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sábado, 28 de maio de 2011
Politica Externa e Integracao: um questionario da Argentina (2007)
Vejamos se tem algo de útil ainda...
Política externa brasileira e integração sul-americana: um questionário da Argentina
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário colocado por estudante argentino de jornalismo.
Brasília, 6 de outubro de 2007
Passo grande parte do meu tempo “livre” – que já se pode imaginar não ser exatamente enorme – tentando responder a perguntas de estudantes, questões de todo o tipo, cor e sabor. São geralmente relativas à carreira diplomática – estudantes que dizem que sempre “tiveram o sonho” de um dia virem a ser diplomatas e que demonstram não estar minimamente preparados para sê-lo –, além de alguns “caras-de-pau” que estão obviamente à procura de alguém que lhes faça o trabalho escolar. Alguns têm a petulância de marcar hora de entrega: “o trabalho é urgente e eu tenho de terminar esta noite”. Suplicam o auxílio generoso de quem imaginam estar à disposição de estudantes desesperados (passavelmente preguiçosos ou, simplesmente, vagabundos).
Sou, em geral, paciente com os legitimamente curiosos – existem, de fato, jovens, ainda secundaristas, que “pretendem”, legitimamente, ser diplomatas – e bem menos leniente com os preguiçosos de nível universitário, que por vezes se deixam, entretanto, se enredar por aquela conversa anticapitalista ou antineoliberal de professores absolutamente incompetentes (e de má fé), que transferem a outros sua incapacidade de “provar” os “malefícios do neoliberalismo para o Brasil”. Geralmente não respondo a esse tipo de pedido de ajuda, mas fico refletindo sobre o quanto a universidade brasileira decaiu em termos relativos e absolutos nos últimos tempos.
Existe, no entanto, uma outra categoria de perguntadores oficiais, que são os jornalistas, alguns ainda estudantes, e que misturam ambas atividades nos seus questionamentos a mim: são mais os jornalistas aprendizes me escrevem, pois os profissionais geralmente telefonam já “em cima” de alguma matéria em curso. Dependendo do teor das perguntas e do próprio interesse que eu possa ter por elas, sou mais ou menos “telegráfico” em minhas respostas, ou então me dedico a elaborar comentários mais substanciosos sobre as questões colocadas.
Transcrevo abaixo um exemplo típico desse tipo de interação por e-mail, um “exchange” que me parece apresentar validade mais ampla do que a simples correspondência bilateral entre um perguntador e o escriba complacente. Fui mais elaborado nas respostas porque se tratava de um estrangeiro, razão pela qual minhas respostas talvez também interessem um círculo mais vasto de pessoas. Neste caso, foi um estudante de jornalismo da Argentina que, em 26 de agosto de 2007, me disse isto: “Le escribo porque estoy haciendo un trabajo para la Universidad sobre América del Sur.” Pois bem, talvez minhas respostas apresentem alguma validade nos planos histórico ou conceitual para outros interessados em questões sul-americanas, motivo pelo qual eu as transcrevo aqui.
Algum desses consultores em administração de tempo e negócios talvez me recomendasse começar a cobrar por assistência gratuita a estudantes carentes. Não creio que é o caso, mas preciso, de verdade, concentrar-me em tarefas mais urgentes. Em todo caso, compartilho algo do que aprendi ao longo de uma carreira de estudos e de muita leitura...
“Si puede responderme unas breves preguntas, me haría un gran favor. Desde ya muchas gracias.”
Questão 1:
¿Cuánto tiene que ver en la actual política exterior de Brasil el Barón de Río Branco?
Todos os “sucessores” do Barão – e todos os chanceleres gostariam de ser vistos como tal – procuram, sempre, colocar sua gestão na linha política do Barão, visto como o “pai fundador” da moderna diplomacia brasileira e como exemplo de equilíbrio e pragmatismo no tratamento dos grandes temas da agenda diplomática brasileira. O Barão converteu-se em modelo paradigmático de como deveria ser um diplomata brasileiro e de como deveria ser orientada a diplomacia prática do Brasil, em função dos seus interesses nacionais.
Neste sentido, o Barão converteu-se, alegoricamente falando, num superlativo conceitual, ou seja, sua imagem é mais importante do que sua contribuição efetiva para o estabelecimento de diretrizes para a diplomacia brasileira, hoje, tanto porque o mundo contemporâneo apresenta outros desafios do aqueles colocados, um século atrás, ao Barão do Rio Branco.
No plano mais geral das grandes diretrizes da diplomacia brasileira, ou sua “filosofia diplomática”, digamos assim, é óbvio que a diplomacia atual conserva uma “filiação genética” com idéias e princípios enunciados pelo Barão. No plano mais prático, porém, é óbvio que os atuais encarregados da diplomacia – e todos os “sucessores” do Barão ao longo do tempo – não vão ficar se perguntando o que faria o Barão em circunstâncias similares, não vão buscar nos registros históricos exemplos de precedentes eventualmente similares que os poderiam guiar no tratamento de uma determinada questão. Parece-me que eles buscam, mais exatamente, atuar em função de critérios essencialmente pragmáticos, submetidos às pressões do momento, ao lobby dos grupos de interesse que se movimentam junto à chancelaria (ou até a presidência da República), ou em função de sua própria “filosofia política”, em torno de uma questão concreta que se refere a interesses de grupos determinados, bem mais, talvez, do que em função dos interesses mais gerais do Brasil como nação.
Alguns princípios gerais, dos tempos do Barão – e não apenas formulados diretamente por ele –, continuam válidos ainda hoje, como podem ser, por exemplo: a busca de excelentes relações políticas e de cooperação ativa com os vizinhos sul-americanos; a manutenção de um equilíbrio nas relações com as grandes potências (Europa e EUA, basicamente); a afirmação da força do direito sobre o direito da força; a busca de soluções eminentemente pacíficas para controvérsias, mas apoiada, se necessário, em forças armadas apropriadas, tudo isso faz parte do que se pode chamar de “legado do Barão” que ainda hoje é observado no universo “mental” e na prática da diplomacia brasileira.
Mas, não creio, pessoalmente, que esses princípios gerais, ainda válidos, repito, constituam um “guia para a ação” em casos concretos que se apresentam, diariamente talvez, na agenda da diplomacia brasileira.
Em resumo, o Barão permanece como uma referência indispensável, quase um “mito” da diplomacia brasileira, mas é preciso relativizar seu papel do ponto de vista de uma agenda concreta de problemas diplomáticos do tempo presente. Sua maior validade, talvez, se situe, precisamente no âmbito sul-americano e nas relações com a Argentina. Cabe, a esse propósito, lembrar que foi o Barão quem propôs a primeira fórmula de um “pacto ABC”, uma associação estreita entre Argentina, Brasil e Chile, toda ela voltada para a cooperação, o desarme dos espíritos (e, talvez, o desarmamento ativo), a intensificação de laços de toda ordem, o que poderia prenunciar os esforços de integração dos tempos presentes.
Questão 2:
¿Es posible imaginar que el biocombustible de Brasil se llegue a complementar con el petróleo de Venezuela de una manera armónica?
Não haveria nenhuma objeção de princípio, seja no terreno técnico, seja no campo puramente econômico, para uma oposição entre combustíveis fósseis – como podem ser o petróleo, o carvão, o gás natural – e os chamados biocombustíveis – etanol, biodiesel e formas variadas de combustíveis verdes, ou renováveis. Todos eles podem ser complementares e inclusive serem integrados na mesma matriz energética, como de fato já ocorre no Brasil desde muito tempo, com a complementação da gasolina comum de petróleo por álcool de cana-de-açúcar, ou o puro combustível etanol, mais ainda com os atuais motores flex, que consomem indistintamente um ou outro combustível.
Muita da suposta oposição entre esses combustíveis foi criada de maneira totalmente superficial, e eu diria até de forma irresponsável, por alguns dirigentes políticos que pretendiam “protestar” contra o álcool a partir de milho, o que conduziria, supostamente, ao encarecimento dos produtos alimentares e até, hipoteticamente, à falta de alimentos. Não há, absolutamente, nenhum fundamento científico ou sequer econômico a esse tipo de afirmação, feita de maneira espetacular por Fidel Castro, por exemplo, condenando o álcool americano de milho, afirmação que foi depois repetida por alguns outros dirigentes na região.
Existe, obviamente, uma relação de mercado entre a utilização de fatores de produção e seu preço final, assim como existe uma relação de custo entre os diferentes insumos utilizados para a fabricação de álcool. O álcool de milho, por exemplo, é muito menos “produtivo” do que o equivalente de cana-de-açúcar, necessitando, portanto, de subsídios para ter um preço de mercado compatível com a possível oferta de álcool de cana-de-açúcar.
Tanto não existe oposição entre combustíveis fósseis e renováveis que a Venezuela já está importando etanol brasileiro, a partir da cana-açúcar, em quantidades crescentes.
Questão 3:
¿Es viable la Unión de Naciones Sudamericanas (UNASUR), mediante una futura y más profunda integración de la CAN con el Mercosur?
A integração da CAN com o Mercosul tem a ver, em princípio, com a liberalização comercial recíproca, o que vem sendo feito já, mediante diferentes acordos plurilaterais e bilaterais no âmbito da ALADI ou diretamente entre os países membros e os dois blocos. Não há nenhum impedimento a que essa integração avance a ponto de se constituir, no futuro, um bloco mais coeso, dotado eventualmente de uma tarifa externa comum, o que a rigor transformaria a região numa zona de livre comércio unificada e numa união aduaneira em consolidação.
Já a Unasur se constitui num projeto mais vasto de consulta e coordenação política, podendo avançar em outras áreas, como a integração física – obras de infra-estrutura para transportes, comunicações, energia, hidrovias –, para políticas coordenadas e integradas em outras áreas – como segurança, luta contra o narcotráfico, cooperação na preservação e exploração sustentável dos recursos da biodiversidade sul-americana – até para uma eventual moeda comum, se for o caso, no futuro.
As bases disso já foram lançadas na primeira reunião de chefes de Estado da América do Sul, a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em Brasília, em agosto e setembro de 2000. Depois disso, houve nova reunião de cúpula no Equador, em 2002, e finalmente a constituição da CASA, Comunidade Sul-Americana de Nações, em Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004. A CASA fez uma reunião em Brasília, em 2006, e foi transformada em Unasul, na reunião de Isla Margarita, Venezuela, em janeiro de 2007.
Se ela é viável ou não, isso depende da capacidade dos países sul-americanos em transformar em realidade declarações presidenciais que até agora têm sido mais retóricas do que efetivas. O processo continua...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de setembro de 2007
Revisto: 6 de outubro de 2007
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