amanhã. Nas licitações públicas, qualquer empresa pode vir. Ou seja, não é que o empresário argentino seja mais ou menos protecionista do que qualquer outro. Eu faço uma pergunta de outra forma. Quais as condições da nossa indústria, sem termos nada do que têm os empresários brasileiros: crédito, estabilidade, plano de desenvolvimento? Precisaríamos ter três cabeças.

Valor: Passando a questões domésticas, como o senhor avalia os governos de Néstor e de Cristina Kirchner?
Mendiguren: Acredito nos resultados para o nosso setor. Há muito tempo não vemos uma Argentina com a macroeconomia tão ordenada. A dívida está em 30% do PIB, não há déficit fiscal. E vemos que as condições internacionais positivas vão se manter. É preciso somente fazer os ajustes necessários para passar de um processo de crescimento a um processo de desenvolvimento econômico. Sou bastante otimista com a Argentina. E acho que o Brasil, pelos seus investimentos aqui, também é. A Argentina pode tranquilamente dobrar seu PIB nos próximos três mandatos presidenciais, um período de 12 anos, e ter uma redistribuição pela qual os salários voltem a significar 50% da renda nacional.

Valor: Mas há uma inflação cada vez mais preocupante, que beira 25% ao ano. Muitos economistas cobram um plano para atacá-la imediatamente.
Mendiguren: Não creio em choques, mas em um plano gradual, de metas de inflação que possam ir baixando gradualmente a alta de preços. A Argentina não tem um problema estrutural de inflação. Nos anos 80, tínhamos um dólar que disparava de repente e se refletia nos preços, uma economia indexada, um déficit fiscal tremendo que levava a uma emissão descontrolada. Ou seja, a inflação era estrutural. Hoje não ocorre isso.

Valor: O que a Argentina deve fazer para seguir crescendo?
Mendiguren: O que falta é mais investimento. A taxa de investimento não está caminhando com a mesma velocidade que as necessidades de uma economia em forte expansão. É preciso conhecer as regras do jogo, é verdade. Obviamente a segurança jurídica é importante para nós, mas isso somente não basta. Não sei qual é a segurança jurídica que tem a China, por exemplo. O que a Argentina precisa para sustentar o crescimento de 92% que teve a indústria, desde 2001, é definir que o rumo não será mudado. Que não voltamos aos tempos de Cavallo [Domingo Cavallo, ministro da Economia no governo Menem e pai do Plano de Conversibilidade, nos anos 90], de Martínez de Hoz [ministro da Economia na segunda metade dos anos 70, durante a última ditadura militar, de ideário fortemente liberal], sem mágicas, priorizando a geração de riqueza e de trabalho.

Valor: A Argentina deve adotar o Brasil como modelo para alguma coisa?
Mendiguren: Vocês estão há cinco décadas em um rumo que não se modifica. Sou um leitor dos diálogos entre os presidentes Juscelino Kubitschek e Arturo Frondizi. Em 1958, o Brasil e a Argentina tinham o mesmo PIB, mas tínhamos um terço dos habitantes. Olhemos a história: o Brasil nunca abandonou os seus planos, nem mesmo nos regimes militares, que aprofundaram o modelo de industrialização. Aqui, aplicaram um modelo neoliberal. O mausoléu de JK, em Brasília, é maior do que a Catedral de Buenos Aires. Enquanto isso, Frondizi não é nome sequer de uma travessa e está enterrado no túmulo de uma irmã sua, em um cemitério de Vicente López [município da Grande Buenos Aires].

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Dois pra la, dois pra ca: sempre los hermanos...

Uma dança estranha, na verdade, que não é bem tango, nem samba canção. Deve ser bolero-hesitação.
Ninguém sabe bem o que fazer, e ninguém quer perder a face.
Os argentinos não parecem dispostos a ceder, pois de fato as licenças prévias são automaticamente liberadas em dois meses. Ou seja, basta esperar um pouco...
Paulo Roberto de Almeida

ARGENTINA E A INTERFERÊNCIA DOS ITAMARATECAS
Blogs d'O Estado de S. Paulo
Raquel Landim, 1 de junho de 2011

Conheci o embaixador Antonio Simões quando estive em Caracas em 2008. Estava cobrindo as eleições regionais da Venezuela e aproveitando para fazer matérias sobre os negócios brasileiros no país. Simões me recebeu na embaixada do Brasil e me impressionou as fotos que tinha em sua sala ao lado do “comandante” Hugo Chávez.

Não eram fotos protocolares, mas de bons amigos. Nessa viagem, me encontrei com os executivos responsáveis pelas maiores empresas brasileiras instaladas na Venezuela. E todos me fizeram relatos da ligação de Chávez com o governo do PT e do bom trânsito do embaixador Simões, que era prontamente recebido pelo presidente venezuelano.

Por isso, não me espantou quando negociadores do setor privado envolvidos nas discussões entre Brasil e Argentina me disseram que o Itamaraty tinha escalado Simões para tenta “apaziguar os ânimos” com o governo de Cristina Kirchner. Chávez é um amigo e aliado político importante dos Kirchner na região. Procurei o embaixador, que hoje é sub-secretário de América do Sul do Itamaraty, mas ele não quis dar entrevista.

As negociações entre Brasil e Argentina, que podem culminar com um acordo amanhã em Brasília, estão sendo conduzidas pelo ministério do Desenvolvimento. O titular da pasta, Fernando Pimentel, vai se encontrar com a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi. Ele, inclusive, insistiu para que ela viesse ao País, com o objetivo de reduzir o conflito entre os dois sócios do Mercosul. E as negociações técnicas são lideradas pelo secretário-executivo Alessandro Teixeira. O ministério do Desenvolvimento nega que o Itamaraty esteja interferindo nas negociações.

Fontes consultadas pelo Estado, no entanto, contaram que Simões começou a acompanhar as reuniões e a “costurar” um entendimento com os argentinos. Em Buenos Aires, pipocam reclamações de que o Brasil não estaria sendo compreensivo com o vizinho em um momento eleitoral. Pessoas ligadas a Cristina reclamam que, na última campanha eleitoral por aqui, o PT pediu apoio e a Argentina deu uma “trégua”.

Cristina deve anunciar sua candidatura no dia 23 de junho, pouco depois da Cúpula do Mercosul. A situação é delicada, porque ela não quer demonstrar fraqueza para não melindrar sua indústria, mas também não pode bater de frente com o governo do PT, que é admirado do outro lado da fronteira. O correspondente Ariel Palacios me contou que é impressionante a popularidade de Lula e Dilma com aos argentinos.

O Brasil disparou um “tiro de canhão” contra a Argentina quando impôs licenças não-automáticas de importação para veículos. Ontem, no porto de Rio Grande, mais de 5 mil veículos argentinos estavam parados nos pátios. A medida foi vista em Buenos Aires com uma retaliação e uma declaração de “guerra comercial”, embora o Brasil estivesse apenas reagindo a meses de barreiras burocráticas contra os produtos brasileiros.

O objetivo de Pimentel nunca foi o conflito, mas forçar os argentinos a sentar na mesa de negociação. O governo Kirchner vinha se fazendo de “surdo” às constantes reclamações do Brasil. Ao serem atingidos, tiveram que conversar. A avaliação no ministério do Desenvolvimento é que o objetivo foi cumprido e agora é hora de resolver a situação, para evitar problemas mais graves para as indústrias dos dois países.

O Itamaraty vinha mantendo um perfil muito discreto nas negociações. No início do ano, o embaixador Ruy Nogueira, secretário-geral do ministério das Relações Exteriores, esteve em Buenos Aires, tentando convencer os argentinos a marcar uma reunião ministerial para liberar os produtos brasileiros, mas não conseguiu. Voltou irritado da viagem e por ordem da presidente Dilma Rousseff o assunto passou a ser técnico e tratado no ministério do Desenvolvimento.

Agora o ministério das Relações Exteriores volta a cena para impedir a “escalada do conflito” e evitar que “a esfera econômica contamine a relação política”. É hora de lembrar a todos os envolvidos da importância do mercado argentino para as exportações brasileiras e vice-versa. Mas, ao contrário do que ocorria na administração Lula, não se espera que o governo “sacrifique” a indústria nacional para agradar o vizinho. A ordem de Dilma é exigir contrapartidas. Vamos ver o que acontece amanhã.

P. S.: Os dados da balança comercial de maio, divulgados hoje à tarde, confirmam a força do “tiro de canhão” do Brasil contra a Argentina. As importações vindas da Argentina cresceram só 10,1% em maio, bem abaixo da alta de 31,8% das compras totais do Brasil. Em abril, o ritmo de crescimento das importações de produtos argentinos era três vezes maior: 35,4%(!). E não é à toa que os pátios dos portos estão lotados de veículos. As compras brasileiras de carros argentinos caíram 24,2% em maio em relação a abril.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Brasil-Argentina: sao dois pra la, tres pra ca... ou cada um dança sozinho...

Impasse com a Argentina
Editorial - O Estado de S.Paulo
29 de maio de 2011

Dois dias de negociações foram insuficientes para a superação do novo impasse comercial entre Brasil e Argentina, as duas maiores economias do Mercosul, uma união aduaneira cada vez mais desmoralizada. Dos dois lados da fronteira caminhões carregados com produtos continuarão sendo barrados, com prejuízos para indústrias e consumidores. A crise intensificou-se a partir do dia 12, quando o governo brasileiro impôs licenças não automáticas à importação de carros. A medida foi anunciada, oficialmente, como válida para todos os parceiros, mas o grande objetivo era mesmo barrar o ingresso de veículos argentinos. A decisão de Brasília foi uma resposta à política de barreiras adotada há anos por Buenos Aires e agravada, há meses, pela suspensão das licenças automáticas para vários produtos brasileiros. Durante meses a importação de máquinas agrícolas brasileiras ficou quase totalmente suspensa, mas vários outros produtos, como chocolates, calçados, geladeiras e fogões - entre outros - estão sujeitos a limitações comerciais.

Delegações discutiram a situação na segunda e na terça-feira, em Buenos Aires. No fim da semana anterior, os dois lados haviam liberado a passagem de alguns produtos pela fronteira, para demonstrar boa vontade. Terminada a reunião, o governo argentino anunciou, em nota, um acordo para "promover o desenvolvimento integrado". Além disso, os dois lados avançaram, segundo a nota, "nas negociações para liberação gradual das licenças pendentes". Nenhum detalhe sobre como seria essa liberação foi acrescentado. Fontes argentinas e brasileiras, ouvidas depois da reunião, concordaram pelo menos quanto a um ponto importante: nenhum acordo sério havia sido alcançado.

Fontes brasileiras atribuíram o fracasso do encontro à disposição dos argentinos de tratar da política industrial dos dois países, em vez de negociar a eliminação das barreiras. O governo argentino tem reivindicado, entre outras concessões, financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para suas exportações. Não é função do BNDES fornecer esse tipo de crédito.

Além disso, as autoridades argentinas insistem na manutenção de limites para o ingresso de várias categorias de produtos. Algumas indústrias, como a de calçados, já se submetem há anos a um regime de cotas. Uma das consequências foi a perda de espaço para produtores de outros países, porque o mercado argentino continuou em expansão.

Empresários brasileiros foram praticamente forçados a aceitar essa "autorrestrição" no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a diplomacia econômica defendia concessões aos latino-americanos, como preço de uma liderança imaginária. Concessões injustificáveis foram feitas e isso estimulou o protecionismo argentino e prejudicou a construção de um efetivo mercado comum.

O governo da presidente Dilma Rousseff pareceu tomar outro rumo. A suspensão da licença automática para importação de veículos foi uma resposta dura, porque esse comércio representa um quarto das exportações argentinas para o Brasil. O objetivo, obviamente, não deveria nem deve ser a instalação de mais uma barreira entre os dois países. O peso dessa decisão deveria servir para mostrar a disposição brasileira - quase nula nos últimos anos - de tratar o comércio bilateral com seriedade.

Apesar dessa resposta, o governo argentino se mostra disposto a manter o protecionismo, uma política intensificada a partir de 2008 e justificada, na ocasião, pela crise internacional. Se o governo brasileiro recuar - e se continuar, por exemplo, apoiando sem discussão o regime de cotas -, sua diplomacia voltará rapidamente ao caminho errado.

Sem fechar as portas à conciliação e até a algumas concessões, Brasília deve agir para restabelecer as condições mínimas indispensáveis a uma zona de livre comércio. O mero cumprimento de uma regra internacional - o prazo de 60 dias para liberação de licenças - é insuficiente. Os sócios do bloco simplesmente deveriam eliminar restrições desse tipo. Um compromisso sério e leal com a liberação do comércio deve ser um requisito básico de qualquer entendimento.

sábado, 28 de maio de 2011

Politica Externa e Integracao: um questionario da Argentina (2007)

Mais um que permaneceu obscuro, pelas circunstâncias.
Vejamos se tem algo de útil ainda...

Política externa brasileira e integração sul-americana: um questionário da Argentina
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário colocado por estudante argentino de jornalismo.
Brasília, 6 de outubro de 2007

Passo grande parte do meu tempo “livre” – que já se pode imaginar não ser exatamente enorme – tentando responder a perguntas de estudantes, questões de todo o tipo, cor e sabor. São geralmente relativas à carreira diplomática – estudantes que dizem que sempre “tiveram o sonho” de um dia virem a ser diplomatas e que demonstram não estar minimamente preparados para sê-lo –, além de alguns “caras-de-pau” que estão obviamente à procura de alguém que lhes faça o trabalho escolar. Alguns têm a petulância de marcar hora de entrega: “o trabalho é urgente e eu tenho de terminar esta noite”. Suplicam o auxílio generoso de quem imaginam estar à disposição de estudantes desesperados (passavelmente preguiçosos ou, simplesmente, vagabundos).
Sou, em geral, paciente com os legitimamente curiosos – existem, de fato, jovens, ainda secundaristas, que “pretendem”, legitimamente, ser diplomatas – e bem menos leniente com os preguiçosos de nível universitário, que por vezes se deixam, entretanto, se enredar por aquela conversa anticapitalista ou antineoliberal de professores absolutamente incompetentes (e de má fé), que transferem a outros sua incapacidade de “provar” os “malefícios do neoliberalismo para o Brasil”. Geralmente não respondo a esse tipo de pedido de ajuda, mas fico refletindo sobre o quanto a universidade brasileira decaiu em termos relativos e absolutos nos últimos tempos.
Existe, no entanto, uma outra categoria de perguntadores oficiais, que são os jornalistas, alguns ainda estudantes, e que misturam ambas atividades nos seus questionamentos a mim: são mais os jornalistas aprendizes me escrevem, pois os profissionais geralmente telefonam já “em cima” de alguma matéria em curso. Dependendo do teor das perguntas e do próprio interesse que eu possa ter por elas, sou mais ou menos “telegráfico” em minhas respostas, ou então me dedico a elaborar comentários mais substanciosos sobre as questões colocadas.
Transcrevo abaixo um exemplo típico desse tipo de interação por e-mail, um “exchange” que me parece apresentar validade mais ampla do que a simples correspondência bilateral entre um perguntador e o escriba complacente. Fui mais elaborado nas respostas porque se tratava de um estrangeiro, razão pela qual minhas respostas talvez também interessem um círculo mais vasto de pessoas. Neste caso, foi um estudante de jornalismo da Argentina que, em 26 de agosto de 2007, me disse isto: “Le escribo porque estoy haciendo un trabajo para la Universidad sobre América del Sur.” Pois bem, talvez minhas respostas apresentem alguma validade nos planos histórico ou conceitual para outros interessados em questões sul-americanas, motivo pelo qual eu as transcrevo aqui.
Algum desses consultores em administração de tempo e negócios talvez me recomendasse começar a cobrar por assistência gratuita a estudantes carentes. Não creio que é o caso, mas preciso, de verdade, concentrar-me em tarefas mais urgentes. Em todo caso, compartilho algo do que aprendi ao longo de uma carreira de estudos e de muita leitura...

“Si puede responderme unas breves preguntas, me haría un gran favor. Desde ya muchas gracias.”
Questão 1:
¿Cuánto tiene que ver en la actual política exterior de Brasil el Barón de Río Branco?
Todos os “sucessores” do Barão – e todos os chanceleres gostariam de ser vistos como tal – procuram, sempre, colocar sua gestão na linha política do Barão, visto como o “pai fundador” da moderna diplomacia brasileira e como exemplo de equilíbrio e pragmatismo no tratamento dos grandes temas da agenda diplomática brasileira. O Barão converteu-se em modelo paradigmático de como deveria ser um diplomata brasileiro e de como deveria ser orientada a diplomacia prática do Brasil, em função dos seus interesses nacionais.
Neste sentido, o Barão converteu-se, alegoricamente falando, num superlativo conceitual, ou seja, sua imagem é mais importante do que sua contribuição efetiva para o estabelecimento de diretrizes para a diplomacia brasileira, hoje, tanto porque o mundo contemporâneo apresenta outros desafios do aqueles colocados, um século atrás, ao Barão do Rio Branco.
No plano mais geral das grandes diretrizes da diplomacia brasileira, ou sua “filosofia diplomática”, digamos assim, é óbvio que a diplomacia atual conserva uma “filiação genética” com idéias e princípios enunciados pelo Barão. No plano mais prático, porém, é óbvio que os atuais encarregados da diplomacia – e todos os “sucessores” do Barão ao longo do tempo – não vão ficar se perguntando o que faria o Barão em circunstâncias similares, não vão buscar nos registros históricos exemplos de precedentes eventualmente similares que os poderiam guiar no tratamento de uma determinada questão. Parece-me que eles buscam, mais exatamente, atuar em função de critérios essencialmente pragmáticos, submetidos às pressões do momento, ao lobby dos grupos de interesse que se movimentam junto à chancelaria (ou até a presidência da República), ou em função de sua própria “filosofia política”, em torno de uma questão concreta que se refere a interesses de grupos determinados, bem mais, talvez, do que em função dos interesses mais gerais do Brasil como nação.
Alguns princípios gerais, dos tempos do Barão – e não apenas formulados diretamente por ele –, continuam válidos ainda hoje, como podem ser, por exemplo: a busca de excelentes relações políticas e de cooperação ativa com os vizinhos sul-americanos; a manutenção de um equilíbrio nas relações com as grandes potências (Europa e EUA, basicamente); a afirmação da força do direito sobre o direito da força; a busca de soluções eminentemente pacíficas para controvérsias, mas apoiada, se necessário, em forças armadas apropriadas, tudo isso faz parte do que se pode chamar de “legado do Barão” que ainda hoje é observado no universo “mental” e na prática da diplomacia brasileira.
Mas, não creio, pessoalmente, que esses princípios gerais, ainda válidos, repito, constituam um “guia para a ação” em casos concretos que se apresentam, diariamente talvez, na agenda da diplomacia brasileira.
Em resumo, o Barão permanece como uma referência indispensável, quase um “mito” da diplomacia brasileira, mas é preciso relativizar seu papel do ponto de vista de uma agenda concreta de problemas diplomáticos do tempo presente. Sua maior validade, talvez, se situe, precisamente no âmbito sul-americano e nas relações com a Argentina. Cabe, a esse propósito, lembrar que foi o Barão quem propôs a primeira fórmula de um “pacto ABC”, uma associação estreita entre Argentina, Brasil e Chile, toda ela voltada para a cooperação, o desarme dos espíritos (e, talvez, o desarmamento ativo), a intensificação de laços de toda ordem, o que poderia prenunciar os esforços de integração dos tempos presentes.

Questão 2:
¿Es posible imaginar que el biocombustible de Brasil se llegue a complementar con el petróleo de Venezuela de una manera armónica?
Não haveria nenhuma objeção de princípio, seja no terreno técnico, seja no campo puramente econômico, para uma oposição entre combustíveis fósseis – como podem ser o petróleo, o carvão, o gás natural – e os chamados biocombustíveis – etanol, biodiesel e formas variadas de combustíveis verdes, ou renováveis. Todos eles podem ser complementares e inclusive serem integrados na mesma matriz energética, como de fato já ocorre no Brasil desde muito tempo, com a complementação da gasolina comum de petróleo por álcool de cana-de-açúcar, ou o puro combustível etanol, mais ainda com os atuais motores flex, que consomem indistintamente um ou outro combustível.
Muita da suposta oposição entre esses combustíveis foi criada de maneira totalmente superficial, e eu diria até de forma irresponsável, por alguns dirigentes políticos que pretendiam “protestar” contra o álcool a partir de milho, o que conduziria, supostamente, ao encarecimento dos produtos alimentares e até, hipoteticamente, à falta de alimentos. Não há, absolutamente, nenhum fundamento científico ou sequer econômico a esse tipo de afirmação, feita de maneira espetacular por Fidel Castro, por exemplo, condenando o álcool americano de milho, afirmação que foi depois repetida por alguns outros dirigentes na região.
Existe, obviamente, uma relação de mercado entre a utilização de fatores de produção e seu preço final, assim como existe uma relação de custo entre os diferentes insumos utilizados para a fabricação de álcool. O álcool de milho, por exemplo, é muito menos “produtivo” do que o equivalente de cana-de-açúcar, necessitando, portanto, de subsídios para ter um preço de mercado compatível com a possível oferta de álcool de cana-de-açúcar.
Tanto não existe oposição entre combustíveis fósseis e renováveis que a Venezuela já está importando etanol brasileiro, a partir da cana-açúcar, em quantidades crescentes.

Questão 3:
¿Es viable la Unión de Naciones Sudamericanas (UNASUR), mediante una futura y más profunda integración de la CAN con el Mercosur?
A integração da CAN com o Mercosul tem a ver, em princípio, com a liberalização comercial recíproca, o que vem sendo feito já, mediante diferentes acordos plurilaterais e bilaterais no âmbito da ALADI ou diretamente entre os países membros e os dois blocos. Não há nenhum impedimento a que essa integração avance a ponto de se constituir, no futuro, um bloco mais coeso, dotado eventualmente de uma tarifa externa comum, o que a rigor transformaria a região numa zona de livre comércio unificada e numa união aduaneira em consolidação.
Já a Unasur se constitui num projeto mais vasto de consulta e coordenação política, podendo avançar em outras áreas, como a integração física – obras de infra-estrutura para transportes, comunicações, energia, hidrovias –, para políticas coordenadas e integradas em outras áreas – como segurança, luta contra o narcotráfico, cooperação na preservação e exploração sustentável dos recursos da biodiversidade sul-americana – até para uma eventual moeda comum, se for o caso, no futuro.
As bases disso já foram lançadas na primeira reunião de chefes de Estado da América do Sul, a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em Brasília, em agosto e setembro de 2000. Depois disso, houve nova reunião de cúpula no Equador, em 2002, e finalmente a constituição da CASA, Comunidade Sul-Americana de Nações, em Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004. A CASA fez uma reunião em Brasília, em 2006, e foi transformada em Unasul, na reunião de Isla Margarita, Venezuela, em janeiro de 2007.
Se ela é viável ou não, isso depende da capacidade dos países sul-americanos em transformar em realidade declarações presidenciais que até agora têm sido mais retóricas do que efetivas. O processo continua...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de setembro de 2007
Revisto: 6 de outubro de 2007